sexta-feira, 24 de abril de 2020

Para a História Psico-Espiritual dos Livros e do Amor a eles e seus Autores.

A arte de chegarmos à alma dos livros, de amarmos os livros com resultados valiosos, para além de lermos e gostarmos deles, requer uma aprendizagem amorosa persistente, sacrificial por vezes, e momentos de maior aproximação e investigação, unidade e desvendação.
                          

Conversando há tempos com o Nuno Franco e a Filipa sua mulher, na sua simpática mas pequena livraria (Alexandria) para a quantidade de livros que está constantemente a adquirir no caudaloso rio da circulação dos livros em segunda ou muitas mais mãos, a propósito de um artigo raro de Mário de Sá Carneiro publicado numa revista em 1912, disse-me ele que conhecia quem poderia estar interessado nele, e falámos um pouco da bibliofilia que animava esse amigo e outro, e das cosmovisões literário-bibliófilas que tinham, um deles lendo bem alemão e coleccionando as edições originais de Mishima.
Ora este amigo, o Jorge, entrevistado há tempos sobre o que era um verdadeiro coleccionador de livros, respondeu que era aquele capaz de ir até às últimas consequências, ou seja, tentar adquirir as obras nas suas edições originais e se possível assinadas pelos autores por neles estarem o máximo da energia dos escritores, pagando o que tivesse que ser.
Bem, disse eu, levar as suas últimas consequência, para mim, seria estar disposto a morrer pelo livro. Ou então amá-lo com a intensidade com que se ama um outro ser, ou uma mulher com quem nos fundimos.
Claro, penso agora, olhando para as centenas de livros que estão na minha grande estante, quantos é que eu poderei verdadeiramente amar com grande osmose qualitativa, de tal modo que eu pudesse dizer: - Amo mesmo este livro plenamente, por isto e aquilo? Poucos. E morrer por eles ? Nenhum...
Mas se o morrer não for pelo livro físico, mas pelas ideias e ideais que representa?
Bem, neste caso certamente que alguns de nós conseguirão não se vender nem corromper e perante a ameaça da morte morrerão pelas suas ideias e eventualmente tendo na cabeça ou no coração alguns autores ou livros.

                                      

Seria bem valioso investigarem-se algumas mortes, fuzilamentos e mártires de qualquer espécie e religião (em cima, o místico não-dualista Hallaj, de quem Louis Massignon publicou o seu intensíssimo Diwan, aqui em corpo-poema de paixão e sangue), e conseguir-se retratarem-se os últimos pensamentos e imagens que neles se originaram Talvez se discernissem os seres e livros mais inspiradores em tais momentos. Uma ideia original, penso, que daria até para um instrutivo filme (clarividente...) acerca dos grandes auxiliares no momento da morte, os passadores ou psicopompos da história da Humanidade, desde Hórus e Anubis, a Orfeu e Hermes, até chegarmos a Krishna, Jesus e Nossa Senhora da Boa Morte. 

Há contudo algumas obras religiosas que já realizaram bastante isto, ao desenharem a morte, seja de santos e a verem já quem do mundo espiritual os acolhe, seja sobretudo de missionários cristãos na saga dos Descobrimentos, proferindo os nomes invocados, tal como podemos ver na seguinte gravura, em que um missionário ocidental exclama ao ser trespassado como mantra de amor e destino, "Jesus Maria", título até de um ou outro livrinho devocional ou de jaculatória e que para um cristão tinha quase tudo ao incluir a a polaridade masculina feminina do divino.

                                       

Partilhei no diálogo algumas reflexões sobre a energia dos livros, e como é bem diferente lermos um livro feito há 100 ou mais anos de que o exemplar reeditado nos nossos dias. Ou ainda, como cada ser que lê o livro deixa certas energias que se adicionam ao campo energético-informativo que o rodeia ou mesmo constitui...
Entramos aqui no cerne de uma questão escassamente investigada ou debatida, mesmo pelos poucos bibliófilos espirituais: - Os livros têm alma, têm energias, que até, por exemplo, quando ele arde, se desprendem?
Uma questão bem complexa, que nos pode levar às várias Inquisições e queimas de livros ao longo da história, com o que foi sentido e criticado na época (e que deu origem no Renascimento às fabulosas Cartas dos Varões Obscuros, de Ulrich van Hutten, às quais se atribuiu a co-autoria a Erasmo) e não é por acaso que ainda hoje no meu emprego de catalogador de livros descrevi resumidamente para o catálogo de um leilão a reimpressão dos Opúsculos contra o Santo Ofício, escritos no séc. XVIII pelo Cavaleiro de Oliveira, um autor que foi tanto libertino, quanto livre pensador mas que no fim acabou em protestante exaltado. 

Ora como há pouco seres clarividentes que consigam ver a energia contida nos livros e que eventualmente emana deles e que eventualmente sai ou volatiliza-se definitivamente quando ardem, o que poderemos utilizar para dar uma imagem de tal fenómeno?
Será vermos a amplitude do pêndulo face a cada livro, ou tentar medir com aparelhos tipo Kirlian, ou ainda tentar com sorte fotografar algo de mais subtil que irradie deles?
Vejamos uma fotografia tirada por mim há pouco tempo:
                                  
Claro que se pode dizer que é apenas uma distorção mecânica e assim é de facto, mas o que podemos com a imagem aprender é a desfocarmo-nos também da excessiva fixação nas formas precisas que o olhar capta e antes vermos, intuirmos ou sentirmos mais o movimento das partículas e ondas que sabemos constituírem o universo, tanto material dos livros como anímico e espiritual, com o famoso mistério da consciência de si e em si (que parece ser derivada do cerne do Divino em nós), em acção de observar...
Se conseguirmos entrar ou saltar para os níveis mais interiores, finos e subtis da consciência, certamente   dependentes do estado corporal e cerebral em que estamos, e  das emoções e sentimentos que nos perpassam ou autorizamos ou mesmo cultivamos, assim se densifica ou resplandesce a consciência em si, o espírito em nós e logo variando a capacidade menor ou maior de percepção nos planos subtis dos seres e das coisas, nomeadamente dos livros e dos seus conteúdos.
Claro que a investigação da consciência é uma demanda em aberto, não se fechará nunca, dada a irredutibilidade da subjectividade de cada um, o que afecta ou condiciona a consciência pura, já que cada um só pode sentir-se a si mesmo e de acordo com a energia, atenção, inteligência e amor a que se devota a tal função ou prática.
E será só a partir desta unificação próxima do cerne de nós próprios é que podemos chegar ao cerne dos outros, nomeadamente das coisas e dos livros, se neles nos concentramos e unificarmos na medida correcta..
Esta individualidade impenetrável e quase inacessível do centro da consciência é inegavelmente uma pedra de tropeço nas pessoas mais mecanicistas e materialistas, pois se fossem apenas átomos e  ligações entre zonas do cérebro por neuro-transmissões a criarem a noção de consciência de si, então esse eu não teria a continuidade e profundidade que apresenta em nós, nem sequer haveria tantos segredos no inconsciente, fermentações e metamorfoses em espelhos, paramentos ou corpo subtis de um eu-consciência com múltiplas subconsciências bem patentes em sonhos e visões...

