segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Robert Needham Cust, um orientalista e pastor bem sábio, fraterno e ecuménico. Transcrições e considerações sobre as suas ideias.

 Robert Needham Cust foi um funcionário público inglês, juiz, linguista, orientalista e missionário anglicano na Índia, para onde foi e saiu várias vezes, regressando por fim aos 46 anos de idade à sua terra natal, após a morte da segunda mulher num parto, e dedicando-se a escrever cerca de 60 obras, várias de temática oriental ou de história das religiões e muitas de proselitismo religioso ou de missionologia. Nascera a 24 de Fevereiro de 1821 e viveria até 27 Outubro de 1909.  Casou três vezes e teve cinco filhos. Sabia oito línguas europeias e oito asiáticas e embora formalmente anglicano estava muito avançado em relação aos preconceitos racistas ou doutrinários que regiam muitos dos seus contemporâneos, nomeadamente  os que como ele faziam parte da Church Missionary Society, ao defender a valorização e liderança de negros cristãos e as adaptações indianas do Cristianismo ou ainda admirando o Islão.

                                          

 Em 1880 publicou em Paris na prestigiada colecção Bibliothéque Orientale Elzeverienne, da editora orientalista Eduard Leroux,  Les Religions et les Langues de l'Inde Anglaise, «dedicada aos grandes sábios da Sociedade Asiática que fizeram tanto pelo Oriente e pela Verdade», agremiação fundada em Calcutá e cuja biblioteca ainda visitei e consultei, para além de ter adquirido algumas das suas eruditas obras, quando estive em 1995 seis meses a estudar no Ramakrishna Mission Institute of Culture. Anote-se que Robert Cust publicou na Royal Asiatic Society  53 artigos, tal como na Calcutta Review.  É sobretudo da leitura do livro citado que vamos fazer algumas transcrições e comentários, mas partilharemos também de outros que estão online.

Das cento e noventa e oito páginas, cento e treze são dedicadas à religião e as restantes às línguas e dialectos mas abordaremos apenas as religiosas em que a visão que transmite e as apreciações são em geral acertadas, embora o conhecimento orientalista ainda estivesse no seu começo e a sua predilecção fosse pelo monoteísmo, latente ou dogmático. Na longa lista dos principais orientalistas  apresentada logo em rodapé na 1ª página podemos ver Coolebrooke, Whitney, Max Muller, H. H. Wilson, Monier Williams e Mrs. Manning. Mas também obras valiosas como a tradução de Adi Granth, por Trump, o Essay on Phallic woship, por Kittel, o Essay on Ghosts worship, por Walhouse,  Essays on Non Aryan worship, por Dalton, e a Tree and Serpent Worship, by John Fergusson.

 É muito provável que além destas fontes tivesse tido contactos com hindus conhecedores dos textos sagrados do Sanata Dharma e por aí adquirisse um conhecimento mais directo e vivido do hinduísmo, já que refere por exemplo os que na época tentavam unir cristianismo e bramanismo e quem em Calcutta estiveram bem activos.

Embora pastor anglicano mesmo  o Islão não foi subestimado, antes pelo contrário constatamos uma boa sensibilidade a ele: «Os sacrifícios humanos, a idolatria, costumes abomináveis, ritos selvagens e o canibalismo desapareceram diante do Islão. (...) Há no Islão uma expressão da verdade eterna, um vivo reflexo desse grande facto espiritual que é, com efeito, o começo de todo o progresso: "a natureza infinita do dever" cuja consequência é que os actos do ser humano jamais perecem, que nunca desaparecem completamente; o ser humano, na sua breve vida, pode ganhar o céu ou merecer o inferno; leva consigo, escondida, uma eternidade maravilhosa ou terrível». Neste aspecto, talvez, exagerando a eternidade das penas, certamente bem longas na sua atenuação, convida-nos a vivermos mais na eternidade, e na fidelidade ao mais altos valores e ideais, já, aqui e agora. Realçará, ainda no Islão, a doutrina da igualdade dos seres humanos,  a abolição do poder sacerdotal e a certeza do dia do julgamento. 

As suas apreciações sobre os vários deuses, grupos, ordens religiosas, livros e místicos indianos são justas e dará esta tradução resumida mas certa da famosa oração Gayatri que todo o sacerdote ou brâmane deve repetir diariamente: «Meditemos sobre a luz sagrada deste Sol divino, e possa ela iluminar as nossas almas.» Destrinçará bem como no sul da Índia o bramanismo é uma camada superficial e a base e  essência é o culto da Deusa (devi, ou a kumari, virgem) ou diremos nós, a Shakti, a contraparte de Shiva, e tão cultuada pelos tântricos. Já a sua aversão aos cultos da Natureza, ao politeísmo, ao shamanismo presentes nas regiões himalaicas e noutras zonas levam-no a profetizar o seu desaparecimento e a sua inserção no budismo, bramanismo ou cristianismo, o que pouco se concretizou, tal como em especial o seu sonho de maior expansão na Índia do Cristianismo, já que o considerava como "o mais alto desenvolvimento que atingiu até agora a sabedoria humana". E interrogava-se, espantado mesmo, porque  não fizera Deus a revelação de Jesus Cristo na Índia, que considerava bem mais merecedora que a Judeia. E, coitado na sua ingenuidade de crente,  fará algumas interrogações que ao longo dos séculos vários seres puseram, e poderei referir no Oriente o padre jesuíta que abjurou e aderiu ao Budismo nipónico, Cristóvão Ferreira, confessando «o amargo pensamento que me oprime: É possível que o Pai Celeste de toda a espécie humana, que sabe o número dos cabelos das suas criaturas [uma patranha enorme...] tenha condenado tantos inumeráveis milhões de seres humanos a uma perdição irremissível; é possível que não só a única fé, que pode dar a salvação, não foi nunca revelada a imensas regiões, como também ela possa ter sido abandonada em regiões consideráveis após aí ter sido conhecida e praticada?»

Também foi curioso ter discernido a proximidade ou analogias das vidas de Buda e de S. Barlaão e de S. Josapahat, escrevendo: «A história de Bouddha, por um singular capricho do azar, é quase a mesma de S. Barlaão e S. Josafat nas lendas dos santos da Igreja Católica Romana», sabendo nós hoje bem que não foi azar mas sim uma bem urdida adaptação e invenção desses santos, tal como entre nós demonstrou num estudo valioso Margarida Correia de Lacerda, nossa professora de sânscrito e de orientalismo.

Em 1881 deu à luz em Inglaterra Pictures of Indian Life: Sketched with the Pen from 1852 to 1881 onde justifica no prefácio os seus escritos dos últimos vinte e cinco anos pelo sincero amor que nutre por ela e o seu povo, e pela vontade de a dar a conhecer a mais pessoas, profetizando ainda que se o Império Inglês não soubesse compreender as línguas, costumes, fraquezas e excelências da nação Indiana teria certamente de findar, tal como na realidade veio a suceder com a Independência da Índia obtida em 15 de Agosto de 1947 pelo Mahatma Gandhi e os seus satyagrahis, os que conservam em si a verdade, ou o que lutam pela verdade, Satya.

