sábado, 4 de junho de 2022

Bô Yin Râ, on the unification of soul's powers. Short essay on the Path of the Light.

The unification of the soul's powers, or of the instincts and desires, thoughts and emotions, is paramount on the spiritual teachings of most of the masters, as per example in the ones of Bô Yin Râ (1876-1943). 


In all his twenty two books, called Hortus Conclusos, he tries to help us in the approach of the spiritual realization; and in one of them, probably the most important, The Book of the Living God, he describes our soul as a kind of cloud, made of myriads of points of light and energy, each one trying to do or accomplish his own will, and says that our task is to control them, to unify all their wills under our own will, what is not easy at all but it is a pre-condition to have acess to the true spiritual realm.
So we can say, in a certain way, that Bô Yin Râ wrote his books to teach us how to do that unification in different ways, the main one being the regular pratice of feeling ourselves as a sea of myriads of light points within the physical body and unificating our own consciousness and will with the will of these tiny points of light already having a kind autonomous will, that should be then controled, tamed, yoked, yoga....
A disciple of Bô Yin Râ's teaching and teacher of a friend, Monique, said that you can compare this animic forces with several I 's  inside the body and you must unify them under one will power. And he thinks that all, or many, of those I's are of deceased people who have so a certain life inside your body. 
Monique thinks that may be every person has several I's, because our character is composed of different will powers. And so in her meditative pratice, she tries to do the experience of having only one goal or objective of concentration, in order to get nearer to the unification and to the Light. And she feels that is her way to pass beyond all those different I's and will powers. 
It is an example of the needed concentration and unification power applied in the spiritual pratice, although Bô Yin Râ just says that the variety of animic energies that people possess don't mean reincarnations, nor different I's in us, but just psychic energies that were already in action in former times and persons, anding search still in our days to realize themselves, or be accomplished and liberated by us.
Bô Yin Râ points the fact that the control of thoughts is very needful for entering within the soul, to feel it, and if arrive to create silence we will then listen to a kind of a subtle inner voice, of the spirit, or we will see in that inner serenity the opening of the famous lotus jewel, from which we can contemplate the star of the spirit or even some rays and blessings of spiritual forces or of the Divine and Primordial Being...
I would say that this unification is mostly done in tree ways: 1º by a harmonious, lovely and creative life, under the aspiration to our highest spiritual evolution possible and so under the Logos, or Truth, Love and Justice Divine.  2º by our moments of recollection, or by the spiritual pratices where we try to control the thought waves (yoga chitta vritti nirodha, as the sage Patanajali - mentioned by Bô Yin - Râ, says at the beginning of his Yoga Sutras), the desires and distractions, or the left hemisphere constant activity, or the intellectual or mind pursuit that is going on all the time. 3º by the love, will power and compassion manifested in our awakened and unified being (body-soul-spirit) and life (words, feelings, thoughts, actions, intentions, human relations and spiritual marriage.)
This unification is the hard work on the path (as Paracelsus said ad astra per aspera) but each time we do it, it has good effects in creating a stronger link and channel with our spiritual dimensions, as we have subdued some of the small wills inside ourselves, at least for some time, giving us some consciousness of our true identity, per example, in Indian tradition mentioned as Sat Chit Ananda, Being, Consciousness, Beatitude...
In the extraordinary work of Bô Yin Râ we find many views, ways and exercises given to  us to help that unification of thought's waves, or points of animic energies, and enter in the inner temple, and so we will point now five ways:
1- The ones given in his books on  Prayer, Mantras, Funken, with spiritual affimations or sutras made by him.
2 - The classical mantras from Indian tradition, mentioned by him, like the Tat twam Asi,  Aham Brahmasmi, Jivatman, Aum,  Om Mani padme hum and few more.
3 - He sugests also to use great spiritual phrases, like the ones from Jesus sayings, and he explains how they should be assimilated deeply with all our being...
4 - The contemplation of his paintings (ou also from others), the complete immersion with them, without analysing it, but feeling it within us, or we in them, merging with colors, forms, rythms and spiritual dynamism and reaching a spiritual experience.
5 - The comunnion with Nature and its beings and events, done deeply, coming naturaly, spontaneously, like seeing a sun rising or contemplating a beautiful flower, tree or lake, either assimilating that the spiritual light reflected by them, either in moments where there is the merging of the separativism and differences into a unity, that we could say, are some kinds of samadhis, or sameness of the soul and unification in a broader unity...
Each person should discover what are the most suitable ways to himself or herself, and persevere. And, in the end the river will enter into the Ocean of the Divine or, as Bô Yin Râ extols so much, in the realization of the living God in us. So,  may auspicious pratices and  blessings from the inner and Divine realms reach us... Aum....

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Luís de Castro Norton de Matos: "O Espiritualismo Oriental de Rabindranath Tagore". Revista Contemporânea, de José Pacheco.1927.

