quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Fala de Sant'Anna Dionísio quando, de Leonardo Coimbra o corpo é dado à terra no cemitério da Lapa, no Porto, a 4 de Janeiro de 1936.

Pode ouvir o duo de harpas da amiga Andreia Marques e da Cláudia Cardeal,  enquanto lê o excelente discurso.  https://www.youtube.com/watch?v=WJ75Qgorf1E

 O discurso de Sant'Anna Dionísio  "momentos antes do corpo de Leonardo Coimbra ser abandonado a terra", no cemitério da Lapa, no Porto, a 4 de Janeiro de 1936, apenas com 53 anos, diante de centenas das "milhares de pessoas que acompanharam o orador poeta ao cemitério", tal como descreverá, com aspectos transfigurantes Teixeira de Pascoaes, no In Memoriam de Leonardo, foi transcrito por ele (parcialmente) na  sua obra Leonardo Coimbra. Contribuição para o conhecimento da sua personalidade e seus problemas, 1936, reimpressa em 1985 com uma adenda (que gravamos e está no blogue), é de tal modo evocador, despertante e perene que resolvemos transcrevê-lo, sublinhando as partes mais valiosas para não alongar o texto com comentários (breves e entre [  ]), a fim de poder circular pelos meios digitais de comunicação, dado a obra não se encontrar facilmente nos alfarrabistas. Demos graças a Sant'Anna Dionísio, um dos alunos, amigos, discípulos e companheiros que mais compreenderam, amaram e testemunharam Leonardo Coimbra, 1883-1936, mas espírito imortal! Muita luz e amor divinos neles! 

«Leonardo Coimbra  não é um homem que desaparece: o poder radiante do seu espírito, longe de diminuir e desvanecer-se com a morte, aumentará com o seu afastamento, pelo dobar do tempo. Ele ficará como uma força tão viva como  o de Antero. E se aqui falamos de Antero de Quental é porque, para definir o espírito de Leonardo Coimbra por um espírito que nos possa servir de referência, não se encontra outro, entre nós, além do de Antero, como termo de confronto. Um e outro foram os que, em toda a história espiritual portuguesa, testemunharam o mais alto grau de sinceridade, de constância diligente, na procura da solução do que mais importa ao homem. Ouso porém dizer que se, por certos aspectos, o valor de Antero, (sobretudo o valor ético da sua existência concreta de homem convivente), não padece confronto com nenhum outro, por outros aspectos, Leonardo Coimbra foi superior a todos, incluindo o próprio-filosófico dos Sonetos e das Tendências. Sem dúvida, Antero deixou uma obra artística mais perfeita; deixou uma imagem de ser convivente mais severa e vigilante; deixou um clima moral, que Leonardo Coimbra de modo algum [algo exagerado, porque conheceu ao vivo a ironia e causticidade de Leonardo] transmite; - mas Leonardo Coimbra deixa na sua obra duas realidades que sobrelevam visivelmente a de Antero: a consciencialização especulativa de uma cultura muito mais ampla e informada e uma acção mais eficaz no despertar dos interesses, entre os que participaram no seu convívio, pelos problemas fundamentais. De facto, Antero de Quental não deixou por morte, continuadores [embora tivesse deixado muitos seguidores do seu idealismo e da sua poesia, poetas]. Leonardo Coimbra, deixa-os. Continuadores - de quê? - dir-se-á. Da sua concepção da vida? da sua questão religiosa? das suas ideias políticas? da sua maneira de ser? de pensar? Não se trata de nenhuma continuação desse género. [O que irá Sant'Anna dizer: do fogo da demanda, da aspiração à verdade e à justiça?]. Nem ele teve, cremos, nunca a pretensão de preparar continuadores. O seu ensino sempre foi demasiado livre e despreocupado de espírito de magistratura para que nele se descobrisse algum dia a intenção de fazer discípulos no sentido estrito da palavra. A sua influência como mestre exerceu-se acima de tudo, não como captação, mas como perturbação, estímulo; por esse aspecto Leonardo Coimbra foi um professor único. Nunca, entre nós, de facto, existiu um professor no seu género; queremos dizer, tão influente no destino intelectual dos que tiveram a sorte de sofrerem em cheio, a influência do seu ensino sui generis. E contudo nós não queremos deixar de reconhecer que temos tido alguns notáveis professores na existência secular do nosso ensino universitário. Mas os catedráticos notáveis são, em regra, ou os professores que expõem bem, ou os ascetas da «preparação», ou os que investigam infatigavelmente na sua pequena célula [ou cela], ou os que animam com solicitude os investigadores novos na fase dolorosa do emparedamento espiritual, que se chama usualmente, «especialização»; por vezes mesmo, o professor notável é ainda menos que isso: é simplesmente o professor que cumpre. Leonardo Coimbra não estava dentro de nenhuma destas classes de professores. O seu ensino era específico: era o ensino de um homem que sacode espíritos, que agita latentes propensões e inquietudes, que remove tudo por dentro. Ele era tipicamente um professor removedor [um acharya ou guru, removedor das ilusões, ignorâncias, trevas]. Todos os homens novos que passaram a seu lado como alunos ou como simples conviventes reconheceram unanimemente o misterioso poder desse indefinível influxo da sua inteligência viva, inquieta, terrivelmente ágil e perturbante. 

Leonardo Coimbra, tendo no canto esquerdo Sant'Anna Dionísio, nos seus momentos mais felizes: rodeado das alminhas portuenses alunas e conviventes que receberam os seus influxos espirituais, anímicos, éticos e culturais.

