segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Uma biografia de Anton Rubinstein por Higino da Costa Paulino, na "Gazeta Musical, Jornal Ilustrado Theatros, Musica e Bellas Artes", com a sua Sinfonia No. 2 in C major Op. 42 'Ocean'.

Apesar de já ter mais de uma centena de anos a biografia do grande compositor e pianista do final do século XIX António Rubinstein, escrita pelo artista, comediógrafo e musicólogo Higino Augusto Mascarenhas da Costa Paulino para a Gazeta Musical, Jornal Ilustrado Theatros, Musica e Bellas Artes e dada à luz a 15 de Abril de 1884, resolvi ressuscitá-la das páginas já esquecidas e  transcrevê-la tanto para se conhecer a vida de um  génio musical como o que o seu contemporâneo e meu bisavô materno Higino, Gino conforme assinava, que o ouviu tocar no S. Carlos em Lisboa, a 14 de Março de 1881,  nos transmitiu na sua sensibilidade e linguagem artística portuguesa de final do século XIX.
                                  
Higino da Costa Paulino irá posteriormente viver e trabalhar para a Índia Portuguesa, onde casou com Maria Helena de Noronha e educou sábia e artisticamente os seus filhos e filhas e, em récitas e representações teatrais, várias outras crianças de Panjim durante trinta anos, até regressar de novo à urbe lisboeta, a Campo de Ourique. Oiçamo-lo segundo a sua anímica captação e descrição do mundo,  do ser humano e de Rubinstein...

                         

«Passados são três anos depois que o notável artista, de relance, se apresentou ao público de Lisboa. Quase nem tempo houve para admirar aquele engenho excepcional, que a Europa proclama, e que uma vez, por distração, se lembrou de poisar no palco do nosso primeiro teatro [S. Carlos], para quase de improviso erguer o voo a tão eminente altura, que por longas horas lhe aguardamos a descida, como se possível nos fora domesticar os génios, quando a eles se alia a mais requintada excentricidade.
Para António Rubinstein não existe no mundo ideal que o atraia, subjugue e convença, senão a arte! É a sua mãe estremecida, a sua esposa devotada, a sua filha carinhosa, numa palavra é a sua família dilecta! Fora daqui figura simplesmente um homem, cuja vitalidade se denuncia pelo pulsar das artérias, pelo movimento dum corpo que se agita, muitas vezes em desarmonia com os preceitos que a sociedade impõe.
Poucos indivíduos haverá cuja excentricidade ultrapassa aquela de que se reveste o espírito do genial artista que hoje tentamos biografar.
Em Espanha recusou fazer-se ouvir numa peça a quatro mãos com a rainha D. Cristina, alegando, com a maior sem cerimónia, que nunca tocara com amadores; em Dinamarca, convidado a tomar parte num concerto, no palácio real, saiu precipitadamente, pela simples razão de que, tendo chegado à hora aprazada, lhe disseram que sua majestade se demorava ainda o tempo preciso de concluir uma partida de whist; em Colónia, executou o programa de costas voltadas para cinco ou seis mil pessoas, pelo facto de que, entre esse número avultado de espectadores se achava o insigne o insigne professor Hiller, com quem ele tivera uma pequena discussão; de Portugal só levou recordações de Sintra, adivinhando no nosso público um temperamento anti-musical de tal ordem, que esteve para terminar a meio do concerto.
À semelhança destes, muitos casos se têm dado na carreira artística deste homem notável, e que são o cunho evidente do seu génio particular, que não é exactamente aquele que nos cumpre descrever. 
Desenho de Bordalo Pinheiro, amigo de Higino, para este número da Gazeta.

António Rubinstein, [Anton Grigoryevich Rubinstein, Антон Григорьевич Рубинштейн, ]filho de um negociante de lápis, estabelecido em Moscovo, nasceu em Wechwotynez [Vikhvatinets, Baltsky Uyezd], povoação da Moldávia, nas fronteiras russas, aos 28 de Novembro de 1829.
Foi inquestionavelmente devido a sua mãe, uma boa pianista, a quem o filho não desamparava um momento sequer, que António Rubinstein deveu a sua educação musical, e tanto assim que em 1835 começou a instruí-lo nos rudimentos desta arte. Foram de tal ordem os progressos patenteados por essa criança, que a mãe, reconhecendo-se insuficiente para mais amplamente os dilatar, chamou em seu auxílio Viloing, primeiro professor de piano em Moscovo, o único a quem Rubinstein deve a sua perfeita ciência neste instrumento. Logo aos nove anos se fez ouvir em um concerto, causando geral impressão o seu talento precoce. Motivos imperiosos obrigaram Villoing a ausentar-se para Paris e, renitente em não ceder o seu discípulo à vigilância de outro professor, resolveu levá-lo consigo para a capital da França. Aí, em 1840, instigado por grande número de notabilidades, Rubinstein deu um concerto, executando um reportório composto dos mais difíceis trechos de Bach, Beethoven, Chopin, Hummel e Liszt. Foi por conselho deste último que professor e discípulo se decidiram a visitar a Alemanha, percorrendo em seguida Holanda, Inglaterra, Suíça e Dinamarca, promovendo por toda a parte a mais justificada admiração. De volta à Rússia em 1843, aí se demorou pelo espaço de um ano, não descansando de promover concertos, onde sempre foi ouvido com inúmeras provas de simpatia. Por esta época já seu irmão Nicolau, uma criança de seis anos, denotava extraordinária propensão para a música, e tanto assim que Madame Rubinstein, em face de mais um nome glorioso na sua família, resolveu partir para Berlim acompanhada de seus dois filhos, tomando a prévia resolução de consultar em primeiro lugar o célebre Meyerbeer, o que levou a efeito, e que teve por complemento, a entrega de António e Nicolau aos cuidados do professor Dehn, que, durante dois anos, os instruiu, com o máximo desvelo, em harmonia e contraponto. Achando-se gravemente enfermo em Moscovo o pai dos jovens artistas, sua esposa teve de voltar à Rússia em 1846, assistindo ainda aos derradeiros momentos desse honrado homem, que baixava à sepultura sem que a Providência lhe permitisse ser testemunho da forma gloriosa com o que o seu descendente lhe engrandeceria o nome.