Luís de Castro e Almeida Norton de Matos foi um diplomata e historiador, nascido na Vila de Dona Maria Pia, em Santo Antão, Cabo Verde, a 24 de Janeiro de 1903, vindo a deixar a Terra, em Lisboa, a 6 de Janeiro de 1968. Era filho do Dr. Arnaldo Mendes Norton de Matos e sobrinho do General José Norton de Matos. Em jovem teve uma boa abertura Rabindranath Tagore e à espiritualidade indiana que deu um fruto, hoje ignorado pela maioria das pessoas.
Em 1926 ele conseguiu publicar um texto O Espiritualismo Oriental de Rabindranath Tagore na Revista Contemporânea, e embora ninguém mencione ele pode ter sido amigo de Fernando Pessoa, um dos principais colaboradores da revista, que certamente leu este texto, editado em 1927 numa separata que leva a seguinte dedicatória: «Ao meu querido amigo José Pacheco. Este trabalho foi escrito para ser publicado, em artigos, na Contemporânea. Por amável resolução do director desta revista, o grande artista José Pacheco, publicou-se esta "plaquette". O Autor»
Quando manuseamos a separata vemos que na 1ª parte seleccionou bons ensinamentos da Gitanjali e na 2ª parte do livro Sadhana, ou Realização da Vida, com uma compreensão boa das subtilezas da espiritualidade indiana, embora tenha de certo modo errado uma ou outra vez na tradução ou na conceptualização.
O começo é bastante órfico: «Rabindranath Tagore é o maior poeta e profeta da Renascença Indiana, tendo, como profeta, o duplo interesse de ser um filósofo espiritualista e místico, o ostiário duma nova e oriental redenção bramânica.
Em quase todos os aspectos da sua obra, como dramaturgo, novelista, músico, poeta e filósofo, é um educador religioso, um dos mais estranhos apóstolos da civilização indiana; quase todos os seus escritos, cujo espírito é o de Vaishnava «que idealiza e espiritualiza todas as relação da vida», são de devoção exortatória e mística.»
A sua apreciação da filosofia védica, bramânica e vedântica tem certas limitações, patentes na sua caracterização da Trimurti: Brahma, Vishnu e Shiva, mas são em geral acertados os comentários às transcrições de extractos de Rabindranath...
Quais são são as melhores transcrições feitas por ele, da 1ª parte, da Gitanjali: talvez a sua tradução do I poema, curiosamente o único sublinhado na 1ª linha por Fernando Pessoa no seu exemplar, hoje na casa Museu Fernando Pessoa: «Fizeste-me infinito - meu Deus, como era teu desejo!
Senhor dai-me força para suportar facilmente as muitas alegrias e tristezas; a força precisa para que o meu Amor seja abundante em serviços proveitosos;
Dai-me força para suportar facilmente as muitas alegrias e tristezas;a força precisa para que o meu Amor seja abundante em serviços proveitosos;
Dai-me força para nunca abandonar o pobre; para nunca me curvar a um poder iníquo;
Dai-me, Senhor - força para erguer o meu espírito acima das futilidades quotidianas; a força para, com amor, submeter a minha força à tua vontade».
Tagore protesta contra o falso conceito de alguns filósofos da Europa que sustentam que o Brahman da Índia é uma mera abstração, a negação de tudo o que existe no mundo; numa palavra, que o ser infinito só se encontra nas metafísicas.
Este princípio os índios nunca o aceitaram porque defenderam sempre a ideia da presença do infinito em todas as coisas que têm sido a sua inspiração. «Tudo no mundo é cercado [coberto, velado] por Deus» Içavasyamidan sarvam yat kincha jagatyan jagat. [Isha Upanishad, v.1]
A doutrina do Upanishad é cânon moral de Tagore:« O ser que, na sua essência, é a luz e a vida de tudo, consciência universal - chama-se Brahman. Sentir tudo, ser consciência de tudo, é o seu espírito: estamos imersos na sua consciência, corpo e alma...». 
E conclui com as aproximações bem poéticas e espirituais ao mistério da morte, de Tagore, ainda que sem grandes certezas:«Não me perguntem o que tenho para levar! Parto para a minha viagem com as mãos vazias e a esperança no coração...»

Já na segunda parte Luís Norton de Matos aproxima-se do livro mais espiritual e yoguico de Rabindranath Tagore, a Sadhana, ainda não traduzida entre nós mas à qual já consagrei um artigo neste blogue, e ora transcreve ora comenta, duas ou três vezes com pouco conhecimento, tal como quando considera que na Sadhana «Tagore subordina-se inteiramente ao espiritualismo búdico, construindo, aliás, um novo sistema filosófico» e que «os oito capítulos da obra são os oito aspectos fundamentais da realização da vida no espiritualismo sistemático de Rabindranath Tagore», dedicando uma súmula de duas a três páginas a cada um dos capítulos, e que traduziu assim: - Posição relativa do Indivíduo em face do Universo. O Eu consciente. O Problema do Mal. O Problema do Eu. Realização no Amor. Realização na Acção. A realização da Beleza. A realização do Infinito. 
                                   

A súmula mais curta e incisiva, não sabemos bem porquê, é a do V capítulo, Realização no Amor, poucas linhas. Ei-las: «Um profeta indiano disse que o mundo nasce do amor, pelo amor é mantido, no sentido do amor se move.