Mas voltemos às imagens dos livros, desfocadas que sejam, mas que possam sensibilizar o nosso ser para percepções mais subtis:
                          
Estarão os livros sempre a emanar energias, partículas, sinais subtis do seu conteúdo, melhor ou mais verdadeiro, e estado material, neste último caso podendo dizer-se que um volume com o papel a desfazer-se apresenta uma irradiação muito menor ou menos luminosa que outra? Ou será que é o seu conteúdo que importa ou vale mais
Deveremos então distinguir entre as fontes físicas e as psíquicas dessas energias, ou a intuição segue um todo e escolhe por essa percepção subtil?
Posso eu olhar para uma prateleira e sintonizar com o livro e discernir o que envia ou irradia mais energias de cada um dos níveis, ou antes a percepção é mais unificada e geral? 
Talvez no nível físico um grande bibliotecário possa, olhando para cada encadernação,  discernir a que está a precisar de creme na pele ou mesmo intuir a que "geme" interiormente, pedindo ar, limpeza ou mesmo restauro nas folhas. 
No entanto, normalmente, o mais importante será no nível psíquico intuirmos o que tem melhores informações e energias, ou seja mais apropriadas  e, logo, mais visíveis ou perceptíveis.
Quanto tempo é que deveremos contemplar a prateleira até podermos intuir o livro que devemos buscar e abrir, e assim desempenharmos bem a função de biblioterapeutas, seres capazes de curaram males da alma e do corpo, da ignorância ao desânimo, seja nossos sejam dos que visitam a nossa biblioteca ou livraria?
Bem, não há medidas de tempo, mas na minha experiência por mais de uma vez acordando, fazendo algumas leves harmonizações ainda deitado, fixo os olhos mais demoradamente numa prateleira até discernir que livro palpita, estremece em reverberações de pontos luminosos, e levanto-me vou direito a ele e tem sido sempre altamente apropriado e significativo, com histórias mirabolantes...
                            
Outra hipótese, ao contrário no curso do Sol, será ao deitar, pegar em alguns livros, observá-los, lermos algo de cada um , até chegarmos ao que nos faça dizer "é este".
E é este que vou levar da estante, para ainda ler, anotar ou partilhar, ou finalmente dormir com ele ao lado da cabeça ou do coração, quem sabe sonhando ou viajando com o que da alma dele se exalar...
Não é muito difícil então pelo menos irmos diariamente ao adormecer comungar mais com um livro, que folheamos ou lemos alguns minutos e depois já de olhos fechados pensamos ou meditamos nele, para por fim entrarmos na noite imensa, quem sabe se navegando nesse barco-livro no grande oceano da existência, do amor e da sabedoria.
 Todavia, o que recomendo mais no aspecto de discernirmos mesmo o livro que da estante mais nos chama, ou mais vibra, será essa prática de manhã ao acordarmos ou pouco depois, ou então de noite com pouca luz, quando a palpitação da estrutura etérica ou subtil do universo e das coisas, livros e pinturas se nos torna mais perceptível ao nosso olhar.
Mas, certamente pode-se pôr em causa, e com razões, se será esse livro o que mais energias têm ou emana. Na realidade, também eu penso  que é mais aquele que ora por certos factores pulsa mais ora porque é mesmo o mais apropriado a nós, e portanto é investido dessa palpitação e luminosidade por tal relação pessoal, quem sabe o nosso próprio olhar psíquico investindo-o de tal..
  Na realidade se é o livro que palpita e irradia mais por si, ou se somos nós que o intensificamos, seja inconscientemente, seja  conscientemente mas pelo tal cerne de nós próprios ou espírito que nos escapa em grande parte, isso fica à consideração dos leitores, acrescentando ainda outra causalidade possível  é a da participação subtil inspiradora dos autores dos livros dentro dá comunhão no Corpo místico da Humanidade, também denominado Campo unificado de energia, informação consciência em que estamos todos interligados e que portanto sintoniza, ressoa, vibra relacionalmente connosco...
Boas inspirações e comunhões com os livros, autores e sua sabedoria perene, rumo ao espírito, ao corpo místico da Humanidade e à Divindade, para que o planeta melhore as suas condições de vida para todos!

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Dia Mundial do Livro de 2020. Recomendações: "Evocando Fernando Pessoa", "Da Alma ao Espirito" e bons autores portugueses que conheci.

                                           Dia Mundial do Livro de 2020.
I. - Breve reflexão sobre os livros e suas almas, estas que poderemos explicitar como as energias subtis com que eles foram gerados mais as  acumuladas ao longo do seu percurso de vida, em geral bem maior que o do ser humano e que têm várias fontes ou proveniências, desde a intencionalidade de quem as gerou psiquicamente até às dos seus leitores-manuseadores, as quais se depositam nos livros com maior ou menor intensidade, ainda que tal nos escape quase completamente, apenas podendo supor-se ou sentir-se algo pelas anotações ou dedicatórias mais sentidas ou assinaladas. Ou ainda que seja, por uma aura indefinida que vive subtilmente nos livros e que se acrescenta à nossa estante, biblioteca ou casa. Ou mesmo à nossa alma, impulsionando-nos para novas modos ou dinamismos de ser e  agir, manifestando-se até nos sonhos ou gerando compreensões mais inspiradas...

Saibamos nós cultivar livros já com história, ou mesmo assinados, anotados, seja por nós ou outros, por vezes dialogando mesmo de novo.  Ou saibamos ainda volta e meia olhar para trás interiormente e lembrar-nos de alguns livros que mais nos impressionaram...
                                 
II - O texto que fotografámos, na última página de um livro editado nos anos 50, produto de uma mentalidade não só de exclusivismo comercial mas também de insensibilidade anímica e cultural, mereceria ser acrescentado ironicamente nessa sua carga: «Defenda a sua virgindade não lendo livros já tocados ou quem sabe influenciados por anteriores leitores, não importando a qualidade das suas anotações visíveis ou invisíveis... Mantenha-se dependente só do que é proposto pelas editoras actuais.... Esqueça-se dos livros antigos, esgotados ou raros e da sua sabedoria...»

Vá lá que o novel corona vírus não tem muitas apetecências culturais e não se fixa nos livros durante algum tempo, senão os livreiros alfarrabistas teriam mais dificuldades em prosseguir a sua nobre missão de transmissores de cultura e de livros já invulgares, raros ou até muito demandados. Mesmo assim as medidas parvas (de parvulas, pequenas) de alguns confinamentos e políticos nem as livrarias deixaram estar abertas diminuindo esse aprivisionamento psíqioco, que contudo a internet em grande medida esbate...
E quem sabe se de novo a mesma frase da fotografia «Defenda sua saúde, não lendo livros usados», não será afixada pelo Amazon ou outros tubarões editoriais como slogan nas capas ou contracapas do livros cor-de-rosa, ou dos trillers de lixo, que tanto ocupam o espaço mental das pessoas onde, ao contrário do que se diz, o saber ocupa lugar. Basta ver quantas pessoa quase se esgotam ao fazer teses, inúteis ou não. E quando o livro é mesmo mau, então rouba mesmo tempo, além de diminuir o discernimento, já tão fragilizado pela lavagem ao cérebro e ataque aos sistema imunitário das notícias televisivas ou radiofónicas. Um bom texto foca o leitor mais na sua ess~encia e na sua melhor caapacidade de compreensão, de Logos.
Seleccione bem ou crie mesmo as suas fontes de informação pessoais. Seja bem criterioso no que lê, ouve ou vê e no que resultará disso...
                                     
