sábado, 22 de julho de 2023

Peary Chand Mittra, um ocultista, espírita e teosófo de Bengala, Índia, no dia do seu 219º aniversário. Com vídeo da tradução comentada do "Deus na Alma", de 1877.

                                                  

Peary Chand Mittra, nascido em 22 de Julho de 1814, em Calcuta, foi um dos líderes do movimento do "Renascimento Bengali", já que era um  activista social, pedagogo, espírita, esoterista e director da biblioteca pública de Calcutta, colaborador em dezenas de organizações (educação e literatura, agricultura e protecção dos animais), jornais e revistas, algumas delas inglesas, podendo  considerar-se um indiano pioneiro do movimento de comparativismo religioso, ocultista e espiritualista.

Não admira que o coronel H. S. Ocott em 5 de Junho de 1877 o convidasse a entrar na recém fundada Sociedade Teosófica, remetendo-lhe mesmo antes de ele anuir o diploma de  135º membro, e logo, dois anos depois, quando se fundou o primeiro ramo da sociedade em Bengala  fosse ele eleito o Presidente. Fazia parte da política internacional da nascente Sociedade Teosófica atrair personalidades importantes noutros países e sobretudo na Índia, tida ou vista pelos teosofistas como a nova pátria da espiritualidade.

Peary Chanda Mittra era em verdade por muitas razões a pessoa ideal para ajudar o lançamento da Sociedade Teosófica na capital do Raj, ou vice-reinado de Inglaterra, pois dominava bem o inglês, era de família conhecida e abastada, fora educado no Colégio Hindu sendo mesmo discípulo do famoso luso-descendente Henry Derozio, convivia e associara-se a outros jovens escritores progressistas, escrevia razoavelmente num estilo realista e coloquial, era um deputado bibliotecário, e um espiritualista tanto espírita como ocultista,   tendo mesmo os seus dons psíquicos. E  era já famoso pela  sua primeira novela, de 1857, Alaler Gharer Dulal (A Criança Mimada) que tivera grande sucesso,  hoje considerada  marcante no renascimento literário  da língua bengali, e por ser um reconhecido espiritualista graças às colaborações que enviava para revistas ocultistas e espíritas estrangeiras, em especial a Banner of Light, de Boston, de 1857 a 1907 e  The Spiritualist, londrina, que se publicou de 1869 a 1882. E posteriormente, para a revista The Theosophist, onde sai em 1879 um artigo Inner God que teve grande sucesso no meio espiritual e teosófico, ainda que hoje se observem melhor algumas limitações provenientes da generalização de correspondências entre conceitos e designações, por vezes de diferentes tradições, e que são muito mais polisémicos e logo únicos cada um em si, algo em que Helena P. Blavatsky (1831-1891) também incorreu constantemente, como antes dela Eliphas Levi (1810-1875), ou depois Papus (1865-1916) e sucessivos ocultistas e esoteristas, chegando mesmo aos nossos dias com todo o tipo de correspondências e tabelas superficiais... 

                                                A Lesson to Henry Olcott

A carta do coronel Henry Olcott (1832-1907), hoje nos vetustos arquivos da Sociedade Teosófica em Adhyar, a que tive acesso através do valioso artigo on-line sobre Chand Mittra por Mriganka Mukhopadhyay, que se recomenda, mostra bem a apreciação que ele tinha de Peary C. Mittra:

«O seu nome, respeitado Senhor, é bem conhecido entre todos os espíritas inteligentes da América. Pessoalmente, ouvi falar muito de si e dos seus estudos através da Sra. Emma H. Britten (membro do Conselho da nossa Sociedade) e do Sr. J. M. Peebles. Também li o que foi contribuído pela sua pena para o London Spiritualist. Os seus pontos de vista sobre os Estados Espirituais [...] coincidem tanto com os da nossa venerada colega e professora Mme. H.P. Blavatsky, que o Conselho me instruiu para solicitar respeitosamente o privilégio de inscrever o seu nome entre os nossos Sócios Correspondentes [...]. Vive tão longe daqui, e a troca de cartas requer tanto tempo, que me atrevo a transmitir o seu Diploma sem esperar notícias suas; ao mesmo tempo, manifesto a esperança de que possa agradar-lhe conservá-lo»

E para quem questionava em 1882 que fosse Peary Chand Mitra o eleito para Presidente do ramo em Calcuta, que então se fundava sendo ele um espírita, pois havia teósofos que se distanciavam de tais práticas, aí estava  a mulher de Henry S. Olcott e que se distinguira nos seus primeiros tempos como médium, H. P. Blavatsky a justificar a razão da escolha: «Ele é certamente o Teosofista mais espiritual e o Espiritualista mais teosófico que nós até agora encontramos»

Fora com a morte da mulher, de quem teve quatro filhos, em 1860, que Chand Mittra começara a dedicar-se mais intensamente à investigação psíquica e espiritual, nomeadamente da sobrevivência e imortalidade de alma, e  até deixar a Terra participou e liderou muitas grupos e revistas, convivendo com maçónicos, espíritas, teósofos, magnetizadores ou mesmeristas, nomeadamente o médico James Esdailes, que chegou a fundar um hospital nas linhas do magnetismo, sugestão e hipnose de Anton Mesmer; e homeopatas, tal como Thiennette de Bérigny (1823–1868), um espírita activo organizando sessões em sua casa, e onde alguns dons de Chand Mittra vieram ao de cima. Até à fundação do ramo da Sociedade Teosófica em 1879, foi no espiritismo, então denominado e em língua inglesa, spiritualists que passaram muito vultos notáveis, tal como acontecia no Ocidente onde grandes figuras da ciência (Crookes, Lombroso Flammarion) e da literatura (de Balzac a Victor Hugo) aderiram e dinamizaram o começo o espiritismo, face à onda avassalante de materialismo e positivismo que se erguera nas últimas décadas, e também pela pouca capacidade da Igreja Católica de investigar os fenómenos psíquicos e do além. 