                                  

 Em 1895, manifestando a sua grande ecumenicidade, publica a obra  Common Features Which Appear in All Forms of Religious Belief, onde considera completamente despropositado nos seus dias lerem-se partes dos Salmos e do Antigo Testamento cheias de violência e maldade, e busca a linguagem e as doutrinas comuns a todas as religiões e que se fundamentam na demanda e adoração dum Poder superior ao humanos. Esta sensibilidade fraterna e ecuménica, reconhecendo todas as formas de espiritualidade, e valorizando as melhores mesmo de não-cristãos, leva-o a dado momento a criticar lucidamente o nosso, embora basco, S. Francisco Xavier, de facto bastante duro e até aliado da Inquisição no seu afã reformista e evangelizador no Oriente: «Há pouco tempo o Cardeal Vaugham citou a seguinte frase de S. Francisco Xavier: "Quem se pode sentar complacentemente e auto-satisfeito em casa, enquanto o Inferno está a ser enchido por pagãos?"» Isto parece ser uma afirmação muito ousada em relação a pagãos, por um espanhol pela nacionalidade, vermelho com o sangue dos protestantes e judeus, e que pode manifestar uma certa reticência ou reserva quanto às punições futuras de pecados horríveis. (...) Convicções religiosas, palavras e práticas, nunca devem ser ridicularizadas: fazer tal manifesta uma mente irreligiosa. Exibir Ídolos trazidos para casa e expô-los nos Encontros Missionários, para fazer erguer um sorriso no membros ignorantes de uma classe pouco avançada na Escola Dominical, é uma desgraça».  Todavia não soube apreciar os santos católicos nem as suas estátuas artísticas pois considerava que tinham substítuido os deuses e semideuses antigos e que «eram expressões do mesmo desejo supersticioso de conciliar alguém, ou algo, fora da concepção de Deus», não reconhecendo a existência de uma hierarquia de vizinhança com a Divindade e como tais elos intermediários são necessários e funcionam para a Humanidade. Daí o seu erro que tal crença e uso da estatuária com o tempo seria abandonada, com piedade ou rídiculo,  remetidas as peças para museus. E o que pensar do Museu vivo que ainda hoje em dia é a Índia?

 Em 1898 publica   Essays on religious conceptions, em que ainda que citando novas obras publicadas e estudadas, e afirma mesmo conhecer todas as religiões, preserva  basicamente as mesmas ideias acerca delas, ou seja, crê firmenente que Deus falara em todos os tempos em todos os povos e que se encontram dispersas neles antecipações e prenúncios da Verdade, isto é, das doutrinas do Cristianismo, pois só então com Jesus teria sido manifestada plenamente. Prenúncios segundo ele «da Trindade, Deus na forma humana sofrendo pelos humanos, presença do Espírito santo na voz da Consciência, a Paternidade de Deus expressa abertamente, a Imortalidade da Alma, um estado futuro de recompensas e punições e fé num Poderoso que salva».

Pouco antes de morrer em 1906, publicou em 1901, com 80 anos, o seu sexagésimo volume The Last scracht of an Octogenarium Pen,  trancrevendo alguns textos inéditos, distinguindo os ensaios dos livros e resumindo a sua vida e lições, nomeadamente com a metáfora de que a vida é como um cesto que se vai enchendo até chegar a hora de partirmos: não nos contentemos pois apenas em evitar negatividades, mas  enchamo-lo das melhores realizações ou coisas possíveis.

A sua abordagem à cultura, religião e espiritualidade da Índia, no Les Religions et Les Langues de l'Inde, à parte certos exageros puritanos na condenação de aspectos dos cultos shivaitas e vaishnavas, revela uma lúcida e desmistificadora apreciação, nomeadamente dos mais antigos textos sagrados indianos (entre 3 a 2 mil anos a. C.), os Vedas, da qual realçaremos este excerto: «Os Vedas são compostos de hinos, acima de mil. São tal o que devíamos esperar, e tais que ninguém das gerações posteriores poderia tê-los composto. Há uma simplicidade antiga de pensamento; os sentimentos são como de criança, os primeiros soluços, os primeiros grito  queixosos da família humana para o  Pai poderoso, que os fez, e para a natureza e os elementos, a grande Mãe, que os alimentou. E esta  infância da nossa raça e religião deve atrair as simpatias de todos os corações sinceros. Não há tentativas de cosmogonias e de conhecimento universal; não há consciência de si mesmo, e não se encontra nada que poderia de algum modo suportar as "gigantescas abominações" do Vaishnavismo e do Shivaismo. Não há menção de Rama ou de Krishna. O nome de Vishnu é de facto mencionado como aquele de um deus, que dá três passos, simbólicos do sol nascente, do meio dia e do poente ou, por outra interpretação, significando luz na terra como fogo, luz na  atmosfera como o clarão do raio, luz no céu como o sol. Shiva supõe-se ser idêntico com Rudra, mencionado em alguns hinos. Não há alusão à grande tríade hindu, nem  à  transmigração das almas, ou às castas, ou à filosofia panteísta dos sábios ou ao politeísmo vulgar dos ignorantes; não se faz menção de templos nem do monopólio do sacerdócio dos brâmanes. Não se encontra a menor alusão ao lingam. O Sol é adorado, mas não se faz menção dos planetas, a Lua está assinalada, mas nunca as constelações.»

É bem curiosa esta apreciação, chã, dos Vedas como poesia religiosa naturalista e deísta simples, talvez algo forçada ao designar por Pai poderoso, projectando-o como católico, o qual considerava o Deus único e substrato dos outros no politeísmo védico. Valiosa a constatação da simplicidade religiosa nesses tempos, mas bastante  exagerado é chamar gigantescas abominações às escolas filosófico-religiosas dos adoradores e seguidores de Vishnu e de Shiva, certamente pelo culto do phalus e do yoni, pelo tantrismo (do qual reconhece ainda se saber pouco, pois só uns anos depois John Woodrofe começaria a publicar as suas tradições comentadas) com a sua sacralização da sexualidade enquanto meio de elevação energética, de iluminação e de união, esta tão representada pelas esculturas dos deuses e deusas nos templos, e por alguns costumes mais liberais ou nus. 

Algo discutível a ideia de que o auto-conhecimento esteja ausente dos Vedas, quando neles já há ascetas e austeridades, os shramanas, nos povos que já habitavam na Índia e procuravam uma libertação o que implica portanto auto-conhecimento e um discernimento do que é essencial e ilusório. As hermenêuticas altamente simbólicas, espirituais e metafísicas realizadas por diversos intérpretes ao longo dos séculos, um dos últimos Sri Aurobindo, inclinam-se noutras direcções mais espirituais quanto às mensagens dos rishis ou videntes, os autores dos hinos dos Vedas.

Também discutível é a ideia de que não é apresentada a transmigração das almas nos Vedas pois na parte mais antiga até dos quatro livros dos Vedas, a  Rigveda Mandala 1, Sukta 24, Mantra 20, encontro por exemplo o passo seguinte: «acreditamos certamente num eterno e imortal Deu que é o dispensador do fruto das boas e más acções feitas por nós e de acordo com cuja leis nós obtemos o renascimento. Deveis saber também que o Deu único é o doador do renascimento, ninguém mais pode fazer isto. É também ele que dá nascimento às pessoas emancipadas, também através dos pais no fim do Maha Kalpa [o grande período ou éon de manifestação, ao qual alguns tolos têm tentado estabelecer limites temporais.]

Como de facto os seus escritos cobriram praticamente todas as religiões, ainda que na forma frequente de pequenos ensaios, são de se registar também algumas caracterizações que fez do Budismo, tal como a de que «Buddha inventou ou pelo menos praticou e propagandeou aberta e universalmente, através de argumentações,  destruindo as Castas, pondo de parte os sacerdotes, ignorando os Vedas e todos os livros sagrados, abolindo sacrifícios, destronando os deuses do Céu, apelando ao mais elevado ideal de moralidade, estendendo como um incentivo a absorção no nirvana. Ele foi de facto o apóstolo do niilismo e do ateísmo; pois por detrás do preceptor não há nada, e para além da morte não há nada a não ser extinção.»