O segredo da fecundidade, mesmo póstuma, desse instituto de Cultura, a Faculdade de Letras do Porto [1919-1931], (que enquanto incipiente laboração, foi uma das mais puras fontes de alegria íntima de Leonardo Coimbra, e, quando extinta, uma das suas mais profundas fontes de dor) deve ir buscar-se à acção deste estranho catalizador de interesses espirituais. Foi ele que sacudiu, pode dizer-se, todos os homens novos que aí estudaram e hoje principiam a dizer o que têm a dizer. [Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva, Delfim Santos, Álvaro Ribeiro, etc.] Os próprios professores que ele agregou como cooperadores [tal Ângelo Ribeiro, Teixeira Rego, Newton de Macedo, Luís Cardim, Hernâni Cidade, Magalhães Basto, Mendes Correia, Lúcio Pinheiro dos Santos, etc.] dessa escola de humanidades (à qual se irá fazendo cada vez mais justiça depois de tantas malquerenças) foram incontestavelmente tocados pela radiação da sua cultura.
É por este ângulo que mais tarde se a
preciará principalmente este homem, admirando-se a sua influência concreta e convivente, olhando-o, enfim, como um verdadeiro caso socrático; porque de facto, um dos dons mais característicos deste homem foi o dom do conversador ateniense: a dialéctica perturbante, o estímulo directo e concreto das inteligências meias dormentes pela técnica espontânea da contradição, pela ironia, pelo fingimento da mordacidade a encobrir a mais profunda sinceridade de procura do que mais importa ao homem, a compreensão de tudo e de si próprio.
Com isto não queremos fazer supor que a obra de
Leonardo Coimbra, como pensador, fique apenas sob a forma de refracção tradicional - e que será pelos que vierem depois dele que se poderá ter a verdadeira medida do seu espírito. O reconhecimento de que a sua personalidade total tinha as suas melhores ocasiões de revelação no acto concreto da comunicação das ideias, de pessoa para pessoa, não significa que as ideias depostas na sua obra escrita, estejam destinadas a serem tidas como as raspaduras literárias de um pensador essencialmente oral. De modo algum. Apesar de todas as suas desigualdades a obra literária de Leonardo Coimbra é o testemunho mais notável que possuímos de pensamento preocupado com o essencial. De resto, nessa obra, sob o ponto de vista artístico, há coisas belas que são únicas na nossa língua. Há nela imagens inesquecíveis, delicadezas descritivas de verdadeiro poeta, intuições súbitas, prodigiosas de poder iluminante. Mas, sobretudo, o que nessa obra interessará sempre é a inteligência extraordinariamente ágil e cultivada que nela se exprime. A Alegria, a Dor e a Graça, a Razão Experimental, o Pensamento Filosófico de Antero, o diálogo Do Amor e da Morte - bastariam para dar a Leonardo Coimbra, em qualquer país, a perenidade de um grande escritor de ideias.

Como todos os grandes homens Leonardo Coimbra foi um homem deslocado do seu tempo. Foi um homem inactual. Por isso teve o drama íntimo (e confrangedor para aqueles que o adivinhavam) de se sentir capaz de uma certa missão que não pode cumprir como queria: a missão do homem pensante, a missão do homem destinado a pensar e a fazer pensar [e a meditar, contemplar, silenciar].
                                           
Na realidade foi um verdadeiro delito colectiv
o a vida forçada de professor do ensino secundário de Leonardo Coimbra. Um dia se evocará essa condenação como um dos exemplos mais gritantes de incompreensão crassa dos poderes públicos quanto aos deveres de solicitude que todo o homem superior tacitamente requer.
Um homem como Leonardo Coimbra não era,
claramente, um mestre que se devesse coagir a queimar o melhor da sua existência a ensinar desenho e álgebra elementar a crianças. Leonardo Coimbra era um mestre talhado para despertar adolescentes, para tornar largos e humanos os interesses espirituais dos homens novos, e para estimular mesmo homens na maturidade. A sua vastíssima cultura científica, a sua profunda e rápida visão dos problemas, a formação especulativa do seu espírito [melhor, da sua mente], e por cima disso tudo, os dons dialécticos admiráveis que ele possuía, faziam dele um paradigma único, que nunca mais talvez teremos tão completo [e Fernando Pessoa reconheceu-o também], do professor universitário removedor. O seu lugar era, pois, em um instituto de altos estudos ou em uma faculdade de ciências, como agente de ligação e metodólogo; ou em uma escola de humanidades, como mestre livre de conferências; ou em alguma coisa deste género. A tacanhez do meio porém não permitiu que se visse esta oportunidade única de quebrar o quadro escolástico e especializante [e farisaico e invejoso] do nosso ensino superior.

  Ao fim e ao cabo, Leonardo Coimbra aceitou essa incompreensão do seu valor - mas, como em todas as personalidades inactuais, essa aceitação não se fez sem amargura. O seu sarcasmo foi uma das expressões digamos pudicas dessa resignação. Há que reflectir sobre esse complexo da resignação para se compreender as suas anedóticas reacções. Porque, intimamente - quero afoitamente levantar esta presunção, Leonardo Coimbra era um homem profundamento sério; simplesmente, essa seriedade foi gravemente lesada pelo modo inconsiderado e grosseiro com que o meio o tratou. Daí o seu expediente de defesa: o humorismo. Daí as quadras de surda abominação e indiferença mordente. No fundo, Leonardo Coimbra era excessivamente acompanhado da consciência do seu valor para não compreender que a sua obra ficava muito aquém do que ele poderia ter feito [e muito fez, publicou e irradiou pela palavra entusiástica removente, iluminante].
                                        
Um dia, indo ao seu lado, ao longo de uma rua, disse-nos ele [certamente amargurado com mais alguma],  de repente, depois de um longo silêncio: - «Qualquer dia dou por írrito [sem valor ou efeito] e nulo tudo o que tenho feito e começo de novo» [Que coragem...] Na realidade, Leonardo Coimbra não podia começar de novo [tantas tinham sido as maravilhas sentidas, pensadas, intuídas comunicadas]. Porque nunca se começa senão uma vez. Temos por isso que nos contentar com essa obra que ele queria dar como írrita e nula. Ela ficará, - apesar de tudo -, como um testemunho suficiente da inteligência mais fulgurante e mais culta que até hoje tivemos.
Leonardo Coimbra, este homem trágica e prematuramente morto de quem me despeço, em nome dos seus antigos alunos, com a comoção de quem abraça um irmão que parte para um continente de insondáveis mistérios - Leonardo Coimbra viverá por essa obra truncada, por esta obra que ele realizou em tristes circunstâncias em que no nosso país se trabalha espiritualmente.»

Que, no "continente de insondáveis mistérios", resplendam como espíritos unidos no íntimo a Deus e continuem a inspirar dinamicamente a Tradição espiritual da língua e alma portuguesa...

Pintura de Bô Yin Râ, dos mundos espirituais elevados.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Destilações de experiências, reflexões e meditações. Recolha da sabedoria em folhas soltas e ao vento dos anos...

Recolhas de sabedoria, para que não se perca e antes se partilhe e aprofunde...

                                              
«Sobre os livros pode-se dizer que nos aproximam ou afastam da Verdade e Divindade por muitos meios, mas dois principais: um, e primeiro, pela nossa atitude em relação a eles, pois não há livros maus totalmente, e o mais importante é a nossa reacção, a qual pode ser negativa, ou pelo contrário positiva, ao ultrapassarmos os seus defeitos ou erros sem nos envolvermos em disputas, e antes vibrando nos aspectos positivos e luminoso, que, mesmo não estando no livro, nós por reacção sábia a ele,  os erguemos, ressuscitamos ou intuímos.