E talvez face à fundação do ramo teosófico, um ano depois, em 30 de Maio de 1880 fundou-se a United Association of Spiritualists, a primeira associação espírita na Índia. É escusado dizer que nela se encontraram vários espíritas que eram teósofos, e vice-versa (tais o irmão mais novo de Rabindranath Tagore, e Mohini Mohun Chatterji), e que a estas duas agremiações, a teosófica e a espírita (bastante internacionais, pois alguns ingleses e norte-americanos foram então atraídos para Calcuta, tais J. M. Peebles, Alexander Calter e William Eglinton), se acrescentava o fundo milenar do yoga, do ocultismo, do esoterismo, do Vedanta indianos que davam a estas demandas e realizações em curso uma profundidade única,  bem visível nos ensaios de Chand Mittra, um exemplo paradigmático dela.
Morreu contudo relativamente cedo, aos 69 anos, mas a sua memória permaneceu comemorada anualmente e os seus textos, artigos, romances e ensaios espirituais gozaram do favor público por muitos anos.
                                   
A Fortuna levou-me um dia de 1995 a encontrar nos alfarrabistas de Calcutta um exemplar do seu
 livro Spiritual Stray Leaves, Folhas soltas Espirituais, impresso em 1879,  permitindo-mr discernir o seu valor e ler e anotar algumas partes, sendo exactamente este livro o único de Peary Chand Mittra disponível on line no Archive da Internet. 

O opúsculo seguinte na sua produção, Stray Thoughts on Spiritualism, escrito em 1880, encontra-se também em rede digital, e com o seu autógrafo. Nele, Chand Mittra valoriza as actividades espíritas em pequenos grupos harmoniosos e devocionais que se abram às inspirações do mundo dos espíritos e desenvolve  ensinamentos como o de que esta vida deve ser feita a pensar na outra, e que estamos a desenvolver um corpo subtil de amor e inteligência, que provêm da alma, e que o mais fundamental é a melhoria, obtida a partir da alma e não da mente cerebral, da nossa concepção de Deus, ou religação, e neste objectivo e  meta final poderemos dizer que está de acordo com mestres como Bô Yin Râ e o gurudev Ranade.
                                          
Como algumas p
áginas são valiosas e desafiantes e para homenageá-lo no seu 209º aniversário, 22 de Julho, gravei das Folhas Soltas Espirituais para o meu canal no youtube a tradução de artigo God in the Soul, Deus na Alma, que pode ouvir através da ligação final deste texto e  transcreverei agora algumas outros passos com mais sabedoria ou interesse, e onde há algumas linhas muito ricas para quem as cogitar, que sublinharei até...

As Folhas Soltas Espirituais é um in-8º de VIII-194 páginas e contém oito textos iniciais pequenos, A Psicologia dos Árias, A Psicologia dos Budistas, Deus na Alma, A Terra do Espírito, O Estado Espiritual, Revelações da Alma, A Alma, Ocultismo e Espiritualismo, a que se segue, Avedi ou o Espiritualista, um conto espiritual, longo, instrutivo, emocionante, de cinquenta e três páginas. Depois vêm de novo ensaios breves: A Progressão da Alma, a Revelação da Alma na Índia, e um mais extenso de cinquenta e cinco páginas, A Cultura da Mulheres Hindus nos Tempos Antigos, concluindo com O Humano e Espiritual. Todos os treze artigos já tinham sido publicados em revistas, e Mriganka Mukhopadhyay, no seu valioso texto online Occult’s First Foot Soldier in Bengal: Peary Chand Mittra and the Early Theosophical Movement, confessa ter descoberto ainda mais sete artigos.

Peary Chand Mittra manifesta nestes textos o seu bom conhecimento dos textos sagrados indianos e simultaneamente a sua inserção seja nas práticas tradicionais do Yoga, como nas que estavam numa vivificação grande: o mesmerismo, magnetismo, hipnose, Espiritismo e a Teosofia, embora seja discreto na partilha directa das suas experiências, tanto mais que recorre a diálogos ficcionais e ambientes naturais, por ele bem valorizados, já que para si e segundo a sabedoria védica, patenteiam Deus como a ilimitada fonte de amor e sabedoria.
Mas se no
 texto que lemos e gravamos, Deus na Alma, ele diz apenas a dado momento que «qualquer pessoa verdadeiramente ansiosa por ser espiritual, é assistida por espíritos amigos, um facto que eu conheço por experiência pessoal», e no seguinte A Terra do Espírito confessa não defender a transmigração na Terra, mas apenas a posterior evolução nos mundos ou terras espirituais, será no artigo Ocultismo e Espiritualismo que abrirá o seu jogo de cartas cosmo-espírita-espiritual:« O mundo espiritual é composto de espíritos de diferente força de vontade, mas a sua verdadeira ou real ocupação é espiritualizar os que eles podem elevar. Os meios utilizados não são os mesmos em cada caso. Pode haver manifestações externas em alguns casos o que é um processo iniciador. Eles operam na mente, nas sensações e emoções, para que o ser humano possa mergulhar na serenidade - o primeiro estado psíquico. No meio do trabalho dos espíritos, nós passamos da simpatia ao sonambulismo, do sonambulismo à clarividência, da clarividência ao nirvana. Deste modo os médiuns desenvolvem-se e a comunicação entre os humanos e os espíritos é estabelecida. Por vezes sabemos muito pelo exercício do nosso próprio poder espiritual.. Mas sentimos a influência dos espíritos no nosso corpo e na nossa mente e reconhecemo-los. Nós ouvimos as suas palavras, e descobrimos que elas estão a trabalhar no nosso poder de vontade, para que ele possa ser inteiramente poder da alma.

