sexta-feira, 24 de abril de 2020

Para a História Psico-Espiritual dos Livros e do Amor a eles e seus Autores.

A arte de chegarmos à alma dos livros, de amarmos os livros com resultados valiosos, para além de lermos e gostarmos deles, requer uma aprendizagem amorosa persistente, sacrificial por vezes, e momentos de maior aproximação e investigação, unidade e desvendação.
                          

Conversando há tempos com o Nuno Franco e a Filipa sua mulher, na sua simpática mas pequena livraria (Alexandria) para a quantidade de livros que está constantemente a adquirir no caudaloso rio da circulação dos livros em segunda ou muitas mais mãos, a propósito de um artigo raro de Mário de Sá Carneiro publicado numa revista em 1912, disse-me ele que conhecia quem poderia estar interessado nele, e falámos um pouco da bibliofilia que animava esse amigo e outro, e das cosmovisões literário-bibliófilas que tinham, um deles lendo bem alemão e coleccionando as edições originais de Mishima.
Ora este amigo, o Jorge, entrevistado há tempos sobre o que era um verdadeiro coleccionador de livros, respondeu que era aquele capaz de ir até às últimas consequências, ou seja, tentar adquirir as obras nas suas edições originais e se possível assinadas pelos autores por neles estarem o máximo da energia dos escritores, pagando o que tivesse que ser.
Bem, disse eu, levar as suas últimas consequência, para mim, seria estar disposto a morrer pelo livro. Ou então amá-lo com a intensidade com que se ama um outro ser, ou uma mulher com quem nos fundimos.
Claro, penso agora, olhando para as centenas de livros que estão na minha grande estante, quantos é que eu poderei verdadeiramente amar com grande osmose qualitativa, de tal modo que eu pudesse dizer: - Amo mesmo este livro plenamente, por isto e aquilo? Poucos. E morrer por eles ? Nenhum...
Mas se o morrer não for pelo livro físico, mas pelas ideias e ideais que representa?
Bem, neste caso certamente que alguns de nós conseguirão não se vender nem corromper e perante a ameaça da morte morrerão pelas suas ideias e eventualmente tendo na cabeça ou no coração alguns autores ou livros.

                                      

Seria bem valioso investigarem-se algumas mortes, fuzilamentos e mártires de qualquer espécie e religião (em cima, o místico não-dualista Hallaj, de quem Louis Massignon publicou o seu intensíssimo Diwan, aqui em corpo-poema de paixão e sangue), e conseguir-se retratarem-se os últimos pensamentos e imagens que neles se originaram Talvez se discernissem os seres e livros mais inspiradores em tais momentos. Uma ideia original, penso, que daria até para um instrutivo filme (clarividente...) acerca dos grandes auxiliares no momento da morte, os passadores ou psicopompos da história da Humanidade, desde Hórus e Anubis, a Orfeu e Hermes, até chegarmos a Krishna, Jesus e Nossa Senhora da Boa Morte. 

Há contudo algumas obras religiosas que já realizaram bastante isto, ao desenharem a morte, seja de santos e a verem já quem do mundo espiritual os acolhe, seja sobretudo de missionários cristãos na saga dos Descobrimentos, proferindo os nomes invocados, tal como podemos ver na seguinte gravura, em que um missionário ocidental exclama ao ser trespassado como mantra de amor e destino, "Jesus Maria", título até de um ou outro livrinho devocional ou de jaculatória e que para um cristão tinha quase tudo ao incluir a a polaridade masculina feminina do divino.