Acrescentemos a sua compreensão do aparecimento do Amor espiritual (Bhakti - Prema), extraindo do mesmo livro a parte em que explica como se foi processando: «a concepção da Fé ou Amor, é largamente desenvolvida, e com ela vem o Amor, o amor espiritual tal como o terrestre. Se a penitência é o traço distintivo do Shivaísmo, se o dever é o traço distintivo de Rama, o amor, um oceano do amor, é o elemento no qual reina Krishna. Ele é o Deus presente, omnipresente, objecto de amor de milhões adoradores, aquele que satisfaz esse amor de todos, enquanto que cada um crê ter somente para si o seu amor partilhado [um característica que encontrei descrita em algumas sorores místicas do séc. XVII-XVIII em Portugal]. Não se pode ler o Gita Govinda, o Cântico dos Cânticos indiano, e a Bhagavad Gita, o maior esforço do espírito humano entregue a si mesmo, sem que não entremos numa nova ordem de ideias, já que se avançou no diapasão da Inteligência humana, bem para além dos períodos védico, filosófico e heróico [Vedas, Upanishads e Puranas].
Finalizemos com as referências que faz a uma seita shivaísta pouco
conhecida, e ao seu fundador, um mestre que foi também ministro em Karnataka, Basava, que desenvolveu com características bem nítidas de despertar do coração e da visão fraterna e libertadora espiritual, erguendo-se assim acima de dogmas e costumes: «uma das mais notáveis é a dos Lingaitas, pois ela mostra a espantosa plasticidade que assume a comunidade religiosa bramânica. Foi fundada no século XII por Basava, nativo do Decão. Os seus membros não reconhecem as castas nem a autoridade bramânica; repudiam toda a idolatria, excepto o culto do Lingam, do qual trazem uma imagem debaixo do braço e dependurada do pescoço. Nos seus templos, nenhum bramâne oficia; não acreditam na transmigração da alma, não queimam os seus mortos e permitem às viúvas tornarem-se a casar. Uma das particularidades, é a consideração que testemunham às mulheres. Eles chamam-se Jangamas [os que se movem e procuram] e são pouco apreciados tanto por Shivaístas como Vaishnavas. Vivem seja em comunidade nos conventos, seja errantes seja mendicantes. Nos censos [e hoje em dia são 6 milhões e meio], são contados como Hindus. A Basava Purana e outros livros enumeram as suas doutrinas».
Saibamos expandir a nossa con
sciência e abraçar as várias religiões e metodologias nos seus melhores aspectos e ensinamentos, práticas e realizações. Aum...

domingo, 21 de agosto de 2022

Da demanda dos mistérios do Espírito e do Além. Da Educação para a vida depois da morte, e da Iniciação. Uma descrição espírita recente do Além.

 I - É curial admitir-se que a persistência ou não da vida humana individualizada depois da ocorrência da morte do corpo físico seja uma questão que mereça fazer parte dos programas educativos, pois admitindo-se tal e que a vida no Além decorre em consequência desta, as pessoas estariam mais informadas quanto à existência de propósitos de vida, ou do que se espera delas para tentarem realizar-se e serem mais felizes e melhores e logo causarem menos sofrimento aos outros, aos seres da Natureza e a si próprios, subsistindo cada ser humano como um espírito individual mesmo após a morte e recolhendo os frutos dos seus actos nesse Além misterioso.

Ora se as grande religiões transmitiram de um modo ou doutro  mensagens de moral, de compaixão, de não-violência, de desprendimento,  e de um Além "renumerador ou ressoador" do que se fez aqui na Terra, todavia, ao longo dos séculos, houve tantas barbaridades cometidas em nome das, ou apoiadas pelas, autoridades religiosas que ficou pouco do que os fundadores ou já os redactores de tais textos ditos sagrados ou divinos conseguiram de verdadeiramente importante transmitir, além da mera existência de uma vida no Além, antecedida por um apocalíptico e miraculoso julgamento final, pelo que não se conseguiu obstar muito às pessoas seja de descrerem nos ensinamentos religiosos seja de abusarem na satisfação dos seus instintos, desejos e egos e no menosprezo dos outros e, concomitantemente, gerarem uma menor adequação a vivenciarem o Além com mais qualidade e claridade.

Os ensinamento foram pois pouco eficazes face a tantos conflitos de egos e interesses, individuais, grupais e estaduais, face a tanto dogmatismo e ignorância,  criando seja agnóstico e ateus, seja livres pensadores e audazes investigadores, embora certamente houvesse alguns fiéis mais sóbrios ou até renunciantes e mártires que souberam desprender-se das ilusões da vida humana terrena ou dos seus aliciamentos corruptores com facilidade, em troca da fidelidade à crença ou ideia tida do sagrado e do eterno e assumida religiosamente, tal como Fernando Pessoa, um estudioso das linhas e entrelinhas ocultistas, um gnóstico cristão, cantará em relação ao infante D. Pedro das Sete Partidas, na Mensagem

«Claro no pensar, e claro no sentir,
E claro no querer;
Indiferente ao que há em conseguir
Que seja só obter;
Dúplice dono, sem me dividir,
De dever e de ser».

Não me podia a Sorte dar guarida
Por não ser eu dos seus.
Assim vivi, assim morri, a vida,
Calmo sob mudos céus,
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo o mais é com Deus!»

Que sofrimentos se poderão evitar nesta vida e sobretudo no Além, vivendo-se melhor ou mais harmoniosamente, ou seja, que vivências e energias anímicas devemos desenvolver e unificar em nós para estarmos preparados? Pois, sem dúvida, estarmos mais unificados e individuados, mais comedidos nos desejos e projectos, tentando-os completar em vida, e estarmos desprendidos de vícios e dependências  prontos a partir para o além, norteados e impulsionados pela aspiração à luz e ao amor Divino, que já em vida devemos sentir e realizar.

Se devemos partir sós, isolados, libertos, ou se haverá uma alma grupo ou almas da mesma vibração ou família, com as quais estamos mais em ligação permanente e com as quais poderemos e deveremos dialogar mais profunda e amorosamente, de modo a aprofundarmos os melhores ensinamentos e fortalecer-mos, é outra questão desafiante, que nos obrigaria a estarmos atento a quem devemos apoiar mais ou com quem nos podemos mais inspirar. As sodalidades antigas, os Mistérios de Eleusis e outros com os seus místicos e iniciados foram uma das formas que na Antiguidade de se descobriu para se conseguirem os dois objectivos: aproximar, fortalecer e unir pessoas afins na sua demanda e também prepará-las para uma vida depois da morte mais luminosa, iniciando-as em experiências espirituais já nesta vida no corpo físico. 

Tal como eles também nós diariamente devemos perseverantemente trabalhar os ensinamentos espirituais que nos impulsionam no verdadeiro auto-conhecimento e que lentamente nos vão identificando com o ser e corpo espiritual nosso, e que aumentam muita a nossa sensibilidade, amor e até uma certa  clarividência e intuição.
Certamente as práticas de
recolhimento sensibilizante interior, oração, meditação, contemplação são os principais meios de  nos auto-realizarmos enquanto seres espirituais e logo estarmos mais despertos enquanto dotados dum corpo com sentidos espirituais no além, aqui na Terra já reconhecidos e apurados.


II - Nos séc. XVII, e sobretudo XVIII e XIX no Ocidente, a partir da grande revolução do Renascimento, em que pioneiros como Marsilio Ficino, Pico della Mirandola,  Paracelso, Agripa, Reuchlin derramaram escritos valioso sobre os aspectos subtis da vida humana, deu-se uma sucessão de movimentos que de vários modos tentaram aprofundar os mistérios da existência, nomeadamente os poderes da alma, a vida depois da morte, a alma humana e Deus, a origem do universo, o bem e o mal, a comparatividade e unidade das religiões, de certo modo complementando a Igreja Católica algo anquilosada na sua fatídica Bíblia em que a nova mensagem libertadora de Jesus foi enxertada à força na pesada e violenta tradição  do Antigo Testamento e do seu Jehova tão limitado.

