quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Sobre o Amor. Apontamentos do diário de Fevereiro e do diário de Março de 2010.

Sobre o amor direi que é difícil concluir se a sua natureza é mais a de um espelho que reflecte  e acolhe a beleza divina, se uma elevação ardente do ser humano para ela. [Provavelmente ambos, embora ser um espelho da beleza divina, que na sua essência é a fonte primordial de amor e na sua manifestação é a harmonia do Cosmos, seja mais difícil e elevado.]

Mas o sorriso nirvânico caracteriza-o, e prova uma especial ligação [dele] com a imortalidade. Poderia ser assim a consciência da eternidade e da imortalidade... [Algo que certos discípulos poderiam sentir semi-conscientemente na causalidade meditativa. E também  há pessoas que mantêm (ou tentam manter] um sorriso quase permanente, por auto-consciencialização espiritual, ou por sentimento do fogo do amor acesso no seu coração, em si, por alguém, pelos outros, pela Divindade.]

O amor depende das circunstâncias. Há condições ideais para o sentirmos: saúde, paz e calma, até bom ambiente, música. [Embora o fundamental seja ora a fluidez com a Natureza ora a afinidade com alguém.] Talvez seja como a alma movida para fora do corpo e para dentro da eternidade. 

A alma é alimentada pela beleza visual, auditiva e mental, e sentindo-a afectivamente fica cheia dela e ao transbordar, ao destilar-se, saboreia o amor [realiza que sente o amor, que está em amor]

Venho de uma missa meditada [ou seja, que passei grande parte a meditar sentado] em que atingi boa realização do Amor divino. 

O amor Divino ou Espiritual é um diálogo ardente com Deus. É uma aspiração intensa, um silêncio profundo e uma abertura ao Infinito. 

O amor espiritual transfigura, intensifica a aura espiritual e enche o cálice do coração do néctar da imortalidade

De manhã ao meditar pensei que no mundo subtil devia haver livros fantásticos e que deveria ter acesso a ele por dois meios: um desejo intenso, por reconhecer a sua existência e possibilidade de consulta, de os conhecer. 

Outro, a partir de desejos de os estudar e de se fazer divulgações altruístas, conseguir-se-ia ter acesso a eles. [Mas confesso que poucas vezes consegui sonhar com livros especiais ou extraordinários, talvez porque gostando e trabalhando tanto ainda com os terrenos e bons, os subtis não sejam tão necessários]

Cependant je m'interroge c'est le coeur qui veut aimer particulierement ou c'est notre ego qui veut prendre ou controler l'amour universelle du coeur? [Tradução: No entanto, pergunto-me: será que é o coração que quer amar particularmente ou é o nosso ego que quer tomar ou controlar o amor universal do coração?]

Je me interroge, est-que c'est un épanchement naturel du coeur le dialogue généreux entre nous, ou est-ce qu'il y a des projections, des expectatives et des désirs qui peuvent par contre faire que l' amor soit plus qu'une partage desinteressé ou une comunnion pure, une aventure de accomplissement de nos rêves ou désirs? [Pergunto-me: será que é um derramamento natural do coração o diálogo generoso entre nós , ou haverá projecções, expectativas e desejos que podem fazer do amor que seja, mais do que uma partilha desinteressada, ou uma comunhão pura, uma aventura de realização dos nossos sonhos ou desejos?]

                                                                ~~~~~~~~~~

Amores: é fácil o amor com quem gostamos, ou mesmo o devocional para o anjo da guarda, os antepassados, [a Divindade].

Mais difícil é o amor sacrificial, aquele que já não é [o] nosso prazer, interesse ou felicidade mas o dos outros que procuramos...

Quantos sabemos dar este salto para fora do nosso estreito mundo de interesses e proporcionar ao outro alguma alegria inesperada?

 Da pureza e impureza: se um pequena ponta de pincel impregnada de negro, altera logo imediatamente a cor aguarelada que preparamos, assim também certos pensamentos ou actos nos sujam irremediavelmente por algum tempo. Devemos assim estar muito atentos às nossas forças anímicas [aos sentimentos e pensamentos que nos atravessam e desarmonizam, para que o Amor brilhe mais clara e desobstruidamente].


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Poemas espirituais, nocturnos, de aspiração antes de adormecer. E ao olho espiritual.


Pouso à borda da nau
da minha cama
os despojos usados do dia.
A camisa aberta escorrega
e o meu corpo jazerá por fim.
O silêncio da noite é aparente:
Nossas almas estão cheias de vida
e das vistas do dia.

Vou passear em torno da nave
antes de a abordar.
Desprender-me de todos os fios,
e correntes inúteis
e lançar energias para o alto,
para bem longe.

Lá para o infinito e para Deus,
Mistérios das origens
e destinos finais desejados
mais perto e conhecidos.
Por isso escrevo, durmo
e mantenho a Vida.

(verso) 
 
Dispo a camisa na noite fria.
Esfrego os braços tímidos
e arremesso bem longe
os pesos e tensões.