III - A Tradição Espiritual e Cultural Portuguesa, que vai passando de uns aos outros pela alma, a voz, o contacto e finalmente o livro, está bem patente nesta recolha de artigos de Francisco Peixoto Bourbon que, depois de ter convivido com Fernando Pessoa nos anos trinta, resolvera nos anos 70 e 80 começar a publicar as suas memórias pessoanas em vários jornais de província. Ainda o conheci e visitei nas terras de Basto, pois era amigo de meu pai e de primos, hospedando-me mesmo na sua simpática casa. Correspondemo-nos bastante, conservando eu inúmeras cartas (com a sua letra difícil, mas que deveria mesmo assim  publicar...) e numerosos recortes de artigos pessoanos que redigia, pelo que é agradável ver alguns dos seus artigos saídos da efemeridade dos jornais, no caso o Eco de Estremoz, para um corpo mais resistente, o livro Evocando Fernando Pessoa, organizado
e prefaciado por um amigo e investigador pessoano bem inquiridor, o José Barreto, que agradece à sua filha Mafalda Bourbon, uma amiga que bem conheço, a gentileza da autorização de publicação.
Um livro a ler-se pelos pessoanos e não só...
III - Recomendar um livro escrito por si próprio, depois dos livros de alfarrabistas e de amigos, é desculpável, pois a fraternidade dos amantes de livros e sua sabedoria é plena de poesia e comunhão e, neste dia Mundial do Livro, porque não ampliarmos também a aura de algum dos nossos tão perdidos ou desapercebidos filhos e suscitarmos nos corpos e almas de pessoas distantes mais algumas aspirações luminosas?
Tal como no de Peixoto Bourbon organizado pelo José Barreto, também neste corre uma transmissão da tradição cultural e até mais espiritual, e já não só portuguesa mas também oriental,  derivada das minhas leituras, viagens, contactos, diálogos, meditações, iniciações e realizações.
                                
Está constituído por 33 capítulos ou textos, alguns que já publicara na net, outros que guardava em papel e outros escritos para o livro, sem qualquer aparato de notas ou bibliografia, sem citações de outros a não ser uma outra frase daquelas que levamos de cor, ou seja no coração e para o além, quais lamelas espirituais no peito dos órficos gregos ou os pequenos papiros egípcios de orações para a entrada luminosa no além.
 Da Alma ao Espírito se chama, um título bem ambicioso, nalguns capítulos mais original ou conseguido, e que recebeu poucos  retornos estimuladores, mas já sabemos que é assim, para aprendermos sentidamente o famoso ensinamento da Bhagavad Gita, 2.47, tens direito à acção, mas não aos seus resultados, bem difícil de se realizar, e que entre nós Antero de Quental foi dos escritores quem mais o valorizou, sobretudo no aspecto de sairmos do nosso egoísmo e entrarmos mais numa dimensão do Bem suprapessoal, pelo que fica-me bem a mim que sou de alguns modos um anteriano tal licção...
Desta Alma ao Espírito há no blogue e no youtube, conferências, diálogos, escritos e transcrições disponíveis.  Embora já tenha tido três edições melhoradas e ampliadas saíram apenas ao todo 500 exemplares, havendo ainda alguns, seja nas Publicações Maitreya, no Porto, da amiga Elisa Flora, seja comigo em Lisboa. Quanto à capa é mesmo bela, graças a uma fotografia da amiga e notável fotógrafa Alice Batista, tirada sob o olhar anímico ou em aspiração de sua filha Cristina. 
Neste Da Alma ao Espírito  será o Espírito, esse grande mistério do ser humano e da Divindade, tão pouco ainda consciencializado nas pessoas, a meta ou fim  para onde se encaminham os vários  capítulos, pelo menos nos ensinamentos para a alma estar mais harmonizada com o que a rodeia e mais alinhada com a centelha espiritual. 
São contributos acerca do que podemos fazer, pensar, sentir, meditar, amar, com a alma, para nos aproximarmos do espírito, para  o começarmos a consciencializar e a ver ou sentir volta e meia, eventualmente, nuns momentos, pois tal é na realidade e quotidiano consciencial a nossa identificação excessiva a uma personalidade horizontal e social e a um corpo instintivo ou animal que fatalmente se gera uma distância em relação à profundidade e qualidade do Espírito.
Continuar a investigar e a vivenciar mais tais relações harmoniosas e o Espírito  e eventualmente surgir um livro esclarecedor e instrutivo sobre ele, e que não seja mais intelectualizações, imaginações, fantasias, mistificações, papagueamentos e enganos, como tanto abundam nos livros da Nova Era,  nas canalizações ou na esoterice portuguesa, é certamente um dos desafios que existem em Portugal e que alguns de nós de certo modo terão e poderão tentar, caso a Ordem do Universo, ou o Mundo Espiritual, o consinta ou mesmo o queira... 
                                                
IV- Para finalizar, partilhemos  fotografias de livros de três autores  com quem tenho mais ligação afectiva e espiritual: entre os portugueses Antero de Quental  e Fernando Pessoa e entre os estrangeiros o alemão Bô Yin Râ (bem difícil de traduzir, para quem sabe pouco alemão...), os três sendo na verdade aqueles a quem consagrei mais tempo, labor e amor, embora Erasmo, Marsilio Ficino e Pitágoras sejam também outros três seres ou fontes de ensinamentos que bem trabalhei...
Talvez deva referir neste Dia Mundial do Livro de 2020 com tanto confinamento, também quatro outros seres portugueses com quem dialoguei bastante e cujos livros são valiosos, e logo bem dinamizadores ou espiritualizantes: Dalila Pereira da Costa, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva e Pina Martins, este mais sobre o Humanismo e a Utopia....
Possamos nós nesta época de mudança, ainda de contornos pouco precisos, em que se celebra o Dia Mundial do Livro de 2020 continuarmos firmes na ligação (ou persistente religação) ao Espírito, aos antepassados, inspiradores, Mestres, Anjos e Divindade, na comunhão dos livros e de outras formas de comunicação do Logos, Inteligência e Amor, que nos une, fortifica e dignifica...

Dia do Livro de 2020. Reflexões sobre a bibliofilia e a biblioterapia em Fernando Pereira Tomás.