O que eu afirmei vem de experiência espiritual (real ou) actual. Durante os últimos dezasseis anos, tenho estado associado com espíritos que nunca estão afastados de mim um momento que seja, e  não estou a ser espiritualizado por eles, mas falo com eles como falo com os que estão na carne. A minha dívida de gratidão para Deus é infindável por me conceder esta luz, e estou ansioso que o "espiritualismo" seja solenemente admitido. Há muitos pontos que aparentemente não são claros para toda a mente, mas esforçemo-nos por ganhar luz uns dos outros num espírito fraternal.» 

Como vemos, bem desafiante, e logo no parágrafo seguinte, que é o final escreve uma frase que se tornou famosa:«Nada me delicia tanto como o ensinamento da filosofia Ária, de que Deus está na alma como a sua luz interna, e que a verdadeira teosofia é estar no estado alma; que ao estarmos iluminados por esta luz nós possamos tornar a nossa existência brilhante, tanto aqui como no depois ou além. Nenhum código particular de ética é necessário; nenhum credo é requerido. A luz interior, se for vista internamente, é a nossa guia e conduzir-nos-á para um amor e sabedoria infinito.»
Realce-se a sua forte valorização da luz interior, excelente, embora perigosa quando dispensa qualquer ética particular, e a "verdadeira teosofia" significar a Sabedoria Divina e não as organizações ou os movimentos teosóficos do final do séc. XIX.
Os textos e diálogo
s de Chand Mittra permitiram-lhe introduzir as suas ideias, experiências e também dúvidas, por entre as muitas citações de autores que abordaram os mistérios da natureza da alma e do espírito, ou das causas das suas manifestações,  e espelham em alguns dos artigos um selectivo e pioneiro comparativismo religioso, nomeadamente entre a Índia e o Egipto, Grécia, Pérsia, Roma e Cristianismo, e seria interessante saber quais as suas fontes  na rica biblioteca pública de Calcutá, que também consultei nos seis meses em que estive lá em estudos indianos, em especial com o pundit Satchitananda Dhar, no Ramakrisna Mission Institute Cultural, em Golpark que, diga-se de passagem, possui também uma excelente biblioteca de espiritualidade e de tradição indiana que consultei muitos dias e onde proferi uma conferência sobre algumas recepções portuguesas da espiritualidade e civilização indiana, e a sua consequente partilha em diálogos, livros, revistas, movimentos, desde alguns missionários e professores de sânscrito até Adeodato Barreto, Tello de Mascarenhas e Agostinho da Silva.

Um último pensamento de Peary, do capítulo ou artigo Soul, Alma: «Na Srimat Bhagavat (V) a distinção entre a mente e a alma, é a seguinte: A mente está acordada, adormecida ou sonha. A alma é a testemunha, não tendo [além desse ] outro estado [consciencial] de si própria,» nisto se afirmando a natureza impassível e inalterável da alma, o que provavelmente só se pode admitir se o nosso conceito de alma estiver a abranger o espírito (atman).

Possamos nós conviver espiritualmente, e alcançarmos mais amor-sabedoria, com os sábios da ligação do Oriente e do Ocidente, do espírito e da matéria, e saudemos  Peary Chand Mittra e toda a plêiade de espirituais da Bengala onde se destacarão Rabindranatah Tagore e seus familiares e ascendentes, Ramakrishna, Vivekanananda e os seus discípulos, Ram Roy e Mohini Mohun Chatterji e outros

                         

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Ensinamentos espirituais de Bô Yin Râ. Como ultrapassar angústias e falhas na fé e confiança. Com vídeo no final de pinturas de Hans Thoma.