Os hermetistas, os rosacruzes, a maçonaria, o magnetismo, o hipnotismo, o espiritismo, o ocultismo e o teosofismo foram sucessivamente alguns desse movimentos, os quais mesmo hoje na 3ª década do séc. XXI continuam a germinar, com muitos autores e obras neles filiados ou ligados, e com maior ou menor credibilidade e qualidade.

Como sabemos, hoje a produção de obras de Nova Era, de alternativas, de ocultismo, espiritualidade, meditação, vipassana ou mesmo de esotericismos académicos,  é assombrosa, diariamente publicando-se muitas, embora em muitos casos apenas repetindo o que já outros contaram, ou então considerando-se os seus autores, após alguma experiência, como qualificados para poderem escrever ou ensinar sem mais preparação e qualificação. Certamente os melhores são os estudos ditos académicos, nomeadamente os publicados e partilhados pela EDU, em que investigadores ligados a universidades ou instituições partilham os seus estudos sobre as mais diversas religiões, esoterismos e espiritualidades, muitos deles com inegável categoria.

Quanto ao muitos dos instrutores e instrutoras que em modestas ou complicadas e abstrusas especulações e canalizações, teorias e exercícios, em árvores da vida cabalísticas, merkabas, mundos subterrâneos, seres extraterrestres, canalizações de mestres ascensos ou de Kryon, curas quântica ou reconectivas, regressões e constelações familiares propagam imaginações incomprováveis, complicações, inutilidades e asneiras que frequentemente apenas existem imaginativo-mentalmente e que podem tornar até ainda mais complicada a realização do caminho espiritual e posteriormente a vida depois da morte para os seus praticantes ou seguidores.

Reflicta, dialogue e medite então muito bem antes de se envolver em grupos e "mestres", nomeadamente os mestres indianos, pois há muita falsa aparência luminosa e amorosa, muito hipnotismo e auto-sugestão. Saiba discernir os mestres falso dos verdadeiros, os ensinamentos mais adequados e os menos caros e abstrusos, tendo em conta que nos nossos dias grande numero de seguidores ou de sucesso, em sociedades cada vez mais manipuladas e zombificadas, não é sinal de garantia. Neste blogue encontra artigos que nomeiam e caracterizam alguns dos mestres ou instrutores bons ou valiosos, com excertos dos seus ensinamentos. E os que põem em causa algumas das patranhas de estilo Nova Era tão frequentes em astrologia, angelismos, profecias, canalizações, ordens mágicas ou satânicas, curas, iluminações, não dualismos e esoterices. E assim saberá precaver-se de se enredar nos umbrais do Além...

III - As aproximações práticas ao Além, ocorrendo desde a Antiguidade, a partir do século XIX, com os movimentos espíritas norte-americanos e franceses, Allen Kardec (1804-1869, sendo o fundador) receberam uma grande adesão investigadora (frequentemente ingénua) de cientistas e escritores, dos quais se destacaram Cesar Lombroso, Camille Flammarion, William Crookes, Conan Doyle, a que se juntaram os dirigentes da Sociedade Teosófica, Blavatsky e Olcott.  Mas as  aproximações pouco fiáveis ou mesmo falsas sobre o Além, e a acção duvidosa de espíritos ou mestres nos humanos ou em sessões experimentais,  a que se juntaram as miríficas reincarnações e avatarizações que os  teosofistas Charles Leadbeater e Annie Besant imaginaram ou inventaram, provocaram reacções fortes pondo em causa tanto o movimento Espírita como a Sociedade Teosófica ou, pelo menos, membros, ensinamentos e livros. Entre tais reacções destacaremos, para além das provenientes de sacerdotes e leigos católicos, as duas obras de René Guénon (1886-1951), Le Théosophisme. Histoire d'une pseudo-Religion, 1921, e o L'Erreur Spirite, 1923, sem dúvida  bem lúcidas e clarificadoras, a última com 406 páginas  e capítulos sobre a história do espiritismo, as relações com o ocultismo e o psiquismo, as teorias, as extravagâncias reincarnacionistas, os perigos, etc., com críticas bem fundamentadas dirigidas a vários autores, tais como Allan Kardek, Helena Blavatsky, Papus, Charles Richet, Charles Lancelin, Ernest Bosc e outros

Certamente que entre as milhares de obras sobre  a vida no Além, ou os mundos dos espíritos fora de corpos físicos, há várias com dados certos ou valiosos, há testemunhos directos de familiares de entes queridos subitamente desincarnados, há teorizações e experimentações mais sistematizadas, há histórias objectivas o que se passou e certamente seriam necessárias muitas leituras críticas para avaliarmos o que de melhor ou pior se fez, ainda que algo temos feito e faremos ocasionalmente.
Contudo, resolvemos ler e comentar um escritor inglês, G. M.
Roberts, autor de um livro apresentado em 1985 como sendo ditado por um médium cego, Ken Alkehurst, que falecera em 1978, e que do outro lado da existência tentava, através dele, operar um despertar maior para o facto de haver uma vida depois da morte, sempre muito melhor que esta, garantindo que quando morremos cada um será  recebido por um guia e apoiado no descanso ou encaminhado para as casas e locais onde continuaremos a nossa progressão, dando assim uma visão demasiado cor de rosa pois "sabemos" que muita gente fica ora adormecida, ora imobilizada, ora desnorteada, já que não soube despertar a sua identidade espiritual, purificar-se e aperfeiçoar-se.
Considera pois a vida humana uma escola em todos
os planos e que seja pelo arrependimento seja pelo estudo, disciplina e treino, iremos logo no post mortem  avançar em diálogo com amigos e guias. Uma provável ilusão, tal como a propagada a partir de algumas experiências de near death, de proximidade da morte: a de que quando se está a morrer avistamos, no fim de um aparente túnel da transição, a luz e que aí somos logo todos recebidos de braços abertos. Uma ilusão completa, pois muita gente não vê nada, nem túnel, nem luz, nem é recebida por antepassados ou amigos.
A obra, apesar de ditada por um espírito que já fora médium, pouco
diz dos mundos do Além ou astrais e superiores, contém mesmo algumas explicações e afirmações tolas ou ultrapassadas, tais como a de querer que a Bíblia tornasse a ser ensinada nas escolas, ou que os Judeus eram o povo escolhido (assim lhe disse o seu mestre médium), porque eram os únicos que tinham chegado ao conceito do Deus único e que por isso Deus lhes enviou o seu Filho, sofrendo uma desilusão pela rejeição e morte do Filho enviado (acrescentando que os planos de Deus são constantemente frustrados pelos humanos, no fundo uma série do que nos parece informações erradas, esta de que Deus sofre desilusões ou a  de que (esta das Igreja Cristãs) Jesus fora enviado para com o seu sangue resgatar a Humanidade, erros que se tentam ainda defender no dias de hoje de profunda comparatividade religiosa, quando na realidade o Antigo Testamento é um livro cheio de desequilíbrios morais e psíquicos dos seus heróis ou profetas e violentíssimo no seu racismo de povo eleito, ainda por cima sob a égide de uma concepção de Deus, Jehova, primitiva, machista, vingativa.


