Manuel Greaves foi um açoriano, jornalista e escritor, admirador de Tolstoi e de Antero de Quental, que se destacou na sua ilha natal da Horta, deixando numerosas colaborações em jornais (de alguns dos quais fora redactor), e revistas, bem como alguns livros. Nascera a 8-I-1878 e desincarnou a 1-II-1956, destacando-se desde jovem na literatura como poeta nas linhas parnasiana e também simbolista e, por vezes, sob o pseudónimo Narciso Rosado. Embora pessoa bondosa era também bastante divertido e irónico, nomeadamente na crítica política. Em 1948 e 1950 publicou dois contributos etnográficos valiosos, Histórias que me contaram, e Aventuras de Baleeiros. Postumamente, em 1958, a família deu à luz Histórias que ouvi, que reúne inéditos e depoimentos sobre o ilustre publicista açoriano.
Imagem da Enciclopédia Açoriana, on line, da Direcção Regional dos Assuntos Culturais dos Açores
Foi na saudosa Tipografia do Atlântico, da Empreza Editora “o Atlântico”, à Horta, e distribuída pela lisboeta Papelaria Palhares, à rua do Ouro, 141-143, que em 1900, deu à luz o seu primeiro livrinho Notas de Arte (Pelo Mundo Literário), com um breve mas belo prefácio de M. G., iniciais do próprio autor, o qual, ilustrando bem a sua sensibilidade, de jovem apenas com 22 anos, e o escopo da obra, merece que o transcrevamos, a partir do 3º parágrafo:
“A Arte – a fada encantada de os Antigos e dos Medievais, com caprichos de coquete, e impercepções e segredos de tricaninha que quer conquistar – sem ter quem, ou moço que quer namorar – sem ter pequena. Quantos a procuram, sem a encontrarem? E quanto a encontram, sem o saberem?
Nenhum homem pode deixar de fazer Arte. Ou o lavrador, nos campos arando; ou o fadista, aos cantos das ruas, cantando a viola; ou o operário, na tenda, suando em bica no eterno ganha-pão. Todos fazem Arte; todos a cultivam.
Faz Arte o marinheiro, nas vergas, amanhando o pano; o pescador, no mar, concertando o anzol; o escritor, no seu cubículo, fazendo a Literatura.
Este livro encerrará Arte, - não aquela fácil do Jornalista, ou do Anotador, mas a do Artista. São Notas de Arte, cavaqueira útil e instrutiva, perfis de alguns confrades, vistos pelo lado artístico do seu trabalho.
Faz Arte o marinheiro, nas vergas, amanhando o pano; o pescador, no mar, concertando o anzol; o escritor, no seu cubículo, fazendo a Literatura.
Este livro encerrará Arte, - não aquela fácil do Jornalista, ou do Anotador, mas a do Artista. São Notas de Arte, cavaqueira útil e instrutiva, perfis de alguns confrades, vistos pelo lado artístico do seu trabalho.
É um trabalho destinado aos Homens de Letras da minha quadra dos Intelectuais, e aos Moços do meu tempo, que aspiram ao Ofício.
Que uma brisa suave o proteja, e o ampare no grande Oceano das Letras.»
Que uma brisa suave o proteja, e o ampare no grande Oceano das Letras.»
Com um belo fim de invocação de protecção para a navegação no samudra ou oceano da existência (e até nós chegou), discernimos uma bela e juvenil sensibilidade à unidade do trabalho, da arte e da literatura, e à sã e generosa fraternidade dos trabalhadores manuais, dos artistas e dos intelectuais, e assim, nos vinte e um capítulos capítulos, em 114 páginas, deparamos com valiosas apreciações de escritores e amigos e das suas obras, vidas ou ditos, com um dos capítulos dedicado a um mestre da santa Rússia, Tolstoi, do qual valerá a pena transcrevermos uma parte na qual transparece bem o idealismo puro de ambos, até meditativo, e porque é uma antevisão homenageante, em dez anos, da sua morte: «Creio que li quase toda a obra de Leon Tolstoi. Ainda há oito dias terminei a leitura de um romance seu, pequeno, e muito para meditações - Dinheiro Maldito. O desgosto de um homem, inculcado de infiel pelo povo. Os sensatos artigos de Tolstoi sobre a Questão Social, e sobre as Reivindicações do Proletariado, apareceram em todos os jornais, uma boa parte na Imprensa avançada de Paris. No jornal do grande propagandista revolucionário Jean Grave [1854-1939, líder anarquista] Les Temps Nouveaux, leio semanalmente trabalhos do conde russo, muitos interessantes e agradáveis.