Bô Yin Râ, com 18 anos

 O mestre Bô Yin Râ aliás, de nascença, Joseph Anton Schneiderfranken, nasceu na Alemanha em 24 de Novembro de 1876,  filho de agricultores e artesões, tendo de trabalhar para estudar e beneficiando depois do apoio benévolo de dois pintores consagrados, um deles Hans Thoma durante um e meio gratuitamente (e de quem encontra no fim um belo vídeo musical com algumas das suas obras), já que era muito dotado artisticamente, vindo a desenvolver posteriormente uma pintura  baseada na sua clarividência espiritual, foi chamado a ser também um guia do mais puro filão, tendo sido iniciado na Grécia   por um mestre oriental que lhe deu tal  nome, por conter em si os sons vocálicos correspondentes às energias particulares do seu espírito, o verdadeiro nome iniciático.  Encontra neste blogue vários textos dedicados à sua vida e obra, tal a sua biografia: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/11/bo-yin-ra-breve-homenagem-nos-seus-138.html
A mais recente edição da obra principal, 32 livros, em inglês e com a originalidade de estarem  num só tomo, uma ideia de se louvar da Royalposthumus.
O seu ensinamento, contido em  32 livros, o Hortus Conclusus, Jardim murado, mais seis seus, e cerca de 300 pinturas, é o da arte real da harmoniosa unificação e religação do ser humano com o espírito,  os mestres, o universo e  a Divindade, como outros mestres anteriormente transmitiram. Esclareceu que em todas as religiões se pode trilhar o caminho da realização e advertiu  que muitos dos caminhos do ocultismo e esoterismo têm erros e não conduzem à unificação e libertação e que da Índia, por exemplo, tanto vem a mais elevada realização como a maior superstição, tal como observamos hoje em dia em tantos grupos pseudo-yoguicos e gurus de pomposos nomes e que operam contudo mais em golpes fakiricos e em auto-hipnoses de realizados.
Localizou nos planos subtis das montanhas mais elevadas do planeta, os Himalaias, o centro espiritual do planeta, Himavat, ou Shambala, o local por onde entram as energias mais luminosas dos planos espirituais e da Divindade e donde os mestres as derramam também sobre a Humanidade.
Himavat, por Bô Yin Râ, do seu livro pictográfico Welten, Mundos.
 Valorizando a acção criativa e amorosa no mundo, bem como o controle do pensamento e a unificação de todas as energias anímicas sob a vontade única do espírito individual, que é a nossa essência, desvalorizará a busca mental de crescente informações, contrapondo que na via da descoberta  realização interior a grande renúncia a fazer-se é à actividade mental e imaginativa quando se medita:
“Procura em ti a simplicidade da criança, se queres aprender a reconhecer o que é espiritual! Evita toda a sabedoria tecida pelo pensamento. Foge dos mundos que não são mais que uma criação do teu pensamento e que se esfumarão como um vago fantasma com o teu último pensamento cerebral! Abandona o mundo mutável da imaginação que só na tua cabeça vive e existe! Eis a grande renúncia»!
 
A edição francesa do O Caminho dos meus Discípulos, com uma bela pintura de Bô Yin Râ na capa. No meu canal no youtube encontra várias leituras, com comentários, desta e outras obras de Bô Yin Râ.  
 Numa das sua obras Der Weg meiner Schüler, O Caminho dos meus Discípulos, bastante esclarecedora sobre os aspectos importantes do caminho espiritual, equaciona no capítulo  "A inútil tortura de si mesmo", os erros da crença no valor excessivo das práticas ascéticos e enfraquecedoras do corpo e a pressa ou impaciência de se atingir resultados. E no capítulo "A mais grave dificuldade",   aborda o tão nocivo  fenómeno da angústia, crescente nos nossos dias dado o excesso de informação manipulada  tendenciosa, traumatizante ou mesmo aterrorizadora que os meios de comunicação transmitem,  considerando-a mesmo um dos maiores adversário da alma no caminho, realçando alguma das suas causa principais: a de errar, a de ter de rever a sua imagem do mundo, e a de ser ridicularizado. Tais tormentos da consciência nada têm a ver com a verdadeira consciência, e manifestam sobretudo períodos de falta de confiança em si, momentos de dúvida quanto às suas qualidades e capacidades, que devemos pacientemente passar e vencer quando nos surgem face às adversidades externas, tanto mais que devemos contar com a ajuda dos guias e mestres espirituais que auxiliam quem entra no caminho.
Considerará mesmo a angústia, perceptível ou disfarçada (pois muitas são desconhecidas por quem as sofre), como uma «espécie de cãibra de certos nervos extremamente finos, provocada pela reacção de certas representações [mentais e emocionais] sobre a actividade cerebral.»cabendo-nos fazer uma análise sóbria dos factores causadores de tais representações angustiantes para que possa acontecer a sua dissolução, nomeadamente reagirmos com pensamentos ou injunções mentais que contrariem essas imagens, sentimentos ou pensamentos que estão a pressionar o sistema nervoso e a fazer-nos perder a fluidez confiante.
Para as pessoas com  angústia, ansiedade e problemas de consciência este discernimento ou observação atenta da vida interior, e por vezes será nos sonhos que virão ao de cima tais receios e desejos, ajudará a aproximarem-se mais calmas do mundo espiritual...
Sons da Criação...
 Também no Das Buch der Glück, O Livro da Felicidade, no capítulo Optimismo, realça a necessidade de nos assumirmos como criadores da nossa felicidade e vivermos no presente, não nos preocupando com o dia de manhã nem angustiando com o futuro mas tentando viver o melhor possível cada dia de modo a que a frutificação seja naturalmente boa.
Devemos ser escultores da nossa vida e ensinar pelo exemplo os que nos contactam.
Devemos saber atravessar as tempestades ou nuvens sombrias que por vezes nos cercam, sem desanimarmos, sem nos angustiarmos e  desenvolvemos antes a fé na nossa vitória e na do bem no mundo.
 
O poder mágico da fé é grande, e se não cruzarmos os braços e antes agirmos no mundo dos actos e do devir, os piores problemas e tormentos podem ser vencidos, tanto mais que o mundo espiritual, a alma do mundo, o campo unificado de energia consciência informação, a providência Divina estão em unidade connosco e não nos abandonam nas nossas aspirações e esforços justos e perseverantes
Saibamos pois nestes tempos de alta perigosidade mundial devido ao egoísmo e desequilíbrio de muitos políticos que de modo algum procuram o bem de todos, estabilizar a nossa mente, religar à dimensão espiritual (à nossa estrela) e Divina interior, e em estado de compresença espiritual  manifestar ou irradiar criativamente energias, intenções, sentimentos, pensamentos e actos justos, verdadeiros, bons, harmonizadores, libertadores.

                          

sábado, 15 de julho de 2023

Interrogações sobre as curas de Jesus e as narrativas oficiais: pela fé, magnetismo, vontade, jejum, naturismo, oração. Com vídeo final de 8 minutos.

Jesus, pintado pelo notável mestre alemão Bô Yin Râ.