Obrigado a dedicar-se ao comércio, Nicolau Rubinstein não teve ocasião de desenvolver-se na arte para a qual tão vivas tendências demonstrara, finalizando por consequência nessa época os seus estudos. António permaneceu em Viena, conseguindo com extrema felicidade prosseguir na sua auspiciosa carreira. Decorrido um ano mais empreendeu uma viagem à Hungria, acompanhado do flautista Heindl, formando em seguida projecto de se transportar à América, pensamento este não realizado, pela intervenção dos numerosos admiradores do seu talento, que obstaram à partida. Em vista pois desta prova do elevado apreço em que era reputada a inteligência de Rubinstein, o artista decidiu-se a permanecer na capital da Prússia, dando lições de piano, ao mesmo tempo que se entregava ao estudo da composição. Em pouco tempo esta nova fase da sua vasta capacidade lhes alcançou os foros de nomeada, e tanto assim que pôs de parte o piano, no qual já não encontrava segredos de espécie alguma. As revoluções de 1848 obrigaram-no a passar de novo à Rússia, fixando então a sua residência em S. Petersburgo.
Foi em 1849, que escreveu a primeira ópera o Dimitri, três actos representados em 1852. Teve esta composição um êxito tão satisfatório, que a Grã-duqueza Helena, dotada de uma alma extremamente artística, fixou as suas atenções sobre o autor, e favoráveis de tal maneira, que António Rubinstein passou a viver no sumptuoso palácio de Kamenoiostrow, trabalhando ali
desafogadamente e rodeado dos mais apetecíveis confortos.

                                   

Durante essa época escreveu A Vingança, Os Caçadores da Sibéria e O Louco da Aldeia que, conquanto perfeitas  no estilo, na instrumentação e no colorido, cópia dos costumes da Rússia, não tiveram êxito fora do vulgar.
Em 1854, os conde de Wielhorski, generosos protectores dos
artistas, e ainda hoje dos primeiros  amigos de Anton Rubinstein, aconselharam o compositor a visitar os melhores países estrangeiros, profundar as suas escolas, consultar os melhores mestres, afim de tornar mais evidente a fama desse nome que prometia honrar a sua pátria. À grã-duqueza Helena deveu ainda a Rubinstein o favor de obter os meios para a realização dessa viagem que teve começo em Maio do mesmo ano, e na qual o artista, depois da sua apresentação em Mayence, percorreu toda a Alemanha, sempre vitorioso em brilhantes recepções. Em 1855 foi a Paris, organizando na sala Herz alguns concertos a grande orquestra, causando viva impressão o desenvolvimento desse talento que os parisienses tanto haviam festejado no seu despontar. De Paris seguiu para Londres, onde os seus sucessos promoveram um ruído tal, que lhe alcançaram o diploma de pianista na corte da Rússia. De 1856 a 1857 não descansou de percorrer  as principais cidades da França e da Inglaterra coroado sempre pela profusão dos aplausos e lucros. Era então de uma rapidez vertiginosa nas composições, e como prova, basta citar-se que de 1848 a 1857  escreveu nada menos de 80 obras, cuja maior parte nada têm de pequenas. Nos começos de 1859 deu concertos em Viena, depois em Pesth, excitando transportes de admiração. Voltando a Paris em abril do mesmo ano, fez-se ouvir de novo na sala Herz com uma orquestra que executou a maioria das suas mais difíceis composições. Feita a saison na capital da França, partiu para Londres, atravessou a Rússia, sempre em tournée artística, e parou em Moscovo, nessa cidade tão risonha às suas recordações de infância, e onde viviam ainda os poucos membros da sua família.
Em 1859 efectuou novas viagens a Viena, Londres, S. Petersburgo, e em 23 de fevereiro de 1861, Antonio Rubinstein fazia representar no teatro da Porta Corinthia, em Viena, a opera em 3 actos As crianças de Landes que não aumentaram a nomeada do autor.
Alguns outros trabalhos de suma importância se seguiram a este e
que classificariam o maestro no mundo da arte, como uma organização musical da mais elevada essência; as suas obras eram até então repassadas de um sentimento de melodia não vulgar, e o ser harmónico, abundante de interesse, adquiria sucessos inesperados.
Rubinstein escrevia nessa época com extrema ligeireza, facto que deteriorava um pouco o plano das suas produções.

                              

Hoje o afamado maestro, verdadeiramente correcto, à custa de um estudo profundo e aturado, das pequenas faltas que algumas vezes tentaram afastá-lo do melhor caminho, coagindo-o a buscar nas modulações repetidas e na exageração dos processos os efeitos imaginados, é um artista célebre que a Europa inteira admira, e que no Daemon e no Nero alcançou triunfantemente a glória imorredoira
a que o seu talento tinha jus.
Foi em 1875, no teatro da opera em S. Petersburgo que o Daemon subiu à cena pela primeira vez. A ovação feita nessa ocasião ao maestro foi enorme, e mais grandiosa se tornou quando em 1881 no Convent Garden em Londres esta ópera foi interpretada pelos notáveis artistas Albani, Trebelli e Lassale.
O característico, o colorido e a forma rítmica, melodiosa e interessante, ornamentos essenciais do Daemon, conquistaram a António Rubinstein um lugar proeminente entre os primeiros compositores.
Neste mesmo ano, quando a celebridade parecia sorrir-lhe a cada
passo, quando o íntimo se lhe replectava de incomparável ventura, quando alfim a recompensa a tantos anos de um trabalho pertinaz, consecutivo, surgia lisonjeira, um golpe cruel, impiedoso, veio roubá-la à realidade dos prismas encantadores, para o abismar na realidade dos transes dolorosos. Nicolau Rubinstein, o irmão que ele tanto adorava, e por quem nutria uma dedicação excessiva, finava-se, vítima de uma tuberculose pulmonar. António ainda correu junto do leito do moribundo, porém, apenas abraçou um cadáver.
O desgosto magoou-o de tal forma, que o artista, de então para cá, mais reservou o seu carácter já triste e melancólico.