Talvez de todo o livro Everyone's Guide to the Hereafter, de Ken Akehurst, through G. M. Roberts, o mais interessante sobre o Além se resuma a algumas ideias, ainda que pouco aprofundadas nas suas causalidades, tal a de que a cor da alma de uma pessoa é o  mais importante e que tal resulta seja do que ao longo da vida vamos fazendo e de cores gerando, seja no importante momento da morte, seja já no além, pois vestimo-nos de cores, realçando que são ascores o que há de mais forte e belo no mundo astral. 
Poderia ao menos ter dito que as cores geradas pela oração, o amor, a compaixão, a abnegação ou o estudo seriam mais estas ou aquelas, ou que a escala das frequências vibratórias do infravermelho ao ultravioleta enquanto que patentes na aura e alma humana têm as suas correspondências causais em certos sentimentos e pensamentos. De qualquer modo serve para nos relembrarmos ou nos auto-consciencializarmos do estado em que estamos, intensificarmos estados de alma mais harmoniosos no fundo mais sábios, amorosos e determinados, por via das cores que sentimos, irradiamos e assimilamos...
Apenas uma vez e quase já no fim, fala dos outros planos ou
mundos, já que narra o mestre Jesus descer com frequência para falar como o Filho de Deus, vindo de um plano mais elevado. Mas mostra muito pouco de imaginação ou vamos lá de visão no que descreve pois, para além de verberar os sentimentos de inveja como muito obscurecedores, e de valorizar sempre o amor a Deus e ao próximo, como dissemos, não descreve nenhuma cor de tais estados de alma. Ora se o médium falecido está a ver num mundo subtil espiritual em que a cor é o mais importante, deveria explicar pelo menos que a aspiração a Deus gera certa cor; que a devoção, outra; que o espírito de sacrifício, outra. Ou ainda, quais as cores que se manifestam para curar isto e aquilo, algo que acontece segundo ele regularmente em cerimónias públicas, em que todos oram e cantam formando uma nuvem de energias poderosas que atraem a bênção divina, cabendo ao mestre curador da cerimónia receber, em si e numa vara de poder, tais energias divinas que depois dirige para quem precisa...
O livro acaba por dar a sensação de que mistifica um pouco, pois
está constantemente desejando que as pessoas aceitem e acreditem no que se diz, que gostaria de escrever mais livros e que este vai ter muito sucesso e ser importante, E que foi escrito com a ajuda de vários seres, primeiro a sua irmã, que foi quem o recebeu quando morreu e que se tornou a sua guia. Quanto ao sucesso e impacto desta obra cremos que terá sido muito reduzido, pesem as expectativas do além, expressas pelo seu autor, de que a vida depois da morte deixaria de atemorizar as pessoas, tanto mais que, segundo a sua descrição optimista, toda a gente seria recebida no além por pessoas conhecidas e encaminhada para casas de descanso.
Há também aspectos na descrição
da vida no Além que parecem algo ingénuos, tal como haver todo o tipo de desportos, de modo a que os grandes jogadores de algum deles ainda possam ser melhores e que há muita gente a competir e a assistir, sobretudo à natação, críquete, futebol, ténis e corridas de cavalos. Nada mau o programa das festas desportivas, pensar-se-á, embora se torne algo complexo saber como é que tudo isso tem valor de religação espiritual ou divina e como acontece quando mais de uma vez afirma que o tempo não existe nem há um calendário. Fica-se ainda a dúvida se não se está a legitimar muita actividade actual que pode ser vista como algo elitista  e sobretudo alienante para quem só a vê e não pratica, para além de distrair as pessoa de realizações mais importantes.
É sempre complexo conseguirmos
clarividentemente ver, ou então imaginar, e descrever os mundos astrais, como vemos em tantas contraditórias descrições de espíritas, ocultistas, rosacrucianos, teosofistas, videntes, embora seja verdade o descrito pelo médium de podermos deslocar-nos a uma velocidade quase instantânea, ou a importância do controle dos pensamentos e a nudez da nossa alma perante os outros, não havendo possibilidades de mentira. Havendo muita gente céptica ou materialista, não havendo unanimidade de  visão quanto à vida no Além ou nos planos subtis post-mortem, torna-se difícil chegar-se a um acordo sobre qual será a melhor a ensinar, ou que aspectos são os mais acertados, embora nas minhas leituras tenha chegado à conclusão que o Livro do Além, escrito pelo alemão Bô Yin Râ, é certamente dos melhores, na sua simplicidade e claridade e provinda de um mestre com os sentidos espirituais despertos.
Ligado ao problem
a da vida depois da morte e das consequências que vivenciaremos, ou seja, o karma indiano ou a retribuição cristã, está  o problema do Mal no Cosmos mas  a aproximação no livro de Ken Akehurst é pequena e embora mencionando a Bíblia prefere não recuar aos míticos Adão e Eva, tanto mais que volta e meia faz as suas críticas às limitações espirituais da Igreja, propondo no fundo mais a participação em centros espíritas,  nos quais considera que há conversas mais espirituais que nos meios católicos ou de outras religiões, algo certamente muito discutível. Aliás esta faceta de um certo proselitismo espírita é evidente, sugerindo às pessoas irem ao centros, consultarem médiuns e exercerem os seus dons e poderes de curas. Ora se de facto é bom que as pessoas usem mais as suas capacidades anímicas de cura, de intuição, de inspiração, também é verdade que estarem a tonarem-se médiuns, e então de incorporação, pode ser perigosíssimo pois, sendo o caminho espiritual algo de interior e íntimo, o abrir-se a qualquer espírito ou entidade dos mundo subtis, por vezes bem daninhas, pode afectar a integralidade e a sanidade das pessoas.
Sabendo nós, por diversas tradições, que a oração (e sobretudo a
verdadeira) pelos que já morreram é um dos principais meios de os ajudarmos ou de eles despertarem, purificarem e  elevarem, em qualquer aproximação escrita sobre o Além tal deveria ser mencionado, mas não é tanto o caso neste  Everyone's Guide to the Hereafter, de Ken Akehurst, through G. M. Roberts: a oração é apresentada de um modo simples, talvez algo superficial até, pois bastaria  falar com Deus, pedir e agradecer, de modo a que pela frequência aumente a ligação a Deus, acrescentemos, algo imaginado se não há uma vivência mais interior da Fonte Divina. Não valoriza talvez suficientemente o ensinamento de Jesus quanto à oração, sintetizado na tríade: "pedi e recebereis, procurai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á" (Mateus, VII.7)  e que, por exemplo, já na valiosa obra A Oração, de Bô Yin Râ, que traduzi e dei à luz em de Agosto de 2022 (e está disponível...), é bastante bem interpretado e desenvolvido. 


Se a omissão da oração pelas almas defuntas já nos parecia incorrecta, acrescente-se  ainda que nunca se emprega  o termo "meditação", no que parece ser outro repúdio de um método essencial, talvez porque ambos dispensem os médiuns e até pastores e sacerdotes, ao valorizar-se a capacidade de ligação directa com o espiritual e o Divino e a sua eficácia no bem comum do corpo místico da Humanidade, tão bem cantado na nossa tradição espiritual por  Antero de Quental em alguns sonetos, tal como no final da Contemplação:  

«Seguirei meu caminho confiado,

Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos!»

Ou tão belamente na parte final do soneto de 1885, Com os Mortos, ou não fosse ele um espiritual que tentou até investigar e filosofar, para além de poetizar, os mistérios do espírito e do além, como as cartas a Cirilo Machado retratam e já neste blogue abordei:

 «Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado, 
Na comunhão ideal do eterno Bem.»