A revisitação lúcida das principais figuras históricas  religiosas, e das suas vidas, ensinamentos e interpretações, é sempre útil e até muito actual nesta terceira década do século XXI, na qual observamos, sob várias fontes ou perspectivas, como as narrativas oficiais tentam tornar-se  únicas e indiscutíveis, obsessivamente, oprimindo, bloqueando e silenciando as divergentes, pondo assim em causa a procura das mais verdadeiras.
Ora se no século XXI,
o do post-modernismo, após a consagração dos direitos, garantias e liberdade dos seres, e do crescimento das ciências, das reformas e alargamento do ensino, e a profusão de universidades, de doutorados, de artigos científicos, de institutos, de fundações, se presenciam  tão grandes manipulações e mistificações, ou tão corrompidos afunilamentos em direcção a narrativas que satisfazem os interesses dos mais poderosos, deveremos então interrogar-nos se já na antiguidade houve  manipulações fortes e enganadoras e, em consequência, relermos com atenção e investigação os muitos relatos tidos ora como históricos ora como sacrosantos para os crentes das religiões, para discernirmos melhor a verdade.

Não vamos questionar se os nascimentos de alguns dos fundadores das religiões de mulheres virgens, como se tornaram narrativas oficiais, não serão apenas símbolos do grau elevado, puro e santificador consciencial dos casais que os geraram e se tal posição anti-natural dos seres poderem nascer sem relação sexual não espelha o ascetismo e o machismo que predominaram tanto ao longo da história religiosa da Humanidade.
Nem questionaremos se os relatos dos que foram arrebatados ou se ergueram para os céus no Médio Oriente mais não serão do que indicações da sobrevivência do ser humano num corpo espiritual, após a morte corporal ou física, com o qual efectivamente se guindará à vida post-mortem nos planos subtis e espirituais do Universo.

                                         

É sobre as curas milagrosas de Jesus, que o Novo Testamento partilha com tanta emoção, que antes me interroguei na noite de S. João 2022 num pequeno vídeo improvisado de oito minutos  e que encontrará no fim deste texto a ligação,  tendo escrito um ano depois esta breve introdução ou contextualização, que agora partilho.
Jesus foi um mestre que nasceu para fazer evoluir os seus contemporâneos, nomeadamente os envolvidos uma religião tribal, formal, legalista, com uma concepção de Deus Jeova extremamente violenta e com pouco amor, tentando-os despertar para as suas dimensões espirituais, fraternais, universais.
Aceitou discípulos, ensinou-os a orar, a meditar, a desprenderem-se, a serem corajosos, e a dominarem as suas energias psicosomáticas, a despertarem enquanto seres espirituais e para uma ligação a um ser divino que já não era o cruel Jeova mas sim o misterioso Pai ou, segundo S. João, o Deus que continha em si o Logos, o Amor e Luz inteligente substante ao Cosmos, que se manifestava em, ou como, Jesus, podendo assim, como apóstolos e discípulos, ajudarem outros a libertar-se da ignorância, do sofrimento, de más energias e concepções..,
Ora se ele nesse seu mister de despertar e fortificar os discípulos e crentes, e de abri-los para a luz espiritual, exemplificou a vida dos seres despertos ou nascidos segunda vez, deparamos nos três anos do seu magistério com relatos de alguns casos de curas psico-somáticas, por vezes de tal modo assombrosas e miraculosas que podemos questionar o eventual exagero ou ampliação de factos, e tentar investigar o que acontecia causalmente nessas curas.
Sabendo nós que os Evangelhos são relatos baseados em recolhas de ditos, histórias e lendas e que a necessidade de afirmar a divindade e os poderes de Jesus se espelha neles, teremos certamente de aceitar essa aura de invencibilidade divina que os milagres carregam em si, como uma das tintas empregues pelos sublimes redactores de tão piedosas legendas que ao longo dos séculos tanta boa gente tem comovido, convertido ou edificado.
Seria contudo um exagero, um excessivo racionalismo limitador não reconhecermos curas miraculosas operadas em seres que tiveram fé forte no poder taumatúrgico de Jesus, vendo-o como um ser divino ou não.
Numa época em que a medicina ocidental grega já estava relativamente desenvolvida com Hipócrates, a Judeia estava bastante mais atrasada e não houve portanto sequer um choque entre um magistério de cura pela fé e um magistério terapêutico científico psico-somático e até dietético, como modernamente se veio a estabelecer na generalidade dos povos, sem que contudo nunca a fé dos pacientes tenha sido riscada dos factores de cura.
Jesus emanava de si forças de cura, de harmonia, salvíficas e o fundamental da sua intenção e missão seria despertar, ensinar, iluminar, salvar as almas, a cura física surgindo dentro desse plano algo não tão essencial mas mais humanamente e por isso, por vezes, é apenas a compaixão pelo sofrimento do outro que o move. Quando observamos a recomendação de não voltar a pecar (ou seria, desarmonizares-te?) a doença é então considerada consequência de uma má actuação na vida, o que se veio a designar, e por vezes com cargas dualistas pesadas, como pecado, que provocara cargas psico-somáticas nocivas e o afastamento da circulação energética e da harmonia natural e consciencial.
Cremos então poder discernir os seguintes factores da cura considerada habitualmente como miraculosa: 1º um corpo etérico, energético ou vital de Jesus bastante forte e que irradiava naturalmente tal magnetismo para os que o rodeavam, e que poderiam até apenas tocar na sua roupa e aura e com fé curarem-se, seja absorvendo tais energias ou emanações dele, seja despertando em si, ou abrindo-se, às forças curativas ou transmutadoras necessárias.
2º A energia psíquica voluntariosa e harmonizadora que ele detinha e que pela fé os outros recebiam e assim se curavam, algo que ele accionava mais ou menos intencionalmente: "A tua fé te salvou", "Acreditaste e assim se fez", pois a energia segue o pensamento, e a vontade da fé afasta as identificações limitativas, os bloqueios energéticos, ou seja, os obstáculos ou montanhas.
3º O seu grande amor, a sua realização da essência divina e espiritual e que é Amor e que ele vivia consciente e intensamente podendo pois as suas mãos ou pensamentos terem uma força curadora acrescida, que podia introduzir no cuspo e na terra argila, no exemplo de cura "naturista" dum cego.
Não será agora a ocasião adequada para tentarmos discernir nos ditos relatos miraculosos os que foram mitificados e os que se realizaram mesmo enquanto curas pelo magnetismo, a vontade e a fé, apoiadas em princípios de harmonia naturista, tal a sobriedade, o jejum, a conversão, mas não é difícil intuir-se.
Creio serem estas as fontes principais da cura, à qual deveremos acrescentar, e a oração do Pai Nosso assim o indica, a oração ou pedido à Divindade, ao mundo espiritual, para que sejamos curados, perdoados e harmonizados e que vontade mais luminosa ou divina se realize em nós.
Possamos nas nossas vidas trabalhar para sermos curados, ou curar, nas dimensões e níveis que mereçamos, vencendo as manipuladas narrativas oficiais, e possamos sintonizar ou mesmo comungar com as bênçãos do mestre Jesus e de outros grande seres, mestres e anjos, que tentam inspirar e ajudar a Humanidade na sua criatividade e luta pelo Bem, a Justiça e  a Verdade.

