quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O pedagogo Manuel Ferreira Patrício, fala sobre Leonardo Coimbra e Agostinho da Silva, em 1999, na Associação Agostinho da Silva. Breve apontamento.

O pedagogo Manuel Ferreira Patrício, 1938-2021.

Transcrição, algo acrescentada [..], do diário de 1999, 29 Janeiro, Sexta: «Há dois dias fora uma conferência do José Flórido no Museu da República, e ontem foi a conversa com Manuel Patrício, da Universidade de Évora, na Associação Agostinho da Silva, em Lisboa. Falou acerca de Leonardo Coimbra e de Agostinho da Silva, uma união de duas almas bem valiosas e pioneiras, com boa fluência ainda que perdendo algum tempo com explicações pessoais iniciais, embora contextualizadoras. Mostrou o plano da conferência: origens, formação, personalidades e estilos, destino. E relembro que escreveu a sua dissertação de doutoramento em Ciências de Educação em 1983 na Universidade, sobre A Pedagogia de Leonardo Coimbra, Teoria e Prática, uma valiosa obra que se encontra hoje em linha, e onde aprofunda a pedagogia antropológica e filosófica de Leonardo, denominando-a mesmo com originalidade como uma "antropagogia" pois o seu horizonte é sempre espiritual e divino.

Agostinho da Silva, 1906-1994.

Leonardo Coimbra, 1883-1936.

No decorrer da conversa lembrou algumas confidências de Sant'Anna Dionísio e de outros discípulos quanto à personalidade de Leonardo, tal a de alguém ter visto levitar Leonardo [pelo seu entusiasmo, e como outros o viram tentar ressuscitar um seu aluno acabado de falecer], ou ainda a sua paixão por uma estudante, a Eurídice, destinatária da Adoração [uma sua obra de prosa poética amorosa, que li e de grande beleza e sensibilidade amorosa com a Mulher e a Natureza, algo que ele manifestaria desde novo pelo seu genial espírito e por ter nascido próximo do Marão e dos campos regados pelo rio Tâmega].

Páginas da Adoração, livro com sugestivos desenhos de João Peralta.

No aspecto da sinceridade e frontalidade considerou-os iguais, e por isso talvez desde cedo tenha havido um certo choque entre eles, pois não corresponderia ao seu som o som do outro. Assim, dirá Manuel Ferreira Patrício [um especialista de música, fundador de coros e maestro], na apreciação formativa das pessoas repudiamos o que não nos soa ou ressoa.
Ainda tentei
que ele clarificasse e aprofundasse o mistério do som característico de cada ser, se proveniente dos pais, dos genes, da alma na sua profundeza ou na sua variável constituição, mas a resposta não foi clara pois referira-se mais ao som geral da voz e do que sentimos da interioridade de tal pessoa. 

Mas podemos imaginar que há uma menção da sonoridade das almas nossas, compostas de milhões de partículas a vibrarem segundo certas qualidades, características, intencionalidades, que impactam sobre os outros e o ambiente invisivelmente; e que fatalmente nem sempre há afinidades entre as nossas frequências e as dos outros, pelo que sentimos um certo repúdio a deixar-nos influenciar por essas que não apreciamos dos outros. Provavelmente o estilo bem mais ígneo e de tribuno, levitante, entusiasmador de Leonardo não era bem o de Agostinho da Silva, muito mais de diálogo, ainda que o seu verbo-palavra também fosse contínuo, não ouvindo tanto do outro e antes mais intuindo o que lhe brotava na conversa como o mais apropriado para aquele ouvinte ou momento.
Referiu 
no pensamento da Educação portuguesa um aspecto positivista  em Leonardo Coimbra, embora sendo a sua filosofia platónica e criacionista, pois era um não messianista, ao contrário portanto duma linha e tradição que Agostinho da Silva defendeu bastante, baseando-se até na Rainha S. Isabel e D. Dinis e o culto fraterno do Espírito Santo, e depois nos Descobrimentos e na ilha do Amor, de Camões, e no V Império do Padre António Vieira e Fernando Pessoa, chegando a afirmar mesmo Agostinho, afirmou Patrício, que se não o fossemos (o povo ou nação do Encoberto, da era do Espírito Santos, ou do Império fraterno) que nos auto-elegessemos... Muito numa linha provocadora ou estimulante agostiniana...
                                               
Questionei-o então se conseguiríamos, ta
nto mais que a síntese crítica e lúcida entre os utopismos nacionalistas e uma racionalidade objectiva de quem somos e o que conseguimos fazer e dinamizar é evidentemente muito necessária. E por isso, já no fim, em conversa, expus-lhe a necessidade duma educação universalista que deveria ser redigida por um grupo alargado de sábios, cientistas, religiosos e artistas e que a UNESCO ou as Nações Unidas implementariam para todo os povos e centros de ensino do planeta, ultrapassando nacionalismo e fanatismos religiosos. Assim como a história da Europa que deveria ser ensinada em todos os países europeus, com alguns livros de referência de leitura obrigatória, acrescento agora. [Algo que infelizmente vemos ter desaparecido completamente, com a quase dissolução das Europa histórica das nações, tradições e culturas na União Europeia dirigida pelos globalistas infrahumanistas.]

Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, 1877-1952.

Um aspecto apenas aflorado foi o do nacionalismo, ou génio nacional português, poder gerar uma corrente universal, ou se é antes a corrente universal espiritual que perpassa meramente pelos povos e pensadores, já que Teixeira de Pascoais, [o principal teorizador do nacionalismo espiritual lusitano, do saudosismo] tenderia a crer na primeira versão, bastante mitificada [nas suas obras, como já vinha de antes dele, numa linha que Fernando Pessoa prosseguirá depois ainda mais messianicamente, estudando profecias e escrevendo a Mensagem com algumas inseridas muito artística e esotericamente.]
                                                  
Entre o racional e o que já não se deixa alcança
r por ela, [ou seja o supra-sensível, o imaginal, o espiritual], Teixeira de Pascoais , Fernando Pessoa e Agostinho da Silva tentaram erguer os mitos, diz Manuel Patrício. Contudo, não me parece ser esta a melhor ou mais adequada escolha de intermediarização, pois interessa antes que as pessoas desenvolvam as suas capacidades supra-sensoriais, sensitivas, intuitivas e de religação ao amor, ao espírito, à Divindade, e eventualmente aos mestres e anjos, reais, e não os espectros da natureza de Pascoaes ou de D. Sebastião de Fernando Pessoa.

                                      
Na realidade um dos graves perigos actuais
é a perda da sensibilidade interior aos mundos espirituais interiores e ao Todo, ao Universo a qual é devida em grande parte ao excesso de informação racional, ainda que muita manipulada e facciosa, que recebemos constantemente pelos meios de informação, e que faz crescer desmesuradamente o intelecto, ou então a emocionalidade instintiva e facilmente manipulável, Assim diariamente deveríamos ter algum tempo destinado à meditação, à interiorização, pois como o sábio médico florentino Marsilio Ficino, o primeiro tradutor das obras de Platão, Plotino e dos esotéricos e herméticos gregos para latim, disse um dia: como é só pela adoração e oração que a Divindade se deixa ver, aqueles que não rezam não a podem ver, seja de que forma for, e logo alcançar uma íntima certeza da sua existência.

Nas conferências, tanto no primeiro dia, com José Flórido (um rosacruciano e agostiniano), como ontem com Manuel Patrício, dois professores amigos, estavam umas dez pessoas em cada. É pena, mas é significativo do desinteresse das pessoas por estas iniciativas valiosas mas frequentemente pouco ou mal divulgadas. O ilustre pedagogo Manuel Ferreira Patrício referiu ainda duas confissões que o Jaime Cortesão [outro dos co-fundadores (com Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, etc.) da Renascença Portuguesa e da sua então tão brilhante revista A Águia, lhe fizera: a pertença dele e de Leonardo (embora apenas na juventude) à Maçonaria, e o ter talvez sacrificado (ou oferecido em oração de abnegação) a sua vida para que a do seu do filho então com grave doença fosse poupada, já que a sua morte precoce num acidente de automóvel, quanto tanto se esperava dele, causou muitas hipóteses explicativas , tais as de Teixeira Pascoaes e de Sant'Anna Dionísio, que admitiram que a sua conversão ao catolicismo, do Portugal de Salazar e de Cerejeira, fora um passo em falso, outras considerando o acidente um acaso e louvando a sua aceitação dos sacramentos (mais até que de uma conversão, pois Leonardo Coimbra sempre foi um espiritual e um admirador de Jesus), para poder ficar casado pela igreja e baptizar o seu filho.

Que Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Sant'Anna Dionísio, Agostinho da Silva e Manuel Patrício possam comunicar-se e elevar-se mais divinamente, em bons planos espirituais, e até inspirarem-nos, eis os nossos votos. Lux, Amor!

Embora me tenha encontrado cordialmente em eventos culturais algumas vezes com o prof. Manuel Patrício ao longo dos anos e de ter recebido uma sua carta valiosa em 2009 (que poderei vir a transcrever) acerca do  livro de Erasmo, Modo de Orar a Deus, que eu co-traduzira e comentara, o que posso partilhar de mais completo, já que o apontamento da palestra é exíguo, será o diálogo (em quatro partes) que gravei (com alguma força a mais já que ele ouvia mal) em 2020, em sua casa e biblioteca de Montargil, onde fui com a amiga e sua colega Maria Dulce, uns meses antes dele partir para os mundos espirituais. E eis uma delas: https://youtu.be/yL1BdSZGE7I?si=jplCs-6xloR_Ep-Q ou https://youtu.be/cD11Ars02Nw?si=ZjOKBR2D256vlazQ

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