Uma posição crítica mas construtiva e aberta à verdade e à Divindade tenta não ficar no negativo, ao criticar a ignorância e erros ou troçar da ingenuidade e superficialidade, e procura antes compreender, sentir, intuir o que representará ou expressará mais a verdade, a vontade e os propósitos mais elevados, divinos mesmo, partilhando tal com a outra pessoa, ou não, conforme for o mais acertado e justo, pois há muita gente que não quer saber da verdade, ou reconhecer que os outro sabem mais do que eles...
Um segundo sentido ou meio de disce
rnirmos o valor dum livro, em especial o espiritual, é sabermos ou sentirmos se o autor era ou não um canal para as ideias e forças divinas, se estava mais ou menos estabelecido em valores éticos, numa prática religiosa ou espiritual e se acreditava e demandava em Deus, se teve experiências e vivências valiosas. E realce-se que quem acredita na Divindade, ó fiéis e crentes, deverá de algum modo tentar demandá-la ou conhecê-la um pouco mais...

Os livros são assim tanto alimentos de comunhão, como ferramentas para um melhor discernimento e elevação, sobretudo se aprendemos com eles e praticamos ou pomos em prática o que realizamos como verdadeiro e útil. Os livros, com as energias que activam em nós, ajudam também a congregar e a eclodir as circunstâncias favoráveis à manifestação maior do que desejamos saber, ou mesmo da sabedoria e amor divinos.

[Sobre as aulas ou práticas de Yoga:]
As posições físicas interessam ou valem  ainda no sentido em que com elas desenhamos posições geométricas e assumimos a circularidade energética que elas proporcionam, contando muito para tal o facto de as extremidades do corpo serem tanto antenas como fins de meridianos de energias. A postura do pentagrama é uma das que, fora das clássicas do Hatha Yoga, mais manifesta tais entradas e irradiações e por isso alguns ensinamentos de artistas, esotéricos e mestres desenvolveram correspondências para as cinco pontas, tal como entre nós o esboçaram Almada Negreiros e Fernando Pessoa, ou antes Paracelso e Agripa...

Daí a possibilidade de ligações ora de recebimento ora de irradiação conforme a nossa orientação psíquica que pode procurar apenas um  harmonizar-se ora global ora mais local,  ou seja, receptivo-meditativo ou, ao contrário, uma irradiação que  pode ir desde o nível meramente interior telepático e à distância até ao da transmissão energética, magnética, física, curativa, catártica.

É quando aprofundamos a meditação  que começamos a pôr em ordem a nossa interioridade e psique, e a estabelecer mais o contacto com o espírito e a Divindade. E quando estão mais   harmonizados os contrários ou dualidades fontes de conflitos, então corpos físicos e subtis, e  suas respirações, ondulações e irradiações, vão-se acalmando e permitem, por vezes com a ajuda de alguma mantra ou oração,  o vislumbrar de algo da luminosidade espiritual ou a sentir algo da consciência espiritual e divina, a qual foi nomeada  pela tradição indiana yoguica e vedântica como Sat, Chit, Ananda, Ser, Consciência e Felicidade, um mantra que tem servido a muita gente para se equilibrar e interiorizar espiritualmente.

Da Paz nasce a gratidão e desta brota o Amor.»

                               
Por vezes queremos procurar Deus, encontrá
-lo. Mas seria melhor contentá-lo, diminuindo as limitações e barreiras que nos afastam de O sentir.
Como?
Fazendo o coração psico-espiritual, central, brilhar sempre ou mais, apesar de todas as dificuldades e oposições. E prometendo, ou comprometendo-nos em, certas práticas e virtudes que, mantidas preseveradas, ajudarão à ligação sensível, grata, entusiasmante, com o espírito divino ou mesmo a Divindade. 

  A terra castanha fecundada pela água branca, sob o amarelo ígneo do Sol, gera o verde do crescimento e da esperança.

As pessoas deviam fazer evoluir mais os animais, conversando com ela e tentando estimular a sua inteligência e a consciência. Os animais também podem ter um tipo de Anjo da guarda.

Saber e morrer e transmitir a sabedoria da vida a outros. Ou então ser-se ajudado a fazer a sabedoria da sua vida, quando se está para morrer e arte de meditar e arte de bem morrer não foram praticadas em vida. Devia haver a possibilidade das pessoas nos hospitais, lares ou casas poderem receber quem as ajudasse a consciencializar-se espiritualmente.

                           
Partindo ou brotando da educação e da cultura, ergue-se a coroa da espiritualidade e a rosa valiosa d
a caridade. Sê tu mesmo, criativa e corajosamente!

Deus,
surges sibilante,
ergues-te rutilante,
como o sol a bater no rio,
as gaivotas a rodopiarem,
as árvores calmas e nuas.
Assim, nós humanos, Te adoramos.

                                                           

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Conto espiritual: Visita de um Ancião na Floresta: diálogo silencioso, experiências e ensinamentos.