                                       

Partilhei no diálogo algumas reflexões sobre a energia dos livros, e como é bem diferente lermos um livro feito há 100 ou mais anos de que o exemplar reeditado nos nossos dias. Ou ainda, como cada ser que lê o livro deixa certas energias que se adicionam ao campo energético-informativo que o rodeia ou mesmo constitui...
Entramos aqui no cerne de uma questão escassamente investigada ou debatida, mesmo pelos poucos bibliófilos espirituais: - Os livros têm alma, têm energias, que até, por exemplo, quando ele arde, se desprendem?
Uma questão bem complexa, que nos pode levar às várias Inquisições e queimas de livros ao longo da história, com o que foi sentido e criticado na época (e que deu origem no Renascimento às fabulosas Cartas dos Varões Obscuros, de Ulrich van Hutten, às quais se atribuiu a co-autoria a Erasmo) e não é por acaso que ainda hoje no meu emprego de catalogador de livros descrevi resumidamente para o catálogo de um leilão a reimpressão dos Opúsculos contra o Santo Ofício, escritos no séc. XVIII pelo Cavaleiro de Oliveira, um autor que foi tanto libertino, quanto livre pensador mas que no fim acabou em protestante exaltado. 

Ora como há pouco seres clarividentes que consigam ver a energia contida nos livros e que eventualmente emana deles e que eventualmente sai ou volatiliza-se definitivamente quando ardem, o que poderemos utilizar para dar uma imagem de tal fenómeno?
Será vermos a amplitude do pêndulo face a cada livro, ou tentar medir com aparelhos tipo Kirlian, ou ainda tentar com sorte fotografar algo de mais subtil que irradie deles?
Vejamos uma fotografia tirada por mim há pouco tempo:
                                  
Claro que se pode dizer que é apenas uma distorção mecânica e assim é de facto, mas o que podemos com a imagem aprender é a desfocarmo-nos também da excessiva fixação nas formas precisas que o olhar capta e antes vermos, intuirmos ou sentirmos mais o movimento das partículas e ondas que sabemos constituírem o universo, tanto material dos livros como anímico e espiritual, com o famoso mistério da consciência de si e em si (que parece ser derivada do cerne do Divino em nós), em acção de observar...
Se conseguirmos entrar ou saltar para os níveis mais interiores, finos e subtis da consciência, certamente   dependentes do estado corporal e cerebral em que estamos, e  das emoções e sentimentos que nos perpassam ou autorizamos ou mesmo cultivamos, assim se densifica ou resplandesce a consciência em si, o espírito em nós e logo variando a capacidade menor ou maior de percepção nos planos subtis dos seres e das coisas, nomeadamente dos livros e dos seus conteúdos.
Claro que a investigação da consciência é uma demanda em aberto, não se fechará nunca, dada a irredutibilidade da subjectividade de cada um, o que afecta ou condiciona a consciência pura, já que cada um só pode sentir-se a si mesmo e de acordo com a energia, atenção, inteligência e amor a que se devota a tal função ou prática.
E será só a partir desta unificação próxima do cerne de nós próprios é que podemos chegar ao cerne dos outros, nomeadamente das coisas e dos livros, se neles nos concentramos e unificarmos na medida correcta..
Esta individualidade impenetrável e quase inacessível do centro da consciência é inegavelmente uma pedra de tropeço nas pessoas mais mecanicistas e materialistas, pois se fossem apenas átomos e  ligações entre zonas do cérebro por neuro-transmissões a criarem a noção de consciência de si, então esse eu não teria a continuidade e profundidade que apresenta em nós, nem sequer haveria tantos segredos no inconsciente, fermentações e metamorfoses em espelhos, paramentos ou corpo subtis de um eu-consciência com múltiplas subconsciências bem patentes em sonhos e visões...

Mas voltemos às imagens dos livros, desfocadas que sejam, mas que possam sensibilizar o nosso ser para percepções mais subtis:
                          