                                        

A arte, no seu majestoso poderio não sofreu que a violência de um
golpe prostrasse aquele, que os louros da glória não conseguiram adormecer. E tanto assim que há pouco mais de um mês a ópera italiana de S. Petersburgo engrinaldava de novo o seu templo para prestar ao talento de António Rubinstein a maior das ovações de que há memória na capital da Rússia. O Nero confirmava mais uma vez a pujança dessa concepção grandiosa que, desde tenros anos labuta em proveito  da mais sublime das artes - a música. Desde o czar a toda a corte, até ao mais humilde dos espectadores todos de pé aplaudiam essa obra maravilhosa, acenando com os lenços, e festejando o autor, que debaixo da profusa chuva de oiro e flores, agradecia comovido. Durand, Repetto, Stahl, Cotogni, Silva, intérpretes do spartito, e os demais artistas da companhia ofereceram ao maestro uma riquíssima coroa de prata, proferindo nesse momento o empresário frases de louvor, que decerto servirão de eterna memória a António Rubinstein.
Há quarenta e dois anos, uma das opiniões mais autorizadas da
Alemanha, ouvindo num pequeno concerto o pequeno artista, profetizava que o seu futuro havia de associar-se à arte como o mais sublime, puro e nobre que a natureza criou. O sábio doutor Bechar há vinte e quatro anos que morreu, mas o seu vaticínio atinge a eminência do alvo a que se dirigia.
Eis pois os traços biográficos que podemos coligir para descrever a existência artística de uma das primeiras notabilidades da época.
Como pianista teve o público português ocasião de adivinhar, ainda
que em pouca horas, quanto é poderosa essa inteligência musical, que não produz somente a bravura, a agilidade, a expressão estudada, as quais receberam  umas nuances artificiais, mas também o sentimento vivo, próprio, brotando do íntimo do coração, que se envolve nos sons, aprofunda-os e, inspirando-se, torna-se com eles um organismo incomparável, sublime! Esta foi sem dúvida a impressão legada aos portugueses pelo talento do célebre virtuose António Rubinstein.»
Gino. 

Anote-se que há outra biografia de Rubinstein e a reconstituição do seu concerto pelo insigne musicólogo Michel'Angelo Lambertini, na revista Arte Musical, nº 25, de 1900, online em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/ArteMusical/1900/N25/N25_master /ArteMusical_A2_N25_15Jan1900.pdf 

*** Muita Luz e Amor Divinos em Anton Rubinstein, Higino da Costa Paulino e Michel'Angelo Lambertini, e que nos possam inspirar...

                      

Sabedoria Persa (19). "Harmoniza-te bem se queres ser Luz, em ti e nos outros", de Saadi Shirazi, comentado por Pedro Teixeira da Mota e com belo vídeo de poema em farsi.

                             
                    O tão inspirador mausoléu de Saadi Sherazi, onde estive em peregrinação e meditação.

É do imortal Saadi (1210-1291), da cidade Shiraz mas muito viajado na sua primeira metade de vida (de acordo com o preceito que deu: "vai e viaja neste mundo, antes que venha o dia de saíres dele"), com Ferdowsi (940-1019),  Khayyam (1048-1131), Maulana Rumi (1207-1273) e Hafiz (1320-1390) os quatro escritores mais amados do Irão, autor dos famosos Gulistan e Bostam, que serão lidos perenemente (e pode ouvir um deles no vídeo anexado desde já) tal a sabedoria, humor e amor que deles se destila, a verdade  proposta para meditação, provavelmente extraída de uma das obras referidas que mesclam harmoniosamente poemas e pequenos comentários e histórias muito instrutivas, tendo até eu trabalhado na tradução de alguns destes textos tão impregnados da unidade da vida em lúcido amor e compaixão, quando estive no Irão, e que espero vir um dia a encontrar uma editora interessada.

"O sábio cujos hábitos são desregrados, assemelha-se a um cego que leva um archote com o qual ilumina os outros, sem poder iluminar-se a si mesmo."

   Comentário, escrito há já alguns anos e agora levemente ampliado:
Se o teu modo de vida não for harmonioso, se tiveres ainda vícios ou defeitos, se perdes a calma ou cabeça e te ofendes ou até te irritas , se abusas de certas coisas ou tendências e és negligente de outras, como poderás ser um portador de Luz para os outros, já que o interior da tua própria casa está obscurecida e a luz sepultada?
Se não conseguires contemplar (ou pelo menos invocar) o espírito e adorar o Ser Divino, se a tua oração ou comunhão é curta ou distraída, como podes querer que Ele (ou os seus anjos e mestres) te abençoem, ou que a tua língua ou pena transmitam as Suas maravilhas subtis tão desconhecidas para os que neles não acreditam nem invocam?

Write with the blood of thy heart's love, joyfully.

       Quando sentires (com mais regularidade) o cálice do teu coração a arder permanentemente, então sabe que o Espírito e a Divindade estão a renascer em ti e então só tens de deixar que Ela escolha com quem e como melhor comunicares ou partilhares o seu Amor unitivo, solidário, libertador, de certo modo, ó cavaleiro ou cavaleira do Amor, pelo Graal, jam-e jam, em ti resplandecente...

Equilibra pois bem as tuas posturas e movimentos, sentimentos e pensamentos, alimentação e bebida, sono e vigília, acção e contemplação, fala e silêncio, receber e dar, e certamente que numa vida criativa a Luz ir-se-á intensificando em ti e nos outros iluminando o Caminho e os seus aspectos, seres, energias, mundos rumo à fonte primordial Divina...

                        

domingo, 27 de fevereiro de 2022

A Realização Espiritual, texto em francês de Rishi Atri, traduzido em video e comentado por Pedro Teixeira da Mota.