Começado a escrever em 24-4-98, no Gerês transmontano, e finalizado em 22-1-24. Fotografias tiradas por mim.
Quando o Sol começara a tingir a aurora no horizonte, fazia eu as abluções sagradas numa fonte de água cantante e fresca sobre a qual as flores da buganvília pareciam flutuar coloridamente na brisa matinal. O balde metálico que enchera de água fresca e purificadora estava já quase esvaziado quando subitamente olhei para o fundo da clareira, lá onde o bosque começava, e pareceu-me ver uma figura dum ancião vestido de branco e de longas barbas da mesma cor. Arregalei bem os olhos porque para distinguir se era visão real ou alucinação, embora estas não as tivesse. Contudo, desde que me mudara para aquela quinta isolada onde fazia vida simples, sentia a minha mente como desanuviada e no limiar duma visão lúcida expandida, algo extra sensorial ou mesmo supra-mental. Não me deixei perturbar, ao pensar que era mesmo alguém muito estranho que me fitava de longe, e restava-me esperar pelo que iria suceder.
Pousei a toalha sobre a sebe de buxo lateral e lentamente virei-me em direcção à estranha personagem, desconhecendo qual seria a sua intenção e interrogando-me sobre a identidade: um peregrino, um doido, um espírito de alguém morto há pouco tempo, um espírito da floresta ou quem sabe o Mestre sublime, confesso que sempre desejado mas já pouco esperado? Quem seria?
O ser levantou um braço e acenou-me num gesto de avançar, e  eu fi-lo, ainda que emocionado, mas à medida que me ia aproximando fui sentindo uma apreciável mudança qualitativa no meu próprio ser: as narinas desbloquearam-se completamente, mais leve caminhava, um calor anormal aquecia o meu corpo e uma estranha felicidade parecia querer irromper do peito, no qual o coração parecia estar a arder.
 À distância de uns dois, três metros já podia penetrar melhor no mistério que me interpelava. Alto, forte, um ancião de olhos fortes mas bondosos, parecendo estrelas num céu límpido de Verão. As suas mãos viraram-se para a terra e sinalizaram que me devia sentar nela, o que fiz num tão brando e natural movimento que até a mim me surpreendeu. Notava ainda que a minha consciência estendera-se bem para além dos contornos do corpo e sentia-a tão vasta como aquela clareira. O enigmático ser sentou-se também na terra esverdeada pela erva, enquanto algumas aves modulavam cantos de especial ressonância no meu ser, que  me fizeram sentir as árvores onde elas estavam  e que me rodeavam, o abanar das suas folhas e a linguagem de paz e alegria que por todos esses meios circulava.
Mas logo a atracção da comunicação pelos olhos brotou imparavelmente no silêncio que se estabeleceu e, depois de eu sustentar o olhar do venerável ser, a custo, pois tanto o peito como os olhos pareciam o oceano a querer saltar um dique, vi-o a ele a cerrar lentamente os olhos, acontecendo-me o mesmo naturalmente ou por espelho em mim. E o que me aconteceu consciencialmente foi simplesmente despenhar-me por entre falésias lisas de granito, sobre as quais a terra se abrira e descer até um fundo imenso e calmo.
  Abri depois os olhos algo impressionado com tal queda e de novo os nossos olhos continuaram o seu inefável diálogo ou comunicação parecendo-me agora que o seu olhar continha uma profundidade imensa, com cheiro a húmus da terra e sabor às cicatrizes de sofrimentos imemoráveis, o que se consubstanciava numa profunda vibração de humildade avassalando o meu ser, que repentinamente sentia bem o que  frases da tradição espiritual, tais como “não eu, mas Ele”, ou o «não nós, não nós, mas ao Teu Nome...» e o "tende piedade de nós", significavam de realidades do mais profundo do  ser verdadeiro e uno, emergindo por entre todo o historial humano até à superfície.
De novo o olhar do ancião interiorizou-se, e eu senti os olhos como que sendo puxados para cima e para dentro, ficando como que a olhar por um telescópio que rompesse a testa e  se abrisse e desembocasse na imensidão do cosmos de milhões de estrelas e galáxias. E, subitamente, ouve um estalo, a minha boca abriu-se de pasmo, pois repentinamente vira de olhos fechados o céu nocturno e estrelado  e que depois, tal como um cortinado que se fende ou abre para dentro, dera à luz ou fazia-me sentir e entrar num espaço de infinito silêncio e paz.
Quando abri as pálpebras de novo o ancião sorriu-me e senti-me com uma mente tão clara que parecia que todas as rugas dos pensamentos e das preocupações do meu ser quotidiano se tinham evaporado por completo e que as bênçãos do cosmos infinito estrelado e a grande unidade que está nele nunca mais me abandonariam.
A lua cheia despedira-se já para as bandas do ocidente, mais subtil e fina do que quando nascera tingida de avermelhado ao cair da noite anterior. E agora era o sol que irrompia a querer saltar, pular, rapidamente o limiar do horizonte, saudado por uma gritaria imensa de aves e pássaros. A figura venerável parecia querer desaparecer, mas não: apenas se levantara uma brisa mais forte e o seu peito abria-se com o meu numa comunhão fantástica que me ergueu quase do chão e de novo me pôs nas nuvens da eternidade.
Quando um suspiro aliviou o meu ser psico-somático e abri os olhos a enigmática figura partira já e  ao longe uma estranha claridade no obscuridade da floresta mais cerrada testemunhava a sua partida para um destino que era o seu e não meu, embora uma certa unidade entre nós parecia ter nascido ou renascido, talvez para sempre...
Quedei-me pois, e não pensei senão em sentar-me de novo, meditar e dar graças a Deus por aquele seu mensageiro e mestre. E meditando no que se passara vi-me então como caído estava, na Terra e neste corpo tão socializado, e como me despenhara de alturas fabulosas e que agora só suplantando os pensamentos, preocupações, desejos e distrações da existência egóica no mundo é que de novo entrava numa esfera de silêncio e paz, na qual, aos poucos, podia sentir o fogo divino alumiar-se, como um rio a desentranhar-se dum terreno absorvente e pantanoso e a irromper forte mas humildemente por entre as fragas tanto das nossas misérias, limitações, dúvidas, como dos diques que lhes fizermos, encaminhando-o rumo ao coração, ao alto...
Sentia-me renascer de novo, e uma paz profunda parecia tratar das circunvalações dos nervos e do cérebro, circular como corpo subtil dos pés à cabeça e tornar a dança dos meus átomos mais alegre, despreocupada e harmoniosa. Levantei-me, ergui os braços e abracei a clareira e a floresta na suas dimensões subtis e fiz alguns movimentos. Lá ao longe parecia-me sentir ainda algo daquele ser divino que me visitara e que ainda hoje não sei bem identificar, mas o que interessa isso se conheço melhor as minhas profundezas e alturas, se o meu coração está mais aberto e ígneo  e a minha vontade é mais a da verdade, do amor, do bem, do espírito, do ser divina?
                                                                      
Da visita do mestre ancião ficou-me ainda como seu testamento olhar a Natureza como o templo da Divindade e  invocá-La nela, senti-la como o seu Logos, Inteligência-Amor, ou descobrir nela, Gaia, aves e árvores, penedos e cristais, rios e montes, espíritos da Natureza e Anjos, ou mesmo nas personas e edificações humanas, a sua anima mundi e dynamis falando simbolicamente pelas formas, proporções, números, sons, ritmos e cores. E assim o cumpro, na medida do possível, seja quando estou no campo e montanhas, e cavo a terra ou abraço as árvores, seja quando apenas a olho pela janela, no céu azul e nocturno, com Sírios ou as Plêiades,  ou nalgumas árvores que, com as raízes para o fogo interno e as folhas verdes para o prana ensolarado, cumprem também a mesma função de ligar a Terra e o Céu pela aspiração e assimilação da luz e calor do Sol, o Ser e imagem principal para o nosso planeta da Divindade.
                                           