                                     

Na realidade, quanto ao auto-conhecimento, à gnose, à identidade espiritual conquistada ou recuperada, Ken diz pouco: o que escreve com mais interesse é que a alma é uma centelha de vida, para ele criada apenas no momento da concepção, e que vai registando tudo o que acontece durante a vida.  Donde uma oposição sua forte ao aborto. Não fala num espírito que existia já antes e que entra no corpo e não defende ou afirma a reencarnação, confessando mesmo (ó santa sinceridade...)  que não conseguiu saber se há ou não tal, o que nos parece algo contraditório com o facto de estar já nos mundos subtis e em diálogo com espíritos já mais avançados que ele. Considera ainda que as crianças mortas muito cedo acabam por ser educadas mais nos mundos espirituais ainda que mantendo uma ligação com os pais corporais e que podem assim evoluir mais rapidamente. Já quanto aos suicidas considera o pecado mais grave que o ser humano pode cometer.
Concluamos com outros aspectos da descrição ensinante de Ken
Akehurst: recomenda a cremação, pois o melhor meio de comungar com seres já partidos é falando-lhes calmamente em casa e não ter que ir para os cemitérios. E que na vida depois da morte já ninguém importuna outrem, pois não há tempo nem tarefas à pressa. A sua posição quanto à sexualidade é que no Além ela não existe, e só o verdadeiro amor é que une e mantém unidas as pessoas, embora pareça saltar em relação à polaridade, à complementaridade, à união conjugal ou à alma-gémea, certamente mistérios bem elevados, sobretudo no misterioso Além e que não se revelam tão facilmente senão aos verdadeiramente iniciados, como a Dante por Beatriz, ou quem sabe imaginalmente a Vasco da Gama por Tétis, na Ilha do Amor, esses estados de consciência em que todos nós devemos viver e lutar criativamente para que estarem mais presentes entre nós e para o Bem da Humanidade e do Cosmos..

sábado, 20 de agosto de 2022

Poesia Espiritual Portuguesa. A poesia como prática e a peregrinação à Estrela e à Divindade.

 

Poesia como expressão de alma e do espírito:

 

 Poemas há que jazem no limbo indiferenciado,

no interior profundo da nossa alma,

em língua alguma falada ou escrita,

 só como sentimentos, intuições, aspirações.

Mas dadas as afortunadas interacções,

elas são coroadas pela estrela fecundante,

essa que os alquimistas espirituais

procuravam obter a visão e a orientação.


Hoje dadas as circunstâncias dispersantes

só em sonhos e prolongadas meditações,

em peregrinações e diálogos se desvenda.

Entrar e aprofundar a poesia espiritual,

a demanda abençoadora da estrela,

é uma prática de inspiração e meditação:

 Deixamos as energias e imagens virem ao de cima

no próprio acto puro de escrever e reflectir,

abertos ao que se nos associa, expande e ilumina,

no campo unificado consciencial vibrando e fluindo.
 

Poesia: inicio o gesto de a vazar

na página branca que me desafia

a cortar o que bloqueia o coração

e a deixar o Logos se derramar.

 


Vou deixar circular o Verbo: 

 "Não a nós, Senhor (a), não a nós,

mas ao Teu Nome dá Glória"

cantou a tradição espiritual templária

mas se retomar os veios e lemas antigos 

é aprofundar, incandescer e realizá-los.



Seja a poesia invocação da Verdade e não palavra só

que responda aos poetas do esmerado ofício da forma.

Quem pode falar do espírito, de Deus e do Graal

sem por eles  ter-se esforçado e lutado,

ou invocado, aproximado, enchido ou entrevisto?


Entre a poesia rota da angústia e do vazio

e a da construção formal, estética e aprumada

os leitores  ou os críticos que escolham

mas para a partilha da realidade espiritual,

Atenção: aqui é essencial a purificação

para além da graça na espiritual meditação.



Tantos poetas, prosadores e mestres

infinitos livros e frases a ecoarem

mas quem se desperta a si próprio

   e se conhece em corpo, alma e espírito? 



O ser mais realizado é luz e amor em si
e ilumina os outros sem necessitar de palavras,
e sem ter que provar o que diz
apenas se aproxima e dá a saborear:

- Queres experimentar, Amor? 

Então, tenta entrar no teu peito, 

ou, quem sabe, encosta-o ao meu.

A Divindade está no íntimo de cada ser

só quem a tiver sentido, enchido ou avistado
é que pode falar Nela com vida e em verdade.


 Só a quem for aberta a porta do peito,

só a quem se deixar inflamar no Amor

e alumiar a aura e o ambiente à volta,

 é  que a imanência espiritual se desvenda.


Mundos infinitos contemos e nos rodeiam:

Os que se agarram a poleiros e a doutrinas,

aos interesses, dogmas e limitações materialistas

esses tornam-se ceifeiros de palha perecível.



É preciso entrar no corpo espiritual, 

sentir bem a vibrar o amor imortal,

e comungar com os mestres que guiam

na luz até à Estrela e à Fonte Divina.

 

Possamos conseguir esta peregrinação

que nos leva pela terra ao Amor e à União.

Dos objectivos da vida. Do amor, da relação amorosa e união plena; da vida no além e da Divindade.

A nossa passagem na Terra física e sua História tem certos objectivos, uns que nos são impostos pela necessidade de sobreviver, trabalhar, ganhar dinheiro, outros que  escolhemos pela nossas especificidades anímicas ou porque os ambientes e necessidades nos escolhem,  e  por fim os objectivos mais inconscientes e que de vários níveis nos influenciam e buscam suas concretizações sem que por vezes saibamos bem donde vêm e para onde nos levam. Como os hierarquizamos e os tentamos satisfazer dentro da nossa ideia do nosso próprio dever ou missão é em grande parte o resultado de instintos, tendências, motivações, que sendo  pouco meditadas ou consciencializadas geram por vezes pensamentos, comportamentos e decisões pouco fundamentadas ou luminosas.
 Se a busca do cumprimento da nossa especificidade única, do svadharma, como se diz na Índia,  com a consequente felicidade, é o principal fim da vida, e se a maior parte das pessoas reconhece que há uma certa ética e moral a cumprir, a seguir e a adoptar no caminho da realização da vida, face a tantos milhões de seres na mesma busca e por modos diferentes,  outros há contudo que pensam que os seus fins ou objectivos egoístas justificam todos os meios, e não recuam perante quase nada para satisfazer os seus desejos. 
Este desequilíbrio, que nasce do egoísmo primário animal, tem contudo sido gravemente intensificado e propagado pelos exemplos de individualidades e Estados psicopatas na sua indiferença aos direitos dos outros e que mentem e matam com toda a facilidade no seu afã de domínio, de poder. Uma tragédia tão exemplificada pelo dólar, a hubris e o imperialismo norte-americano.
Noutras versões dos fins últimos o objectivo principal da vida é chegarmos ao fim dela sem desejos, desprendidos, livres e então há que admitir que as pessoas compreendam a futilidade e ilusão da maioria dos desejos e se desprendam ou então que as pessoas satisfaçam por vezes sofregamente ou algo amoralmente os seus desejos para os esgotarem e no fim estarem libertos dos laços que as prenderiam à Terra e possam assim não reincarnar, para os que crêem nessa hipótese, ou evoluir para planos mais elevados.
Mas há aspectos que são pouco aprofundados nestes tipos de entendimento e as pessoas arriscam-se a chegarem ao fim da vida e não apenas terem ainda desejos, volições anímicas insatisfeitas, mas estarem mesmo  limitadas  seja pela consequências em si e nos outros, seja por terem ficado mesmo presas, dependentes, viciadas, seja por não terem descoberto e vivido o Amor libertador suficientemente, e passando assim para o além sem o traje nupcial ou sem o coração acesso...