Invoco o fogo do Alto
e assimilo-o bem.
Depois, percorro os cantos
do quarto e os símbolos que
são janelas por onde chamo
e saúdo esses mistérios
que nos antecederam e guiam.
Não estou só
e o meu corpo enrijeceu.
Saúdo os mortos do passado
e vou dormir para o futuro.

~~~~

Conseguirei trazê-lo de volta,
Ele o olho da visão imortal?

Cruzei os átrios e as barcaças
mas por toda a parte soava a dispersão.
Irmãos conscientes no coração,
onde os podemos encontrar?

Ainda que com uma vara
afastasse os monstros e erros,
ainda assim o sorriso efémero
era passagem de vãos e aduladores.

Os véus rasgados do templo,
as colunas destruídas,
as palavras sacras perdidas,
tudo serviria para nos espicaçar
com o aguilhão da morte:

Oh Espírito, não dormites mais,
nem fraquejes mais.
Desperta, ergue-te, brilha,
Resplandece, ó olho espiritual.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Apuleio e o espiritual no seu "Livro do Mundo". Breve apresentação, com transcrição das partes mais valiosas.

Apuleio é um filósofo importante na tradição espiritual ocidental, pois vivendo no segundo século depois de Cristo pode ainda contactar e ser iniciado nas tradições pré-cristãs e dar testemunho delas nas suas obras. Nasceu em Madaura, hoje Argélia, em 127, então um colónia romana e onde o seu pai era um magistrado,  recebendo assim uma boa educação, que  continuou em Cartago, um grande centro humanista então, como ele nos descreve nas Flóridas, e em Atenas, onde aprofundou na Academia o platonismo mais místico, e por isso escreverá na Apologia: «nós da família platónica nada conhecemos senão da festa e alegria do que é solene, sublime e celeste». Foi iniciado em vários centros, diz-nos na Apologia:  nos mistérios egípcios de Ísis, Osíris e Seraphis,  e em vários gregos, tais os de Deméter em Eleusis e provavelmente os dos Cabiros na Samotrácia. Além de filósofo e iniciado, foi um notável orador, um subtil causuista, um irónico retórico e um imaginativo conferencista e novelista. Libertou-se da Terra cerca do ano 180 em Cartago.

 Das suas  obras abordamos neste texto do blogue  brevemente, e porque o acabámos de ler, o Livro do Mundo, uma obra pequena e condensada acerca do que se considerava ser o Mundo, em grego Cosmos, em parte baseado no conhecimento científico da época, em especial de Aristóteles, Platão e talvez de Plínio. Há quem pense que a obra seja mais uma tradução dum texto da escola peripatética de Aristóteles, tal como o livro da Doutrina de Platão, seria a partir dum manual do platonismo. Cremos que há certamente também muito do seu génio nos dois escritos. 

Ao abordar a fonte fundadora do mundo,   a Divindade e os seus deuses, Apuleio adopta uma posição bastante eclética, citando extractos de vários autores, observando-se  uma discordância quanto ao não se dever falar da Divindade,  que  Platão advertira (enquanto não se saberia Dela), talvez na linha do silêncio da tradição  acroamática (oral) de Pitágoras, que não autorizava os seus auditores sequer a fazerem perguntas nos primeiros anos do discipulado, o que entre nós foi destacado por Sant'Anna Dionísio no seu  Enigmas Helénicos, impresso na Seara Nova, em 1969.

Algumas partes da obra são bem substanciais,  tais as que  tratam de Deus, dos Deuses e dos daimons ou espíritos intermediários, e em menor escala as das caracterizações e designações dos planetas, estrelas, cinco elementos, partes da terra, ventos, fenómenos atmosféricos e subterrâneos. 

 O mundo é reconhecido como um cosmos ou todo ornado e belo, uma comunidade ou sociedade, mas não há nas descrições grandes  intuições da sua pluridimensionalidade, embora haja indicações da prática do caminho espiritual, pouco há directamente dos mistérios iniciáticos do Egipto e da Grécia, e menos ainda da magia e superstições, o que  por exemplo apresenta bastante noutras obras, tal as Metamorfoses, o De Ísis e Osíris, o Burro de Ouro (onde o Deus supremo é Ísis), ou ainda da hierarquia de espíritos ou daimons, como tenta no Do Deus de Sócrates. Contudo, as analogias, metáforas e compreensões da Divindade, dos Deuses e da alma que apresenta, sendo bem variadas e profundas, têm um certo cunho pessoal, dizendo por exemplo, "eu vi", ou mesmo uma origem vivencial iniciática, ao referir por mais de uma vez o olho espiritual.  É natural que alguns dos primeiros padres da Igreja que o leram e o referem, tal S. Agostinho, se tenham servido do que escreveu.

Deve-se realçar a definição inicial de filosofia, como base da demanda do conhecimento mesmo pela ciência, a valorização do olho espiritual ou divino, ou da alma, nas suas capacidades de voar longe pelo pensamento, bem como a consequente capacidade de desprendimento face ao menos importante e essencial, desapego que se  ganha seja num conhecimento maior da terra e do mundo (e por isso se viajava e peregrinava...) seja nos estados místicos ou expandidos da consciência, sintomaticamente algo que vários estudiosos das experiências religiosas de alteração da consciência, desde William James, vieram a destacar.

São  valiosas as apresentações da necessidade da Divindade ter os seus agentes intermediários, seja deuses seja daimons, para exercer a sua providência. Também a caracterização do elemento éter, que mais do que ígneo considera estar em constante movimento de rotação, é valiosa e parece-nos próxima da noção de prana e de certo modo do akasa dos indianos. Aliás todo o parágrafo dedicado aos elementos é substancial e iremos traduzi-lo e transcrevê-lo.

A propósito da Divindade, na qual distingue o seu dinamismo  omnipresente da sua essência inacessível  e que considera estar situada na parte mais elevada do Universo, no Olimpo, onde nada de negativo penetra, relembra Apuleio como oramos a Ela levantando as mãos e as vozes ao céu, e como a Divindade é a fonte, origem e fim de tudo, exemplificando com várias orações de um hino órfico.
Transcrevem