Daí que contemplar o So
l a nascer ou a pôr-se, abrir-me a ele a qualquer hora do dia, sentir a força benigna da luz solar, com todas as suas subtis qualidades, onde quer que ela se possa contemplar, invocar ou acolher mais, se tornaram sacramentos, ou seja, sacralizam, harmonizam e plenificam as minhas forças vitais e psíquicas, fortificando ou intensificando as nossas antenas e canais para os mundos espirituais e a Divindade infinita, imanente e transcendente, do que resulta uma melhor irradiação vibratória para as pessoas e a sociedade tão artificializada e manipulada e a Natureza, tão destruída e tanto necessitando de mais agricultura biológica, agro-floresta, famílias e grupos alternativos e amantes dela...
E o ancião tornou-se uma imagem do mestre, do sábio, do harmonizador e iluminador que todos devemos ser, de acordo com as nossas capacidades, e o swadharma, o nosso próprio (swa) dever-missão-especificidade, e por isso diariamente os saúdo, e na meditação tento silenciar e estar aberto a alguma intuição e indicação silenciosa, subtil com a qual ele ou eles, elos da Tradição Espiritual e da Divindade, nos impulsionem e abençoem. 

domingo, 21 de janeiro de 2024

"Leonardo Coimbra, contribuição para o conhecimento...", por Sant'Anna Dionísio. Com vídeo da gravação da Adenda, de 1985, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

Leonardo Coimbra, contribuição para o conhecimento da sua personalidade e seus problemas, foi uma obra publicada por Sant'Anna Dionísio, no Porto, em 1936, tendo sido originalmente lida em Vila Real, cerca de um mês depois da morte inesperada de Leonardo Coimbra, a 2 de Janeiro, junto a Lixa, a sua terra natal e em cuja domus paternal está hoje a Casa da Cultura Leonardo Coimbra.
Em 1985 foi reimpressa a obra e foi-lhe  acrescentada uma Adenda, no fim.  Como já escrevi um artigo no blogue sobre o livro, resolvi ler a Adenda, comentando-a com certa brevidade, pois a máquina só permite meia hora de gravação.  O resultado está ao seu dispor mas, para substanciar mais este artigo, passo a transcrever os parágrafos finais da conferência tornada livro, antes da anotações Marginais, valiosas, e da Adenda, de facto excelente, e que espero que oiça e aprecie.  
A transcrição que pode ler em seguida permite-nos sobretudo comungar a sensibilidade anímica bem lúcida de Sant'Anna Dionísio (os seus "esquissos psicológicos") e compreender melhor as causas das modificações humorais e "fracassos " de Leonardo Coimbra e de Antero de Quental, e como elas subsistem e parcialmente se agravam nos nossos dias...

« A olhar as coisas do lado de fora, parece que Leonardo Coimbra não devia ter razão para possuir esse sentimento [de amargura e desilusão], pois aparentemente, ele foi um dos homens mais aplaudidos e admirados do nosso tempo, do nosso país. Mas quem pode iludir-se? De facto os aplausos e a admiração que Leonardo Coimbra colhia (como ele não podia deixar de perceber) eram puramente espectaculares, dirigidos apenas [ou em grande parte] à sua personalidade exterior de tribuno e homem estranho: na realidade, ninguém o compreendia; e o homem de valor o que deseja é que participem das suas preocupações e não que admirem a sua figura, ou timbre de voz, ou facilidade de palavra; o que ele quer, em suma, é que o compreendam e não que o aplaudam. Leonardo Coimbra sentia com nitidez a sua incomunicabilidade, e sofria como todos os homens superiores a têm sofrido, em todos os tempos e lugares, e sofrerão sempre; sob a máscara do tribuno que frequentemente subia aos estrados para falar, falar, falar, dando-se o ar de homem que tinha a satisfação e transferir as suas ideias, havia o rictus secreto, cheio de amargura, do pensador que sabia que as suas obras somente eram vendidas nas feiras do livro a preços irrisórios, para não serem vendidas a peso. Quantas vezes nos últimos anos, quando os amigos lhe perguntavam de longe a longe se andava a pensar em algum livro, ele replicava com rápida mordacidade! - - Mas par quê? Neste país nãos e pensa; neste país...»
 A submissão deste homem ao ensino secundário (já o dissemos no dia em que o seu corpo deu entrada num adro) será seguramente apontada no futuro como um dos exemplos mais gritantes da incapacidade hostil que os contemporâneos de um homem superior têm em reconhecer o seu valor e sobretudo em lhe reconhecerem o direito de trabalhar, por solicitude social, em condições adequadas à máxima realização das suas possibilidades. Como é que um homem destes, tão consciente das suas enormes virtualidades, tão duramente amarrado ao potro dum pedagogismo burocrático e primário, deveria reagir perante a hostilidade ambiental? Como reagiu Herculano? e Soares dos Reis? e Raul Proença? Aqueles que acentuam demasiado a causticidade de L. C. esquecem que este homem extraordinário, sem dúvida alguma o homem melhor dotado de inteligência especulativa até hoje aparecido no nosso país [e Fernando Pessoa reconheceu-o numa carta], o homem que merecia do meio a maior generosidade, foi compelido a consumir o melhor da sua maturidade a dar lições e desenho e aritmética elementar a crianças e a ensinar o abcedário de filosofia a adolescentes dos liceus   ele que por si só (como mostrou), valia uma universidade. A história dos dramas espirituais mais dolorosos e significativos da nossa existência colectiva é demasiado rica em casos de mordacidade para que se possa apontar L. C. como um caso doentio e esporádico de reacção agressiva e arbitrária. Em última análise L. C. é mais um caso de fracasso, análogo ao de Antero. Num, como no outro, a vontade (em Antero lesada misteriosamente pela nevrose; em L. Coimbra prejudicada por hábitos e complexos de muitas proveniências) teve uma parte notória nesse fracasso; é essa hostilidade que é necessário ter presente, se se quer compreender a irrealização das mais profundas virtualidades destes dois pensadores, e compreender em parte a justiça vingativa que há no silêncio severo de um e na causticidade do outro.
Certo é
que alguns dizem que os homens superiores nunca podem falhar; que o que eles realizaram é precisamente o que eles tinham a realizar. Perante a obra de Leonardo Coimbra, como perante a de Antero de Quental) tal teoria afigura-se-nos radicalmente irreflectida. De facto, os homens superiores podem falhar; e falham quase sempre. O que eles realizam fica desmedidamente aquém do que lhes era possível. Ora, desde que um desses homens tem a consciência de que as suas melhores virtualidades foram contrariadas e esmagadas pelo que lhes é exterior, natural é que no seu espírito ecluda qualquer forma cancerosa de «desforra»: nuns essa desforra é uma simples abominação surda seguida de afastamento; noutros é a reacção colérica conducente à própria perda; noutros é o silêncio seguido de um desaparecimento enigmático, etc. Em Leonardo Coimbra foi a mordacidade implacável. Que é, porém, a mordacidade senão uma reacção ofensiva dos ofendidos? E quem sabe se, sem a intervenção fortuita e trágica do desastre [de automóvel], o seu fim não seria mais nitidamente uma acusação contra o meio?
Concluamos, pois. Leon
ardo Coimbra, como homem aparente, foi na verdade, um homem muito humoral, muito perturbante e perturbador. Mas deve fazer-se o esforço de ver que para além do seu humorismo, das suas fugas, dos seus volta-faces, houve por ventura um homem verdadeiramente homogéneo e profundamento sério. Será decerto muito difícil desvendá-lo, nomeadamente para aqueles que ainda vivem sob a recordação demasiado viva das perplexidades suscitadas pela sua convivência. Mas o sentido mais lúcido da compreensão diz-nos que as impressões da convivência são quase sempre impressões da superfície  e que perante todo o homem superior que parece excessivamente desconcertado (sendo todavia saudável), a mais fecunda e justa pesquisa é aquele que se faz no sentido de se descobrir, para lá das expressões desconcertantes, o homem compreensível de que, as mais das vezes, as aparências humorais são simples traições, ou actos de legítima defesa, ou deliberados expedientes de encobrimento.»