 Um dos aspectos mais valiosos ou fascinantes do livro, e em especial nestes tempos modernos em que estão a ser postos em causa pela leitura crescente pela internet, reside tanto na sua beleza como na sua durabilidade, quase perenidade, pois embora aparentemente frágeis, e por isso protegidos até por encadernações mais ou menos belas ou sólidas, resistem às vidas de sucessivos possuidores, que vão deixando-os para outros, seja algo vencidos seja desprendidos e felizes, com todo o enriquecimento realizado.
Com efeito, tal como a encadernação, também a preservação, o adicionamento de recortes de jornais, de marcas de posse e ex-libris, de sublinhados e anotações, valorizam bastante o livro tanto na sua materialidade como na sua alma e história subtil, que as entrelinhas e margens desvendam mais ainda quando estão bem anotados e permitem por essa  marginália um enriquecimento da tradição cultural e espiritual a que esse livro e seus leitores estão associados.
Faço esta reflexão ao findar de um dia do inverno, quando estive a ajudar um livreiro amigo a "limpar" numa casa a biblioteca de um comum amigo, bancário, licenciado, sociólogo, e bibliófilo, nomeadamente pelo seu incessante amor aos autores que coleccionava, aos temas que estudava e ao estado de conservação das obras, partido agora para a outra margem da vida, tendo os dois filhos,  em homenagem ao seu amor aos livros, juntado ao seu corpo físico já exangue um exemplar dos Lusíadas de Camões, que ele amava e que assim ardeu ao mesmo tempo que os despojos mortais do pai bibliófilo.
Deixou ele, após ter vendido anteriormente em leilão os principais, ainda assim algumas centenas de livros para chegarem a novos donos e de preferência leitores, o que nem sempre é fácil, sobretudo quando muita da obra é em francês, ou de autores e assuntos menos em voga...
Orei por ele no seu apartamento em Algés, onde o visitara algumas vezes, embora ele fosse mais frequentador e dialogante nos alfarrabistas da Calçada do Combro (nomeadamente da Eclética e da Antiquária do Calhariz), enquanto agradecia poder comprar a um preço modesto várias obras, para ler,  dar e eventualmente algumas vender.
Os milhares de livros que ele leu, e que foi comprando e vendendo,  nestas actividades conviviais prolongando a biblioterapia da leitura,  servir-lhe-ão também para a sua vida no além, eis uma questão que ponho, tendo várias vezes discutido-dialogado com ele, algo agnóstico e reticente às minhas transmissões espiritualizantes.
 Ou será melhor dizermos que ele serviram mais para os seus estudos e gostos em vida, e para melhorar a sua qualidade ética e mental, já que embora forte intelectualmente, culto na literatura francesa, russa e portuguesa, na filosofia e na sociologia das religiões e dos costumes, tradutor mesmo de uma obra grande sobre a história das religiões (para a qual se documentou bem, tendo a colecção Mythes et Religions quase completa e que me vendeu já no fim da vida), apesar de tudo  isso não acreditava em Deus, nem no espírito nem na vida post-mortem, mesmo com as nossas animadas discussões enquanto eu ajudava as catalogações do José Manuel Rodrigues e da sua filha Catarina, da livraria do Calhariz, ao elevador da Glória. Teremos então de ser agora nós a enviar-lhe algumas energias em orações, meditações e lembranças...
« - Desperta, és um espírito imortal, abre-te aos seres espirituais, avança para a Divindade.
- Consigas tu, ó Tomás, despertar a tua alma do semi-sono da ignorância, pois és um espírito imortal e com um corpo espiritual...
 - Possam os melhores ensinamentos que leste e traduziste da história das religiões virem ao de cima como luzes na tua alma e possa algum dos fundadores ou mestres das religiões e tradições derramar uns raios de luz divina na tua alma, contribuindo para o teu despertar e avançar nos planos subtis do Universo.»
De qualquer modo, os livros que vamos lendo, se bem sentidos e assimilados, deixam sementes e frutos na vida post-mortem. Todos nós iremos um dia partir, levaremos consciente ou inconscientemente algumas destilações do que lemos;  e deixaremos de algum modo para os outros  tais instrumentos de saber e cultura, de beleza e realização espiritual. 
Assim, saibamos trabalhá-los bem enquanto dura a luz do dia, antes que sejamos arrebatados e lamentemos não ter realizado o principal, ou lido os que mais gostaríamos ou partilhados os mais importantes, estabelecendo-se quem sabe boas ligações perenes...
Possa esta breve homenagem aos livros e ao intelectual, investigador e  coleccionador Fernando Pereira Tomás, concluída hoje 23-IV-2020, #DiaMundialdoLivro 2020, inspirá-lo, ajudá-lo, iluminá-lo.
 E a nós de seguirmos o conselho perene de um autor que o Tomás apreciava bastante, tendo-o encadernado bem em muitas das suas obras, como vemos na imagem. Ei-lo, um mantra de Antero de Quental e nosso e, no fundo, também da essência dos livros: «um contínuo impulso para a verdade e o bem»...

domingo, 19 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (9ª p. fim), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota

Nesta 9ª e última leitura comentada d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, finalizada em 1951 pouco antes de partir da Terra e de certo modo o seu testamento ideológico, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se definia paradoxalmente, certamente marcado pela sua incursão como originalíssimo biógrafo histórico-filosófico-religioso de S. Paulo, S. Agostinho e S. Jerónimo) abordamos os aforismos LIII a LX, oito aforismos finais verdadeiramente  ricos  de jogos de opostos e de analogias e intuições fecundas. Escolher dois ou três para transcrevermos não é fácil, e vamos assim resumi-los brevemente, intercalando os três.
 No aforismo LIII fala da sublimação do desejo, da sexualidade e como por tal actividade geramos outros filhos psíquicos, criações literárias, que são irmãos das nossas ideias e sentimentos. São fantasmas ou espectros que podemos ver interiormente e seriam as últimas formas de vida ou já próximas da Divindade. Há nisto um exagero mitificante, porque os mais próximos de Deus serão os espíritos celestiais mais elevados, e nos humanos os mestres, grandes seres, santos e santas. 
Estas personagens literárias são mais como arquétipos, ou podem estar associadas a arquétipos ou modelos psicológicos, de tal modo que podem funcionar nas psiques e nos sonhos, ao consubstanciarem qualidades que assim podem aparecer em visões e sonhos para advertir ou fortalecer as pessoas.
Podemos pensar que como criador literário, admitisse que o seu Marânus e Eleonor chegassem a tal imortalidade, tal como Hamlet e Ofélia, ou mesmo Simão e Mariana (não a Alcoforado...), personagens criadas por Camilo Castelo Branco no Amor de Perdição. Esperanças ou ilusões desvanecidas com a crescente transitoriedade ou efemeridade dos autores e obras no século XXI, embora possamos admitir que um camiliano possa sonhar com Simão e Mariana ou um pessoano com Alberto Caeiro, embora creia que seja raríssimo e bem difícil.
No fim há uma crítica à secura e intelectualismo escolástico, na sua materialização e simplificação esquemática do aristotelismos pois, como. diz cada vez mais a importância e riqueza seja da imaginação seja da alma são reconhecidas como determinantes da percepção da realidade. Oiçamo-lo:
«Ó Santa Teresa! Ó saudosa de Deus! Mas a saudade é o desejo sem posse! É a tragédia do Desejo insatisfeito, que se torna espiritualmente fecundo. Satisfeito, gera animais da nossa espécie; insatisfeito, gera fantásticos filhos, em que a Humanidade se continua idealmente, - um Orestes e Efigénia, um Hamlet e Ofélia, um Dom Quixote e Dulcineia, um Simão e Mariana...
Irmãos das nossas ideias e sentimentos, representando o Reino Psíquico, além do Bio, são as últimas formas da vida ou já próximas da Divindade, mas ainda sensíveis ou reais, porque se fixam na memória, como qualquer árvore ou penedo. E, se sonharmos com o Dom Quixote, vemo-lo com os nossos olhos, que tanto olham para fora como para dentro; tanto abrangem o panorama objectivo como o subjectivo, ou o dos animais e o dos fantasmas. E quem distingue, depois dos escolásticos, entre si mesmo e o seu espectro?»
                                         
