sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

De Fernando Leal, versão do "Primeiro Encontro do Cristo com o Túmulo", poema de Victor Hugo. Dum jornal de Pangim, 1910.

                                                                      
                    Vera efígie de Jesus, por Bô Yin Râ, que nas suas obras aprofundou bem a sua vida e ensinamentos, em especial no Livro do Deus Vivo, Mistério da Golgota e A Sabedoria de João.
Em Setembro de 1910, uns meses depois de desincarnar  o poeta Fernando Leal, um luso-indiano nascido em Margão, Índia Portuguesa, de pais portugueses e casado com uma portuguesa Maria Guiomar de Noronha, cuja família já vivia há séculos na Índia (e pode ler a sua biografia em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html), era dado  à luz num jornal luso-indiano (cujo nome está semi-obliterado nas costas do poema), cremos que de Goa, uma versão sua dum poema de Victor Hugo, que parafraseia um passo da vida de Jesus Cristo, conforme foi elaborado no Evangelho de S. João, o menos histórico e mais místico, gnóstico e iniciático (donde as inúmeras hermenêuticas mais ou menos gnósticas ou esotéricas), e onde se transmite o ensinamento mais profundo de Jesus, o do renascimento do Espírito em nós, de que o episódio de Lázaro é uma materialização milagrosa,  para mover as emoções das pessoas, fazendo-as talvez admitir e aspirar mais  ao renascer do Espírito.

Victor Hugo, muito influente, com Jules Michelet, em Portugal na segunda metade do séc. XIX.

Passados 113 anos, e porque encontrei o recorte do jornal que o continha, trazido  pelos meus bisavó maternos, já que a bisavó Maria Helena era irmã da Guiomar e nora de Fernando Leal, certamente quando vieram da Índia para Portugal continental em 1921, resolvi publicá-lo nestes dias ainda natalícios de 2023, embora tão trágicos pela desumanidade  israelita contra os palestinianos, até para nos fazer vibrar um pouco mais com o mestre Jesus Cristo, tão sofredor na aura espiritual da Terra com o que se passa...

Uma das duas fotografias de Fernando Leal conhecidas, publicada no Século aquando da sua libertação terrena em Abril de 1910, como pode ler em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html

E ainda porque Fernando Leal, que fora durante muitos anos um audaz livre pensador, com Gomes Leal, forte crítico do imperialismo inglês e do clericalismo, e grande amigo de Antero de Quental, de cujo convívio  nos restam cartas bem profundas dos diálogos que acalentaram e perenizaram,  demandara sempre a Justiça, a Verdade e a Divindade, e como tradutor excelente do francês e de Victor Hugo, e nisso muito elogiado por Antero de Quental e outros  escritores, como Camilo Castelo Branco, Silva Pinto, Gomes Leal, Guiomar Torrezão, fez uma bela tradução (com um senão: traduzir o prêtre, de Victor Hugo, por padre, quando deveria ser sacerdote) dum dos passos miraculosos da vida de Jesus, lendário mas emocionante, embora, passados estes 2000 anos e  tão ensanguentados agora na Palestina, a sua força seja menor....

                                     

Partilho assim o recorte, e transcrevo-o. Anote-se que o poema tinha sido publicado originalmente no livro Reflexos e Penumbras. Traduções de Victor Hugo e Versos Originais, Lisboa, 1880, e fora dedicado então a João de Deus, grande amigo de Fernando Leal e de Antero de Quental, e de Deus mais crente do que este último, o cavaleiro da Mors-Amor.

Antero de Quental, 1842-1891, na cruz da Luz Divina.

Que a paráfrase (como Erasmo realizara para todos os Evangelhos muito sabiamente) nos possa inspirar a renascer e a religar-nos mais ao espírito divino tão manifesto em Jesus e nos mestres, no campo unificado de energia consciência, ou corpo místico da Humanidade, de que Jesus Cristo é para muitos, sobretudo Ocidentais, a cabeça ou, quem sabe, o coração.

                                   

Primeiro Encontro do Cristo com o Túmulo.

De Victor Hugo.

 «Naquele tempo andava o Cristo pelo Mundo;

Do corpo da possessa havia expulsado o Imundo,

Aos cegos dera a vida e sarara os leprosos;

Mandavam-no espreitar os sacerdotes, rancorosos.

Quando Ele ia uma vez para Jerusalém,

Em Betânia morreu Lázaro, homem de bem.