os algumas das partes mais valiosas do De Mundo, e amanhã ainda acrescentaremos outras. Utilizamos como texto base a edição bilingue das obras completas de Pétrone, Apulée, Aulu-Gelle, traduzidas  por M. Nisard e dadas à luz pelo prestigiado livreiro impressor parisiense Firmin Didot em 1875.
Incipit ou início:
«Sempre me
pareceu, ó Faustino, que a filosofia, a considerar e a examinar com atenção, tem por objecto a procura da verdade, a prossecução das virtudes e a participação das coisas divinas, e isto sobretudo porque ela se aplica à interpretação da natureza.
Quando encontraram a filosofia, ela serve-lhes de guia,
ela esclarece-lhes as suas descobertas. Eles ousaram então viajar em espírito nas praias do céu, e percorreram essas rotas que eles viam com a luz da sabedoria e o único olhar da reflexão.
Assim, quando a natureza
nos tinha separado por um intervalo imenso deste mundo longínquo, o pensamento, atravessando as distâncias no seu desabrochar rápido, elevou-se até ele. A alma, com o seu golpe de olho divino, reconheceu facilmente e compreendeu os princípios aos quais todo o mundo deve a sua origem; e transmitiu o conhecimento a outros; ela fez como os profetas, que cheios da majestade divina, revelam ao resto dos homens o que um benefício celeste lhes permite ver.»

«O mundo inteiro consta de uma sociedade do céu e da terra, e de todos os que participam dela. Ou seja, o mundo é uma ordem ornamentada, dirigida por Deus, custodiada rectamente pelos deuses, tendo como eixo cardeal sólido e imóvel a terra, onde se geram e vivem todo o tipo de animais.»  

«O próprio céu, as estrelas que se encontram nele e todo o sistema de astros, chamam-se éter, não porque, como alguns pensam, porque queima e está inflamado, mas porque está sempre numa rotação rápida. o éter não é um dos elementos que todo o mundo conhece, pois ele é bem diferente; e se pela enumeração que se faz ele é o quinto, pelo seu nível, pela sua natureza divina e inalterável, ele é o primeiro.»

 «Os elementos estão unidos por laços mútuos; há como que cinco nós que os ligam a todos; e tal é ordem que preside à sua afinidade, que o elemento mais pesado se combina com o mais leve. A terra contem a água no seu seio e a água, segundo alguns, sustenta a terra. O ar é produzido da água e o fogo forma-se do ar condensado. O éter e os seus fogos são inflamados pelo sopro do Deus imortal; iluminados por este centro divino, eles iluminam a abóbada do mundo com os seus fogos resplandecentes. É por isso que os deuses superiores  ocupam essa regiões superiores.»

«Contrariamente ao que diz Platão, penso que é melhor falar de Deus, mesmo dum modo imperfeito de que não falar. É uma opinião já muito antiga, profundamente gravada no coração dos homens, que há um Deus que presidiu ao nascimento de todas as coisas, um Deus que vela pela conservação e o renovamento de tudo o que criou, e que nenhuma coisa está tão fortemente organizada que possa viver dela própria e sem o socorro de Deus. Imbuídos desta opinião, os poetas chegaram a dizer que tudo está cheio de Jove, Júpiter, e que a sua presença não se revela somente ao pensamento, mas ainda aos olhos, às orelhas, a tudo o que é capaz de sentir. O que está perfeitamente dito se quer-se fazer conhecer a potência divina, mas não se queremos falar da essência mesma de Deus.»

«Cremos que Deus retém a sua alta majestade e reside em si mesmo no alto, mas dispensou por todas as orbes do mundo potestades, que habitam o sol e a lua e todo o céu. Elas velam pela saúde e salvação de todos os habitantes da terra, mas não têm necessidade de um grande numero de servidores, como a nossa raça indigente, para realizarem os seus trabalhos.»

«De igual modo que, nos coros, o maestro da orquestra entoa o hino e a multidão de homens e mulheres, com as suas vozes graves ou penetrantes, compõe uma harmonia completa, de igual modo a razão divina estabelece a harmonia no meio de tanta diversidade.»

«Ora o rei e pai de todas as coisas, que só vemos pelo olho da inteligência e da meditação, estabeleceu leis fixas para todo o mundo: deu-lhe astros como luminárias e povoou-o de todas as espécies, umas visíveis, outras ocultas, e fê-lo mover-se de uma só impulsão.»

«Tal como um exército inteiro obedece a um só chefe que marcha à cabeça e exerce o comando supremo, assim se passa com a organização das coisas divinas e humanas; todas obedecem a um só mestre, cada uma delas tem as suas leis particulares, e Providência, que vela sobre o conjunto, está escondida a todos os olhos, excepto aos da inteligência. Este mistério do qual o Todo Poderoso está rodeado não o impede de agir tal como a nós de o conceber. Para entender este princípio, eis uma comparação que nos servirá de exemplo, ainda que imperfeita: a alma humana não é visível, e contudo somos obrigados a confessar que ela preside aos actos mais notáveis do corpo. A forma e a substância da alma não caiem sob os nossos olhares, mas compreendemos, pela importância da sua acção, qual é a sua natureza e de que potência ela está dotada. É o génio dela que provê as necessidades do ser humano. (...) É preciso ser-se muito injusto na apreciação dos factos, para se negar que uma potência análoga à da alma pertence a Deus, este Ser Supremo cuja essência é sublime e a vida imortal, este pai das virtudes, e a própria virtude!»

 «É assim que Deus vela pela salvação do mundo, religando entre si as partes do mundo pela sua força divina. Onde habita? Não habita perto das regiões da terra, nem no meio dos ares móveis; ele ocupa o cimo do mundo, que os gregos chamam com razão o céu (Ouranos), porque ele é a última parte de toda a altura; pela mesma razão chamam-lhe Olimpo, porque está abrigado de todas as tempestades e de todos as alterações. com efeito, o Olimpo jamais foi obscurecido pelas nuvens, entristecido pelos frios e as neves, agitado pelos ventos ou fustigado pelas chuvas. É o que fez dizer a um poeta:"O Olimpo, a morada imortal que os deuses habitam, nunca é agitado pelos ventos, nem molhado pela chuva, nem coberto pelas nuvens, e não há nuvens que obscureçam o seu ar sempre puro."