No amor, num dos seu polos, encontrareis o pessoal, no outro, o impessoal. 
Se Deus fosse absolutamente livre - escreve Tagore - não teria havido criação. O ser infinito impôs-se o mistério do finito. 
Em Deus - que é Amor - o finito e o infinito se unificaram!», e realça assim discretamente como o verdadeiro amor é sacrificial.
A súmula do VI capítulo, Realização na Acção, é das mais longas com cinco páginas e alguns parágrafos bem valiosos: «O ser infinito invade tudo, é um bem inato em tudo».
«Procurar Deus apenas na contemplação extática é um erro; é diminuir o poder de Deus, limitando-o.
O êxtase e a contemplação são necessários ao espírito, purificam a alma; Deus está connosco na calma e silêncio dum solene confronto místico; mas Deus é activo, desde que o mundo foi criado, saindo Ele do seu profundo e infinito alheamento.
Não basta, pois, contemplá-lo no isolamento - é preciso acompanhá-lo na sua permanente evolução vital.
"Quaisquer obras que produzas, consagra-as a Brahman"
O espírito deve dedicar-se a Brahman através de todas as actividades.»
O capítulo VIII A Realização do Infinito, contém alguns passos valiosos, embora iniciado com um erro pois traduziu "Man becomes true if in his life he can apprehend God; if not, it is the greatest calamity for him", por " O homem torna-se perfeito se na sua vida possuir Deus; a maior calamidade que lhe pode advir é não possuir Deus", quando na realidade o que se trata é mais de compreender, realizar, sentir e não tanto "possuir".
Mais à frente transcreve - «"Nada se poderia mover, nada poderia viver, se a energia do ser infinito não enchesse o Céu" - são palavras duma escritura sagrada.
Nos nossos prazeres materiais o limite depressa se descobre; o contrário sucede em todos prazeres da ordem intelectual e moral em que a margem é mais larga, o limite mais distante.
Numa líricas dos Vaishnavas] [devotos de Vishnu e seus avatares], um amante diz à sua amada: "Eu sinto como se tivesse contemplado a beleza da tua face desde que nasci e os meus olhos ainda estivessem famintos, como se eu te tivesse apertado ao meu coração por milhões de anos e o meu coração ainda não estivesse satisfeito». Eis uma bela afirmação que alguns cavaleiros ou cavaleiras do Amor sentiram, ou tentaram realizar ou desabrochar, ao longo dos séculos...
«O ser humano não é perfeito; naquilo que é, é pequeno, mas no seu seu ser (in his to be) [talvez melhor, "no seu querer ser" ou "vir a ser"]. O polo finito da nossa existência tem o seu lugar no mundo das nossas necessidades, onde nos ocupamos a alargar as nossas posses.
Noutro sentido, a nossa existência marca a direcção do infinito, a alegria da libertação.
Só neste sentido devemos viver, porque a nossa função não é a de possuir materialmente - é a de devir, é a e ser (to be).
Ser o quê? - pergunta Tagore - «Ser um com Brahman, porque a região do infinito é a região da unidade. Por isso os Upanishads disseram: If man apprehends God he becomes true...»
Pela nossa actividade intelectual não poderemos conhecer Brahman, porque, sendo o nosso conhecimento parcial, por ele não podemos obter o conhecimento de Deus que é a perfeição completa. dDa mesma forma e pela mesma razão, as palavras não podem descrevê-lo.
Deus só pode ser conhecido pela nossa alma, pela alegria [ananda], pelo Amor. Noutros termos: estabelecemos a relação com ele pela união - união do nosso ser todo.»
Depois destes apelos da descoberta íntima e do desenvolvimento do Amor à Divindade, à natureza, aos seres, Norton de Matos vai concluir o seu trabalho com uma citação de Buda e no fim o 1º verso de Gitanjali, com que iniciara este seu texto para a revista Contemporânea e que curiosamente fora o único que Fernando Pessoa sublinhara no exemplar que lera e se encontra hoje na sua Casa Museu:
«Buda pregou a necessidade dos homens se libertarem da escravidão de Avidya. Avidya é a ignorância que obscurece a consciência, que nos priva de relações espirituais com o mundo exterior, que provoca o orgulho e nos materializa. Quando o ser humano atinge a verdade e sente a sua alma, desperta em consciência perfeita, torna-se [em certa medida um] Buda.
Rabindranath Tagore sente em si este poder de divinização.» *

* Vid.Gitanjali, poem I: "
Thou hast made me endless, my God. That is thy pleasure" e que traduziremos nós: "Fizeste-me sem fim, meu Deus. Tal é a tua vontade de felicidade." Ou entusiasmo... 
Sem dúvida um verso muito rico de possíveis realizações e leituras...
 
                                Aum Jaya Guru, Aum Jaya Aum

terça-feira, 31 de maio de 2022

Um poema matinal, espiritual. Erga-se acima das narrativas e televisões, liberte-se, oriente-se, ilumine-se.

 

No meu ser há duas aves,

cada uma canta  sua melodia

e eu só tenho que discernir

por onde cada uma vai a seguir.

 

Quando eu começo a cantar ou orar

elas silenciam e põem-se  a escutar

E eu só tenho que bem inspirar e fluir

No que do meu íntimo se vai elevar.

 

Mesmo ao trabalhar estou a orar,

O meu coração está sempre a cantar,

Desde que o regue com a devoção

De dedilhar os nomes de Deus em aspiração.