Estarão os livros sempre a emanar energias, partículas, sinais subtis do seu conteúdo, melhor ou mais verdadeiro, e estado material, neste último caso podendo dizer-se que um volume com o papel a desfazer-se apresenta uma irradiação muito menor ou menos luminosa que outra? Ou será que é o seu conteúdo que importa ou vale mais
Deveremos então distinguir entre as fontes físicas e as psíquicas dessas energias, ou a intuição segue um todo e escolhe por essa percepção subtil?
Posso eu olhar para uma prateleira e sintonizar com o livro e discernir o que envia ou irradia mais energias de cada um dos níveis, ou antes a percepção é mais unificada e geral? 
Talvez no nível físico um grande bibliotecário possa, olhando para cada encadernação,  discernir a que está a precisar de creme na pele ou mesmo intuir a que "geme" interiormente, pedindo ar, limpeza ou mesmo restauro nas folhas. 
No entanto, normalmente, o mais importante será no nível psíquico intuirmos o que tem melhores informações e energias, ou seja mais apropriadas  e, logo, mais visíveis ou perceptíveis.
Quanto tempo é que deveremos contemplar a prateleira até podermos intuir o livro que devemos buscar e abrir, e assim desempenharmos bem a função de biblioterapeutas, seres capazes de curaram males da alma e do corpo, da ignorância ao desânimo, seja nossos sejam dos que visitam a nossa biblioteca ou livraria?
Bem, não há medidas de tempo, mas na minha experiência por mais de uma vez acordando, fazendo algumas leves harmonizações ainda deitado, fixo os olhos mais demoradamente numa prateleira até discernir que livro palpita, estremece em reverberações de pontos luminosos, e levanto-me vou direito a ele e tem sido sempre altamente apropriado e significativo, com histórias mirabolantes...
                            
Outra hipótese, ao contrário no curso do Sol, será ao deitar, pegar em alguns livros, observá-los, lermos algo de cada um , até chegarmos ao que nos faça dizer "é este".
E é este que vou levar da estante, para ainda ler, anotar ou partilhar, ou finalmente dormir com ele ao lado da cabeça ou do coração, quem sabe sonhando ou viajando com o que da alma dele se exalar...
Não é muito difícil então pelo menos irmos diariamente ao adormecer comungar mais com um livro, que folheamos ou lemos alguns minutos e depois já de olhos fechados pensamos ou meditamos nele, para por fim entrarmos na noite imensa, quem sabe se navegando nesse barco-livro no grande oceano da existência, do amor e da sabedoria.
 Todavia, o que recomendo mais no aspecto de discernirmos mesmo o livro que da estante mais nos chama, ou mais vibra, será essa prática de manhã ao acordarmos ou pouco depois, ou então de noite com pouca luz, quando a palpitação da estrutura etérica ou subtil do universo e das coisas, livros e pinturas se nos torna mais perceptível ao nosso olhar.
Mas, certamente pode-se pôr em causa, e com razões, se será esse livro o que mais energias têm ou emana. Na realidade, também eu penso  que é mais aquele que ora por certos factores pulsa mais ora porque é mesmo o mais apropriado a nós, e portanto é investido dessa palpitação e luminosidade por tal relação pessoal, quem sabe o nosso próprio olhar psíquico investindo-o de tal..
  Na realidade se é o livro que palpita e irradia mais por si, ou se somos nós que o intensificamos, seja inconscientemente, seja  conscientemente mas pelo tal cerne de nós próprios ou espírito que nos escapa em grande parte, isso fica à consideração dos leitores, acrescentando ainda outra causalidade possível  é a da participação subtil inspiradora dos autores dos livros dentro dá comunhão no Corpo místico da Humanidade, também denominado Campo unificado de energia, informação consciência em que estamos todos interligados e que portanto sintoniza, ressoa, vibra relacionalmente connosco...
Boas inspirações e comunhões com os livros, autores e sua sabedoria perene, rumo ao espírito, ao corpo místico da Humanidade e à Divindade, para que o planeta melhore as suas condições de vida para todos!

4 comentários:

João Teixeira da Motta disse...

está muito bom o texto, histórias mirabolantes...também eu uso várias destas práticas. somos nós que damos sentido a tudo...o universo é simbólico...

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças. Embora o mundo não seja só simbólico, sem dúvida que cada ser individualmente influencia o que observa nele, e dá o seu valor simbólico mais ou menos apropriadamente ao que vive ou é...

João Teixeira da Motta disse...

tu tens o livro do massignon sobre a vida do al hallaj?

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Sim, lido.