Donde a opinião e ideia comum entre os seres humanos e confirmada por  observações, afirmar que Deus está no mais alto do Cosmos. Donde o modo de orar seja o de pedir com as mãos estendidas  para o céu, como diz um poeta romano: "Aspice hoc sublime candens, quem invocant omnes Jovem", "Olha esse resplendor sublime que todos invocamcomo Jove, Jupiter."»

«Deus é essa lei que mantém a equidade, e que não tem necessidade de qualquer reforma, nem de qualquer mudança. De igual modo o mundo inteiro é dirigido pela providência imutável do seu autor, e vivificado por este princípio que anima todas as naturezas, todas as espécies e todos os géneros. (...) Não há que um só Deus, mas é chamado por diversos nomes, por causa dos seus numerosos atributos que parecem-no multiplicar: como Protector toma o nome de Júpiter (da palavra juvare, ajudar, gratificar); como princípio de vida, os Gregos chamam-no com razão Zeus; chamam-no também Saturno, como filho do Tempo, ou seja como ser sem começo nem fim. É também o deus da tempestade, do raio, da chuva, da serenidade; outros chamam-no o deus que fertiliza, o guardião da cidade, o deus hospitaleiro, o deus Amigo. Dá-se lhe por fim o nome de todas as nobres  funções. Ele é tanto o deus dos combates, como Triunfador, o Conquistador, o Porta-troféus, Encontramos na velha linguagem romana, e na dos haruspícios, uma imensidade de outras designações análogas a elas.»

«Deus, como diz uma velha sentença  e como o sustenta a razão,  é o princípio, fim e meio de tudo, e penetra e dá lustre a todas as coisas  e diz-se  que vibra rapidissimamente sobre o universo. Ao seu lado, caminha sempre e em toda a parte a Necessidade vingadora; ela pune os que se afastam da lei sagrada, mas  protege o futuro de quem, desde a sua mais tenra infância, desde o berço, o realiza, o respeita,  dá-se todo a ele e confia.»

                                                        

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Acerca de 2024. Vencerá a Temperança e a Multipolaridade, embora a velha ordem dominadora do Ocidente ainda matará uns milhares antes de amansar ou tombar?

De Edward Burn-Jones, um dos mais dotados pré-rafaelitas, a Roda da Fortuna.

A Roda do Tempo e da Fortuna girou, e agora é e será o ano de 2024 a envolver e a dar vida à ainda jovem e desassossegada humanidade, tão cheia de conhecimentos e ilusões, aspirações e ambições, que se não fossem os seres mais sensíveis ou sábios, os mestres, os anjos, as faces Divinas, cairia em muitos erros e sofrimentos, desastres e mortandades.
E o que
nos sussurram tais guardiões ou custódios dos seres humanos na Terra Humanidade, esses que comungam mais conscientemente no corpo místico da Humanidade? - Temperança, nada em excesso, meditação, justiça, solidariedade, multipolaridade, compaixão, criatividade benéfica, amor, auto-conhecimento espiritual, religação divina, Ser.
                                                        

 Saibamos equilibrar os opostos, transmutar o negativo em positivo, sair da unipolaridade para desabrochar na multipolaridade...

Subindo, ad astra per aspera, à alta torre de observação já nos mundos subtis, onde o céu e a terra parecem tocar-se, e onde as vertigens podem acontecer,  avistamos no horizonte longínquo as cordilheiras nevadas das serras sagradas e inspiradoras, e deparamos com um céu plúmbeo cinzento, tão nocivo a alguns, como o nosso abnegado mártir Antero de Quental sofreu em 1891,  e discernimos no seio dele, bem alto e sobre nós,  um letreiro com uma data, 1812, seguida de algumas palavras difíceis de se lerem, mutáveis, indicadora de que desde tal ano se gerou um processo ou cortejo  de violência e guerras imenso.
Ora como 1812 foi a segunda data da fundação do USA, após a guerra com a Inglaterra, passando a ser reconhecida por esta como a mais forte e logo a que passaria a controlar a Europa ou mesmo bastante do mundo, parece tal sinal indicar que o céu da Humanidade está trevoso sobretudo por causa da violência norte-americana e dos seus coligados.
Provavelmente o céu indica que será em 2024 que o ambiente plúmbeo e negativo gerado
pela hubris violentíssima do império norte-americano sobre tantos governantes e povos do mundo, na sua ganância desmedida de oprimir e controlar o planeta graças ao seu imperialismo oligárquico, ao infinito e tão corruptor dólar, às suas doutrinas individualistas e excepcionalistas abusivas e aos meios ilícitos usados, finalmente começará (após os conflitos que o império ainda vai  intensificar) a claudicar mais visível e fortemente.

Cremos que está chegada a hora de muitos povos e gentes, que sentem, aspiram e querem libertar-se de tal jugo opressivo, se unirem vitoriosamente e o mais belo sinal da possibilidade de realização de a multipolaridade fraterna (e já não a unipolar transhumanizada-infrahumanizada do Fórum Económico Mundial), está patente  na aliança do BRICS, geoestratégica e económica (com a tão necessária desdolarização em curso), fundada e liderada pela Rússia, a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul, e em crescente alargamento:  no primeiro dia de 2024 entraram o Irão, a Arábia Saudita, os Emiratos Árabes, o Egipto e a Etiópia.

                                     
Esta passagem da humanidade à multipolaridade faz parte da ordem do Universo, do Tao, é um anseio da Anima Mundi, e no contexto do crescimento de consciência e discernimento da verdade advin
do do rápido acesso ao que se passa no mundo, está a ser intensificada, pelo que o domínio oligárquico superimperialista tão injusto tem os seus dias contados, embora vá ainda fazer sofrer e morrer muita gente, pois os actuais dirigentes dos USA, NATO e UE estão na maioria vendidos, semi-alienados nos seus partidarismos e, logo, insensíveis e indiferentes às mortes humanas (colaterais...), não contando nada face aos seus objectivos de domínio e controle ou, cada vez mais, de sobrevivência do seu já tão degenerado sistema.

                                                 