 

Diante de mim passam as imagens,

ora astrais faces e movimentos,

ora banhos de luzes coloridas,

ou mesmo o vasto céu azul

de mil estrelas pontilhado.

 

Oficio no meu templo e observatório

acima das guerras dharmicas

mas as limpezas são purificações

seja em nós, seja nas nações, 

que se querem libertar das opressões.

 

Não me deixo manipular,

Por tanta informação vendida,

Ergo antes a alma ao Ser Divino 

pronunciando o Aum e outros Nomes,

E deixo que as suas bênçãos

me vão esclarecendo e orientando.

 

Cada um de nós é uma alma peregrina

Por entre mil causalidades ignoradas.

 

Ó Pedro, dá graças por poderes meditar 

E com algumas almas dialogar e unificar,

na demanda da Justiça e da Verdade

ou na comunhão do Amor e da Divindade. 

                                                                 Lisboa, manhã 31-V-2022....  Aum....

sábado, 28 de maio de 2022

Um diálogo com Agostinho da Silva, A pomba do Espírito Santo. E o poema do cedro do jardim do Príncipe Real. Primavera de 1985.

Transcrição de uma página do diário de 1985 pois, revisitando o caderno, encontrei  um pequeno registo de um encontro com Agostinho da Silva (1906-1994), valioso amigo e irmão-mestre da tradição cultural e espiritual portuguesa, com quem dialoguei muitas vezes. Preserva-se assim um testemunho da sua alma de marinheiro e descobridor de rumos utópicos mas possíveis. Que nos inspire, e muita Luz e Amor para ele.

                           

«Preparando a visita à velha Albion [para participar no European Humanity Gathering 1985, organizado pela Findhorn Foundation], venho aqui passar a casa do prof. Agostinho da Silva a hora tardia, o Sol vai-se pondo e tingindo o ar e a relva de cheiros dourados que sobem como recordações de infância às nascentes da nossa alma e fazem-nos sentir, no meio da azáfama citadina, pontos de encontro e de eternidade.

Ele está quebrantado. Sentamo-nos um pouco. Está na sua hora de descanso. Seu coração, que o serviu [quase] 80 anos, agora estremece. Dou-lhe alguns conselhos [talvez o de massajar o meridiano do coração ou estimulá-lo a partir da compressão rítmica do dedo mínimo]. Falamos brevemente. Perguntei-lhe sobre o Espírito Santo.
- "Com certeza, sem desesperança".
-  Não é exagero o V Império, não será impossível? 
- "Possível é, mas levará tempo. A pomba branca terá de atravessar muito fumo até chegar ao céu", diz, e eu, nos seus dentes já algo com falhas e num trejeito facial, vislumbro a fome e a injustiça
mundial existentes.
"Então para a pomba chegar até cá abaixo terá que atravessar muitas barreiras e dificuldades".
Sentimos um pouco então no coração este encontro inconsciente das duas forças  ou níveis [a do Espírito plenificante e a humanidade, as energias que sobrem e as que descem.]
- "Vai ser difícil mas para o bom marinheiro não custa navegar; para os outros é que será mais difícil".
Mais uns conselhos alimentares [provavelmente disse-lhe para não comer fritos, evitar açúcares brancos, diminuir gorduras animais, comer mais cereais integrais e biológicos], oferta de grissinos integrais que levava comigo, [e ele faz uma rápida] análise do Brasil. Tancredo provocando um surto transcendente [eleito presidente a 14 de Março de 1985, o já democrata e popular Tancredo Neves, na véspera da posse, foi internado com apendicite e morreu a 21 de Abril, provocando grande comoção nacional]. E aqui estou a escrever na beleza [do jardim] do Príncipe Real.» 

Transcrevo o poema dedicado às árvores e insculpido junto ao já bem centenário e tão individualizado cedro, qual coração deste aprazível jardim lisboeta, onde aos sábados se realiza um valioso mercado de produtos de agricultura biológica, tão necessária aos eco-sistemas e às pessoas, e onde o Agostinho tantas vezes passou ou esteve.

«Tu que passas e ergues para mim o teu braço
Antes que me faças mal olha-me bem.
Eu sou o calor do teu lar nas noites frias de Inverno;
Eu sou a sombra amiga que tu encontras
Quando caminhas sob o Sol de Agosto;
E os meus frutos são a frescura apetitosa
Que te sacia a sede nos caminhos.
Eu sou a trave amiga da tua casa, a tábua da tua mesa,
A cama em que tu descansas e o lenho do teu barco.
Eu sou o cabo da tua enxada, a porta da tua morada,
A madeira do teu berço e do teu próprio caixão.
Eu sou o pão da bondade, a flor da beleza.
Tu que passas olha-me bem e não me faças mal.»


Já em casa anoto no fim da página, após a visita e diálogo com Agostinho: "Boas meditações: Que não se percam o Amor sentido de quando em quando, a Sabedoria pensante e pensada  e a acção-vontade inflamando os corações em acções justas, luminosas. Eis uma Trindade equilibrada."

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Linhas de consciência e dinamismo, assinaladas num diário de Outubro de 2005 e confirmadas em Maio de 2022.