E não é fácil em vida discernir-se quando é que certos interesses, hábitos ou prazeres se tornam limitações e pesos nos mundo subtis, pois as pessoas, para além das muitas crenças que religiões ou educações lhes impuseram, tendem a desculpar-se ou a ver-se optimisticamente para continuarem a usufruir do que realmente não lhes é útil. Basta ver quanto precioso tempo as pessoas perdem em televisões, filmes, livros, conversas, passatempos inúteis. Nesses casos o percurso da vida, o dharma ou dever mais profundo de auto-conhecimento e desenvolvimento da Sabedoria Amor, fraquejou em certos aspectos e conduz a limitações e sofrimentos: o mistério do Amor não foi aprofundado...
Tentemos então ao de leve sondar provavelmente o maior desejo e objectivo do ser humano, onde em geral se encontra não só o prazer, a felicidade, a inspiração, mas também desilusão ou mesmo repulsa: o Amor em si, e sobretudo entre dois seres.
Este amor que atrai duas pessoas e as faz sentir que têm afinidades para avançarem num relacionamento, em geral passa por um conhecimento recíproco inicial e culmina numa comunicação sexual, pois uma parte substancial do amor é o desejo de se fundir com a outra pessoa, seja transitoriamente seja mais duradouramente, seja para gerar frutos físicos ou anímicos e espirituais, ou mesmo divinos.
A união sexual permite essa partilha recíproca do amor e do desejo-vontade de unidade de corpo, alma e espírito de cada um, com toda a riqueza potencial deles em possibilidades de desvendação, manifestação e geração.
Em qualquer união sexual, mais ou menos consciente e harmoniosa nos vários níveis, há uma troca de impulsos eléctricos magnéticos, libertação de endomorfinas, e uma forte osmose e absorção recíproca de vibrações, partículas, energias, sentimentos e pensamentos entre as auras magnético-psíquicas ou almas das duas pessoas, culminando num resultado de maior ou menor perfeição na frutificação, no momento e posteriormente.
Aliás algo disto já se pode passar em qualquer conversa ou encontro, pois somos sistemas abertos electro-magnéticos e energético conscienciais e a nosso tónus energético e psíquico está sempre em movimento e mudança, já que somos bastante afectados por tudo o que entra pelos nossos cinco sentidos e impacta no cérebro e no que a alma sente, e reage e transmite, de bem ou destrutivo para nós ou para os outros...
Sabermos cavalgar o tigre ou a tartaruga de qualquer estímulo ou relação, isto é com intensidade ou lentidão, de modo sensível, apropriado, imaginativo, amoroso e criativo e unitivo, é fundamental, sobretudo nestes tempos em que ao nível social, mundial e mediático  somos dilacerados por tantos conflitos, sofrimentos e opressões perante os quais o nosso amor tem de saber-se muito bem posicionar, perseverar e irradiar, seja o seu amor seja a sua repulsa, e portanto apoiar ou cortar...
A relação amorosa a dois é então uma época, um estação na vida, um sol aberto, uma lua de mel, um abrir e ver dos corações, uma possibilidade de reintegração espiritual, de entrada no mundo da unidade, em suma, de se invocar e realizar mais o Amor que une os mundos, as partículas e os seres e os aproxima da Divindade,  a sua fonte e fundo. 
                                    
 A permeabilidade dos corpos e almas em tais momentos permite milagres de aprofundamento de conhecimentos ou compreensões mais profundas, intuições e expansões de consciência para além dos limites definidos do corpo físico, do cérebro e do eu limitado.
O estado de amor pleno com outro ser, o auto-conhecimentos como seres em corpos espirituais sensíveis e a religação com a Divindade, que nesses momentos são mais intensamente cingidos, aproximados ou realizados, tornam-se então os objectivos principais da Vida, e pode-se dizer que os seres se tornam cooperadores do Bem, da Verdade e da Divindade na Humanidade...

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Acerca da censura no Facebook e nas redes sociais, o que está por detrás dela e como devemos resistir.


                                            

PELA VERDADE E A LIBERDADE NA HUMANIDADE...

 Os dirigentes e operativos do Facebook, como também de outras redes sociais e meios de comunicação, pensam, talvez numa arrogância idiota, que os seus usuários e  clientes são crianças e devem ser tuteladas e restringidas nas capacidades que constituem a dignidade do ser humano, nomeadamente a do sentido crítico, procura dialogante da verdade e liberdade de comunicação, e preferem apostar na censura, na semeadura de bufos e censores, na expulsão,  bloqueio ou conta restringida dos que procuram ou lutam pelo conhecimento e a verdade, acima de todos os interesses e pseudo-conveniências, e resistem a tais medidas limitadoras, geradoras de falsidades, desânimos, dúvidas ou desconfianças, repulsões e conflitos entre as pessoas. 

O objectivo maior ou global parece ser uma sociedade mundial controlada, manipulada ou mesmo zombificada, com vigência obrigatória de narrativas oficiais, consumos forçados, falsos líderes e pensamentos únicos, sempre distorcedores e castradores, em geral irresponsáveis ou inimputáveis e impostos à força, indícios claros de tendências materialistas, opressivas, megalómanas e ditatoriais de elites monetárias e dos dirigentes de organizações e governos, algo  inadmissível na Humanidade Livre do séc. XXI, daquele que André Malraux e outros disseram que nele haveria uma civilização mais espiritual ou então o mal, a opressão, o medo estariam a triunfar. 

Lutemos pois corajosa e persistentemente contra tal cizânia que está a crescer demasiado nas redes sociais, as quais não só corrompem e danam os que se deixam empregar como censores, ou pseudo-verificadores de factos, como restringem nas pessoas que as utilizam e as enriquecem, a criatividade, o conhecimento, a justiça e a verdade, afectando seriamente a Humanidade e a sua vera identidade dialogante, fraterna, amorosa, espiritual e até de origem Divina....

Que cada ser seja o Caminho, a Verdade e a Vida, e não nos esquecendo ou perdendo da visão e coração que "conhecereis a Verdade e ela vos libertará", e lutemos para que Twitters e sobretudo Facebook deixem de ser opressivas e repressivas Inquisições, e que as nossas orações e meditações nos aproximem dos estados luminosos conscienciais...

Post-scriptum, com a data de 11-12-2022, apenso à partilha deste texto na famigerada plataforma repressiva do Facebook, o contrário, por exemplo, da Vk.com:

Após um mês de bloqueamento discricionário e injustificado, e uma semana de não partilha dos meus escritos do blogue,  apenas  partilhando links de activismo consciencial e supra-narrativas oficiais, recomeço a partilhar de novo textos do blogue, este texto  contudo já com alguns meses de redacção e tendo sido apenas levemente acrescentado. Anote-se contudo que o bloqueio opressivo do Facebook por um mês deitou abaixo muita da ilusão quanto ao interesse e valor ou eticidade desta plataforma, pelo que, para além de ter suspendido algumas páginas que criara, peço que não me dirijam mais convites de amizade, bem como que me desculpem tanto os que me pediram já que deixei de aceitar sem justificações bem expressas, como aqueles que tenho começado a apagar, para diminuir o número exagerado de amigos e amigas.... Quando terminar a censura absurda e opressiva do Facebook, inadmissível na terceira década do séc. XXI, então outra convivialidade poderá desabrochar... Lutemos por ela, mesmo que seja por ora com os poucos que se conseguem erguer e sobreviver fora da manipulação, alienação e ainda por cima censura bloqueante cada vez mais frequente, nesta caquética direcção da União Europeia submetida a todo o tipo de ditames, alinhamentos e corrupções, e que já não representa de modo algum qualquer tipo de liderança futura da Europa fraterna, verdadeira e humanista...

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Poesia espiritual escrita no Jardim da Estrela, em Lisboa, entre as raizes de uma gigantesca árvore da borracha.

 

Quando o Amor te bater à alma

Dá-te com sabedoria e intensidade,

Não menosprezes a graça dada

Mergulha fundo e sê a alma amada.


Sob o peso da vida

Não esmoreças e avança.

A meditação e a inspiração

Virão sempre guiar-te.

 

Vê com sensibilidade e profundidade,

Tanta a natureza como a alma

E descobrirás as maravilhas

Que pelo teu amor se perenizam. 


Almas, auras, voos, ventos,

Assim te vi vinda de longe

lendo entre as raízes da árvore

mas acolhendo já a tua voz. 

Contempla bem a aurora

em casa, na natureza e no amor

e comungarás da Força Divina

que diariamente te renovará.


Como a ave que desce

Assim  te desvendaste a mim

E os nossos peitos abraçados

Confessaram o Amor eterno.