Caber-nos-á discernir em que campo da batalha psíquica nos vamos inserir, pois  somos todos responsáveis, pese a grande manipulação dos meios de informação controlados na sua grande maioria  pelo império da mentira, do dólar, da violência, da arrogância racista, nacionalista ou de elites, e seus funcionários avençados, que não jornalistas, como dizia John Pilger, um corajoso jornalista e defensor de Julian Assange, há dois dias desincarnado.

                                        
Devemos pois cooperar, nas nossas pequenas esferas, corajosa e criativamente na  defesa e no aprofundamento e desenvolvimento da Liberdade, da Ecologia, do Bem, da Sabedoria, da Verdade, da ordem Natural e Espiritual, Rita ou Sanatana Dharma na tradição indiana. E cremos que serão os líderes e povos do BRICS que são (Eu sou...) e estão mais no caminho da Verdade e da Vida, que os Mestres da Luz Primordial ao longo dos séculos têm trilhado e ensinado para uma Humanidade e Natureza mais plenas e realizadas na sua identidade e dignidade, liberdade e altos fins.

                                                 
Avancemos pois corajosamente, luminosamente, a sós ou em em pequenas redes de apoio, e face a tanta negatividade, censura, opressão e  incremento de crises e guerras, que tentam oprimir e desnaturalizar a humanidade de corpo, alma e espírito e de origem
Divina, saibamos criativamente vencer tais seres e forças negativas.
Possam os níveis de vida serem mais justos e elevados, possa a multipolaridade triunfar e ajudar a libertar a Humanidade de tanta exploração económica e psíquica, rumo a fases de vida mais felizes, fraternas e harmoniosas, com a Terra e o Céu.  

Pintura de Bô Yin Râ. Temperança e Esperança. Da Divindade na Humanidade e em Gaia.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

De Fernando Leal, versão do "Primeiro Encontro do Cristo com o Túmulo", poema de Victor Hugo. Dum jornal de Pangim, 1910.

                                                                      
                    Vera efígie de Jesus, por Bô Yin Râ, que nas suas obras aprofundou bem a sua vida e ensinamentos, em especial no Livro do Deus Vivo, Mistério da Golgota e A Sabedoria de João.
Em Setembro de 1910, uns meses depois de desincarnar  o poeta Fernando Leal, um luso-indiano nascido em Margão, Índia Portuguesa, de pais portugueses e casado com uma portuguesa Maria Guiomar de Noronha, cuja família já vivia há séculos na Índia (e pode ler a sua biografia em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html), era dado  à luz num jornal luso-indiano (cujo nome está semi-obliterado nas costas do poema), cremos que de Goa, uma versão sua dum poema de Victor Hugo, que parafraseia um passo da vida de Jesus Cristo, conforme foi elaborado no Evangelho de S. João, o menos histórico e mais místico, gnóstico e iniciático (donde as inúmeras hermenêuticas mais ou menos gnósticas ou esotéricas), e onde se transmite o ensinamento mais profundo de Jesus, o do renascimento do Espírito em nós, de que o episódio de Lázaro é uma materialização milagrosa,  para mover as emoções das pessoas, fazendo-as talvez admitir e aspirar mais  ao renascer do Espírito.

Victor Hugo, muito influente, com Jules Michelet, em Portugal na segunda metade do séc. XIX.

Passados 113 anos, e porque encontrei o recorte do jornal que o continha, trazido  pelos meus bisavó maternos, já que a bisavó Maria Helena era irmã da Guiomar e nora de Fernando Leal, certamente quando vieram da Índia para Portugal continental em 1921, resolvi publicá-lo nestes dias ainda natalícios de 2023, embora tão trágicos pela desumanidade  israelita contra os palestinianos, até para nos fazer vibrar um pouco mais com o mestre Jesus Cristo, tão sofredor na aura espiritual da Terra com o que se passa...

Uma das duas fotografias de Fernando Leal conhecidas, publicada no Século aquando da sua libertação terrena em Abril de 1910, como pode ler em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html

E ainda porque Fernando Leal, que fora durante muitos anos um audaz livre pensador, com Gomes Leal, forte crítico do imperialismo inglês e do clericalismo, e grande amigo de Antero de Quental, de cujo convívio  nos restam cartas bem profundas dos diálogos que acalentaram e perenizaram,  demandara sempre a Justiça, a Verdade e a Divindade, e como tradutor excelente do francês e de Victor Hugo, e nisso muito elogiado por Antero de Quental e outros  escritores, como Camilo Castelo Branco, Silva Pinto, Gomes Leal, Guiomar Torrezão, fez uma bela tradução (com um senão: traduzir o prêtre, de Victor Hugo, por padre, quando deveria ser sacerdote) dum dos passos miraculosos da vida de Jesus, lendário mas emocionante, embora, passados estes 2000 anos e  tão ensanguentados agora na Palestina, a sua força seja menor....

                                     

Partilho assim o recorte, e transcrevo-o. Anote-se que o poema tinha sido publicado originalmente no livro Reflexos e Penumbras. Traduções de Victor Hugo e Versos Originais, Lisboa, 1880, e fora dedicado então a João de Deus, grande amigo de Fernando Leal e de Antero de Quental, e de Deus mais crente do que este último, o cavaleiro da Mors-Amor.

Antero de Quental, 1842-1891, na cruz da Luz Divina.

Que a paráfrase (como Erasmo realizara para todos os Evangelhos muito sabiamente) nos possa inspirar a renascer e a religar-nos mais ao espírito divino tão manifesto em Jesus e nos mestres, no campo unificado de energia consciência, ou corpo místico da Humanidade, de que Jesus Cristo é para muitos, sobretudo Ocidentais, a cabeça ou, quem sabe, o coração.

                                   

Primeiro Encontro do Cristo com o Túmulo.

De Victor Hugo.

 «Naquele tempo andava o Cristo pelo Mundo;

Do corpo da possessa havia expulsado o Imundo,

Aos cegos dera a vida e sarara os leprosos;

Mandavam-no espreitar os sacerdotes, rancorosos.

Quando Ele ia uma vez para Jerusalém,

Em Betânia morreu Lázaro, homem de bem.

Eram suas irmãs Maria e Marta; aquela