                             

sábado, 20 de janeiro de 2024

Estamos já na terceira grande Guerra? Sim. O que irá suceder? O que poderemos fazer?

Qual a posição de Jesus Cristo face ao actual conflito da Palestina pouquíssima gente terá intuído. Ou orado e meditado para saber a sua intencionalidade e posição inspiradora, e alinhar-se e comungar com ela e ele, o mestre e messias da Palestina.

Uma das principais causas da escalada ameaçadora da guerra, na antiga Terra Santa e não só, é o facto do governo israelita de Benjamim Netanyahu, mais do que destrutivo (70% das casas em Gaza), genocida mesmo (milhares de crianças e mulheres palestinianas), estar a tentar nestes últimos dias intensificar e ampliar os conflitos já declarados da III grande Guerra em curso lento, atacando e assassinando na Síria, Irão e Líbano e contando com o apoio praticamente incondicional anglo-americano, devido em parte ao controle detido na principal banca mundial e na Reserva Federal dos USA. E contam ainda com o armamento nuclear que dispõem e desejarão utilizar nas terras dos outros, no caso principalmente o Irão, sem que os danos e mortes de pessoas os façam retraírem-se um pouco.  Como se irão espiralizar as energias e consciências desses povos, na maioria islâmicos, e seus exércitos, face aos constantes assassinatos dos seus dirigente realizados pelos israelitas à distância, os mais recentes condenados até pelo secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, só no futuro veremos, mas para já  as respostas têm sido muito pontuais, estóicas, dir-se-á, mas provavelmente não será muito tempo...

 Quanto ao papel da União Europeia, devido à  direcção da Ursula von Pfizer, Borrel (o único que ainda defende o Esado Palestiniano), Scholz, Micron e Stoltenberg ser toda ela composta de seres orgulhoso e que não podem com, ou mesmo odeiam, a Rússia e o seu poder,  observa-se que ele é crescentemente adverso aos verdadeiros interesses e aspirações luminosas do cidadão comum europeu. A direcção da União Europeia é hoje uma coisificação de cinzentos,  inepta e corrupta e, à parte alguns parlamentares corajosos (nomeadamente Clare Daly, da Irlanda), tem muito pouca ética, sentido de justiça e verdade, estando indiferente aos cidadãos europeus e ao seu sentir e querer, disfarçando, por exemplo, o encarecimento da vida resultante da péssima geo-estratégica energética, basicamente anti-russa e pró-americana, com algumas esmolas, do infinito dólar-euro, nas pensões do Estado.

A degenerescência do Ocidente patenteia-se ainda com os grandes CEOs e bimilionários reunidos em Davos  a prepararem publicamente mais uma pandemia e suas vacinas. Quanto a disponibilizarem uns 5% das suas riquezas imensas para projectos educativos, sanitários, económicos nas terras e gentes mais desfavorecidas, praticamente nada...

Entretanto  os apoios em armamentos a Zelensky,  e " até ao último ucraniano", continuam a dizimar eslavos, em vez de se apostar em negociações realistas (que não as propostas por muitos tolos russófobos, tais os nossos Milhazes, Pinheiros e &) rumo a uma paz justa, exequível. 

O império anglo-americano-israelita não quer perder a sua hegemonia excepcionalista opressiva e destrutiva, pese o crescimento da Organização para a Cooperação de Xangai e do BRICS, em que além dos dois já em luta, Rússia e Irão, há ainda a China, Brasil, África do Sul, Turquia e outros  a poderem erguer a sua voz, alma e forças em defesa da justiça e da Humanidade multipolar livre e fraterna. 

O que vai suceder da parte deles em defesa própria e contra o imperialismo anglo-americano e do seu infinito e injusto dólar, tão patente em tantas intervenções desgraçadas no mundo? Conseguirão escapar e criar alternativas a tal hegemonia, monetária e de influência e domínio, ou haverá mesmo guerra mais forte, declarada e alargada? 

Se na Ucrânia o conflito parece contido e favorável às reivindicações das populações russas ou pró-russas e anti-nazis  de Donbas, já no Médio Oriente o carácter de certos modos diabólico de alguns políticos e de Benjamim Netanyahu, praticando o genocídio e recusando a evidente justiça dum Estado Palestiniano, não permite bons augúrios, nada de bom para a humanidade, e ainda por cima estando demasiado apoiados pelo Ocidente da UE e da NATO, com algumas raras excepções onde se destaca a Espanha. Não cremos assim que os conflitos se alarguem a mais do que às duas frentes já activas, a da Ucrânia e a do Médio Oriente, Palestina, Líbano, Síria, Yemen e, por fim, e até agora só indirectamente, o poderoso Irão shia, de Ali, Shorawardi, Rumi, Hafiz, Saadi, Khayyam e  Soleimani...