                   Um D. Quixote de la Mancha, muito segundo a visão de Teixeira de Pascoaes
No LIV, limitando demais os seres espirituais a criações subjectivas psíquicas ou mesmo cerebrais, considera que Deus será o mais alto da escala psique, na sua inefável transcendência, na ideia que não podemos ter dele qualquer imagem dele, a qual seria pagã, num sentido algo negativo. Penso que está a criticar também as imagens de Deus que fizemos, inclusive a do Pai. Contudo Pascoaes vai longe de mais no sua iconoclastia pois eu penso que apesar da sua transcendência e infinidade a Divindade pode manifestar-se em imagens nas psiques humanas que a procuram correctamente e amam, ou seja pode mostrar proporcionalmente à dimensão humana a sua luz esplendorosa, o seu amor, ou as suas faces de deuses ou deusas conforme a crença do seu adorador perseverante.
Oiça-mo-lo: «Entre os seres espirituais que tem, como paisagem habitável, o nosso crânio, essa esfera, onde os fenómenos vivos são interiores, e não exteriores como na esfera terráquea; e tem, na Arte, a galeria dos seus retratos, esse Museu do Prado, atarantado pela Fealdade do Goya, tão sublime como a Beleza de Rafael, Deus ocupa, é claro, o mais alto da escala psíquica. E é Ele, no mais longínquo da sua inefável transcendência, reflectido em nossa alma. E é ele na ideia que não fazemos ainda do seu ser, e não na sua imagem impossível, que de resto, as imagens são pagãs: Deuses imaginários só os da Fábula.» Aqui Pascoaes falha quanto à admissão da possibilidade das teofanias da Divindade em deuses pagãos ou hindus...
                                         
                            Platão e Aristóteles, ou a Academia de Atenas, por Rafael
No LV repete a linha bíblica de Adão humanizador e do Jesus redentor como os modelos pelos quais nos devemos esculpir e declara tanto o helenismo como o judaísmo como sendo pré-cristãos, incompletos, incapazes de nos ajudarem a convergir no divino sem o amor manifestado por Jesus.
No LVI valoriza de novo a dualidade, sem o mal o bem não poderia surgir, por vezes mesmo miraculosamente, quando por exemplo o perseguidor fanático anti-cristão Saúl (na estrada de Damasco, capital da Síria, hoje graças ao apoio russo e iraniano finalmente quase liberta dos terroristas lançados e apoiados pela USA, Arábia Saudita, Israel, Turquia e União Europeia), se torna o apóstolo das gentes, quase que o fundador do catolicismo e que Pascoes tanto estudou, amou e biografou.
No LVII irrompe de novo a sua caracterização algo irónica ou provocante da realidade com alguma verdade:«Vivamos, enfim, no: Faça-se a luz! e no Amai-vos uns aos outros! Faça-se a luz é o grito do anarquista. Amai-vos uns aos outros».
                                         
No LVIII voltamos de novo a Paulo, apóstolo de Jesus embora a dualidade seja mitigada, pois admite no fundo que o helenismo represente a luz da verdade e a beleza, enquanto o cristianismo seria o calor da verdade ou a Bondade. E subitamente, embora sabendo-se que Pascoaes valorizou a dança como forma de oração, primordial até, introduz Isadore Duncan (1828-1927), que certamente o tocou, fazendo-a uma sacerdotisa ou bacante (tanto mais que se inspirou muito na dança antiga grega apreensível nos museus) na Dança do Futuro, ou moderna, que ela terá intuído em Florença (da Academia Platónica de Marsilio Ficino) e manifestou pioneiramente num equilíbrio dos veios e valores do paganismo e do cristianismo. Na web encontramos o texto escrito por ela em 1901 e publicado em 1928, que Pascoaes poderá ter lido intitulado The Dancer of the Future, onde logo na página inicial afirma: "O ser humano, chegado ao fim da civilização deverá retornar a nudez, não a nudez inconsciente do selvagem, mas à consciente e reconhecida nudez do ser humano maduro, cujo corpo será a expressão harmoniosa do seu ser espiritual. E os movimentos deste ser serão naturais e belos como os dos animais selvagens."
 Oiçamos então Pascoaes, LVIII: «Há a luz da Verdade, ou a Beleza, à Platão; e há calor da Verdade, ou a Bondade, à Paulo.
Platão ou Apolo, Paulo ou Jesus... E diante duma estátua de Apolo e duma pintura de Jesus, num museu de Florença, a Isadora Duncan visionou a Dança do Futuro
No LIX Pascoaes tenta regressar à esperança no futuro, no mundo espiritual em que havemos de estar e ver. E cita  o famoso reconhecimento de Tomás de Aquino que todo o seu trabalho filosófico intelectual e tão escolástico, seco e abstracto, e mesmo assim considerado durante séculos como a suma das sumas, afinal era palha perante uma pequena visão que teve do espírito ou da Divindade quando estava para morrer.
                           Ornamento simbólico do Espírito, por Bô Yin Râ
Já bem original e valiosa é considerar que tal consciencializaçao final de Tomas de Aquino, como tendo o brilho da estrela de Belém, como um símbolo espiritual, que nada tem a ver com cometas ou astros e astrologia, mas sim com o espírito que nele se manifestou.
No aforismo final, LX, Pascoaes volta ao seu saudosismo. Não muito desenvolvido na Cartilha mas subitamente surgindo como seu fecho. Pascoaes não se deu por vencido no relativo insucesso da sua religião da Saudade, suplantado pelo Modernismo e depois pelo Presencismo, e apoia-se na reminiscência platónica que Camões manifestou em alguma da sua poesia concluindo que o que verdadeiramente a alma lusíada é saudade, ou seja, lembrança e esperança, certamente algo que todas as almas individuais e grandes almas nacionais têm de um modo ou outro enquanto seres seja em queda e retorno, seja em história e evolução.
Leiamos então o seu fim ou coroa da obra: «LX - Salvamo-nos em esperança ou em lembrança, que a lembrança também incide sobre o futuro na poesia camoniana. E que é a lembrança incidindo sobre o passado e o futuro? É a alma lusíada, a Saudade».

                                    
Possamos nós desenvolver algo deste testamento de Teixeira de Pascoaes, sobretudo cultivando a grande alma portuguesa, protegendo-a da excessiva globalização, apoiando os que trabalham e criam obras e produtos dela, e sobretudo consigamos aprofundar e captar a lembrança da primordialidade espiritual nossa e, logo, desejarmos, querermos e realizarmos tal, de modo a vivermos mais  agora e no futuro, ou seja, sempre, na Luz e Amor divinos...
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sábado, 18 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (8ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota.. Com vídeo.

Nesta 8ª e penúltima leitura  comentada d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, finalizado em 1951 pouco antes de partir da Terra e de certo modo o seu testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se definia paradoxalmente, certamente marcado pela sua incursão como originalíssimo biógrafo histórico-filosófico-religioso de S. Paulo, S. Agostinho e S. Jerónimo) abordamos os aforismos XLVI a LII. Como A Minha Cartilha ainda não está acessível na web, transcrevemos dois aforismos, comentando-os agora brevemente: 
 XLVII: «O homem, como criador e anarquista, exige a liberdade de criar; como criatura é comunista e sujeita-se ao estabelecido. Os corpos são irmãos; as almas, não... Há o trabalhador criador e o trabalhador conservador, o que produz o pão espiritual e o que produz o pão material, - o que se vende nas livrarias e o que se vende nas Padarias: duas palavras que rimam;e, nesta rima, se irmanam musicalmente, como também os irmana o serem ambos alimento. E por isso cantei na minha mocidade:
A pena é irmã da enxada
A página de um livro é terra semeada.»