Eram suas irmãs Maria e Marta; aquela

Foi a que, derramando a essência pura e bela

De nardo, ungiu os pés de Jesus Cristo um dia.

Ora, ele amava a Marta, a Lázaro e a Maria.

"Lázaro faleceu", lhe disse alguém.

                                                      Passou-se

Um dia; e como o povo ao seu caminho fosse,

Ele explicava a lei e os símbolos, em fábulas;

Como Elias e Jacob, falava por parábolas.

Dizia: "Quem me segue, ao anjo é semelhante.

Se marcha um dia inteiro ao sol um caminhante

Através dum sertão sem água e sem pousada,

Em vindo a noite cai de inanição na estrada,

Se não o ampara a fé, chorando e sem alento;

Mas pode recobrar as forças num momento,

Erguer-se e prosseguir, se orar, se crer no Cristo."

E aos discípulos disse, interrompendo-se, isto:

"Lázaro dorme; eu vou erguer o nosso amigo."

E eles disseram:"Mestre. iremos nós contigo."

Quinze estádios percorre, ou pouco menos, quem

De Betânia caminha até Jerusalém.

Jesus partiu. Andava adiante e pensativo;

Muitas vezes, na estrada, um cintilante e vivo

Fulgor lhe iluminava a túnica de linho

Quando Jesus chegou, saiu Marta ao caminho,

E caindo a seus pés, bradou-lhe com transporte:

Se estivesses aqui, não o prostrava a morte"

E a chorar ajuntou:"Chegas tarde, Senhor!"

"Que sabes tu, mulher? - lhe disse o Redentor -

O ceifeiro somente é dono da seara."


Maria, em sua casa, entretanto ficara.

Marta, disse-lhe "Vem, o mestre quer-te ver."

Foi, disse-lhe Jesus:"Porque choras, mulher?"

E ela, a seus pés, clamou: "Só Tu, Senhor, és forte!

Se estivesses aqui, não prostrava a morte."

"Quem me segue é feliz, disse-lhe então Jesus.

Teu irmão viverá, Eu sou a vida e a luz,

Quem crê em mim, ressurge e vive eternamente."

E estava ali Tomás, o lídimo, presente.

Seguiam Cristo, Pedro e João, com desvelo: 

Jesus disse aos judeus que tinham vindo vê-lo:

"Onde o pusestes vós? - A sepultura é esta,"

Disse a turba mostrando, ao pé duma floresta,

Um sepulcro que estava aquém duma torrente.

Então chorou Jesus.

Vendo isto aquela gente,

Começou a bradar."Vede como era intensa

A afeição que lhe tinha! Ao cego de nascença

Dizem que deu a vida: ora se fosse Deus,

Deixaria morrer assim amigos seus?"

 

 Marta levou Jesus aquele ermo silvestre

Onde estava o sepulcro, e ali disse:"Mestre!

Sei que és o Cristo [ungido de Deus], e sempre cri no que dizias;

Mas ele já morreu, Senhor, há quatro dias."

 

Disse Jesus:" Mulher, se crês, os olhos teus

Vão aqui a ver a glória infinita de Deus."

Sobre o sepulcro estava, a servir-lhe de tampa,

Uma pedra; Jesus mandou abrir a campa.


Pode então ver-se o morto envolto no sudário,

Qual saco de dobrões que enterra um usurário.

E Erguendo a vista ao céu, Jesus como quem ora,

"Lázaro! - em voz alta bradou -sai para fora." 

E o que estivera morto, ergueu-se então depressa;

Tinha atado os pés e um lenço à cabeça;

Levantado encostou-se ao muro tumular.

Disse Jesus:" Soltai-lhe os nós, deixai-o andar"

Veno isto a multidão, creu logo no Messias.

Ora, os padres, conforme as santas profecias,

Foram cheios de medo a casa do perfeito

Romano; o que em Betânia o Cristo havia feito

Sabiam-no e, de pois de bem deliberar,

Disseram:"É chagado o tempo de o matar."

                                          Fernando Leal.

Com a fé dos que acreditaram nesta piedosa lenda ou santo milagres, saibamos reerguer-nos sempre que precisarmos e, com as bênçãos de Jesus e dos Mestres, Santos e Santas, renascermos no corpo espiritual para a nossa entidade de centelhas filhas da Divindade...

Pintura de Jean de Flandes...
                               

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