                         

sexta-feira, 14 de julho de 2023

O sábio Alberto Bradanini: o que nuclearmente emerge da cimeira da NATO em Vilnius, Julho de 2023. Com boas caricaturas.

                                               

Um texto importante inserto na Tass.com, traduzido por nós: «ROMA, 14 de julho. Na cimeira de Vilnius, os Estados Unidos e a NATO demonstraram "irresponsabilidade política e cinismo combinados com mentiras, fazendo passar as ações da Aliança como sendo destinadas à manutenção da paz e, ao mesmo tempo, sugerindo a continuação do conflito com uma potência nuclear, a Rússia", disse o diplomata Alberto Bradanini, ex-embaixador italiano em Teerão e Pequim, em entrevista à agência russa TASS .

"O que saiu da cimeira da NATO em Vilnius foi patético e perigoso. Em primeiro lugar, porque estava repleto de mentiras fabricadas, segundo as quais a NATO dos EUA tem o objetivo de defender a paz e a estabilidade, e não de apoiar a patologia imperial americana, impor a dominação unipolar e espremer ainda mais do que no passado a riqueza e a prosperidade de uma Europa incapaz de ter o mínimo de dissidência ou de ter sua própria opinião", disse o diplomata italiano.

                                            
Bradanini chamou a atenção para sinais alarmantes, tal como a designação no extenso documento final da cimeira de alguns outros países como constituindo supostamente uma ameaça à democracia no Ocidente.
"As conclusões dessa cimeira são perigosas também porque no texto palavroso e quase ininteligível (11.256 palavras, cheias de ideologia, preconceitos e mentiras) do documento final, além da Rússia e da Bielorrússia, são discriminados outros países, muito longe da zona de interesses do Atlântico Norte, que poderiam colocar em risco não apenas a paz, mas também a democracia no Reino do Bem, [o paraíso de Borrel] ou seja, no Ocidente. 

Estamos a referir-nos à China, à Coreia do Norte e ao Irão, que não querem submeter-se à dominação unipolar da "única nação indispensável do mundo, segundo a definição de Bill Clinton", e prosseguiu, reiterando que os EUA têm 800 bases militares espalhadas pelo mundo [enquanto a Rússia e a China têm meia dúzia, tal tem sido o poder dólar incontrolado.] 


O diplomata  Alberto Bradanini acredita que o compromisso ou o acordo é necessário para alcançar a paz, como a história de todas as guerras passadas nos ensina.

                                                          
"Se a paz fosse o ponto central da discussão em Vilnius, teríamos uma proposta de compromisso para trabalhar, e não uma insistente exigência de retirada das tropas russas dos territórios ucranianos, o que equivale a exigir que a Rússia admita a derrota, embora domine o campo de batalha, entre outras coisas", disse o diplomata.

                                             
"Alguns dirão que isso é injusto. A história julgará, pois ela sempre ensinou que as guerras terminam num acordo, se não terminarem com a derrota completa de um dos lados. Mas, como alguns observadores influentes apontam, a derrota da Rússia, um país que possui 6.000 ogivas nucleares, não pode ser considerada. No entanto, a NATO quer que a guerra continue, à custa da vida dos ucranianos, confirmando assim sua irresponsabilidade política e seu cinismo ao se auto-proclamar dona do mundo", disse Bradanini.

Ele reiterou que muitos políticos e observadores proeminentes, incluindo Henry Kissinger, Noam Chomsky, Harley Schlanger, Scott Ritter e até mesmo o chefe da CIA, William Burns, quando era embaixador na Rússia, previram a reação do país se a NATO se aproximasse da Ucrânia. Ele também mencionou os comentários da ex-chanceler alemã Angela Merkel em 2008, que alertou que a admissão da Ucrânia na NATO levaria a uma guerra com a Rússia. Nesse contexto, ele chama a atenção para a confissão de que os acordos de Minsk sobre a solução do conflito em Donbass, cuja implementação foi garantida por Berlim e Paris, serviram apenas para ganhar tempo para armar Kiev em preparação para o confronto com a Rússia.