Comentário: - Sabemos como são forçadas estas caracterizações de escolas e sistemas politicas, nomeadamente identificando o anarquista ao criador de pão espiritual enquanto o comunista seria o do pão material, pois em cada ser, mesmo libertário ou partidarizado,  inúmeras  tendências e capacidades (criativas, conservadoras ou destrutivas) coexistem. Também a irmandade mais do que nos corpos é nas almas que se sente, e nelas e nas suas capacidades, abnegações e afinidades é que se apura e nos encanta. Muito bela, sem dúvida, a ideia de que a página dum  livro, e acrescentaremos bom, em especial, é terra semeada, pois há muitas que são antes de terra infértil, ou mesmo queimada, quer os leitores se apercebam ou não dos efeitos na sua terra interior ou anímica.
Sabermos então discernir o que mais merece a nossa atenção e amor e o que menos merece é fundamental, de modo a que o que entra em nós seja fecundo e o que saia de nós seja também luminoso e amoroso, em tudo nos aproximando o mais possível de um despertar da consciência na verdade, na harmonia e para com a Divindade.
 Transcrevamos ainda o aforismo LII já que nele Pascoais caracteriza alguns dos grandes seres, de Anaxágoras e Platão ao nosso Frei Agostinho da Cruz, da sacra serra sufi e cristã da Arrábida, como almas de cósmica memória que conservam dentro de si a lembrança de Deus, "só Deus antes de ser Criador", algo sem dúvida muito raro e valioso, e que Pascoaes não aprofunda, naturalmente dado o nível elevadíssimo ou primordial que se trata. Caracteriza depois estas almas mais acessas como estando contidos na sua primeira alma, na imortal, em que está presente o Criador, numa expressão sua e cristã, que meditada pode-se aperfeiçoar e revelar bem luminosa:
«LII - Porquê um Anaxágoras? Um Platão? Um S. Fracisco de Assis? Um S. Jerónimo na Cálcida? Um S. António da Tebaida? Os dois Agostinhos, o da Tagasta e o da Arrábida? São almas originais, que se lembram de Deus só Deus, antes de ser Criador e Criatura, ou antes do Mal e do Bem. E são almas de cósmica memória, como certas flores que guardam, nas suas pétalas, a recordação da Flora, tão viva, que podemos contemplar a Deusa! Ò seres da perfeição, todos contidos na sua primeira alma, na imortal, em que está presente o Criador! Como estais na mortal ou redentora, ou no alto do Calvário. Não é a morte a glorificação da vida, a eterna paz de Deus? Enquanto a Bacante agita o facho acesso nas trevas, a Santa dorme nos braços de Jesus...»
  Comentários: Este é um aforismo muito rico de ideias, analogias e quiçá intuições, e embora já comentado na inspiração da leitura gravada adicionarei uma certa dualidade, com o Eterno Feminino, não muito presente nesta obra, surgindo com a Deusa Flora, que seria o princípio, arke e logo arquétipo, ideia, matriz ou fonte da beleza das Flores e que tais almas mais luminosas conseguiriam contemplar. Flora é como que Gaia, a Grande Deusa, Deméter, faces femininas da Divindade, que subitamente é trazida à liça da sua batalha pela compreensão do Universo e da Divindade. Contudo, o aforismo terminará com uma nota também de opostos femininos: uma Bacante, sacerdotisa dos cultos dionisíacos e báquicos que agita um facho nas trevas, imagem e descrição que sob uma aparência de ser uma crítica pode ser antes o reconhecimento de uma busca intensa de conhecimento por entre as trevas seja da noite seja da nossa ignorância. No polo oposto está a S. Teresa, ou outra já que ele preferiu prudentemente não a nomear, que adormece nos braços de Deus, expressão tão suave  se vista que meramente dormir mas que tem também a mesma matriz da bacante ou do amor desejo aspiração que se entrega ao amado, ao mestre. Sabemos aliás como ao longo dos séculos esta mística da sublimação da energia sexual em energia de amor de união espiritual se desenvolveu em várias tradições e como, por exemplo, as religiões, cristãs, islâmicas e indianas se destacam por tantos cantos e devoções e que proporcionam a aproximação à Divindade na forma ou ser adorado, invocado, seja Krishna ou Jesus, seja a luz ou o amor do espírito e da Divindade.
Oiçamos então a Cartilha comentada em Abril de 2020...

                  

quinta-feira, 16 de abril de 2020

"O Poeta, essa Ave Metafísica" ou Teixeira de Pascoaes, vida, obra e a serra do Marão, por Sant'Anna Dionísio.

                                               
    Em 1953, Sant' Anna Dionísio (1902-1991 e com quem convivi bastante nos seus últimos anos na Terra), publicava na revista Seara Nova o seu 15º livro (o 1º sendo de 1929), intitulado O Poeta, essa Ave Metafísica, consagrado a Teixeira de Pascoaes e enriquecido com alguns desenhos e fotografias que fizera dele. Dos doze capítulos, transcrevemos alguns passos bem valiosos. Do 1º, intitulado Pascoaes e o Saudosismo:
 «Daqui a 100 anos o nome de Pascoaes será seguramente invocado como um dos mais altos ímpetos de ansiedade metafísica da poesia portuguesa desta século» p.7
«A despeito de todos os silêncios, a obra de Pascoaes será descoberta pelos vindouros e por eles admirada como uma das mais intensas expressões de angustia transcendente, de inspiração e de ascese, de uma verídica alma» p.7
«Poeta concreta e placentariamente preso à sua paisagem natal, mas com os olhos da alma sempre posto no que podermos chamar o noumenal não só dessa paisagem mas de todas as paisagens, Pascoaes é como Antero e Camões, um espírito ávido do que está para lá do telúrico. Não menos que um ou outro, Pascoaes deu original expressão a este sentimento constante na alma do homem de que o ser autêntico não está decerto no plano do visível mas do invisível. Sua palavra, embora presa à terra – «as tais frágas, árvores e fontes», a que alguns críticos tão despicientemente se referem, - não visa nem sugere senão a alma abscôndita dessas mesmas coisas. Sua inspiração é, enfim, sem descanso, acordada e exaltada pela transvisão do que na realidade há de fantasmático» p.8.