Foi a que, derramando a essência pura e bela

De nardo, ungiu os pés de Jesus Cristo um dia.

Ora, ele amava a Marta, a Lázaro e a Maria.

"Lázaro faleceu", lhe disse alguém.

                                                      Passou-se

Um dia; e como o povo ao seu caminho fosse,

Ele explicava a lei e os símbolos, em fábulas;

Como Elias e Jacob, falava por parábolas.

Dizia: "Quem me segue, ao anjo é semelhante.

Se marcha um dia inteiro ao sol um caminhante

Através dum sertão sem água e sem pousada,

Em vindo a noite cai de inanição na estrada,

Se não o ampara a fé, chorando e sem alento;

Mas pode recobrar as forças num momento,

Erguer-se e prosseguir, se orar, se crer no Cristo."

E aos discípulos disse, interrompendo-se, isto:

"Lázaro dorme; eu vou erguer o nosso amigo."

E eles disseram:"Mestre. iremos nós contigo."

Quinze estádios percorre, ou pouco menos, quem

De Betânia caminha até Jerusalém.

Jesus partiu. Andava adiante e pensativo;

Muitas vezes, na estrada, um cintilante e vivo

Fulgor lhe iluminava a túnica de linho

Quando Jesus chegou, saiu Marta ao caminho,

E caindo a seus pés, bradou-lhe com transporte:

Se estivesses aqui, não o prostrava a morte"

E a chorar ajuntou:"Chegas tarde, Senhor!"

"Que sabes tu, mulher? - lhe disse o Redentor -

O ceifeiro somente é dono da seara."


Maria, em sua casa, entretanto ficara.

Marta, disse-lhe "Vem, o mestre quer-te ver."

Foi, disse-lhe Jesus:"Porque choras, mulher?"

E ela, a seus pés, clamou: "Só Tu, Senhor, és forte!

Se estivesses aqui, não prostrava a morte."

"Quem me segue é feliz, disse-lhe então Jesus.

Teu irmão viverá, Eu sou a vida e a luz,

Quem crê em mim, ressurge e vive eternamente."

E estava ali Tomás, o lídimo, presente.

Seguiam Cristo, Pedro e João, com desvelo: 

Jesus disse aos judeus que tinham vindo vê-lo:

"Onde o pusestes vós? - A sepultura é esta,"

Disse a turba mostrando, ao pé duma floresta,

Um sepulcro que estava aquém duma torrente.

Então chorou Jesus.

Vendo isto aquela gente,

Começou a bradar."Vede como era intensa

A afeição que lhe tinha! Ao cego de nascença

Dizem que deu a vida: ora se fosse Deus,

Deixaria morrer assim amigos seus?"

 

 Marta levou Jesus aquele ermo silvestre

Onde estava o sepulcro, e ali disse:"Mestre!

Sei que és o Cristo [ungido de Deus], e sempre cri no que dizias;

Mas ele já morreu, Senhor, há quatro dias."

 

Disse Jesus:" Mulher, se crês, os olhos teus

Vão aqui a ver a glória infinita de Deus."

Sobre o sepulcro estava, a servir-lhe de tampa,

Uma pedra; Jesus mandou abrir a campa.


Pode então ver-se o morto envolto no sudário,

Qual saco de dobrões que enterra um usurário.

E Erguendo a vista ao céu, Jesus como quem ora,

"Lázaro! - em voz alta bradou -sai para fora." 

E o que estivera morto, ergueu-se então depressa;

Tinha atado os pés e um lenço à cabeça;

Levantado encostou-se ao muro tumular.

Disse Jesus:" Soltai-lhe os nós, deixai-o andar"

Veno isto a multidão, creu logo no Messias.

Ora, os padres, conforme as santas profecias,

Foram cheios de medo a casa do perfeito

Romano; o que em Betânia o Cristo havia feito

Sabiam-no e, de pois de bem deliberar,

Disseram:"É chagado o tempo de o matar."

                                          Fernando Leal.

Com a fé dos que acreditaram nesta piedosa lenda ou santo milagres, saibamos reerguer-nos sempre que precisarmos e, com as bênçãos de Jesus e dos Mestres, Santos e Santas, renascermos no corpo espiritual para a nossa entidade de centelhas filhas da Divindade...

Pintura de Jean de Flandes...
                               

quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O pedagogo Manuel Ferreira Patrício, fala sobre Leonardo Coimbra e Agostinho da Silva, em 1999, na Associação Agostinho da Silva. Breve apontamento.

O pedagogo Manuel Ferreira Patrício, 1938-2021.

Transcrição, algo acrescentada [..], do diário de 1999, 29 Janeiro, Sexta: «Há dois dias fora uma conferência do José Flórido no Museu da República, e ontem foi a conversa com Manuel Patrício, da Universidade de Évora, na Associação Agostinho da Silva, em Lisboa. Falou acerca de Leonardo Coimbra e de Agostinho da Silva, uma união de duas almas bem valiosas e pioneiras, com boa fluência ainda que perdendo algum tempo com explicações pessoais iniciais, embora contextualizadoras. Mostrou o plano da conferência: origens, formação, personalidades e estilos, destino. E relembro que escreveu a sua dissertação de doutoramento em Ciências de Educação em 1983 na Universidade, sobre A Pedagogia de Leonardo Coimbra, Teoria e Prática, uma valiosa obra que se encontra hoje em linha, e onde aprofunda a pedagogia antropológica e filosófica de Leonardo, denominando-a mesmo com originalidade como uma "antropagogia" pois o seu horizonte é sempre espiritual e divino.

Agostinho da Silva, 1906-1994.

Leonardo Coimbra, 1883-1936.

No decorrer da conversa lembrou algumas confidências de Sant'Anna Dionísio e de outros discípulos quanto à personalidade de Leonardo, tal a de alguém ter visto levitar Leonardo [pelo seu entusiasmo, e como outros o viram tentar ressuscitar um seu aluno acabado de falecer], ou ainda a sua paixão por uma estudante, a Eurídice, destinatária da Adoração [uma sua obra de prosa poética amorosa, que li e de grande beleza e sensibilidade amorosa com a Mulher e a Natureza, algo que ele manifestaria desde novo pelo seu genial espírito e por ter nascido próximo do Marão e dos campos regados pelo rio Tâmega].

Páginas da Adoração, livro com sugestivos desenhos de João Peralta.

No aspecto da sinceridade e frontalidade considerou-os iguais, e por isso talvez desde cedo tenha havido um certo choque entre eles, pois não corresponderia ao seu som o som do outro. Assim, dirá Manuel Ferreira Patrício [um especialista de música, fundador de coros e maestro], na apreciação formativa das pessoas repudiamos o que não nos soa ou ressoa.
Ainda tentei