Scott Ritter, e Douglas Macgregor, excelentes comentadores norte-americanos no Youtube

Alberto Bradani lembrou também a declaração do ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, de que a entrega de aviões caças F-16 à Ucrânia seria considerada uma ameaça nuclear por Moscovo, de acordo com a doutrina estratégica russa, já que essas aeronaves podem carregar ogivas nucleares. "Surge assim uma única questão: será que esses senhores estão conscientes de estarem a fazer chegar mundo à beira do abismo?", perguntou o diplomata.»

                             

E os cidadãos da Europa, continuarão a submeter-se à mais que inepta, corrupta e semi-escravizada direção da União Europeia, e seus governos e meios de informação opressivos, e estão já tão controlados, manipulados e desiludidos da partidocracia que "dificilimamente" despertarão e reagirão? 

Oremos, vigiemos, dialoguemos, unamo-nos, para que algum bom senso, clarividência,  independência e ligação espiritual ou mesmoa Divina renasça, clarificadora e pacificadora entre nós...

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Wenceslau de Moraes e o Japão, ou a demanda das intimidades misteriosas. Breve antologia de pensamentos seus, ilustrada.

Um torii, num santuário Shinto, o Kamigamo jinja, de Kyoto, 2011.

Ao longo dos anos, após a minha peregrinação de quarenta dias no Japão em 2011, proferi algumas palestras sobre os aspectos que mais gostara, nomeadamente as religiões, jardins e templos, e mais particularmente o Shintoísmo, as relações luso-nipónicas e Wenceslau de Moraes e Armando Martins Janeira, em bibliotecas municipais, instituições culturais e esotéricas, desde Lagoa a Cascais. Nas de Wenceslau de Moraes realcei a sua procura de integração harmoniosa, conhecimento e amor  e como tal demanda de trinta anos no Japão, de 1889 a 1929, foi realizada com grande sensibilidade, empatia e comunhão com os ambientes, as pessoas e seus costumes, os animais e os objectos, desde os seus tempos de oficial da marinha, pilotando barcos em percursos difíceis, ou já como cônsul em Kobe, interessando-se pelo que Portugal poderia exportar para lá ou adivinhando o que o Japão se iria tornar e, finalmente, encontrando e entregando-se plenamente ao amor da mulher e da alma nipónica, deixando-nos uma série de artigos e livros de valiosas impressões e reflexões históricas, sociológicas, filosóficas, psicológicas, religiosas e espirituais, estas ainda não suficientemente aprofundadas hermeneuticamente, e que s em dúvida alguma são  das melhores páginas que os Ocidentais conseguiram escrever sobre o Japão ainda pouco ocidentalizado ou tragicamente americanizado. 

Wenceslau de Moraes, oficial da Marinha. 30-V-1854 a 1-VII-1929

Recentemente, em 2022 participei nas XXIV Jornadas culturais de Balsamão, sob o tema Diálogo Intercultural e Religioso, organizadas pelo Padre Basileu Pires, com uma comunicação sobre Armando Martins Janeira, sem dúvida dos admiradores e estudiosos de Wenceslau quem mais se lhe consagrou e melhor o compreendeu, tanto mais que foi diplomata português no Japão longamente, deixando-nos alguns livros e uma antologia. 

Armando Martins Janeira, no Japão. 1-IX-1914 a 19-VII-1988.

Nos meus artigos e palestras creio ter destacado com alguma originalidade alguns aspectos da sua elevada espiritualidade, assente num sensibilidade e intuição bastante grande aos aspectos subtis e anímicos do Universo e dos seus seres, mas, dada a fluidez demasiada rápida da informação actual é bom de quando em quando partilharmos novas pequena propostas de leitura meditativa de Wenceslau de Moraes. Eis algumas:

- "O Rei da Criação não é mais do que uma ínfima parcela da grande massa criada e criadora, colaborando com todos e com tudo para a Harmonia Universal, nas suas modalidades infinitas. Por outras palavras, o Rei da Criação não é mais – não vos parece? – do que uma simples abelha obreira de uma imensa colmeia – o Mundo, - tendo por companheiro de labor todos os outros animais e todas as 
coisas existentes, visíveis e invisíveis, comezinhas e ignoradas…
Não vos sucede, ao contemplar, ou ao palpar, os objectos que vos rodeiam, sentir, ou antes pressentir, a impressão, embora vaga, de um não sei quê a que eu chamo, por não saber melhor chamar-lhe, a alma das coisas…
Pois toda
s estas fugidias impressões não são mais, não são menos, do que subtilissimas exalações de um não sei a quê eu chamo, por não saber melhor chamar-lhe, alma das coisas. Ora, convém amar as coisas. Amai-as nos multíplices aspectos da sua alma; ponde a vossa alma em simpática comunicação com alma delas. Estabelecendo-se então entre entre ele e ela, uma corrente de relações, de afectos, de confidências, de revelações, activa e prestadia [prestável]…
Amai-as,
sobretudo se vos senti isolados… todos os objectos enfim em que pousardes o olhar serão vossos amigos, vossos amigos complacentes, de todas as horas que vos prodigalizarão largo conforto; e… quem sabe? Talvez da janela escancarada dareis fé de alguma flor que desabroche no jardim, uma gardénia por exemplo, que será a vossa noiva, toda ela alvuras…»

