CAILLOIS, Roger. L'INCERTITUDE QUI VIENT DES RÊVES, Paris, Gallimard, 1956. In-8º 168 págs.
No começo da justificação do livro, este intelectual e sociólogo francês consagrado por uma longa vida (1913-1978) nos meios literários europeus e da Unesco, que passou pelo surrealismo e o sobrerealismo até chegar a ser eleito membro da Academia Francesa em 1971, e que exigiu um rigor algo materialista para que não se caíssem nos excessos de imaginação e misticismo do começo da mentalidade da new Age, afirma bastante descrente e crítico que «os filósofos, de Shankara a Pascal e a Leibnitz, definiram de bom grado a realidade como um conjunto de sonhos bem interligados Era para retirar a realidade ao mundo exterior e para apresentá-lo como uma fantasmagoria da qual a consciência despertaria um dia qualquer. Assim se estabelecia como que uma hierarquia: o sonho, a percepção, a iluminação ou conhecimento verdadeiro, que ordenava tanto os graus do saber como os da existência da realidade. Outros, entretanto, não deixaram de se interessar sobre o conteúdo do sonho, as imagens enigmáticas que o constituem e das quais se esforçaram por interpreta o sentido. Segundo as épocas e escolas acreditaram poder ler-se seja o futuro do sonhador ou os segredos inconfessáveis que ele esconderia ao seu próprio olhar. Compuseram em geral léxicos de símbolos que deveriam permitir decifrar, segundo o caso, mensagens sobrenaturais ou confissões duma consciência atormentada. Nenhuma destas duas preocupações tradicionais tem grande relação com o texto que se segue. Para mim, com efeito, os sonhos tem muito pouco mais sentido que as formas das nuvens ou os desenhos das asas das borboletas». Acrescentemos que da América do Sul, onde esteve durante a 2ª grande Guerra, trouxe uma bela coleção mineralógica, e que foi o grande tradutor de Jorge Luis Borges em França.
Anote-se que esta caracterização algo caricata, superficial e pouco interessada no auto-conhecimento pela via da compreensão de algo de tantas horas numa vida, ainda que certamente certeira em algumas crenças, práticas e interpretações exageradas e dogmatizantes, está acompanhada no livro por um esforço de compreender o que se passa com a consciência, para ele ausente do sonho que é apenas um espetáculo em geral anárquico de imagens e onde atribuímos erradamente ao nosso ser-imagem nelas uma continuidade de nós próprios, recusando-se Caillois assim a aceitar que elas se ordenem inteligivelmente às ordens de alguém que não é a sua consciência. Provavelmente sem nunca ter tido sonhos mais vividos, provavelmente recusando a existência de um espírito e corpo espiritual no ser humano, Roger Caillois passará ao lado do aprofundamento, catarse, renovação e inspiração que os sonhos suscitam, como tantos seres ao longo do tempo vivenciaram.
PAGÈS, Robert. ITINÉRAIRE DU SEUL. Essai. Paris, Robert Laffont, 1962. In-8º 227 p.
Uma obra valiosa, das duas geradas por este (1919 a 2007) psicólogo e professor no CNRR francês, expondo nela um caminho do auto-conhecimento, pontuado pela sabedoria oriental e ocidental, com algumas referências ao dormir e ao sonhar. Abre com três valiosas citações, e o prefácio está imbuído de activismo esperançoso espiritual, e de gratidão aos seus iniciadores: os da tradição espiritual indiana, o crucificado Nietzche, e a mulher que o fez empenhar-se na luta contra o anjo e o demónio em si. Citamos a 1ª frase, as outras sendo de Al-Gazali e de Oswald Spengler: «Mais vale a cada um a sua própria lei de acção [o swadharma, dever próprio], mesmo imperfeita, que a lei de outrem mesmo que bem aplicada. Não se incorre em pecado [culpa ou falta] quando se age segundo a lei da sua própria natureza», Bhagavad Gita, XVIII, 47.
Numa obra caracterizada pela aproximação e valorização da «migração para o interior de nós próprios, e que Aldous Huxley chama a Paz das Profundezas», Robert Pagés realçará quanto o sono e os sonhos nos revitalizam em cada noite, transformando-nos e enriquecendo-nos para avançarmos no caminho da procura da verdade e da acção necessária ou justa, para o qual considera como a base fundamental o estarmos conscientes no presente, a cada momento, o aqui e agora.