No trabalho que volta e meia faço de transcrever páginas de diários, ou de reler o que já transcrevi, para seleccionar textos com algum valor ou utilidade, deparei-me hoje com este, e, com duas ou três pequenas melhorias, partilho-o para o blogue e para algumas almas leitoras afins.
«2005. Abril, antes de saída para Paris e Bruxelas.
Algumas vezes há pessoas que atingem uma tal chama no seu coração que quem toca nelas ou se aproxima do coração descobre esse amor quase infinito e sente como seria bom partilhar dele.
É como uma chama num alto monte atraindo peregrinos, como o canto do cisne num lago, que apela à companheira.
Há como uma dor do coração já presente nesse estado de amor, quase final duma vida.
É possível até que quem amar ou se enamorar dessa pessoa possa contribuir para a sua morte, pois é como que ela estivesse já com coração tão subtil, tão fino, que se possa derreter e deixar escapar os espíritos ou alentos vitais para o céu.
O meu coração está assim ígneo, imenso, e ao mesmo tempo compassivo, extasiante e doador.
Na solidão da vida surgem-nos estas ou aquelas pessoas perante a nossa alma e para elas o nosso olhar espiritual, reflexo da nossa essência, projecta certas energias, que a voz, os gestos, a concavidade ou convexidade da aura espelham.
Prestes a deixar Portugal, quem sabe que rumos tomará meu ser neste universo tão incerto e rico?
Como peregrino partirei. Como estará meu coração, lá e quando regressar?
Quantos de nós conseguem na sua gnose diária descortinar a forma ou estado do seu coração? 
 

Regressado
Pelo menos que estejamos mais atentos, mais chegados a ele, e ele significa o ser interior que habita na nossa alma e que tem no coração a via de acesso principal.
Caminhemos então na vida sabendo adorar a Deus em nós, e a termos paciência com todas as contrariedades que encontrarmos na vida, de modo a que as pessoas que se encontrem connosco sintam que a sua felicidade e bem estar melhoraram, por estarem connosco.
Para isto é preciso não estarmos a impor aos outros ideias, nem ir contra o que pensam. Sabermos o que elas precisam ou desejam. Estarmos ligados verticalmente, e irradiarmos até mais silenciosamente.
Todos os seres estão na Terra a evoluírem e todos desejam amor, saúde, riqueza, felicidade, só que sendo os bens exteriores escassos temos de cultivar ou fazer mais culto dos bens interiores, não tão dependentes do exterior.
Que bens são eles? Os antigos chamavam-lhes virtudes, outros sabedoria, outros amor, discernimento, piedade (a docta pietas, de Erasmo), a empatia solidária e libertadora...
Escolhamos os que nos parecem ser melhores e desenvolvemo-los com discernimento e eficácia transmutadora.
E irradiemos mais amor do nosso coração, ou através da nossa alma,  para todos os seres e dimensões.
Toda a gente anda a ensinar, frequentemente pouco sabendo, uns mais por compaixão, outros mais por necessidade de ganharem a vida.
Muitas pessoas estão num ego trip acentuado e não gostam de ser criticadas ou diminuídas, ou mesmo apenas suportarem quem sabe mais.
Vibrarmos então numa energia-consciência de amor, de unidade, de fraternidade, procurando não esmiuçar diferenças e defeitos, antes dando espaço livre aos outros na grande seara, é importante.
Trabalharmos na nossa ligação à Divindade, estarmos conscientes dela mais momentos no dia a dia, sobretudo quando estamos em conversa com outros, é importante.
Deus, a fonte de amor, a amada como a incarnação do eterno feminino e da Deusa mãe, o trabalho fecundo de aprofundamento psico-espiritual e da sua transmissão a algumas pessoas, a constante religação justa e harmonizadora entre o céu e a terra, na aura e alma ora interiorizada ora interrelacionada na demanda ou comunhão da verdade e do amor, eis as linhas de consciência e dinamismo que assinalei em 11-10-2005 e confirmo em 27-5-2022.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

"Véus de Alethea", uma obra prima da poesia espiritual, de Daniela Pace Devisate. Curitiba, Kotter Editorial, 2021.

Recebemos há pouco vindo desse imenso e sempre querido Brasil uma obra poética de raro sabor, com dedicatória, de esquisita capacidade de evocação da sabedoria e amor antigos e que escorrem pelas páginas como sensibilidade e indagação, ventos e plantas, invocações e nemésis, ritmos e cores que nos desafiam e deliciam, inspiram e impulsionam, na sua poesis desvendadora de verdades.
Véus de Alethea, Véus da Verdade, em grego, ou ainda do não esquecimento (lethea), da autoria da professora e artista Daniela Pace Devisate,  é uma obra que se lê e relê, nessa aspiração que a muitos percorre de uma maior unidade com a sabedoria, o conhecimento, o amor, a plenitude, e que os seres e mitos, com as palavras, ideias e sentimentos, podem pela palavra poética causar ou despertar em nós.