As Nações Unidas, que ainda têem algum peso e potencial, enquanto a organização de representação mais completa da diversidade dos Estados,  deveriam ser reformuladas e tornadas mais activas? É utópico pensar-se nisso, enquanto houver tanta pressão de hegemonia do Ocidente americanizado. É preciso reeducar para os valores, a ética e a verdade, professores, políticos e jornalistas pondo mais em diálogo os saberes tradicionais e as ciência moderna, os ideólogos, pedagogos e filósofos, os sábios, ecologistas e cientistas de todos os quadrantes e povos, para se descobrirem as soluções e caminhos adequados ao bem dos povos, da Terra, da Humanidade, do Todo...


O que se pode fazer? Cada um tem certamente o seu swadharma, o seu dever ou missão própria, na família, grupo, profissão, vila, cidade ou terra em que está. Mas será sempre importante trabalhar a religação à terra, com projectos de agricultura biológica, agro-floresta, comunidades ecológicas, terapêuticas, etc. Participar em pequenos grupos, ou maiores, de harmonização e desenvolvimento das pessoas e terras, causas e ideais,  tentar que os partidos, políticos e governantes deixem de estar vendidos e alienados da verdade, da justiça, da ética e da fraternidade fazendo-lhes chegar mais informações e  energias nesses sentidos conscienciais, para que a justiça e a paz possam  vir a estabelecer-se mais estável e fecundamente. 

E, por fim, sobretudo, ajudar e estudar, trabalhar e servir, orar e meditar, amar e criar, ou seja trabalhar criativamente pela melhoria do estado psico-somático de todos os seres e da religação e realização espiritual e divina deles no Cosmos, em que todos vivemos em unidade entretecida tão subtil e luminosamente.... Aum. Lux, Pax.

                                         

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Debendranath Tagore, e os seus ensinamentos espirituais. Uma homenagem nos 119 anos da sua partida da Terra

Debendranath Tagore, um maharishi, ou grande poeta sábio de visão espiritual...

Comemoram-se hoje,  os 119 anos da partida para os mundos espirituais (a 19 Janeiro 1905) de Debendranath (ou Devendranath) Tagore, nascido a 15 de Maio de 1817, em Shiladaiha, Bengala, numa das famílias mais antigas e importantes  bengalis, tendo estudado como era tradicional em casa até 1827, entrando depois no colégio Anglo-indiano. Em 20 de Agosto de 1828 fundara-se o Brahmo Sabha, uma associação de despertar social e religioso, com Ram Mohan Roy, Devekarana Tagore, o seu pai, e o erudito Ram Chandra Vidyabagish. Em Janeiro de 1830 abre-se  o 1º local de culto, samaj, passa a denominar-se Brahmo Samaj, e na inauguração no mesmo mês, há já 500 membros, continuando Ram Chandra Vidyabagish como 1º secretário e o oficiante nos cultos , Como Ram Mohan Roy parte para Londres  em 1830  e aí morre em 1833,  o que provoca, apesar do apoio monetário de Vekranath Tagore e do fogo espiritual de Ram Chandra, um enfraquecimento na frequência das reuniões, abertas a todo o tipo de fiel religioso, pois o Brahmo estava dedicado «ao culto religioso e adoração do Ser imutável, indescobrível e eterno, que é o autor e preservador do Universo».

Trabalhando para a família, mas cada vez mais atraído para o conhecimento e realização espiritual, em 1839, após a morte do pai, Debendranath Tagore funda a Tattwabodhini Sabha, A Sociedade da Vibração (ou estado) de Sabedoria ou Conhecimento, com grande sucesso e  atraindo alguns intelectuais valiosos que colaborarão bastante, tais os geniais e tão influentes Akshay Kumar Datta (1820-1886) e  Ishwar Chandra Vidyasagar (1820-1891).  Publica uma revista Tattwabodhini Patrika, onde partilha os seus pensamentos e as traduções dos Vedas, e em 1840 dá à luz uma pioneira tradução em bengali de uma das Upanishdas, a Katha

Em 1843 os directores do Brahmo Shaba, pedem a Debendranath Tagore e aos principais membros Tattwabodhini Sabha que entrem para o Brahmo Shaba e participem. E assim sucede, desenvolvendo-se bastante mais e no seu papel para o renascimento e modernização da Bengala e  preparando-a para a futura independência.

 Os objectivos eram os de reforma e modernização da sociedade pela melhoria e alargamento da educação, protecção e desenvolvimento das mulheres, viúvas e crianças, apoio aos mais pobres, diminuição de superstições e idolatrias, destacando-se certos aspectos doutrinários, tal a não afirmação da reincarnação, desvalorização dos avatares e as aspirações religiosas tendendo completamente  ao Teísmo, a uma concepção unitária da Divindade, Brahman, ou Brahmo, donde o nome Brahmo Samaj, a associação, local de culto ou comunidade de Deus. 

Ao aprofundar a hermenêutica das escrituras sagradas, Vedas e Upanishads, já que era um erudito e fiel do amor do sânscrito (ao contrário de Ram Mohan Roy, que se abriu mais ao Cristianismo e ao Islão), ao partilhar com grande beleza física, psíquica e espiritual a sabedoria em conferências, sermões e escritos, e ao prosseguir uma demanda  intensa da verdade, embora casado (vindo a gerar 14 filhos), e com vida social intensa, passou a ser considerado maharishi,  grande sábio vidente, sobretudo quando dá à   luz a sua obra principal, em 1850, o Brahmo Dharma, onde partilha a sua visão da religião espiritual teísta universal, baseada em versos extraídos dos Vedas e sobretudo  das Upanishads, os de maior sabedoria espiritual e divina, e que ele adapta e aperfeiçoa, ao juntar as partes mais significativas delas, e cortando as que menos interessavam, traduzindo-as e comentando-as segundo a sua sensibilidade, e logo por vezes divergindo das traduções e comentários (bhasya) dos grandes mestres da Vedanta, tais Shankara, Madva, Ramanuja, etc

 Em 1854, funda com Akshay Kumar Datta a Samjjyoti Bidhayini Sahrit Samiti, uma instituição com os objectivos sociais de diminuir tanto a pobreza como a superstição, e torna-se outra frente de batalha por um racionalismo de costumes e crenças.

A dado momento, em 1866, dá-se uma cisão dentro do Brahmo Samaj, formando-se  um grupo, Bharatvarshiya Brahmo Samaj, ou seja, o Brahmo Samaj da Índia, liderado por Keshav Chandra Sen, que estudara num colégio anglo indiano, não sabia sânscrito e se abrira demasiado ao Cristianismo e aos diversos profetas, enquanto a linha original liderada por  Debendranath Tagore, contrária ao culto das imagens e à infiltração do Cristianismo, passa a ser conhecida como o Adi Brahmo Samaj, o antigo ou primordial.