Ora a "alma abscôndita das coisas" pode ser vista em três níveis principais: 1º as imaginações e analogias que possamos fazer sobre as suas características visíveis ou perceptíveis, seja por instrumentos científicos seja pelas sensibilidades das pessoas e aqui Pascoaes foi um mestre de exaltada imaginação; 2º a história e interioridade que as coisas e seres tem dentro de si e que podemos sonhar, imaginar, intuir ou ver psiquicamente; 3ª o ser subtil, ou espírito da natureza, que anima uma parte qualquer da manifestação, e que está presente na tradição poética e em Teixeira Pascoaes como o deus Pan, os silfos, fadas, sátiros. Ser subtil que no ser humano é tanto a alma como o espírito, este praticamente invisível e incognoscível pela quase totalidade dos seres.
A maior parte dos leitores e apreciadores de Teixeira de Pascoaes, e Natália Correia no In-Memoriam de Pascoaes é bem forte nisto, exageram esta capacidade de osmose e captação das essências de Teixeira de Pascoaes, que embora imensa tinha sobretudo uma base imaginativa, sensitiva e poética mas não a visão espiritual, a clarividência, o olho espiritual aberto. Algo do qual Pascoais se aproxima contudo quando diz, e Natália Correia tanto apreciou, «esse olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade», e que bem gostaríamos de saber o que ele viu, sentiu, discerniu sobre tal olhar, ou olho...
 «Uma vez compreendida na sua mais íntima originalidade e significação, a poesia da saudade constituiu uma autêntica metafísica.
O sentimento de saudade, constantemente invocado e por vezes convertido pelo poeta em ontológico avatar – quando não em personalizada divindade -, não é senão uma face da ideia, persistentemente dita e redita em seus poemas, de que o mundo dado pelos sentidos tem para os seus olhos um simples valor de realidade onírica e de maneira alguma de verídica realidade.
A cada momento, nas Sombras, no Maranos, no Regresso ao Paraíso, aflora essa ideia; a de que e o mundo físico, ou melhor a paisagem, não passa, na verdade, do velho e indostânico véu de maia.
A genial beleza e profundidade de alguns cantos viverá para sempre nessa intuição.
Se o poeta frequentemente se repete e faz declinar a força de comoção dos seus arroubos, - deixá-lo; Homero por vezes também dorme e faz dormir. De resto, nunca a altitude espiritual de poeta se mediu pelos seus próprios psitacismo [loquacidade] ou ecolálias [repetições automáticas] de si mesmo, mas pelos voos inconfundíveis dos grandes momentos em que o seu canto parece subir, de graça, em vertical, no sentido do puro inefável e da verdade pura». p. 9.
Muito original Sant'Anna Dionísio, e julgo que ainda não foi apontada esta sua relação entre a saudade e a visão indiana  Vedanta que concebe a manifestação do Cosmos como Maya ou Maia, como ilusão, como um véu, como um sonho, que urge penetrar ou dissipar para se ver a verídica realidade, Brahman ou Atman.
No 2º capítulo do Poeta, essa Ave Metafísica, Sant'Anna desenvolve a ideia discutível de que as paisagens, montanhas, campos, rios só adquirem significado pelo que os poetas sentiram e imprimiram nelas, transcrevendo uma experiência iluminativa baptismal de Pascoaes: 
«Houve um momento da minha vida em que eu estremeci, diante da paisagem, como se ela própria houvesse estremecido... em que as pedras e os montes me falaram. E fiquei a ser esse instante. Aquele relâmpago fixou-se no meu espírito».
Desse transe mediúnico e baptismal nasceu o seu inconfundível misticismo panteísta.
Todo o poema Maranos, - de todos os de Pascoaes, o mais rico de inefável - é votado à expressão dessa mútua catálise, do Poeta e da Montanha. Nele, o espírito de Pascoaes não se cansa de invocar e inquirir a alma que está, ou visiona, oculta nas coisas, tendo constantemente os olhos presos no vulto escuro e sério daquela serra».
Talvez seja exagerado pensar-se que esse momento tenha definido ou intensificado muito essa natural osmose ambiental que o poeta foi desenvolvendo com o Marão, ou mais ainda a sua tendência de misticismo panteísta, esta ainda algo subordinada (sobretudo nas obras em prosa e doutrinação, nomeadamente n' A Minha Cartilha), à sua compreensão da Bíblia e dos conceitos de bem e de mal e de Divindade que desta e do cristianismo posterior brotam.
«O próprio nome Maranos», (pelo qual, no poema, ora se designa o caminheiro contemplativo, ora o vulto telúrico que se ergue ante os seus olhos) - que significa senão a sínteses do Poeta e da cósmica sombra que o despertou? Verdadeira musa e primordial fonte da inspiração da sua poesia, paradoxalmante panteísta e platónica, - a Montanha foi, naquela ascensão baptismal, quem ensinou para sempre o Poeta a identificar o seu ser com o ser íntimo e plural da «realidade» ou seja, com a essência noumenal da Paisagem. Assim a Montanha lhe deu genesíaco sobressalto: anch'io sono poeta, e o Poeta, por sua vez, a espiritualizou e imortalizou nos seus versos brancos.» 
Realcemos esta sensibilidade de Sant'Anna Dionísio às subidas das montanhas e à osmose com elas ou não tivesse sido ele a vir ajudar e continuar Raul Proença, autor de descrições meticulosas de todas as terras e cidades de Portugal, em viagens descritas e ilustradas nos famosos Guias de Portugal, editados pela Fundação Gulbenkian  partir dos anos 40 e que fizeram a delícia de muita gente no seu formato de bolso de viajante. Com Sant'Anna peregrinei eu, levados pela Dalila Pereira da Costa e seu feitor Acácio aos templos românicos do Entre Douro e Minho.
       «Ao seu muito estimado Amigo e Confrade Pedro Teixeira da Mota oferece como    singela  lembrança, José Sant'Anna Dionísio. 9 de Maio de 1989.»
"O caminheiro contemplativo", excelente expressão a recebermos; caminhar mantendo o vulto da montanha no olhar corporal e sobretudo anímico; e sentir quão as montanhas, e no caso o Marão, se tornam fontes inspiradoras, eis certamente ensinamentos que ou já conhecemos, o que se passa comigo graças a Deus e à Dalila Pereira da Costa que me facilitava as suas casas junto ao Marão, ou que devemos cultivar, peregrinando mais as serras e montanhas...
 Tem certa verdade a ideia de Sant'Anna Dionísio  que somos nós que  de certo modo espiritualizamos ou imortalizamos a Natureza, tal como já escrevera umas linhas antes: «Perante a montanha do Marão - uma das mais belas e severas do Norte de Portugal - análoga pergunta pode ser feita: - Que era essa montanha antes de Pascoaes? Era simplesmente uma grande barreira telúrica (uma volumosa massa de saibro, de granito e de xisto) a separar as orgulhosas alturas de Trás-os-Montes das velhas terras de Basto. Quis porém o destino que, na fundura verde de um dos seus vales, nascesse uma criança queum dia, ao abrir os olhos, depararai com esse misterios vulto. Essa criança viria a ser o cantor de Maranos e das Sombras. Por uma recíproca e maravilhosa acção de presença, a Montanha catalizou o Poeta e o Poeta espiritualizou a Montanha».
Todavia não nos devemos esquecer que elas em si mesmas são sacras, foram consideradas por muitos povos sagradas por se sentirem ou reconhecerem nelas presenças subtis ou  forças. Por exemplo, sabemos como muito próximo do Marão, se encontraram lápides da época romana dedicadas ao deus da montanha Larouco. Pena Pascoaes não ter estado nessa época e ter vislumbrado se realmente um poderoso deva ou espírito da natureza estava presente e recolhia tais oferendas e cultos, ou se foram mais os sacerdotes ou camponeses da religião que invocavam e cultuavam a Divindade sob esse nome ou faceta.
    Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, uma das mais valiosas amizades portuguesas
O III cap. da obra, intitulada Visita a Pascoaes, datada de Outono de 1949, e onde descreve a casa e as memórias que Pascoaes narrava das visitas do vizinho Leonardo Coimbra, termina assim: «Setenta anos de convivência de umas pedras e umas árvores com um Poeta! Setenta anos de conversa de uma alma com uma Serra! Não, porém, uma conversa tácita - como tantas terá havido por esse mundo fora, no decorrer dos séculos - mas uma troca de perguntas e respostas entre a ansiedade de um poeta de infatigável poder interrogativo, de assombrosa força de captação do Inefável e a mudez misteriosa de luz e de trevas em que a sua alma se debate»
Possamos nós, sintonizando com esta linguagem e visão algo maniqueísta ("mudez misteriosa de luz e de trevas em que se debate") mas viva e espicaçante, que Pascoaes nutria e Sant'Anna Dionísio aceita, manifestarmos e sermos cada vez mais a Luz, por entre as trevas ou névoas obscuras que nos possam circundar ou tentar, e assim as dissipando ou iluminando...