                                   

Dado à luz na Editorial Kotter, num in-8º de 81 páginas, com uma bela capa e desenhos da autora, e uma valiosa apresentação contextualizante de Maiara Gouveia, até no bom conhecimento manifestado sobre o Sanata Dharma indiano e atento ao nome da autora ("no sânscrito, Sat Devi é a potência feminina da verdade. Tem como contraponto, Maha Maya, a potência feminina da ilusão") além do helenismo, os belos e poderosos poemas foram dispostos numa primeira parte que leva o título gnósico da obra: Poemas são véus que velam develam re-velam o corpo nu da Verdade, a qual contém, após epígrafes iniciais, das tradições indiana, grega, romana e lusófona, explicativas da teoria da sua obra, 31 poemas, seguindo-se a segunda e parte final, Mistérios de Eleusis, com 8 poemas onde com conhecimento de fontes antigas (e partilhei-lhe algumas) dessas celebrações ainda hoje misteriosas, Daniela intui e poetiza com profundidade e amor, beleza e sacralidade o que seria evocado e vivenciado no desenrolar de tais celebrações e iniciações.
Estamos pois diante de uma obra de sentimento e paixão, de amor e de iniciação, com alguns poemas bem clarividentes, unitivos e perfeitos...
Quais selecionar, brevemente, para inspirar talvez alguém a adquirir o belo livrinho, que leva algum rasto ou substância dos muitos livros manuais que a Daniela Pace Devisat foi compondo com o seu corpo e alma, antes de gerar o seu 1º livro individual impresso em 2020, na editora Urutau, Tantos Quartos Lunares, e por onde a sua sensibilidade e matriz feminina, lunar e da natureza profunda do Brasil milenar escorre e fecunda?

                                

Realçarei que senti na primeira parte um conteúdo mais vivencial e que nos toca mais forte que no da iniciática segunda parte, pois Daniela revisita e inspira-se em vários seres, temas e aspectos da tradição grega com grande osmose interior de tal modo que nos faz sentir, a partir da sua ressonância criativa, o que no fundo é perene nos mitos e grandes obras e que é a busca e a vivência do amor e da sabedoria, das deusas e deusas e da Unidade. 

Quais senti mais plenamente? A Prece, Rapto, Ars Erotica, Eros & Psiquê, Orfeu, Naxos, Musa, Náiade e o final Musa Pagé, bem autobiográfico.  E transcreverei, brevemente:

PRECE:

Verde Terra,
Gaia,
Templo do fértil.
Mãe temível,
escuta nossas preces,
carícias quentes
no umbigo da Vida.
 
 ***
ARS ERÓTICA
 
Do sémen sagrado
Do deus
que orvalha
a noite escura
do céu
da minha boca,
derramado,
banhando estrelas
ainda não nascidas,
mergulhadas
no gozo profundo
do vir-a-ser.
 
***
EROS & PSIQUÊ

Não machuque o silêncio,
Não desvele minha face obscura,
Não levante o cortinado
dessa grande cama.

Apague a lamparina
e cuidado para o azeite
não pingar em nossas asas.
Me abrace no escuro.
 
***
NÁIADE
 
Ele era 
como um deus rio
e penetrava
por todas as minhas 
frestas
insidioso como a água
uma gota a mais
eu vazaria na carpete
fertilizando as margens 
do apartamento
 
***
Na 2º e final conjunto de poemas Daniela adentra-nos na misteriosa tradição da iniciação nos Pequenos e Grandes Mistérios de Elêusis e embora tenha lido, meditado e sentido a tradição, dado o seu carácter ainda hoje pouco claro para além de elevado, só em alguns poemas sentimos mais o que foram eles e o que podem ser hoje para nós os ensinamentos e estados conscienciais outrora realizados, certamente difíceis seja para a Daniela seja para nós. Mesmo assim  são valiosas aproximações à Perséfona e a Coré, e testemunham bem a sua profunda shakti brasileira, trazendo para a tradição poética e espiritual portuguesa feminina e pagã novos contributos e hermenêuticas nesta sua poesia matricial, com algumas falas e orações bem conseguidas ou intuídas, tal o mais extenso diálogo Rascunhos de Perséfone. Destacarei então, além desse, Pequenos e Grandes Mistérios, Casamento Sagrado, Brimus, O Rapto de Koré Perséfone e o Testemunho da Musa.  
Anote-se o excelente último parágrafo da crítica ou apresentação final de Anna Apolinário, já que acolheu a poesia também como como obra corporal, de performance e de magia, algo que a Daniela tem feito e partilhado nos meios digitais, sintetizando muito bem, tanto mais que a conhece pessoalmente, o que lateja nas páginas: 
«Poemas-preces, evocam iniciações, conjuros, enaltecem a dimensão mágica e ritualística do fazer poético, cada verso, um pequeno feitiço posto em nossos lábios, o livro que temos em mãos, clama para ser lido em voz alta, cada palavra sorvida com volúpia e encantamento. A cada página, um véu a ser tocado, um convite ao desvelamento do corpo nu da verdade, o fogo delicioso do poema como "testemunho da musa", a que com a língua revela "um país totalmente novo". Assim, Daniela nos concede seu livro-deleite, de sua odisseia lírica é impossível sair ileso(a), é certo que seremos feridos de beleza, tocados pela lâmina incandescente da poesia»
Transcrevamos então agora dois breves poemas, da última parte, a mais iniciática, referindo mesmo a misteriosa bebida de ervas medicinais algo estabilizadora e iluminadora Kykeon: 
 
PEQUENOS E GRANDES MISTÉRIOS
 
Banho de mar
oferendas
jejuns

bebi o ciceon e quebrei os vasos
manipulei os objectos áureos
efígies das deusas
um falo e uma vulva, talvez
pronunciei as palavras sagradas
participei dos ritos de fertilidade
exultei primaveras

desci às escuras profundezas
e avistei os campos de luz eterna»
 
***
TESTEMUNHO DA MUSA
 
Nas palavras habita o Ser
abro a porta com a língua
e lá está um país
totalmente novo.»

terça-feira, 24 de maio de 2022

A estrela, símbolo do espírito, na "Iconologia" de Cesare Ripa, obra prima da sabedoria do Renascimento.