que ele clarificasse e aprofundasse o mistério do som característico de cada ser, se proveniente dos pais, dos genes, da alma na sua profundeza ou na sua variável constituição, mas a resposta não foi clara pois referira-se mais ao som geral da voz e do que sentimos da interioridade de tal pessoa. 

Mas podemos imaginar que há uma menção da sonoridade das almas nossas, compostas de milhões de partículas a vibrarem segundo certas qualidades, características, intencionalidades, que impactam sobre os outros e o ambiente invisivelmente; e que fatalmente nem sempre há afinidades entre as nossas frequências e as dos outros, pelo que sentimos um certo repúdio a deixar-nos influenciar por essas que não apreciamos dos outros. Provavelmente o estilo bem mais ígneo e de tribuno, levitante, entusiasmador de Leonardo não era bem o de Agostinho da Silva, muito mais de diálogo, ainda que o seu verbo-palavra também fosse contínuo, não ouvindo tanto do outro e antes mais intuindo o que lhe brotava na conversa como o mais apropriado para aquele ouvinte ou momento.
Referiu 
no pensamento da Educação portuguesa um aspecto positivista  em Leonardo Coimbra, embora sendo a sua filosofia platónica e criacionista, pois era um não messianista, ao contrário portanto duma linha e tradição que Agostinho da Silva defendeu bastante, baseando-se até na Rainha S. Isabel e D. Dinis e o culto fraterno do Espírito Santo, e depois nos Descobrimentos e na ilha do Amor, de Camões, e no V Império do Padre António Vieira e Fernando Pessoa, chegando a afirmar mesmo Agostinho, afirmou Patrício, que se não o fossemos (o povo ou nação do Encoberto, da era do Espírito Santos, ou do Império fraterno) que nos auto-elegessemos... Muito numa linha provocadora ou estimulante agostiniana...
                                               
Questionei-o então se conseguiríamos, ta
nto mais que a síntese crítica e lúcida entre os utopismos nacionalistas e uma racionalidade objectiva de quem somos e o que conseguimos fazer e dinamizar é evidentemente muito necessária. E por isso, já no fim, em conversa, expus-lhe a necessidade duma educação universalista que deveria ser redigida por um grupo alargado de sábios, cientistas, religiosos e artistas e que a UNESCO ou as Nações Unidas implementariam para todo os povos e centros de ensino do planeta, ultrapassando nacionalismo e fanatismos religiosos. Assim como a história da Europa que deveria ser ensinada em todos os países europeus, com alguns livros de referência de leitura obrigatória, acrescento agora. [Algo que infelizmente vemos ter desaparecido completamente, com a quase dissolução das Europa histórica das nações, tradições e culturas na União Europeia dirigida pelos globalistas infrahumanistas.]

Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, 1877-1952.

Um aspecto apenas aflorado foi o do nacionalismo, ou génio nacional português, poder gerar uma corrente universal, ou se é antes a corrente universal espiritual que perpassa meramente pelos povos e pensadores, já que Teixeira de Pascoais, [o principal teorizador do nacionalismo espiritual lusitano, do saudosismo] tenderia a crer na primeira versão, bastante mitificada [nas suas obras, como já vinha de antes dele, numa linha que Fernando Pessoa prosseguirá depois ainda mais messianicamente, estudando profecias e escrevendo a Mensagem com algumas inseridas muito artística e esotericamente.]
                                                  
Entre o racional e o que já não se deixa alcança
r por ela, [ou seja o supra-sensível, o imaginal, o espiritual], Teixeira de Pascoais , Fernando Pessoa e Agostinho da Silva tentaram erguer os mitos, diz Manuel Patrício. Contudo, não me parece ser esta a melhor ou mais adequada escolha de intermediarização, pois interessa antes que as pessoas desenvolvam as suas capacidades supra-sensoriais, sensitivas, intuitivas e de religação ao amor, ao espírito, à Divindade, e eventualmente aos mestres e anjos, reais, e não os espectros da natureza de Pascoaes ou de D. Sebastião de Fernando Pessoa.

                                      
Na realidade um dos graves perigos actuais
é a perda da sensibilidade interior aos mundos espirituais interiores e ao Todo, ao Universo a qual é devida em grande parte ao excesso de informação racional, ainda que muita manipulada e facciosa, que recebemos constantemente pelos meios de informação, e que faz crescer desmesuradamente o intelecto, ou então a emocionalidade instintiva e facilmente manipulável, Assim diariamente deveríamos ter algum tempo destinado à meditação, à interiorização, pois como o sábio médico florentino Marsilio Ficino, o primeiro tradutor das obras de Platão, Plotino e dos esotéricos e herméticos gregos para latim, disse um dia: como é só pela adoração e oração que a Divindade se deixa ver, aqueles que não rezam não a podem ver, seja de que forma for, e logo alcançar uma íntima certeza da sua existência.

Nas conferências, tanto no primeiro dia, com José Flórido (um rosacruciano e agostiniano), como ontem com Manuel Patrício, dois professores amigos, estavam umas dez pessoas em cada. É pena, mas é significativo do desinteresse das pessoas por estas iniciativas valiosas mas frequentemente pouco ou mal divulgadas. O ilustre pedagogo Manuel Ferreira Patrício referiu ainda duas confissões que o Jaime Cortesão [outro dos co-fundadores (com Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, etc.) da Renascença Portuguesa e da sua então tão brilhante revista A Águia, lhe fizera: a pertença dele e de Leonardo (embora apenas na juventude) à Maçonaria, e o ter talvez sacrificado (ou oferecido em oração de abnegação) a sua vida para que a do seu do filho então com grave doença fosse poupada, já que a sua morte precoce num acidente de automóvel, quanto tanto se esperava dele, causou muitas hipóteses explicativas , tais as de Teixeira Pascoaes e de Sant'Anna Dionísio, que admitiram que a sua conversão ao catolicismo, do Portugal de Salazar e de Cerejeira, fora um passo em falso, outras considerando o acidente um acaso e louvando a sua aceitação dos sacramentos (mais até que de uma conversão, pois Leonardo Coimbra sempre foi um espiritual e um admirador de Jesus), para poder ficar casado pela igreja e baptizar o seu filho.

