segunda-feira, 8 de julho de 2024

Feliciano Soares (Aveiro, 1886 - Funchal, 1952). O pedagogo, místico e ensaísta espiritual, no livro "Preocupações".

                                     

Feliciano José Soares em 1926 publicava um livro, Preocupações, no qual, profundamente impregnado da fé no mestre Jesus e no Cristianismo, partilha as suas sentidas e elevadas reflexões e meditações, seja sobre os modos de vida mais harmoniosos seja sobre o caminho espiritual de purificação, auto-conhecimento, caridade-amor e ascensão mística para Deus.
Narra-nos aspectos d
as vidas dos santos e santas, dos convertidos recentes e das suas lutas com a natureza, os instintos e a sociedade, mostrando que é pela dor que se aperfeiçoam e que é pela fé que se governam e avançam, realçando que quando o amor a Deus brota mais então as pessoas aspiram mesmo a Deus e fazem os sacrifícios necessários para romperem as limitações que obscurecem as suas almas. E lembra que as pessoas mais desafogadas dificultam a sua missão específica ao sobrecarregarem-se materialmente, tanto mais que a liberdade é sobretudo a renúncia às paixões doentias, às superficialidades, às tentações, ao que nos desvia do nosso ser verdadeiro e luminoso.

                                

Depois de lermos os vinte e três capítulos que estruturam as duzentas e cinco páginas, damo-nos conta que Feliciano Soares, sem ser conhecedor de mistérios gnósticos ou iniciáticos, pela sua sensibilidade e aspiração mística ao sagrado e ao Divino, consegue erguer-se a intuições elevadas e próximas da realidade subtil e espiritual, não só quando aborda as almas de santos ou santas, tais como a pequena Teresa de Lisieux, Angela de Foligno, S, João de Deus, Santa Mónica  Elisabeth Leseur, ou mesmo Jesus, mas também a Natureza, dos trigais e eiras às vinhas e lagares, as relações humanas, os monumentos sagrados (tal a casa do Capítulo, na Batalha), ou ainda e sobretudo a Morte. 


Feliciano Soares, nascera em 1886 em Aveiro, e publicara o seu 1º livro em 1915, Crucificadas, a que se seguiu Terra! Terra! de colaboração com Emanuel Ribeiro, e em 1923, já no Funchal,  O que vi e pensei. Educação - Mística - Viagens - Livros,  em 1926 as Preocupações, em 1935 O mais rico dos pobres e em 1941 Uma hora d'anto, publicado no Funchal, onde residia. Em 1953, saiu no Funchal uma obra póstuma, Epístolas a quem ensina, e no Porto   a homenagem biográfica que o professor e musicógrafo Bertino Daciano lhe consagrou.

Viveu e foi jornalista na Madeira, chegando a dirigir o Diário de Notícias do Funchal,   onde trabalhava como coordenadora do suplemento Notícias Infantil a sua mulher Laura Veridiana Castro e Almeida  (1870-1964), que usou o pseudónimo Maria Francisca como autora de três livros para crianças, na linha dos que a sua prima Virgínia Castro e Almeida escrevia.
Feliciano José Soares
pertenceu ao Instituto de Coimbra, uma prestigiada instituição académica cientifica, literária e artística que viveu ou funcionou entre 1852 e 1982, com valiosos membros e com a sua prestigiada revista Instituto onde colaboraram tantos notáveis escritores e cientistas.