 A obra de Cesare Ripa, Iconologia, o vero Descrittione dell’imagini universali cavate dall’antichità et da altri luoghi, per reppresentare le virtù, vitii, affetti e passione humane, arti, discipline, humori, elementi..., 1593, foi durante séculos uma das fontes principais da sabedoria dos antigos, abrangendo a mitologia, a religião, a etnografia, a ética e moral, os costumes, as ciências. Mas, ao congraçar ou juntar, a partir da 2ª edição de 1605, imagens originalmente desenhadas para tornar visíveis, imagináveis os conceitos desejados, apoiados em citações de autores clássicos,  exemplos e explicações contextualizantes, tornou-se não só um convite à contemplação e portanto a uma ligação com os mundos espirituais mas uma enciclopédia portátil de todo o saber e imagem (e por ordem alfabética de temas ou conceitos). Tal como o era o livro Adágios de Erasmo,  embora sem imagens e baseando-se apenas nas vozes ou ditos de toda a Antiguidade, certamente bem contextualizados e até relacionados ironicamente com a actualidade, numa sabedoria crítica   humanista hoje muito perdida na cultura e informação tão superficializada e manipulada da generalidade das pessoas...

A obra de Cesare Ripa (1555-1622), Iconologia, no frontispício em cima já na edição ampliada veneziana de 1645, assumia um título bem ousado pois apelava ao enlaçamento do Logos (divino) e do Ícone (vera efígie), e embora sendo doutrinária, ética e espiritualizante, visava sobretudo instruir os artistas (e reconhecem-se hoje as influências em muitos pintores) com simbolismos apropriados aos seus desígnios e, ao conter tanta informação das religiões e sapiências antigas, filósofos e padres da Igreja, apesar das suas confissões de conformidade ao Catolicismo (como se pode ver na nota de rodapé final), sentimos uma  vontade grande de Cesare Ripa de fazer passar a sabedoria perene que se encontrava no paganismo, como que oferecendo uma arte-ciência mnemónica e operativa, numa senda mais iconográfica do que Marsilio Ficino e Paracelso tentaram mais esotérica e magicamente, e que ligaria o visível e o invisível, a mente criativa ou contemplativa e o espírito e os seres espirituais, ganhando até uma certa perenidade no teatro inconsciente ou subconsciente humano, onde as imagens e arquétipos predominam...
O sucesso da obra foi muito grande, pois para cada qualidade, virtude, paixão, vicio, aspecto do génio, arte, ciência e actividade humana, bem como da natureza celestial e terrestre, com os seus elementos, humores, estações e fenómenos, havia as correspondentes imagens belas, misteriosas, desafiantes, com boas informações e exemplos e assim qualquer escritor, poeta, pregador, orador, pintor, escultor ou gravador podia fortalecer-se com sabedoria milenária, desde o antigo Egipto, inspirar-se mais universalmente e, logo, melhor realizar as suas obras e seus desígnios seja estéticos, seja instrutivos, seja imortalizantes...
Esta breve introdução é uma aproximação contextualizante às três primeiras imagens com estrelas na Iconologia de Ripa e tentar compreender o que elas simbolizavam ou indicavam, conforme o que ele escreveu, citou ou então que nós podemos deduzir e intuir, ou por vivência pessoal conhecer, saber...

O 1º ícone com a imagem de uma estrela, como a podemos ver e ler na edição de 1645, italiana, surge na representação da Alma racional e beatífica, e mostra-nos uma mulher com um vestido que Cesare Ripa diz claro e luzente, o vulto coberto por um véu finíssimo e transparente, com asas aos ombro e uma estrela sobre cabeça.

                                

E escreve: «Sendo uma substância incorpórea e imortal, representa-se assim para ser compreendida e é desenhada graciosissimamente por ter sido feita pelo Criador, o qual é a fonte de toda a beleza e perfeição à sua semelhança, e a vestimenta é clara para demonstrar a pureza e a perfeição da sua essência» ou, se quisermos, do seu íntimo ser e existir.