quarta-feira, 15 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (7ª p. ), de Teixeira de Pascoaes. Com texto de Natália Correia e comentada por Pedro Teixeira da Mota

A 7ª leitura comentada (e gravada) dos aforismos ou máximas contidos em A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes  é desta vez antecedida na passagem para o blogue por um excerto da penetrante interpretação  que Natália Correia (ela também um elo importante da Tradição Espiritual Portuguesa) lhe faz no valioso e extenso In-Memoriam no centenário do seu nascimento, 1979 (onde colaboraram trinta e sete personalidades, de Miguel Torga, Joaquim de Carvalho e Joaquim Paço d'Arcos a José Gomes Ferreira, Ilídio Sardoeira e  Sant'Anna Dionísio), donde passo a transcrever alguns parágrafos, com breves comentários:  
 «Gnose e Cosmocracia em Pascoaes: 
Pascoaes não é biografável. Cercou-se de névoas. Elas imprimem incorporalidade ao seu contorno. Impossível encarcerá-lo na carnalização que dá corpo a uma biografia/ Porque foi Pascoaes um construtor de névoas? O questionador que ele era da natureza oculta das formas pedia a estas anamorfoses que, distendendo o tecido das aparências, o tornam ténue, dando-lhe a transparência que permite ver o dentro esmagado pela densidade dos corpos. Vestidas de névoas, as coisas são os seus fantasmas. A estes o poder de dizer o indizível das coisas. Ouviu-os Pascoaes, e em transmitir-nos essas vozes foi o poeta do indizível».
Excelente visão de Natália embora exagere na capacidade de Pascoaes de ver o dentro das coisas. Não era um clarividente, ainda que possa ter tido certas visões e o que nos transmite do interior das coisas e seres depende muito da sua sensibilidade. É um conhecimento subjectivo. Não nos diz o indizível das coisas, mas sim o que ele pressentiu, pensou, intuiu, imaginou delas. O que muitas vezes não seria real. Não era um ser dotado da capacidade de contemplar no seu olho espiritual a memória dos lugares, como Dalila Pereira da Costa, de algum modo sua discípula, teve algumas vezes em relação ao Porto e a certas zonas do Douro, mas ainda assim sempre subjectivas. Com efeito dada a imensidade de informação que qualquer coisa ou local tem do seu passado e aura, apenas se nos revelam certas imagens, causadores de sentimentos, e impulsionadoras de compreensões e realizações.

Passamos ao 3ª parágrafo.
«A vivência poética foi para o poeta das névoas uma indagação desse "outro plano não revelado ainda à nossa inteligência, mas entrevisto pela inspiração, por esse olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade". Estas suas palavras (A Minha Cartilha) definem o seu discurso à luz de uma gnose que transcende  a qualidade estética e literária da poesia. Como exercício espiritual iniciático, a sua poética só aceita os ingredientes artísticos quando estes  convergem com a apreensão do segredo das coisas a revelar-se na consciência do poeta. O refinamento estético funciona então como um elemento necessário a uma estrutura que se ergue pela força da sabedoria. O belo é a imagem que o olho misteriosa da mais remota intimidade contemplou. Jamais é belo pelo belo. Tem uma colocação gnóstica»
Este paragráfo, de novo muito belo, profundo e exaltante da poética de Pascoaes, refere  A Minha Cartilha, e por isso a escolhemos para se afeiçoar a esta série minha de comentários, tanto mais  porque embora tendo estado apenas uma vez com ela, foi bom o curto diálogo, sob a égide Agostinho da Silva e do Espírito santo, num congresso na Biblioteca Nacional.  Refere da Cartilha a explicação que Pascoaes dá para alcançar o segredo das coisas, e que Natália Correia muito atenta transcreve «a inspiração, olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade, considerando portanto que o seu discurso é feito à luz de uma gnose, de um conhecimento, que transcende a poesia normal. Natália Correia chama-lhe mesmo "exercício espiritual iniciático", e bem na sua dimensão de origem interior e posterior transformação artística que se subordina a essa dimensão de verdade interior.
Certamente que em Pascoaes houve porém uma visão das coisas dos seres, das ideias, dos princípios que não teve necessariamente o auxilio desse olho, já que ele apenas intermitentemente em nós se abre e nos revela o interior dos seres ou das coisas, ou o distante no passado ou no futuro, ou os mundos subtis, de que as névoas e fantasmas de Pascoaes são adivinhações, pressentimentos, imaginações, por vezes mais certeiras outras não tanto. Algo disto se passa também nas suas reconstituições do passado e de grandes figuras como S. Paulo. S. Agostinho. S. Jerónimo, Napoleão e Camilo. Quanto não teve ele que ler, quanto não teve ele de imaginar, quanto terá ele acertado ou errado nas suas interpretações?
Quanto aos planos espirituais e divinos, como temos estado a ver nas leituras anteriores, Pascoaes ficou demasiado condicionado pela tradição cristã e face às suas fraquezas e contradições Pascoaes ora conseguiu ver  bem e discernir a verdade, ora se deixou enganar ou iludir. A nós de exercermos o discernimento do espírito....
 Podíamos ficar-nos por aqui, embora certamente o restante do texto de Natália Correia seja valioso e mereceria ser discutido, aprofundado. Mas transcrevamos ainda assim a parte final,  bem optimista e idealista (e certamente mitificante), escrita nos tempos tão desabrochantes de 1979:
«O génio que se manifesta em Pascoaes, excedendo a literatura, a filosofia e a religião, é sobretudo oracular. Indica-nos o ponto matricial onde se cruzam as grandes forças da integração no Todo. E só nos cabe perguntar como o poeta suíço Albert Talhof: 
Saberia Pascoaes que tinha no seu génio a porta aberta para um Terceiro Testamento?
Pascoaes responde-nos com a sua poesia. Ela mana de uma ultraconsciência anunciadora da Cosmocracia que os sábios de Princeton já apontam pela via do conhecimento científico assumido como teologia».
Onde vai este sonho de uma cosmocracia da ciência assumida como teologia, quando o que vemos é a degradação ou mesmo falência da sociedade moderna cada vez mais desumanizada pela tecnologia e por uma ciência (feita de milhões de cientistas em lutas constantes e pouco respeitando a verdade) e em nada respeitosa do Cosmos ou tendo em conta os sábios que conseguem ver com o olho espiritual a interioridades e as finalidades dos seres e das sociedade. Quanto ao 3ª Testamento, ou 5º Evangelho, sabemos quão ilusórias são tais valorizações e expectativas e contentemo-nos, como se diz no aforismo XLII, em sondar melhor a página branca inicial da Bíblia, ou Livro, feita dos livros todas as religiões e filosofias, ou mais modestamente, como queria Antero de Quental, que na última página em branco dela vamos nós escrevendo as nossas realizações espirituais e humanas
Oiçamos então os aforismos ou máximas XLII, XLIII e XLIV, com os comentários que fiz na manhã desta quarta-feira, 15.IV.2020.