quarta-feira, 12 de julho de 2023

Wenceslau de Moraes e o Japão, ou a demanda das intimidades misteriosas. Breve antologia de pensamentos seus, ilustrada.

Um torii, num santuário Shinto, o Kamigamo jinja, de Kyoto, 2011.

Ao longo dos anos, após a minha peregrinação de quarenta dias no Japão em 2011, proferi algumas palestras sobre os aspectos que mais gostara, nomeadamente as religiões, jardins e templos, e mais particularmente o Shintoísmo, as relações luso-nipónicas e Wenceslau de Moraes e Armando Martins Janeira, em bibliotecas municipais, instituições culturais e esotéricas, desde Lagoa a Cascais. Nas de Wenceslau de Moraes realcei a sua procura de integração harmoniosa, conhecimento e amor  e como tal demanda de trinta anos no Japão, de 1889 a 1929, foi realizada com grande sensibilidade, empatia e comunhão com os ambientes, as pessoas e seus costumes, os animais e os objectos, desde os seus tempos de oficial da marinha, pilotando barcos em percursos difíceis, ou já como cônsul em Kobe, interessando-se pelo que Portugal poderia exportar para lá ou adivinhando o que o Japão se iria tornar e, finalmente, encontrando e entregando-se plenamente ao amor da mulher e da alma nipónica, deixando-nos uma série de artigos e livros de valiosas impressões e reflexões históricas, sociológicas, filosóficas, psicológicas, religiosas e espirituais, estas ainda não suficientemente aprofundadas hermeneuticamente, e que s em dúvida alguma são  das melhores páginas que os Ocidentais conseguiram escrever sobre o Japão ainda pouco ocidentalizado ou tragicamente americanizado. 

Wenceslau de Moraes, oficial da Marinha. 30-V-1854 a 1-VII-1929

Recentemente, em 2022 participei nas XXIV Jornadas culturais de Balsamão, sob o tema Diálogo Intercultural e Religioso, organizadas pelo Padre Basileu Pires, com uma comunicação sobre Armando Martins Janeira, sem dúvida dos admiradores e estudiosos de Wenceslau quem mais se lhe consagrou e melhor o compreendeu, tanto mais que foi diplomata português no Japão longamente, deixando-nos alguns livros e uma antologia. 

Armando Martins Janeira, no Japão. 1-IX-1914 a 19-VII-1988.

Nos meus artigos e palestras creio ter destacado com alguma originalidade alguns aspectos da sua elevada espiritualidade, assente num sensibilidade e intuição bastante grande aos aspectos subtis e anímicos do Universo e dos seus seres, mas, dada a fluidez demasiada rápida da informação actual é bom de quando em quando partilharmos novas pequena propostas de leitura meditativa de Wenceslau de Moraes. Eis algumas:

- "O Rei da Criação não é mais do que uma ínfima parcela da grande massa criada e criadora, colaborando com todos e com tudo para a Harmonia Universal, nas suas modalidades infinitas. Por outras palavras, o Rei da Criação não é mais – não vos parece? – do que uma simples abelha obreira de uma imensa colmeia – o Mundo, - tendo por companheiro de labor todos os outros animais e todas as 
coisas existentes, visíveis e invisíveis, comezinhas e ignoradas…
Não vos sucede, ao contemplar, ou ao palpar, os objectos que vos rodeiam, sentir, ou antes pressentir, a impressão, embora vaga, de um não sei quê a que eu chamo, por não saber melhor chamar-lhe, a alma das coisas…
Pois toda
s estas fugidias impressões não são mais, não são menos, do que subtilissimas exalações de um não sei a quê eu chamo, por não saber melhor chamar-lhe, alma das coisas. Ora, convém amar as coisas. Amai-as nos multíplices aspectos da sua alma; ponde a vossa alma em simpática comunicação com alma delas. Estabelecendo-se então entre entre ele e ela, uma corrente de relações, de afectos, de confidências, de revelações, activa e prestadia…
Amai-as,
sobretudo se vos senti isolados… todos os objectos enfim em que pousardes o olhar serão vossos amigos, vossos amigos complacentes, de todas as horas que vos prodigalizarão largo conforto; e… quem sabe? Talvez da janela escancarada dareis fé de alguma flor que desabroche no jardim, uma gardénia por exemplo, que será a vossa noiva, toda ela alvuras…»

Cascata junto a Kobe, onde Wenceslau de Moraes peregrinava a uma chaya

Um texto valioso sobre a sua ampla e profunda vivência amorosa: «O amor, isso que há de atraente, de emocionante, de irresistível, que o homem sente por uma certa mulher que encontrou na estrada da existência surge por vários modos, prospera e avoluma, consoante múltiplas circunstâncias. No entanto, o convívio aturado, a longa contemplação dos encantos femininos, as confidências trocadas, o contacto das mãos que se encontram e apertam em momentos imprevistos, eis outras causas, para citar apenas estas, que concorrem, julgo eu, para que se desenvolva, para que floresça em delicadezas essa maravilhosa manifestação da emotividade humana…
Pois eu experimentei pela pessoa de Ko-Haru, durante a sua estadia no hospital, onde diariamente a ia ver, uma outra espécie de impressão; pois não era evidentemente o amor, nem tão pouco era a amizade, nem tão pouco era a estima; que era não sei que, a não ser que fosse a piedade, a simples piedade, erguida ao ponto culminante de um sentimento passional.”

Ko-Haru e Ó-Yoné, as duas mulheres de Wenceslau, ou os amores trágicos luso-nipónicos.

3 e 4 - Já depois da morte das duas mulheres japonesas que amou mais (a primeira sobretudo, a doce Ó-Yone), sob o impacto saudoso do desaparecimento delas e do seu desterro longínquo da mátria-pátria, referirá a sua religião da saudade, algo que não se esgotava num ensimesmamento nas suas memórias sentimentais já que a sua religiosidade procurava sondar as dimensões subtis e os mistérios dos seres humanos e dos seus deuses: "O Japão foi o país onde eu mais vivi pelo espírito, onde a minha individualidade pensante mais viu alargarem-se os horizontes do raciocínio e da compreensão, onde as minhas forças emotivas mais pulsaram em presença dos encantos da natureza e da arte. Seja pois o Japão o altar deste meu novo culto – a religião da saudade, - o último por certo a que terei de prestar amor e reverência…"

                                                             

É no seu livro  Bon-Odori em Tokushima (Festival dos Mortos na cidade de Tokushima), Porto, 1916, que mais sonda tais mistérios e a dado momento interroga-se: «Não haverá nos espaços da nossa atmosfera encontros e embates entre as hertzianas e muitas outras ondulações de forças ainda hoje apenas imaginadas ou absolutamente ignoradas?... E não constituirão os espíritos dos mortos uma dessas estupendas forças de mistério? Ao povo japonês, pelo menos, não repugnaria a hipótese, ele que admite a descida periódica à terra durante o Bon, a festa dos mortos, dos seus queridos desaparecidos». 

  Sakura, a peregrinação às cerejeiras em flor, ao tempo de Wenceslau.

Possamos nós receber mais inspirações, intuições e comunhões com as dimensões subtis e espirituais da unidade universal para o Bem da Humanidade. Boas reflexões e comunhões wenceslausianas e nipónicas...

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