                                                  
Tal como no seu livro O que eu vi e pensei, dividido em Educação, Mística, Viagens, Livros, a parte Mística subdivide-se em Lourdes, Missa da Meia Noite, Cartas (com algumas dramáticas de amor-compaixão) e Vaticano, Feliciano Soares escreve como essencialmente um católico e, embora na verdade seja um místico e muito sensível animicamente,  todavia tem pouco conhecimento e logo escassa abertura às outras religiões. Marcado também pelo seu tempo tem ainda algumas linhas de oposição ao socialismo marxista e ao materialismo.
Transcrevamos então alguns dos melhores contributos educativos e espirituais que Feliciano Soares cogitou e escreveu no I cap. Autobiografia de uma mulher inteligente:
«Vê-se, antes de tudo, qu
e o programa estabelecido para a formação do espírito educanda, faliu redondamente. Esse programa teve, apenas, em vista, colar na inteligência da criança, conhecimentos inertes, diga-se assim, para não servirmos da denominação de Bossuet que lhes chamaria estéreis sem interessarem fundamente a inteligência. Sem interesse, não pode haver emoção. E não podia haver interesse desde que antes de serem ministrados esses conhecimentos, não se pesquisou se havia aptidões, disposição, vocação para eles, como, realmente, não havia.»
«O espírito de sacrifício deve ser cultivad
o e desenvolvido. Viver é sacrificar-se. Quem não tem disposições para o sacrifício, não tem disposições para a Vida. Não sabe viver. (...) Sentir a efémera vida material, não é viver. Só vive dignamente, verdadeiramente, quem põe nos mais insignificantes detalhes da sua Vida, um alta intenção espiritual».
O III ca
pítulo Adentro das Naves, a propósito de um livro de Madeleine Brunon Gnardin, Dans l'ombre des clochers, caracteriza-a muito bem, e tece em seguida um belo elogio às catedrais e aos que as sabem sentir e nelas se elevar, exemplificando com Paul Claudel e o pintor Willibrord Verkade na Notre Dame de Paris,  Manuel de Ribeiro na Sé de Lisboa, e J. K. Huysmans, tentando também numa elevar-se, mas «para se chegar à Região Azul, é necessário ter o coração ao alto, tão alto que toque no Infinito. E, só assim, a Catedral é Rainha, e é Mãe e é a Porta da Eternidade».

Gravura de Charles Jouas para o frontispício da Cathédrale, de J. K. Huysmans. 1909.
Nos seus dois capítulos sobre a morte, o Sino dos Mortos, Mês de Novembro: Meditação sobre a Morte, encontramos naturalmente pensamentos bem sentidos, próprios da sua impregnação cristã e dos seu amor à vida e aos seres, desafiantes mesmo e quem sabe se  intuitivamente certos, tal como estes:«A Morte não separa senão os que, em vida, já eram separados. Pelo contrário. A Morte une mais ainda. A união é mais clara e mais pura. O espírito, libertado, não sofre as influências maléficas da terra. E os que ficam para trás, purificam-se também, no contacto espiritual com os que oram. [Talvez haja uma excessiva glorificação dos que morrem e do que elas influenciam os que estão vivos, excepto se pensarmos em almas já muito evoluídas.]
Não se fala com eles? Ora-se com eles. E a prece purifica. Na prece vive Deus [ou o espírito divino em nós intensifica-se para a nossa consciência]. A confraternização com o Além, por meio da prece - único traço d'união com o Céu, santifica. Meditar é também orar. Trabalhar é orar, também. E, assim, o homem, meditando, trabalhando, erguendo, ao alto, o coração, vive perto de Deus, vive do outro lado da Morte. E vive perto dos que já transpuseram o grande Limiar», mas de certo modo um "viver perto" relativo, já que o envolvimento no que se passa no mundo é mais forte nos nossos dias, pelo que o sentir e escutar interior enfraqueceu...
Fotografamos duas valiosas páginas desta sua
Meditação sobre a Morte, onde não menciona Antero de Quental, embora tenha pensamentos anterianos onde equaciona a irmã morte libertadora mais com Infinito, a Eternidade e Divindade do que com o Não ser:

Citações de Lamartine, Goethe e Victor Hugo exemplificadoras da aspiração mística que sentiam perante a morte e a libertação.

 Ao finalizar esta abordagem à alma e escrita de Feliciano Soares, saudamo-lo no corpo místico crístico e universal e que ele possa do Alto e íntimo co-inspirar e guiar almas amigas recentemente partidas e pelas quais oramos... 

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