Cascata junto a Kobe, onde Wenceslau de Moraes peregrinava a uma chaya

Um texto valioso sobre a sua ampla e profunda vivência amorosa: «O amor, isso que há de atraente, de emocionante, de irresistível, que o homem sente por uma certa mulher que encontrou na estrada da existência surge por vários modos, prospera e avoluma, consoante múltiplas circunstâncias. No entanto, o convívio aturado, a longa contemplação dos encantos femininos, as confidências trocadas, o contacto das mãos que se encontram e apertam em momentos imprevistos, eis outras causas, para citar apenas estas, que concorrem, julgo eu, para que se desenvolva, para que floresça em delicadezas essa maravilhosa manifestação da emotividade humana…
Pois eu experimentei pela pessoa de Ko-Haru, durante a sua estadia no hospital, onde diariamente a ia ver, uma outra espécie de impressão; pois não era evidentemente o amor, nem tão pouco era a amizade, nem tão pouco era a estima; que era não sei que, a não ser que fosse a piedade, a simples piedade, erguida ao ponto culminante de um sentimento passional.»

Ko-Haru e Ó-Yoné, as duas mulheres de Wenceslau, ou os amores trágicos luso-nipónicos.

3 e 4 - Já depois da morte das duas mulheres japonesas que amou mais (a primeira sobretudo, a doce Ó-Yone), sob o impacto saudoso do desaparecimento delas e do seu desterro longínquo da mátria-pátria, referirá a sua religião da saudade, algo que não se esgotava num ensimesmamento nas suas memórias sentimentais já que a sua religiosidade procurava sondar as dimensões subtis e os mistérios dos seres humanos e dos seus deuses: "O Japão foi o país onde eu mais vivi pelo espírito, onde a minha individualidade pensante mais viu alargarem-se os horizontes do raciocínio e da compreensão, onde as minhas forças emotivas mais pulsaram em presença dos encantos da natureza e da arte. Seja pois o Japão o altar deste meu novo culto – a religião da saudade, - o último por certo a que terei de prestar amor e reverência…"
                                                           
É no seu livro  Bon-Odori em Tokushima (Festival dos Mortos na cidade de Tokushima), Porto, 1916, que mais sonda tais mistérios e a dado momento interroga-se: «Não haverá nos espaços da nossa atmosfera encontros e embates entre as hertzianas e muitas outras ondulações de forças ainda hoje apenas imaginadas ou absolutamente ignoradas?... E não constituirão os espíritos dos mortos uma dessas estupendas forças de mistério? Ao povo japonês, pelo menos, não repugnaria a hipótese, ele que admite a descida periódica à terra durante o Bon, a festa dos mortos, dos seus queridos desaparecidos». 

  Sakura, a peregrinação às cerejeiras em flor, ao tempo de Wenceslau.

Possamos nós receber mais inspirações, intuições e comunhões com as dimensões subtis e espirituais da unidade universal para o Bem da Humanidade. Boas reflexões e comunhões wenceslausianas e nipónicas...

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Do Amor aos Livros e da Biblioterapia, sempre actuais e muito necessários e valiosos.

                                          

Um texto escrito num diário de 2006, em 16 de Março, e agora transcrito e  acrescentado no fim, como pode conferir.

                                

Amo tanto os Livros.

Não há melhor maneira de acordar que ir descerrando as pálpebras e deixar o lume dos olhos dar, na luz crepuscular, com uma prateleira cheia de livros, que emerge palpitante de corpúsculos que nos atraem, e nos apelam a intuirmos qual será o melhor livro para lermos.

Estantes pausadas ou serenas, amigos fiéis, de todos os tempos e mentalidades, eis os livros ao nosso dispor.

Estender a mão e colher um, trazê-lo até ao peito, e abrir a portada e deixá-lo falar à nossa alma, na sua língua, sabedoria e criatividade.

Com eles muito aprendemos pois, se falam verdade, retêm-nos, enlaçam-nos e transmitem-nos os seus ensinamentos.

Há livros que nos desafiam a vermos longe, a discernirmos as ascensões e quedas, as lutas e manipulações, as causas (frequentemente ocultas) dum país ou do género humano evoluir ou degenerar. São sempre actuais. Há outros que nos harmonizam, enriquecem, serenam, elevam. E há os que se dirigem à nossa profundidade anímica e tentam que consigamos senti-la e conhecê-la melhor, no fundo ressuscitarmos espiritualmente. 

O grande desafio intuitivo é sabermos escolher, ler e assimilar os livros que serão mais úteis tanto à nossa harmonia e auto-realização como também missão, ou seja, a inserção no tempo e espaço, circunstâncias e seres que nos tocam e que nós podemos tocar, melhorar.

                            

Para tal convirá antes de estendermos a mão em direcção à prateleira e aos livros, meditarmos um pouco para sintonizarmos com o campo unificado de energia consciência e informação e logo podermos discernir o que mais quer se mostrar, dialogar, esclarecer-nos, despertar-nos e intensificar as nossas compreensões, realizações e comunhões afectivas, gnósicas e espirituais.

Neste sentido, por exemplo, os livros com notas de posse, ou anotados, podem despertar duplamente o nosso amor e comunhão, pois são mais intimamente pontes e tornam-nos pontífices da união da terra e do céu, de nós e dos que já partiram, ou seja dos seus autores, possuidores e anotadores. Esta ligação unitiva do mundo visível e do espiritual, se é acompanhada de gratidão e adoração pode gerar iluminação ou  mesmo júbilo-êxtase, unindo a Humanidade e a Divindade.

Bem aventuradas as almas que ainda erguem ou preservam entre a Terra e o Céu uma estante de livros e a cultivam, as que amam os livros e os lêem, reflectem, anotam, cuidam, partilham...