BOREL, Adrien & ROBIN, Gilbert. LES REVEURS ÉVEILLÉS. Paris, Gallimard, 1925. In-8º 219 p.
Boas aproximações aos sonhos, devaneios e ao inconsciente, visto como uma entidade dinâmica e em constante luta com a censura do Eu. Face à crescente rapidez do ritmo de vida após a 2ª grande Guerra, realça a necessidade de se aprofundar um estado próximo do sonho, o estado de devaneio (reverie) em que se observam as imagens que se associam por si mesmas, e que pode ser cultivado ao descontrair-nos seja passeando, seja num sofá. Um nível mais elevado, a que chama songerie, escolhe um tema ou imagem e deixa-o prosseguir e interligar-se ou associar-se, na tonalidade afectiva desejada e mantida
O "Sonhador desperto", título da obra é então aquele ser «que se deixa ir pela meada dos pensamentos e que se esquece assim do que se passa à sua volta», aquele que se deixa entrar num divagar, que vive mais no mundo imaginário e satisfeito. São seres próximos do autista, pois neste «o pensamento não procura obedecer aos rigores da lógica racional. É uma lógica afectiva e incomunicável à pessoa normal. Um pensamento solto e fluido como o sonho. É um sonho desmesurado que desloca os limites do real e refaz o mundo de uma maneira original, muito inalcançável.» E fá-lo como artista que tece um outro mundo feérico, ou então como um receptáculo de tensões psíquicas, complexos afectivos que não se manifestaram e se mantém escondidos. Os capítulos seguintes da obra estudarão os diferentes devaneios ou "sonhares" da criança, do adulto, do mórbido, do ser médio e dos que chegam à obsessão. O equilíbrio do mundo interior e do mundo exterior, da afectividade íntima e da partilhada, das tendências e qualidades será então um fim que se procura ora sonhando descontraidamente ora sabendo determinar-nos no que se quer aprofundar e desenvolver.
FROMM, Erich. LE LANGAGE OUBLIÉE. Introductions à la compréhension des rêves, des contes et des mythes. Paris, Payot, 1980, In-8º 212 p.
Psicanalista de Berlim, judeu emigrado para a USA com o nazismo, desfrutando de uma multiculturalidade de aprendizagem e diálogo que o ajudou a libertar-se de Freud e do seu puritanismo e abstração da vida, conseguiu desenvolver uma visão crítica dos padrões culturais da sociedade burguesa capitalista (para a qual o ser humano é um meio e não um fim em si, e que gera o passivo homo consumitor), bem como uma psicanálise mais humanista graças a uma aproximação multidimensional à psique humana, ao subconsciente e aos sonhos, vistos como linguagem universal. Capítulos do livro: Introdução, Natureza da Linguagem Simbólica, a Natureza do Sonho, Freud e Jung, História da Interpretação dos sonhos ( A primeira interpretação, não psicológica dos sonhos. A interpretação psicológica dos sonhos.) A arte de interpretar os sonhos. A linguagem simbólica nos mitos, nos contos, nos ritos e nos romances estudando de cinco mitos: Édipo, Criação, Chapéuzinho Vermelho, o rito do Sabat, o processo de Kafka. Prefere compreensão à interpretação. Este breve resumo dá apenas uma pequena imagem do psicólogo e psicanalista que teve grande voga nos pessoas dos movimentos new Age.
COUPAL, Marie. LE GUIDE DU RÊVE ET DE SES SYMBOLES. De A a Z, tous les sens de vos rêves. Ottawa, 2004. In-8º 567 p. Embora com alguns optimismos new age quanto aos mundos e realidades subtis, o extenso dicionário revela boas leituras de Jung, Adler, Freud, além de boa sensibilidade mas como todos os dicionários dá por vezes interpretações muito pessoais ou limitados a imagens ou símbolos que noutras pessoas teriam ressonâncias, leituras e causas ou fontes bem diferentes. A Introdução, de quarenta páginas, é valiosa, com alíneas sobre: Linguagem simbólica e projecção pessoal; símbolos inatos e adquiridos; princípio feminino e masculino; símbolos gerais, cores, aspectos musicais, arquétipos, dos povos antigos, do alto e do baixo, de palavras inductoras, sonhos recurrentes. Conteúdo manifesto e latente. Fenómenos de censura e de repressão. A deslocação, a condensação e a inversão. Personagens simbólicas: a sombra, o animus e a anima. Os tipos de sonhos. Sonhos em cores, e a preto e branco. Porquê trabalhar os sonhos. Para bem analisar o seus sonhos (Possuir algumas noções de psicologia, e falar dos sonhos e pesadelos). Meditação.