                                         

 O texto do instrutor ou mestre francês Rishi Atri, um dos meus primeiros e a quem saúdo e agradeço, publicado na Atma Bodha, La revue du Kriya Yoga, nº 15, e que era também da Atma Bodha Satsanga (Associação do Conhecimento do Espírito) foi lido e comentado no vídeo que encontra no fim. Como o tempo de gravação terminou subitamente, o parágrafo final do texto não foi lido nem comentado. De qualquer modo poderá lê-lo, já que partilho neste artigo a digitalização do texto original em francês, e a tradução em português dos últimos parágrafos, dos quais  eu não lera, como disse, o final: 

«Não é sem razão que a primeiro termo da divisa dos iniciados:"saber, querer, ousar, calar", é "saber". Não se trata evidentemente do que podemos juntar dos livros, mas do saber que só a observação e a atenção podem trazer. Os livros podem ser estimuladores úteis, mas não esqueceis que é em vós que se encontra toda a Sabedoria e é em vós que a deveis encontrar. Nenhuma Escritura, por mais sagrada que ela vos pareça, não tem valor senão vivida por vós, re-descoberta por vós na intimidade sublime do Si [Soi, Eu espiritual, Jivatman].

Para atingir a Realização Suprema, Sat Chit Ananda, estai atentos a tudo, fora de vós e em vós. Tal como [o cientista francês] Pasteur pode dizer que "o génio é uma longa paciência", assim também o despertar na Consciência Cósmica é uma longa atenção».

Iniciando-a com a explicação de que a Realização implica sobretudo desconstruirmos ideias, limpar-nos, interiorizar-nos, silenciar-nos, Rishi Atri vai encaminhar-nos para uma caminho simples interior de auto-consciência energética e psíquica, basicamente pela atenção exterior e interior, que conduzirá por fim à contemplação espiritual, do Eu espiritual ou espírito, e a sentir mais a maravilha de Ananda, beatitude, paz, felicidade, tão necessária nos nossos dias violentados e manipulados... Oiçamo-lo...






                           

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Krishnamurti em video: se a Yoga de exercicios desperta a misteriosa kundalini. E como a Yoga Real é a da ética e da mente nova, livre...

Neste interessante vídeo do pensador, pedagogo e mestre sem o querer ser, Jiddu Krishnamurti (1895-1986), vêmo-lo a responder algo contrariado a uma pergunta que alguém da assistência escrevera num papelinho, exclamando mesmo em voz baixa, "que pergunta maluca":

«Com a prática de Yoga, tal como é realizada na Europa e na USA,  ajuda-se o despertar espiritual? É verdade que a prática de Yoga vai despertar uma energia mais profunda, chamada Kundalini?»

Após lê-la, a sua exclamação foi: "Do sublime descemos ao ridículo", mas responderá valiosamente e com alguns aspectos a cogitarmos: 1º considera que esse chamado Yoga, de exercícios para ter bom e saudável corpo por força, disciplina e controle, e para despertar as ditas energias superiores, foi inventado no século XVII e XVII, não dando contudo nenhuma prova ou exemplo de tal, e não me parecendo correcta tal datação, pois sempre houve exercícios muito físicos e faquires.

2º Contrapõe a tal yoga praticado hoje ocidentalmente, a verdadeira Raja Yoga, a Yoga Real, o rei ou rainha das Yogas e cuja essência é levar-se uma vida altamente moral, não moral de acordo com circunstâncias e cultura, mas sim uma verdadeira actividade ética na vida, não ferir, não beber, não drogar-se, ter a quantidade correcta de dormir e de comer, ter pensamento claro, e agir moralmente, fazendo o que é justo. E que esses especialistas que consultou sobre Yoga nunca mencionam fazerem-se exercícios, apenas o andar, nadar, pois o enfâse era o de uma vida altamente moral, com uma mente bem activa. 

Aqui há que reconhecermos que está talvez sem querer a desviar-se da verdade porque o principal texto codificador da milenária Raja Yoga, os Yoga sutras de Patanjali, refere os exercícios físicos e respiratórios (asana e pranayana), ainda que de facto brevissimamente  e apenas como preparativos para  o recolhimento interior, a concentração, a meditação, e a contemplação-unificação-samadhi. Krishnamurti esquece isto tudo e irá saltar para o corresponderia ao samadhi, que verá mais apenas num estado mental limpo e energético.

3º Tendo conversado com muitos especialistas de Yoga, Krishnamurti conclui que lhe disseram que Yoga significa União, unir o superior e o inferior. A Yoga ocidental de exercícios deve ser chamado apenas Exercícios (o que não vende tanto, sugerirá...), mas as pessoas poderão fazer muitos anos desses exercícios que nunca despertarão espiritualmente no interior, nem nessa energia, a que se deu o nome de kundalini, e praticamente nunca encontrou ninguém que realmente falasse por experiência dessa energia kundalini, pois a maioria das pessoas mesmo que se tornaram especialistas falam dela, mas referem-se sempre a um originador mistificador, e apenas sentem certas experiências. Ora esse despertar de mais energia também pode resultar de um bom modo de vida, uma alimentação certa e o respirar correctamente.
Tal só pode acontecer quanto o Eu (Self) não estiver, quando deixar
de existir o sentimento eu, então há uma energia completamente diferente que mantém a mente (mind) fresca, jovem, viva. Tal só acontece quando conseguirmos libertar-nos absolutamente desse sentido de eu, que está sempre em conflito e luta, deseja isto ou não quer aquilo. Havendo tal luta, perde-se muita energia, mas quando já não há tal luta então uma verdadeira energia nova é sentida.

Podemos comentar nós agora que sem dúvida a diminuição das ondas de pensamento e da actividade projectiva do ego, ou seja conseguirmos controlar o que pensamos e silenciarmos mais interiormente é fundamental para um estado anímico mais  unificado e que permita mesmo a tal yoga ou união do inferior e do superior, que Krishnamurti aludiu mas da qual não falou, tal como também no fim da resposta e vídeo (que está muito entremeado de risos..) não diz o que é que não se consegue pela via normal dos exercícios tão divulgados ou seja comercialmente explorados por federações e seitas. Poderemos pensar então que há aqui uma certa omissão de ordem espiritual, o que acaba até por facilitar tanto instrutor de yoga charlatão...

Krishnamurti, ao lado da sua "mestra" Annie Besant, quando estava já para fugir à encenação e karma de ser o novo Instrutor do Mundo, o novo Messias, o que sucederá em Agosto de 1929.

