Recebemos há pouco vindo desse imenso e sempre querido Brasil uma obra poética de raro sabor, com dedicatória, de esquisita capacidade de evocação da sabedoria e amor antigos e que escorrem pelas páginas como sensibilidade e indagação, ventos e plantas, invocações e nemésis, ritmos e cores que nos desafiam e deliciam, inspiram e impulsionam, na sua poesis desvendadora de verdades.
Véus de Alethea, Véus da Verdade, em grego, ou ainda do não esquecimento (lethea), da autoria da professora e artista Daniela Pace Devisate, é uma obra que se lê e relê, nessa aspiração que a muitos percorre de uma maior unidade com a sabedoria, o conhecimento, o amor, a plenitude, e que os seres e mitos, com as palavras, ideias e sentimentos, podem pela palavra poética causar ou despertar em nós.
Dado à luz na Editorial Kotter, num in-8º de 81 páginas, com uma bela capa e desenhos da autora, e uma valiosa apresentação contextualizante de Maiara Gouveia, até no bom conhecimento manifestado sobre o Sanata Dharma indiano e atento ao nome da autora ("no sânscrito, Sat Devi é a potência feminina da verdade. Tem como contraponto, Maha Maya, a potência feminina da ilusão") além do helenismo, os belos e poderosos poemas foram dispostos numa primeira parte que leva o título gnósico da obra: Poemas são véus que velam develam re-velam o corpo nu da Verdade, a qual contém, após epígrafes iniciais, das tradições indiana, grega, romana e lusófona, explicativas da teoria da sua obra, 31 poemas, seguindo-se a segunda e parte final, Mistérios de Eleusis, com 8 poemas onde com conhecimento de fontes antigas (e partilhei-lhe algumas) dessas celebrações ainda hoje misteriosas, Daniela intui e poetiza com profundidade e amor, beleza e sacralidade o que seria evocado e vivenciado no desenrolar de tais celebrações e iniciações.
Estamos pois diante de uma obra de sentimento e paixão, de amor e de iniciação, com alguns poemas bem clarividentes, unitivos e perfeitos...
Quais selecionar, brevemente, para inspirar talvez alguém a adquirir o belo livrinho, que leva algum rasto ou substância dos muitos livros manuais que a Daniela Pace Devisat foi compondo com o seu corpo e alma, antes de gerar o seu 1º livro individual impresso em 2020, na editora Urutau, Tantos Quartos Lunares, e por onde a sua sensibilidade e matriz feminina, lunar e da natureza profunda do Brasil milenar escorre e fecunda?
Realçarei que senti na primeira parte um conteúdo mais vivencial e que nos toca mais forte que no da iniciática segunda parte, pois Daniela revisita e inspira-se em vários seres, temas e aspectos da tradição grega com grande osmose interior de tal modo que nos faz sentir, a partir da sua ressonância criativa, o que no fundo é perene nos mitos e grandes obras e que é a busca e a vivência do amor e da sabedoria, das deusas e deusas e da Unidade.
Quais senti mais plenamente? A Prece, Rapto, Ars Erotica, Eros & Psiquê, Orfeu, Naxos, Musa, Náiade e o final Musa Pagé, bem autobiográfico. E transcreverei, brevemente:
PRECE:
Gaia,
Templo do fértil.
Mãe temível,
escuta nossas preces,
carícias quentes
no umbigo da Vida.
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