sexta-feira, 12 de julho de 2024

Místicas portuguesas. Um postal inédito do Padre Mário Martins a Dalila Pereira da Costa, em 1984.

"Devemos empenhar-nos com todas as forças em desterrar para longe de nós todo o temor ue nos possa desviar da confiança absoluta em Deus", eis um dito, algo titânico ou de absoluto, como era do timbre algo de extremos de S. Inácio de Loiola (e que por isso não recomendava as obras do livre pensador Erasmo, pois esfriavam a fé), o fundador da Companhia de Jesus, à qual pertencia o P. Mário Martins, que aliás residia numa residência dela na Lapa e onde funcionava a revista Brotéria, com uma boa biblioteca que volta meia fazia algumas limpezas, vendendo-as a António Silva, livreiro alfarrabista, muito próximo, na rua Garcia de Orta e que apesar de espaço exíguo permitia algumas tertúlias.

Resolvendo revisitar postais que me foram endereçados, para trazer à luz alguns com mais interesse, seja pelo conteúdo seja pelas almas amigas que mos enviaram, e que em geral desapareceram da minha vista e conhecimentos, encontrei também uma dúzia de escritos por mim e não enviados, ou então recuperados dos familiares a quem os dirigira, e dois ou três escritos por outros e para outras pessoas, um deles mais valioso e que nem sei como me chegou às mãos, mas que só pode ter sido dado pela Dalila, ou estar dentro de algum livro que a Dalila me deu, ou que me retornou, já que ora lhe dei ora lhe emprestei alguns

Como é um postal com conteúdo relevante do tão humano padre e investigador de cultura, religião e mística portuguesa Mário Martins e dirigido à Dalila Pereira da Costa, que era sua amiga e que me apresentou a ele, resolvi transcrevê-lo e assim preservá-lo com o que ele contém da personalidade de Mário Martins e sobretudo da sua compreensão das místicas portuguesas.

O místico poeta Frei Agostinho da Cruz, num azulejo do séc. XVII-XVIII do convento da Arrábida, fotografado por mim, e reproduzido com autorização do conde da Póvoa.

Anote-se que nos anos circundantes do postal, Dalila Pereira da Costa investigava e escrevia uma obra importante sobre os espirituais  portugueses, que saiu em 1986, na Lello, no Porto,  com o título Místicos Portugueses do século XVI e que levava a dedicatória inicial: «Ao Padre Dr. Mário Martins, S. J., a quem devo o pedido de escrever sobre os místicos portugueses do século XVI», e em cujo prefácio agradecia ao P. Mário Martins os seus estudos sobre Frei Sebastião Toscano e D. Manuel de Portugal, a Quirino Catita a indicação de escritos inéditos da freira carmelita Maria Perpétua da Luz existentes na Biblioteca Municipal de Beja, e a mim por lhe ter emprestado quatro livros antigos de mística portuguesa, três deles biográficos das freiras Soror Isabel de Menino Jesus, Soror Maria Joana e Soror Brízida de Santo António, e sobre as quais, com mais outras, recentemente escrevi um artigo para o I Congresso Internacional de Espiritualidade e Mística realizado no sacromonte do Bom Jesus, em Braga.

Pela adjectivação dos peregrinos da via mística que a Dalila faz na dedicatória do exemplar que me ofereceu, vale a pena transcrevê-la:«Ao amigo Pedro, com toda a amizade, estas imperfeitas páginas, sobre estes "admiráveis homens" do espírito português. Porto, 22-X-1986, Dalila...»... Muita luz e amor divinos nela!

                                                           

É natural que ela tenha lido o livro recomendado pelo P. Mário Martins, a Autobiografia (1652-1717) da madre Antónia Margarida de Castelo Branco, saído à luz pela 1ª vez apenas  em 1984 em Lisboa, bem apresentada por João Palma Ferreira, o qual embora não fosse um espiritual ou um místico e passasse ao lado dos aspectos mais espirituais da obra, mesmo assim inquiria antropológica e sociologicamente a verdade e seus contextos bem. 

No breve postal o Padre Mário Martins mostra a sua preferência por uma mística equilibrada da elevação das capacidades anímicas cognitivas e afectivas para com Deus, embora tendo eu lido a obra tenha sentido alguma pusinamilidade, uma certa desconfiança exagerada de si próprio e logo dependência dos confessores. Quanto à menor predileção de Mário Martins pelo visionarismo, sem dúvida que algumas foram vítimas da imaginação emocional e projectiva, enquanto outras não: simplesmente viram com o seu olho espiritual...

«24//4//1894.         Dalila:

Agradecido e Boas Festas da Páscoa. Antes que me esqueça: Aí no Porto, devem estar à venda as edições da Biblioteca Nacional de Lisboa. Entre elas, vem lá uma obra que tem logo ao cimo na capa: Autobiografia... Não o tenho aqui, mas é uma autobiografia notável (embora já posterior ao séc. XVI) de mística serena e sem visionarismos. E dramática. Essa senhora nobre separou-se do marido e fez-se freira. O marido converteu-se depois e fez-se frade. Mas ela fala pouco do marido. Não é uma exaltada. É uma vida mística, serena e sem imaginação no mau sentido da palavra. Eu li-a num dos 2 manuscritos (o melhor) que vendi depois à Biblioteca Nacional. Adeus e reze por mim, Mário Martins.»

Que a Dalila e oP. Mário Martins, e os místicos e místicas referidos, possam estar muito activos na Luz e Amor da Divindade e, com os seus espíritos celestiais, nos possam inspirar e fortalecer! Aum, Amen, Amin!



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