Há algo de Gautama Buddha em Krishnamurti, e não é despropositado pensar-se que tal como Gautama, o Buddha reagiu contra tanta certeza e mistificação sobre o espírito e Deus-Deuses do hinduísmo, recusando-se mesmo a explicitar melhor o nirvana, assim Krishnamurti recusou rotundamente os ensinamentos e pretensões da Sociedade, nomeadamente a existência  dos mestres que Helena Blavatsky lançara tão mistificadoramente, e o que Annie Besant e Charles Leadbeater (biografara-o em vinte nove  reincarnações, ou vidas de Alcyone) lhe impingiram quando o tentaram educar para o papel de mensageiro divino, instrutor, messias ou avatar da Nova Era (algo que na época Fernando Pessoa registou, bem antes de 1929:«Só a Teosofia é que, finalmente,  declarou o Segundo Advento»), deixando de falar em Mestres, ou no espírito individual ou na Divindade, tal como vemos neste e nos seus vídeos e ensinamentos. Mas esta reacção foi demais, e logo houve menos consciência do espírito e dos espíritos, mestres,anjos e do Divino. E assim mais uma vez a grande claridade sobre os mistérios do Ser humano e divino não foi atingida nem partilhada ou ensinada...

                        

Sabedoria Persa (17, 18). Dois provérbios populares iranianos, comentados por Pedro Teixeira da Mota.

           "O feixe de palha pensa que o mar se agita contra ele."
 
Saibamos não encapelar as ondas, nem criar protagonismos conflituosos nem exageradamente nos considerarmos, seja muito bons e importantes, seja desafortunados ou perseguidos pelo azar, vítimas de invejas e de inimigos imaginários, ainda que os possa haver.
Sejamos sóbrios e auto-conscientes psico-energeticamente, discernindo bem os nossos pontos mais fracos e mais valiosos e os impactos que as energias do dia a dia vão modelando o nosso ser. Saibamos fluir mais com as ondulações do oceano da Vida, saindo das dualidades conflituosas e religando-nos, pelas respirações e meditações, com a harmonia da Natureza ou mesmo com a Fonte Divina...
 
                                    
 "O melhor que se pode trazer das viagens é a si mesmo, são e salvo."

Eis um dito bastante simples, de comum senso, humilde, quase que rasteiro e contudo é verídico, pois se a saúde psíquica e a física diminuírem mais do que o preço das dificuldades normais da viajem poderemos sentir-nos no fim delas menos felizes. Contudo, há outro aspecto do nosso ser e das viagens que deveremos considerar acima do ir e vir são e salvo, isto é, da boa saúde física e mental, e salvos de azares, problemas, ataques, e que é o que aprendemos, realizamos, sentimos, fizemos e expandimos na nossa alma.
As pessoas que conhecemos, as fraternidades que sentimos e as amizades que criamos, os momentos mais intensos vividos, as ajudas e partilhas, os diálogos luminosos, as meditações, compreensões  e visões não se perdem nem são aspectos menores, mas sim essenciais e é por isso que os mestres antigos recomendavam antes de partirmos escolhermos alguns objectivos a serem atingidos com a viagem, como que sendo eles o fruto desejado de todo o labor que é o peregrinar correctamente ou o viajar em justiça e sabedoria.
 
Comentário manuscrito inicial: O melhor que podemos trazer das viagens são os amigos que nelas fizemos, os escritos que nelas brotaram e as sementeiras que em ti resultaram e que deves frutificar.
Uma viagem não começa nem termina num dia pois já vinha de antemão e vai continuar em fios e frutos pelos tempos adiante.
Sabe então discernires o que deves cultivar melhor de tudo o que fizeste, aprendeste, trouxeste, deste, e fá-lo de modos bem conscientes, criativos, luminosos, amorosos, libertadores, unificadores...

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Fontes da Sabedoria Persa (16). Um dito popular: "Não te ponhas num poço que pode ser difícil a Providência tirar-te de lá".

Nestes tempos em que tantos poços, e por vezes bem trágicos, se abriram e muitos se deixam cair e redemoinhar em alguns, mais frequentemente até nas redes sociais (virtuais mas por vezes invisivelmente muito tingidas de emoções), há que lembrar-nos bem como devemos ser cautelosos nas compreensões e adesões que façamos em relação a doutrinas e grupos, acontecimentos e notícias (tantas tão manipuladas) e, sobretudo, nos comentários e críticas que façamos, pois facilmente a água dos poços se encapela e ódios se destilam e, como é algo exíguo o respeito pela intimidade e a individualidade que subsiste neles,  não será fácil conseguirmos estar bem alinhados, interiorizados ou mesmo receber as intuições e inspirações dos mundos espirituais, mais do que nunca necessárias para atravessarmos bem a peregrinação terrena, hoje tão alargada em termos de informações e relações.

O 18º dito ou poema da antologia das Fontes de Sabedoria Persa diz-nos: 

                  «Se saltares para um poço, a Providência não está obrigada retirar-te dele». 

 Comentário:
Sabermos fluir no Universo com qualidade implica um constante discernimento, e isso se sintetiza e manifesta no símbolo de "mil olhos", ou seja, o desabrochar maior do corpo espiritual deve ser perseverantemente demandado, para sabermos precaver-nos dos golpes adversários ou acidentais e não causarmos trabalhos, incómodos e sofrimentos aos outros, ou até à Providência Divina, isto é, aos seus mensageiros, agentes e anima mundi.
Certamente que seria muito bom comungarmos com Ela e os seus agentes, mas realisticamente é melhor sermos nós os criadores e transmissores das melhores vibrações e consciencializações do que meros passivos pedintes e receptores de ajudas à última da hora.
Faz desabrochar as tuas potencialidades mais profundas lenta mas seguramente e sê um cooperador dos desígnios Divinos, um espelho ou Graal da Divindade, uma corrente da Sua Fonte Amorosa e sábia, vencendo os ataques insidiosos externos ou os desânimos e preguiças internos.
Que o poço da tua alma seja diariamente enchida de vibração pura e que nela te alegres e possas refrescar, fortificar ou mesmo elevar almas afins...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

22.02.2022. E 1001 mensagem deste blogue. Um poema espiritual.

 22.02.2022 deveria ser celebrado e comungado e assim nasceu este poema escrito já bem entrada a noite... Também é o 1001 artigo ou mensagem do blogue... Já dá para se ligar às míticas Mil e Uma Noites, em especial para quem lesse as sucessivas mensagens e com elas se abrisse à estrela solar iluminante ou salvífica do meio da noite e do coração...