Que Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva e Manuel Patrício possam comunicar-se e elevar-se mais divinamente, em bons planos espirituais, e até inspirarem-nos, eis os nossos votos. Lux, Amor!

Embora me tenha encontrado cordialmente em eventos culturais algumas vezes com o prof. Manuel Patrício ao longo dos anos e de ter recebido uma sua carta valiosa em 2009 (que poderei vir a transcrever) acerca do  livro de Erasmo, Modo de Orar a Deus, que eu co-traduzira e comentara, o que posso partilhar de mais completo, já que o apontamento da palestra é exíguo, será o diálogo (em quatro partes) que gravei (com alguma força a mais já que ele ouvia mal) em 2020, em sua casa e biblioteca de Montargil, onde fui com a amiga e sua colega Maria Dulce, uns meses antes dele partir para os mundos espirituais. E eis uma delas: https://youtu.be/yL1BdSZGE7I?si=jplCs-6xloR_Ep-Q ou https://youtu.be/cD11Ars02Nw?si=ZjOKBR2D256vlazQ

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Acerca do Amor: um segundo breve ensaio. E com o duo de harpas Andreia Marques e Carmen Cardeal.

O Amor, sendo um fogo subtil interior, procura arder, comunicar-se, tocar e abrasar outros e nesses sentidos os gregos e romanos apresentaram Eros ora como um daimon, um espírito intermediário entre o Céu e a Terra, os Deuses ou Imortais e os humanos, ora como um jovem Cupido desferindo as flechas que ferem de amor quem atingem mas que também refluem sobre o amador no anel das graças.

Desta natureza ígnea resulta que o amor precisa de ar, de espaço, de liberdade e de poder ora acolher ora dar. E assim as pessoas desejam-se umas às outras, desejam ser recebidas e presentearem  as melhores pérolas e dádivas que adornem o sorriso de alegria e confiança que então se desfralda na bandeira ou lenço transparente da face.

Já a alma de quem o Eros é mais urânico e não tanto venusiano torna-se mais amante da sabedoria dos livros e vai até eles ora como viajante perdido  no deserto em busca de refrigério, ora como sábio certeiro que na prateleira escolhe e arranca um livro do naufrágio de estar há muito publicado  e o traz de novo à luz do presente vivo, aperfeiçoando-o ao lê-lo e anotá-lo, e assim o salvando na comunhão na Unidade, intensificando a Luz e o Amor com o autor e com o que lê, pensa e senta.

O Amor sendo um fogo subtil interior tem esse condão de aquecer e iluminar quem toca, seja livro ou pessoa, alcançando tal à distância ou mesmo já após a morte.

Quem conhece bem a capacidade dos sentimentos e orações vencerem tais barreiras de planos e tocarem as almas dos que já partiram e que nós de algum modo mais amamos ou celebramos? 

São necessários minutos, ou é a intensidade dos sentimentos, ou será a força da vontade ou ainda a sintonia íntima, o que obra esse milagre do que está em cima ser um com o que está em baixo, ou de dois corações comunicarem-se em intuições e em sonhos?

Não diga pois nenhum ser que não tem quem amar, que não ama, pois foi gerado e educado em amor, e por muitos actos de amor ajudado ao longo da sua vida. E tantos seres e coisas apelam ao seu amor, cuidado, atenção, no fundo a um coração ígneo ora harmonizador, ora intensificador.

Não  sejamos pois ingratos, e saibamos recolher-se dentro de nós e aí estar tanto em aspiração de realização espiritual e religação divina, como a sentir por quem mais se deve orar ou apoiar, como ainda  em silêncio apenas comungar no fogo do coração.

Na noite actual de tanto egoísmo e hubris, ignorância e ódio, divisão e da inveja, saibamos não deixar que o nosso fogo seja obscurecido demasiado por tais obscurecimentos da luz e, apelando seja aos seres que mais amamos ou admiramos, seja aos mestres e anjos, seja à Divindade, invoquemos e recebamos as correntes espirituais, os suplementos de alma que intensificam o nosso  tónus e lume interno e nos harmonizam.

Ad astra per aspera, aos céus e suas estrelas e luminárias vai-se por caminhos árduos, ásperos, estreitos, frequentemente de desilusão, doença e morte, para  depois renascermos numa nova vibração e transparência de alma que permite ao fogo do Amor brilhar melhor, de mais profundo.

Desilude-te pois lucidamente com o que se passa à tua volta ou no mundo, escapa dos meios de informação vendidos e facciosos, sabe escolher a verdade e  a justiça, e reforça antes o teu sistema imunitário, a tua irradiação interior, o alargamento do fogo solar de toda a tua alma e corpo, que o mestre Jesus Cristo na transfiguração manifestou na sua plenitude, visivelmente mesmo ao olhar dos discípulos mais sensíveis, segundo o relato verídico,  ou então mistificado, como sucede tanto nas ditas Escrituras Santas ou mesmo Divinas

Saberemos nós tornar-nos discípulos sensíveis ao caminho do meio, ao caminho, verdade e vida,  a uma maior unificação e iluminação da alma que Jesus, Buda, Lau Tseu, Pitágoras, Madhva, Ruysbroeck, Marsilio Ficino, Jacob Boehme, Ramakrisna, Bô Yin Râ e  outros mestres e santos e santas tanto desejam de nós?

Eis o grande desafio do Amor: conseguirmos tanto estar e interagir criativa, alegre e sabiamente, como sintonizar e comungar com as correntes divinas e com os seres mais despertos nelas, verdadeiros irradiantes da Luz e do Amor primordiais.

Consciencializemos e realizemos pois o Amor  pela vida activa sincera, harmoniosa e fraterna e pelo estudo, meditação, oração, canto e contemplação que nos abrem ao  mundo espiritual e divino, para que assim os raios luminosos do Amor Sabedoria resplandeçam e penetrem cada vez mais beneficamente na Gaia tão ferida e no Universo.  
                                
 Segue-se nesta pequena homenagem à alma amiga e tão luminosa, e já partida para os mundos espirituais, da Andreia Marques, que há conheci há uns anos,  a música  da sua harpa-lira pitagórica, com que fui redigindo o ensaiozinho. Muita Luz e Amor Divinos na Andreia!