AEPPLI, Ernest. LES RÊVES ET LEUR INTERPRÉTATION. Avec 500 symboles de rêves et leur explication. Paris, Payot, 1962. In-8º 308 p.Formado em Psicologia e em Letras, psicoterapeuta da escola de Carl Gustav Jung, o austríaco Ernest Aeppli, (1892-1954) apresenta um resumo da ciência psicológica de então, com alguma originalidade, pois após a 1ª parte sobre a Natureza do Sonho, ea 2ª A Interpretação do Sonho, onde passa por Freud, Adler e Jung, na 3ª parte, a mais extensa, cerca de metade do livro, sobre os Símbolos Oníricos, com 26 divisões, aborda o simbolismo do corpo humano, veículos e instituições acessórias, perigos, sonhos de escola e exames, dinheiro, morte, animais, igreja e cultos, com bastante cultura de arquétipos e tradições, chegando a descrever o processo yoguico da subida da kundalini ao longo dos vários centros nervosos até chegar à coroa da vida, certamente algo perigoso de ser feito por si mesmo ou guiado por satgurus de pacotilha Frequentemente corrigindo ou alargando as visões mais limitadas da psicanálise freudiana (excessivamente sexual) pela jungiana ,mais abrangente nas motivações e impulsos na vida, mas caindo por vezes no erro de definir sonhos por interpretações gerais quando cada imagem simbólica num sonho tem a sua verdade própria interpretável apenas no contexto dessa pessoa e da sua idade, evolução, sensibilidade e integralidade ou alinhamento, tanto mais que por vezes são elas, mais do que espelhos, efeitos de compensações. Realce-se, nesse sentido da pessoalidade, que Ernest Aeppli começa a obra assim: «O sonho pertence às experiências mais pessoais do ser humano. É ele e não outro que sonha» e pouco depois cita Jung para quem o sonho era uma conversa que se passa no inconsciente, provavelmente a tempo inteiro e de que nos chegam alguns fragmentos. Nessa direcção virá uma citação bem revolucionária um pouco à frente, de Pfaff, que muitos de nós já sentiram por vezes, embora não seja conveniente exagerar devido ao desgaste que se pode causar no cérebro e corpo: «só o corpo tem necessidade de sono, não a alma». Talvez por isso algumas almas, demasiado cansadas corporal e até animicamente, sonhassem ou desejassem a morte como adormecer um ficar a sonhar na mão de Deus. Antero de Quental, tão desgastado psico-fisicamente, andou por estas margens do além, coforme vemos em alguns dos seus sonetos nomeadamente Na Mão de Deus, a quem já consagramos alguns artigos neste blogue.
Um exemplo mais conseguido das suas redacções interpretativas, sobre a paisagem no sonho: «Os sonhos do país ou paisagem da nossa juventude podem ter um sentido positivo ou negativo. Durante a nossa evolução pessoal, todas as faculdades que a vida nos agraciou na origem não são utilizadas. Uma parte delas permanece latente na região da alma que contém as imagens da nossa juventude. Muitas vezes sonha-se numa certa rua de outrora, que nos tínhamos esquecido completamente. Deve-se perguntar então: Quem habitava esta rua, o que se passou aí, porque a usámos emprestada tantas noites seguidas? Com a ajuda do contexto e das ideias sugeridas automaticamente, pode-se responder; e acabar-se-à por fazer aproximações que reanimarão uma parte do que foi deixado nessa rua com os seus habitantes. É esse conteúdo que convém no presente assimilar-se.».
Esta leitura dos sonhos como convites a reapossarmo-nos de vivências passadas numa orientação mais harmoniosa e dinâmica para que uma maior plenitude do ser possa brilhar e manifestar-se, é proposta por vários estudiosos dos sonhos...
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