Tantas vezes que te invoquei

Sem saber bem quem viria.

 

Cada meditação é uma peregrinação

em busca da bênção do Alto.

 

Ora te chamo Espírito, ora Anjo,

ora Mestre, ora Deus, ora um nome-face de Deus,

ou uma Deusa, ou Fátima, de Ali...

 

 Assim segue esta vida misteriosa,

em que muitos vão tombando

e poucos se iluminando.

 

Põe a tua visão e meta no Alto

e avança destemido e contente, ó Pedro,

se queres ser um Cavaleiro do Amor.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Milésimo texto ou mensagem do blogue de Pedro Teixeira da Mota. O caminho ascensional humano, outrora e hoje. Os apoios e os desafios. Aum.


Na Tradição Espiritual Portuguesa, afim da Tradição Perene de outros povos, observamos que em alguns místicos ou seres de coração houve a consciência clara de que Deus está potencialmente ou presencialmente no interior de cada ser; e em alguns deles, tal Antero de Quental (que nisso se filiara pela linha grega de Pitágoras, Sócrates e Platão e pela obrinha medieval Theologia Germanica que durante alguns anos foi de sua cabeceira), sonhava-se que o ser humano se deveria tornar uma consciência ascendente englobante ou expandida para a sociedade,  ambiente, o universo, o mundo espiritual e divino. Um lema anteriana proclamava: «O Homem deve ser a consciência do Universo em ascensão para Deus».
Contudo será só o Homem e Mulher da Terra ou devemos contar com outros homens e mulheres noutros planetas e sistemas solares, também eles consciência no universo e consciência do Universo se calhar bem mais desenvolvidos que nós na Terra, tão condicionados em tal busca da Verdade seja pela nossa ignorância e a historicidade condicionante das mensagens das grandes religiões quer pela opressão que os governos mais sinistros fazem, apesar dos biliões que se vão gastando na arrogantemente denominada conquista do Espaço, ou nos armamentos sem fim?
E tal consciência do Universo será a meramente material, mental, digital, dos meios de comunicação e instrumentos de ponta científicos, ou bem mais profunda, vista, sentida e vivenciada por dentro, talvez chegando mesmo à consciência supra-sensorial do Universo e do Uno, que subjaz e coroa o diverso múltiplo e pluridimensional do Universo?
Se o Absoluto e a Divindade são a origem emanadora do Cosmos e de tudo, se tal é a Fonte Una que a multiplicidade da manifestação e a sensorialidade cerebral ilusoriamente tanto escondem, há que reconhecer que o acesso consciencial a tal está de tal modo sepultado pela corporalidade, as ideologias, os pensamentos e actos humanos que poucos são os seres que sentem e intuem, vivem e comungam das forças mais subtis e espirituais ou mesmo das bênçãos divinas.
A ideia de ascensão perpétua a que Antero de Quental se refere e que por exemplo também Sri Aurobindo, Teillard Chardin ou Ismael Quilles desenvolveram, indica a existência de um movimento de elevação organizacional, consciencial que perpassa o universo, dando por isso razão ao panteísmo na sua modalidade espiritual e divinizante que ao longo dos séculos vários pensadores, filósofos e místicos pensaram ou constataram, frequentemente com as suas limitadoras idiosincracias.
Tal fenómeno de aperefeiçoamento, evolução, reintegração do ser humano vai ter consequências bem importantes pois significa que desenvolvemos um corpo espiritual, o organizamos, lhe damos forma consciente e unificadora, e lhe permitimos um crescimento orgânico, nomeadamente dos seus sentidos espirituais, algo fundamental e que é esquecido pela grande maioria dos seres, que ignoram que são um ser espiritual com um corpo anímico, além do físico a que tão facilmente se reduzem. E que muito do melhor das religiões se encontra no que de algum modo movimenta, afecta ou impulsiona tais níveis e órgãos subtis ou anímicos do ser humano.
Se a entropia física é um facto, se a degradação corporal é tão visível no ser humano como em cada sistema solar ou universo, então devemos admitir que só havendo tal desenvolvimento subtil espiritual esta ascensão se verifica a um nível interior anímico, consciencial e espiritual e que poderá perdurar. 
E que portanto por tal desenvolvimento deveremos então lutar ou esforçar-nos diariamente, reservando até espaços consagrados de tempo para tal reorganização, alinhamento e fortificação nossa, sobretudo quando tantas são as energias ou influências adversas que os grandes grupos económicos, políticos e mediáticos lançam tão insidiosa, alienativa e opressivamente sobre a Humanidade e sobre as suas capacidades conscienciais e psíquicas, na realidade cada vez mais sepultadas pelo famigerado jornalixo que pontifica na sociedade moderna, sobretudo ocidental...
Que evolução da consciência social, amorosa, espiritual e divina poderemos discernir nos que habitam no planeta, ao longo dos últimos séculos da história humana? Se há mobilizações para certas causas, outras tragédias, repressões e prisões são intocáveis, tal como vemos no Médio Oriente ou em Jules Assange. Por outro lado há um decrescimento de crenças míticas e infundadas, mas quanto ainda subsiste fanatismo religioso e de seitas? E quanto à quantidade de seres mais auto-realizados espiritualmente, de mestres bem iluminados que houve bastante em alguns países há séculos, tal a Índia e a Pérsia, haverá hoje mais?
E se na altura os céus eram bem mais limitados na sua extensão, hoje que dominamos a observação de galáxias a biliões de anos e calculamos os seus movimentos, vida e características físicas ou quânticas, deveria já haver  mais correspondência de conhecimentos quanto às
profundezas e alturas do ser humano no Universo, tal como Antero de Quental em carta de 7-IX-1888 afirma estar-se a reconhecer que «O espírito humano não é um fragmento truncado e incompreensível ou uma coisa à parte isolada no meio do Universo, mas sim um elemento fundamental dele e a mais alta potência e expressão da sua essência.»  
Conseguiremos descortinar, indo mais além da ânsia de consciência
patente em todo Universo, que Antero de Quental detecta ou pressente e em certos sonetos transmite, tais mistérios e riquezas espirituais tal como, por exemplo,  alguns seres das tradições cristã, yogui, sufi e persa, mais capazes de visão espiritual e de amor a Deus, conseguiram?
Conseguiremos nós discernir, valorizar e desenvolver mais essas ou as  linhas claras de evolução consciencial e de crescente revelação divina amorosa, enquanto unidade, afectiva, sábia e solidária que é trabalhada pela  vida do dia a dia e pelas  práticas espirituais, e de que os conceitos de anima mundi, panpsiquismo, alma da criação, campo unificado de energia consciência nos falam como oceano nutritivo, sábio e amoroso, a deusa Fortuna e da Providência?
Importante nesta melhor compreensão e captação de quem é o ser humano e quais são as potencialidades a desenvolver para se harmonizar e abrir
ao ambiente, a Gaia, ao Universo e ao Divino, será então a nossa maior assimilação dos ensinamentos que os mestres que mais fundo foram na demanda espiritual conseguiram realizar de tais níveis e transmitir. Todavia a generalidade dos seres pouco sabe com claridade de tais seres e de tais práticas e estados conscienciais que ficam assim reduzidos a figuras, frases, clichés, ritos, costumes das religiões, que certamente podem ter ainda hoje efeitos morais e éticos valiosos ou civilizadores.
No fundo teremos de reconhecer que cada ser tem por si próprio de conhecer e vivenciar a seu modo o Quem sou eu, o que é ou quem é o Jivatman e o Brahman indiano, o Nirvana budista, o  Pai e o Eu que somos um, de Jesus Cristo, tarefas como já vimos nada fáceis perante tanta informação e desinformação a acontecer acerca das vias espirituais e suas realizações, tão carnavalizadas por pseudo-esoterismos, novas eras e tanta comercialice...
Apesar de já terem decorrido tantos séculos sobre a passagem na Terra de tantos grandes seres, nomeadamente os fundadores das religiões, e depois, frequentemente mais importantes ainda, os seus filósofos místicos e mestres, continua a generalidade das pessoas a saber ou a vivenciar pouco o Divino (e dizia Antero Quental em carta de 17.X.1875: «Deus, dizia-se há perto de dois mil anos, é o Alfa e o Ómega; depois de muitos trabalhos e meditações, durante esse longo curso de anos, somos levados hoje a dizer que Deus é o Ómega e o Alfa...»), ou a pouco saber também sobre o Espírito e a vida depois da morte, ou mesmo como melhor desenvolver o auto-conhecimento, o auto-controle e vivenciarmos mais a saúde natural, a alimentação biológica, a ecologia sóbria, o equilíbrio psico-somático, a justiça, a solidariedade, o bem, o amor, a verdade, numa harmonia dos corpos físicos, subtis e espirituais, a demanda essencial da vida e para a qual a educação oficial pouco contribui ou prepara.
Como vemos e sentimos, muito a ser trabalhado por todos nós, um desafio constante que pede respostas criativas e dialogantes, ecológicas e espirituais, tanto individuais e familiares como grupais ou comunitárias ou mesmo nacionais e que não devemos deixar sepultar ou abafar sobre toda a inutilidade e superficialidade que os meios de informação despejam alienadora e manipuladoramente, ou que os partidos e governos superficialmente ou subordinadamente tentam implementar
Reaja pois a tanta manipulação e opressão, corte com a televisão, escolha a sua própria informação na net, e religue-se mais harmoniosamente com a Terra e o Céu e as suas energias, seres, antepassados, guias, anjos, arcanjos e mestres, trabalhando e vivendo mais criativa e libertadoramente no Amor,  na Verdade,  na Unidade, e  mesmo mais com a Divindade. 
Oremos ou meditemos com o Aum, ou com o que mais sentir... Lux.