 

Sucedem-se  as estações

E como elas as amizades

Mas subitamente o Amor

Irrompe fulgurante, despertante

e toda a alma fica vibrante.


Já despertos vivem na vida corporal

Os que no Amor se transfiguram

e em gestos, posições, olhares e vozes

Constantemente desvendam o Divino.

 

Cada dia traz os seus trabalhos

e com calma os cumpriremos.

Felizes dos que os amam

e criativamente se transcendem

 e na Unidade querida se fundem.

 

Esta aspiração à Divindade

que nos ergue, anima e faz criar

pede-nos para discernir e persistir,

para se aperfeiçoar o temporal

e realizar-se a união  imortal.


 Ouve e vê bem, ò alma amiga:

No interior do teu peito e coração

arde a chama do Amor divino,:

descobre-a, medita-a e partilha-a

   e terás luz e calor na vida eterna...


quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Manuel Greaves. Acerca de Antero de Quental e de Tolstoi, nas "Notas de Arte (Pelo Mundo Fora)". 1900, Horta.

Manuel Greaves foi um açoriano, jornalista e escritor, admirador de Tolstoi e de Antero de Quental,  que se destacou na sua ilha natal da Horta, deixando numerosas colaborações em jornais (de alguns dos quais fora redactor), e revistas, bem como alguns livros. Nascera a 8-I-1878 e desincarnou a 1-II-1956, destacando-se desde jovem na literatura como poeta nas linhas parnasiana e também simbolista e, por vezes, sob o pseudónimo Narciso Rosado. Embora pessoa bondosa era também bastante divertido e irónico, nomeadamente na crítica política. Em 1948 e 1950 publicou dois contributos etnográficos valiosos, Histórias que me contaram, e Aventuras de Baleeiros. Postumamente, em 1958, a família deu à luz Histórias que ouvi, que reúne inéditos e depoimentos sobre o ilustre publicista açoriano.
         Imagem da Enciclopédia Açoriana, on line, da Direcção Regional dos Assuntos Culturais dos Açores
Foi na saudosa Tipografia do Atlântico, da Empreza Editora “o Atlântico”, à Horta, e distribuída pela lisboeta Papelaria Palhares, à rua do Ouro, 141-143, que em 1900, deu à luz o seu primeiro livrinho Notas de Arte (Pelo Mundo Literário), com um breve mas belo prefácio de M. G., iniciais do próprio autor, o qual, ilustrando bem a sua sensibilidade, de jovem apenas com 22 anos, e o escopo da obra, merece que o transcrevamos,  a partir do 3º parágrafo:
“A Arte – a fada encantada de os Antigos e dos Medievais, com caprichos de coquete, e impercepções e segredos de tricaninha que quer conquistar – sem ter quem, ou moço que quer namorar – sem ter pequena. Quantos a procuram, sem a encontrarem? E quanto a encontram, sem o saberem?
Nenhum homem pode deixar de fazer Arte. Ou o lavrador, nos campos arando; ou o fadista, aos cantos das ruas, cantando a viola; ou o operário, na tenda, suando em bica no eterno ganha-pão. Todos fazem Arte; todos a cultivam.
Faz Arte o marinheiro, nas vergas, amanhando o pano; o pescador, no mar, concertando o anzol; o escritor, no seu cubículo, fazendo a Literatura.
Este livro encerrará Arte, - não aquela fácil do Jornalista, ou do Anotador, mas a do Artista. São Notas de Arte, cavaqueira útil e instrutiva, perfis de alguns confrades, vistos pelo lado artístico do seu trabalho.
É um trabalho destinado aos Homens de Letras da minha quadra dos Intelectuais, e aos Moços do meu tempo, que aspiram ao Ofício.
Que uma brisa suave o proteja, e o ampare no grande Oceano das Letras.»
Com um belo fim de invocação de protecção para a navegação no samudra ou oceano da existência (e até nós chegou), discernimos uma bela e juvenil sensibilidade à unidade do trabalho, da arte e da literatura, e  à sã e generosa fraternidade dos trabalhadores manuais, dos artistas e dos intelectuais, e assim, nos vinte e um capítulos capítulos, em 114 páginas, deparamos com valiosas apreciações de escritores e amigos e das suas obras, vidas ou ditos, com um dos capítulos dedicado a um mestre da santa Rússia, Tolstoi, do qual valerá a pena transcrevermos uma parte na qual transparece bem o idealismo puro de ambos, até meditativo, e porque é uma antevisão homenageante, em dez anos, da sua morte: «Creio que li quase toda a obra de Leon Tolstoi. Ainda há oito dias terminei a leitura de um romance seu, pequeno, e muito para meditações - Dinheiro Maldito. O desgosto de um homem, inculcado de infiel pelo povo. Os sensatos artigos de Tolstoi sobre a Questão Social, e sobre as Reivindicações do Proletariado, apareceram em todos os jornais, uma boa parte na Imprensa avançada de Paris. No jornal do grande propagandista revolucionário Jean Grave [1854-1939, líder anarquista]   Les Temps Nouveaux, leio semanalmente trabalhos do conde russo, muitos interessantes e agradáveis. 
 Hoje, penando-me a morte do ilustre vulto, desejaria ainda, aldemenos lançar-lhe sobre a campa uma flor de neve - da pureza da sua Alma.»
 
  Outro capítulo valioso é o consagrado a Antero de Quental, o VII, o qual Manuel Greaves já referira aliás noutro passo da obra. Resolvemos então transcrever o capítulo completo, aproveitando o tempo duma conversa telefónica, dado que explica com a sua grande sensibilidade ("ó águas cristalinas do Mondego"), sinceridade e humildade a admiração e atração que sentia pelo mestre açoriano, e menciona outros anterianos menos conhecidos. Eis o seu texto, e muita luz e amor para Manuel Greaves e os demais anterianos:
«Numa nota a uma crítica de Alberto Pinheiro sobre Antero de Quental, inserta na [revista portuense] A Arte do Verediano Gonçalves, escrevi eu, há tempos, isto:
"É o melhor trabalho que eu tenho visto de Alberto Pinheiro. Creio que, do que se escreveu sobre Antero, é isto o mais justiçoso e o mais seguível. Felicito o crítico, e hoje, se estivesse de pachorra, anotava o trabalho com o empenho da Crítica".
Se houve Pensador que me despertasse consagração imensa, é ele esse gigante, o qual, ali, em Ponta Delgada, desfez o crânio com um tiro de revólver num desespero inaudito. [Sob a âncora da Esperança, e com que grito ou clamor impossível de se ouvir?]
Antero de Quental, o poeta psicológico por excelência, uma reprodução de André Chenier [1762-1794, um pré-romântico], o máximo tradutor dos sentimentos da Alma, concluía, em Coimbra, como Schopenhauer no seu cubículo de Francfort:
                          " Que sempre o mal pior é ter nascido".
Como Pensador, não está definido Antero no trabalho de Alberto Pinheiro. Como poeta, ele é considerado o segundo sonetista português (o primeiro é Bocage).
                                                                                     ***
Nos Açores, temos um profundo admirador da Obra de Antero. É o sr. Manuel Joaquim Dias.
Tenho ideia de uma magnífica poesia de este sujeito sob a impressão do suicídio do Grande Intelectual.
Quando moço, foi Antero muito festejado e muito admirado. Em Coimbra, as cristalinas águas do Mondego deram-lhe, em esvaídas cores, todo esse encanto dos seus versos.
“Recebi o baptismo dos poetas...”
                                                      *
Antero sempre teve inclinação por a Questão Magna - a possível felicidade da Família Humana. Neste assunto, Antero trabalhou e produziu pela pena e pela palavra. Tenho saudades dos seus bons escritos sobre o Ideal Moderno; ainda os leria com delícia – com a delícia do obscuro que lê o Mestre e o Pensador excelente.»