                                     Aiwass Journal - Ancient Egyptian Star Ceiling (Luxor) "The Five Pointed  Star, with a Circle in the Middle, & the circle is Red." Liber AL vel  Legis, 1:60 | Facebook 

Quanto à Estrela propriamente diz que com ela, «conforme Piero Valeriano, no livro 44 dos seus Hieroglifos, os egípcios significavam a imortalidade da alma». É pouco e é preciso uma boa hermenêutica para discernirmos que ele está dizer que a estrela representará o espírito imortal que coroa a alma. De facto, a estrela representa o espírito,  o núcleo e centelha divina presente no mar da alma e no corpo, pois na realidade somos corpo físico, alma de emoções, sentimentos e pensamentos e, finalmente, espírito, centelha divina, aqui abonada pela tradição egípcia, como imortal. E perguntamos, ao iniciar esta investigação que outras características ou qualidades ele discernirá, aceitará ou proporá quanto ao espírito, ao longo do livro.
Hoje sabe-se que os egípcios consideravam a estrela, que neles surge
nos hieróglifos como de cinco pontas,  tanto uma imagem das estrelas que havia no céu físico e no do além, no mundo Duat, como também o símbolo do ba ou seja, a manifestação espiritual de cada ser que em si era visto como pluridimensional. 

                                             

Quanto às asas, Piero Valeriano não aprofunda muito, pois diz  que elas nos ombros denotam a agilidade e espiritualidade, como também as duas potências intelecto e vontade.
Ora podendo elas sem dúvida simbolizar, e bem, tal quanto à alma de
um modo geral, elas são sobretudo representações fidedignas das energias que irradiam das almas mais luminosas, e que sendo raios podem então ser vistas clarividentemente como asas, de forças coloridas e irradiantes ou mesmo elevantes. Cada ser tem as suas asas, e se ele não as deixa cortar ou atrofiar demasiado pelos seus erros e hábitos, e pelas paranóias que a sociedade lhe impõe ou sugere, tais os noticiários de televisões, então consegue melhor manter-se em acção criativa e amorosa nos seus projectos e ideais, nas suas aspirações e forças ascendentes, ou relações horizontais e harmonizadoras.
O conjunto da imagem é harmonioso e, bem contemplado, pode
induzir a consciencialização do que existe na alma subtilmente (e algo inconscientemente) e que está na imagem emblemática representado subtilmente e com intuitos operativos, dinâmicos, transformadores...

                              

Uma 2ª representação da Estrela encontramos no ícone do Bom Augúrio, com a seguinte singela discrição: «Um jovem que tem uma estrela sobre a cabeça, nos braços um cisne e está vestido com a cor verde, que significa augúrio, pois as ervas quando verdejam, prometem boa cópia de frutos. Piero Valeriano [1477-1509], [Hieroglyphica], no seu livro 44, diz que aqueles que antigamente operavam os augúrios confirmavam que a estrela era sempre sinal de prosperidade e sucesso feliz.»
Nesta interpretação da visão da estrela sobre a cabeça de uma pessoa discerne-se um
sinal auspicioso. Mas numa hermenêutica mais espiritual teremos de discernir se é uma visão clarividente que alguém teve e que afirma tal, ou se é apenas um dado de tradição ou mesmo até da boa estrela que se diz seguir os mais afortunados na vida, tal como por exemplo o persa Saadi, de Shiraz, aonde estive em peregrinação, a dado momento da sua obra Bostan conta.
Uma terceira (e há mais) representação da Estrela na Iconologia de Ripa encontramos na imagem do conceito
Conjunção das Coisas Humanas e Divinas:

«Desenhar-se-a uma pessoa de joelhos com os olhos virados para o Céu e que humildemente sustem com ambas as mãos uma cadeia de ouro pendente do céu e de uma estrela. Não há qualquer dúvida que com o testemunho de Macróbio e de Luciano, a corrente mencionada significa  uma conjunção das coisas humanas com as Divinas, e um certo vínculo comum com o qual a Divindade, quando lhe agrada e atrai a si e leva a mente nossa ao Céu [ou interioridade espiritual], donde nós com a nossa própria força não podemos sair, de modo que isto quer significar que se a nossa mente se governa com o querer divino, poderá atar-se com a cadeia pendente do céu e de uma estrela. E esta é aquela força de inspiração Divina, de cujo foco Platão quis que todo o ser humano seja participante a fim de dirigir a mente ao Criador e a erga ao Céu, mas convém que tal seja conforme a vontade divina em todas as coisas e que oremos a Sua Divina Majestade que nos faça dignos da sua santíssima graça.» 

Possa a catena aurea, a corrente dourada, que liga o mundo celestial e divino e o terreno e humano, ou a estrela e a alma, ser vivificada pelo amor sincero e a força justa nossas que assim fertilizarão e harmonizarão melhor a Terra e a Humanidade...

Nota de rodapé: «Do cisne diz Virgílio no livro primeiro da Eneida: ni frustra augurium vani docuere parentes. aspice bis senos laetantis agmine cycnos, aetheria quos lapsa plaga Iovis ales aperto.... "Mas é não frustradamente nem em vão que o sacerdote augurador ensina os pais a observarem o voo de doze cisnes alegres, aves sagradas de Júpiter e que planarão e aterrarão no local auspicioso". Mas a nós cristãos não nos é lícito crer na vaidade dos augúrios.»

Possam as melhores intuições face à súbita contemplação de cisnes, pombas, aves, nuvens, estrelas ou céu nos inspirar e guiar,  e na comunhão com os elos perenes da Sabedoria humano-divina, sermos mais plenamente o espírito, a estrela ou centelha divina em nós... Aum!