Sabedoria Persa (15). Um aforismo de Nizami: "à noite mais sombria sucede o dia luminoso", comentado. Com o seu poema Leyli e Madjoun musicado, com a letra e bela iconografia.

Nizami entrega um dos seus poemas a um governante culto. Miniatura do séc. XVI.

Nizami, ou Nizame, ou Muhammad Ilyas ibn Yusuf ibn Zaki Mu'ayyad, foi um sábio persa, nascido em 1141 em Ganja, na zona do sul do Cáucaso, actual Azerbaijão, de pai iraniano de Qom e mãe curda, e que levou uma vida discreta e calma até 1209 (embora com três casamentos felizes mas sucessivamente cortados pelas Parcas), devido à sua grande sabedoria e arte literária, já que os sucessivos governantes (grande valorizadores das bibliotecas, kitabdar) o souberam apreciar devidamente, escrevendo obras que pela sua perfeição e conteúdo influenciaram toda a literatura posterior persa, árabe, urdu, curda, indiana, turca. 

Haft Peykar, o rei sassânida Bahram V e suas princesas sábias: a indiana. Mss. iluminado do meados do séc. XVI, safávida, da Freer Gallery of Art.

Inspirando-se em tradições e temas anteriores, pré-islâmicos, conseguiu recriá-los com grande beleza e intensidade, e os seus cinco masnavis ou poemas, épicos e líricos, denominados Khamse (cinco joias ou poemas), sempre tingidos de amor, sabedoria e moralidade, tiveram um sucesso tal que foram representados em miniaturas de pintura persa e cantados por bardos, atravessando os séculos a fazendo vibrar os leitores ou auditores deles.

Makhsan ol-Asrar, a ascensão de Mohamed. Mss. de 1620. B.N.F.

O Makhsan ol-Asrar, ou Tesouro dos segredos, com as suas orações, visões e vinte e um longos discursos de filosofia moral,  Khosrow o  Shirin, o imperador e a sua amadaHaft Peykar, ou As Sete belezas (ou o Pavilhão das sete Princesas), ao estilo das Mil e Uma Noites, considerada a sua melhor obra, Eskandar-nameh, ou A Vida de Alexandre Magno, o mestre dos dois mundos, ou o que tem dois cornos, Zoul-Qarnayn, apresentado como conquistador e profeta ou visionário) e, por fim, o poema do amor tão desventurado nesta vida terrena, Leyli o Madjnum, tão glosado ou cantado por tantos poetas e músicos e que no fim podemos ouvir.