Em 1867 compra uma vasta terra a norte de Calcutá onde começa a construir o seu ashram ou centro espiritual  que se torna o famoso Shantiniketan, a abóbada da paz, e a universidade ao ar livre de um dos seus quatorze filhos, o mais famoso, prémio Nobel de Literatura em 1913, Rabindranath Tagore, ainda hoje muita valiosa (e onde estive em peregrinação em 1995.)

Tendo escrito  muitos artigos e seis livros, o que se tornou mais popular foi de facto o Brahmo Dharma, ou seja o Dever ou Ordem Divina, ou ainda o Caminho de Deus, e é dele que vamos extrair algumas ideias forças, homenageando Debendranath Tagore, provavelmente pela primeira vez em Portugal. Aum!

Escrita em 1848, embora traduzida para algumas línguas regionais da Índia, só em 1928 receberá a sua primeira tradução em inglês, dada à luz em Calcutá, por Hem Chandra Sarkar, com comentários para cada verso, e quando estive cerca de sete meses no Instituto da Missão de Ramakrishna em Gol Park, Calcutá, comprei um exemplar  nos alfarrabistas de rua, e assim passo a partilhar alguns dos melhores versos, com os comentários de Debendranath Tagore.

Começa assim o Brahmo Dharma, Cap. I, 1º verso « Om, assim dizem os instrutores do conhecimento divino.
O fogo divino do conhecimento de Deus est
á escondido no coração de todos os seres humanos. A consciência da infinita bondade de Deus está escrita em letras inextinguíveis nas almas de todas as pessoas. Podemos ver Deus quando este fogo é acesso pelo estudo do universo. Ele imprimiu a sua imagem da bondade pura em todas as coisas materiais e em todos os corações humanos. Essas grandes almas abençoadas despertas que estavam aptas a realizá-la, eles estão ateístas e aqueles que o realizaram ensinam acerca dele, eles são os professores do conhecimento. Para ser um teísta ou um professor de teísmo não é necessário pertencer a qualquer país, idade ou nacionalidade. Os teístas de qualquer país tem o direito de ensinar acerca de Deus. As ideias e as verdades realizadas nas almas e ensinadas pelos antigas teístas sábios da Índia ficam compiladas na primeira parte do Brahmo Dharma.

2º verso: Esse do qual nascem todos os seres, pelo qual todos os seres  criados são sustentados e para o qual  eles procedem e entram, esse é a Divindade. Deseja conhecê-lo profundamente. (...)»

3º verso: A partir do Amor seguramente todos os seres nasceram; pelo Amor os seres  criados são sustentados e para o Amor eles caminham e entram.
Este Deus absoluto, o cri
ador, preservador e destruidor, não tem nome particular. Os antigos teístas que o realizaram nas suas psiques como infinito, omnipresente, habitando no interior da pessoa beneficiada, desfrutaram-no como felicidade pura e declaram que ele era Beatitude (anandam), nós também, que fomos suavizados e imersos nesta beatitude chamamos-lhe Beatitude.

Cap. V, verso 1: Deus é omnipresente em tudo o que existe neste universo. Abandona pensamentos negativos e ganância terrena, e  desfruta da felicidade de Deus; não cobices a riqueza dos outros.

Cap. VI, verso 41: Quem conhecer Deus, como  a Realidade, a Consciência ou Razão e o Infinito, habitando na alma, no mais alto céu do seu próprio corpo, desfruta de todos os objectos do seu desejo com essa Divindade omnisciente.

Verso 43: Os que conhecem o seu próprio Eu, realizam o Espírito Supremo que não tem corpo nem impureza, o santo, a luz da luz dentro do mais alto e mais brilhante revestimento das almas (...)

Verso 44 (...) O Espírito supremo não é revelado pela luz do sol a da lua. Ele revela-se a si próprio, na luz da nossa alma, na nossa visão interior. O inteiro universo brilha, ao ser iluminado pela resplandecência deste brilhante Deus. Tudo pereceria se fosse separado Dele.

Verso 46: Ele é infinito, glorioso, para além do alcance do pensamento. Ele é mais subtil que o subtilíssimo. Ele está mais longe que o mais longínquo, e está muito perto de nós. Ele mora na gruta do coração de todas as criaturas inteligentes.

Verso 47: Ele não pode ser atingido pelos olhos, nem pelas palavras, nem pelos outros sentidos; nem pode ser obtido pelo ascetismo, ou por actos sacrificiais. Aquelas pessoas, cujo coração se torna puro pela purificação do conhecimento, realizam na meditação a Divindade sem forma.

Quando o coração se torna puro pela procura do conhecimento e a prática da justiça, então ele pode ser visto na nossa alma. Ele não pode ser alcançado pela realização de sacrifícios, a observância de votos, e as práticas ascéticas, tais como jejuar, cultivar o fogo, etc. Estes não são os caminhos para o atingir. O Seu caminho é o do conhecimento (Jnana).»

Terminaremos homenageando também Hem Chandra Sarkar, pelos seus valiosos comentários para cada verso e comentário de Devendranath, citando exactamente a parte final do comentário que ele fez ao último verso transcrito, 47, já que aborda um aspecto essencial do caminho. 

Explicando que o verso provém da Mundaka Upanishad e que nela se exprime uma verdade profunda do mundo espiritual, traça o paralelo com o dito de Jesus: «Bem aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus», e realça que ambas as tradições afirmam que Deus pode ser visto, e enfatiza que ambas falam «em ver, e não conhecer, e ambos reservam esta suprema bênção apenas para os puros de coração. A Mundaka Upanishad é mesmo mais explícita e enfática, do que o Evangelho. O sábio que a escreveu explicita que a visão de Deus não pode ser obtida por sacrifícios, ascetismos e outras práticas, e só quando o eu mais íntimo foi purificado, se pode esperar então ter ou receber a visão de Deus. A frase "num estado psíquico extremamente puro", (visuddha sattva), é mais expressiva do que "os puros de coração", de Jesus. Significa a purificação do eu mais íntimo e esta purificação não pode ser obtida só pelo  conhecimento, Jnana. O Jnana  das Upanishads não é um mero conhecimento intelectual. Inclui a perfeição tanto moral como espiritual. E para além disso, o sábio,  Rishi, desta Upanishad diz que a pessoa só pode ter a visão de Deus meditando. Estamos diante de uma exposição muito completa das condições da visão divina.»