Hoje, penando-me a morte do ilustre vulto, desejaria ainda, aldemenos lançar-lhe sobre a campa uma flor de neve - da pureza da sua Alma.»
Outro capítulo valioso é o consagrado a Antero de Quental, o VII, o qual Manuel Greaves já referira aliás noutro passo da obra. Resolvemos então transcrever o capítulo completo, aproveitando o tempo duma conversa telefónica, dado que explica com a sua grande sensibilidade ("ó águas cristalinas do Mondego"), sinceridade e humildade a admiração e atração que sentia pelo mestre açoriano, e menciona outros anterianos menos conhecidos. Eis o seu texto, e muita luz e amor para Manuel Greaves e os demais anterianos:
«Numa nota a uma crítica de Alberto Pinheiro sobre Antero de Quental, inserta na [revista portuense] A Arte do Verediano Gonçalves, escrevi eu, há tempos, isto:
"É o melhor trabalho que eu tenho visto de Alberto Pinheiro. Creio que, do que se escreveu sobre Antero, é isto o mais justiçoso e o mais seguível. Felicito o crítico, e hoje, se estivesse de pachorra, anotava o trabalho com o empenho da Crítica".
Se houve Pensador que me despertasse consagração imensa, é ele esse gigante, o qual, ali, em Ponta Delgada, desfez o crânio com um tiro de revólver num desespero inaudito. [Sob a âncora da Esperança, e com que grito ou clamor impossível de se ouvir?]
Antero de Quental, o poeta psicológico por excelência, uma reprodução de André Chenier [1762-1794, um pré-romântico], o máximo tradutor dos sentimentos da Alma, concluía, em Coimbra, como Schopenhauer no seu cubículo de Francfort:
" Que sempre o mal pior é ter nascido".
Como Pensador, não está definido Antero no trabalho de Alberto Pinheiro. Como poeta, ele é considerado o segundo sonetista português (o primeiro é Bocage).
***
Nos Açores, temos um profundo admirador da Obra de Antero. É o sr. Manuel Joaquim Dias.
Tenho ideia de uma magnífica poesia de este sujeito sob a impressão do suicídio do Grande Intelectual.
Quando moço, foi Antero muito festejado e muito admirado. Em Coimbra, as cristalinas águas do Mondego deram-lhe, em esvaídas cores, todo esse encanto dos seus versos.
Antero de Quental, o poeta psicológico por excelência, uma reprodução de André Chenier [1762-1794, um pré-romântico], o máximo tradutor dos sentimentos da Alma, concluía, em Coimbra, como Schopenhauer no seu cubículo de Francfort:
" Que sempre o mal pior é ter nascido".
Como Pensador, não está definido Antero no trabalho de Alberto Pinheiro. Como poeta, ele é considerado o segundo sonetista português (o primeiro é Bocage).
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Nos Açores, temos um profundo admirador da Obra de Antero. É o sr. Manuel Joaquim Dias.
Tenho ideia de uma magnífica poesia de este sujeito sob a impressão do suicídio do Grande Intelectual.
Quando moço, foi Antero muito festejado e muito admirado. Em Coimbra, as cristalinas águas do Mondego deram-lhe, em esvaídas cores, todo esse encanto dos seus versos.
“Recebi o baptismo dos poetas...”
*Antero sempre teve inclinação por a Questão Magna - a possível felicidade da Família Humana. Neste assunto, Antero trabalhou e produziu pela pena e pela palavra. Tenho saudades dos seus bons escritos sobre o Ideal Moderno; ainda os leria com delícia – com a delícia do obscuro que lê o Mestre e o Pensador excelente.»
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