Num dos poucos reencontros amorosos Leily beija os pés de Madjnoun. C. 1622

Deixou ainda alguns ghazals e dos seus livros compilaram-se ditos editados com regularidade, os Aforismos, donde pode ter vindo o seguinte da antologia que temos vindo a comentar, Fontes da Sabedoria Persa:

                  "A noite mais sombria tem um fim luminoso" 


Comentário:
Que o teu intelecto e ser seja sábio, isto é, bem consciente, amoroso, e previdente, capaz de pressentir as consequências maiores de qualquer acto ou pensamento. De modo a que, na adequada frequência consciencial, possas dirigir-te ou orientares-te de acordo com os melhores desígnios de harmonia de vida, justiça, misericórdia e amor que possas realizar.
Miniatura da Vida de Alexandre,  quando na busca da fonte de imortalidade encontra dois mestres
 
No teu coração, no seu mais íntimo, está a Divindade, ou o teu acesso a Ela. Esforça-te então, com as bênçãos dos mestres ou anjos, por meditares mais profundamente, até as trevas nocturnas  se dissiparem e no teu olho espiritual a Luz Divina veres. E que toda a ordália, dor ou provação seja vencida pela tua sabedoria, paciência, estoicismo, humildade, aspiração e religação espiritual e Divina.
                

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Sabedoria Persa (14); "Bebe e alegra-te". Um ghazal de Hafiz, o poeta nacional do Irão amoroso, comentado por Pedro Teixeira da Mota

« Bebe, Hafiz, e vive alegre!
Não sejas como o hipócrita
que imagina disfarçar a sua astúcia
       com o Alcorão citado em voz alta.»

                                   

Comentário:
Alegra-te. Não te castigues com reprovações e penitências. Descontrai-te e bebe da taça diária que a existência, a prática espiritual e a fortuna te possam oferecer, harmoniosamente, sem regras opressivas, sem expectativas frustrantes nem diminuições.
Beber o vinho, na linguagem de Hafiz e dos sufis ou espirituais do Islão, e em especial do Irão dadas as raízes masdeístas (com o seu cálice graal,  jam-e jam, ou Djam Djehan Nema), significa sintonizar com amor os seres e Cosmo, viver em amor, sentir a presença ou a ligação Divina, estar livre das hipocrisias de querer parecer isto ou aquilo, ultrapassar os formalismos e fluir na naturalidade inspirada.
Quem bebe o vinho místico, quem cultiva o amor à Divindade e até se inebria nele, é sincero, fala transparentemente e entrega-se sem falsidade ao diálogo, à fraternidade, à compaixão, ao caminho espiritual, à demanda da Divindade Amada, ao Amor. 
 
Bebe e come, anda e fala com consciência, amor e gosto. Não te afirmes ou mascares de asceta ou renunciante quando sentires que o convívio pode trazer mais luz aos que contigo querem dialogar.
O Espírito sopra ou (explique-se) pode ser respirado ou sintonizado, em toda a parte, e tanto as tabernas como os jardins, o quarto íntimo ou a cela do convento podem ser locais de hierofanias, isto é, de momentos de hiero, sacro, sacralização, consciencialização tanto do Amor divino em acção como do espírito que, no mais profundo ou íntimo de nós, culmina ou coroa a Manifestação e é a nossa razão de ser...
Tua deve ser a via universal que consegue abranger e dialogar com todos, e ainda que discernindo o justo e o injusto, repudiando-o, sabe complementarizar os extremos que se digladiam, frequentemente desnecessariamente.
Que a tua alma e corpo espiritual sejam capazes de se ir abrindo e expandindo no universal, com o fogo do amor divino mais forte e profundo a arder e inebriar-te de quando em quando, ou mesmo a tocar e inspirar outros.

                                   

O conteúdo desta quadra de Hafiz (de seu nome, Sams-al-Din Moḥammad, já que Hafiz significa que sabia o Alcorão de cor, viveu entre 1325-1390)m um dos poetas místicos mais amado do Irão e dos que amam a civilização persa, extraída do seu Diwan, repete-se bastante na sua poesia e nas dos Fiéis do Amor como ele, tal Ibn Farid, Maulana Rumi, Saadi, Jami, Attar, Sheik Bahai e outros, e põe em causa os ortodoxos, os seguidores das narrativas oficiais, os que seguem os hábitos ou vestes que não fazem monges, e se esquecem do silêncio e mergulho interior para resgatarem o fogo divino do Amor e nele se intensificarem e poderem consumir mais  o que os separa da harmonia, da justiça, do espírito e do Ser Divino e Amor Primordial...

                                     

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Um poema de amor espiritual e divino, escrito a ouvir Homayoun Shajarian - Gholabum همایون شجریان و سهراب پورناظری - تصنیف قلاب

Um Poema do Amor Espiritual ao Divino, por Pedro...

Ó Fonte de Tudo,

Misteriosa Entidade Primordial,

Raiz de todo o Eu

que nos universos se afirma,

Escuta a nossa aspiração,

responde à nossa oração,

Brilha no nosso coração.


Como te discernir, ó Númeno,

Por entre a multidão dos fenómenos?

Será que o amor do meu coração

o transforma num graal para a Tua bênção?


A noite vem avançando sobre o dia,

e à semana sucedem-se os meses e estações.

Aonde me devo estacionar para te acolher

senão neste coração que ferido canta por ti,

tingido desta aspiração de sangue e ardor,

pela qual é ti,  Amor Um, me posso religar?


Como chegar desta multiplicidade dos sentidos,

mesmo que todos aspirem ou em Ti intentem,

à unidade e subtil Seidade tua que me emanou?

 

Oro, canto, ardo, aspiro e chamo-Te pelo coração,

corpo e alma dançam, vibram ou tremem ao vento,

tal como as canas verdes que exalam o Teu som.


Assim chego à unificação de mim em Ti,

um teu Nome se pronunciando em mim

E me estilhaçando e galvanizando em Ti.

 

Assim seguirei discreto em paz e ardor,

na caravana das almas fiéis de Deus Amor.