quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Uma oração face à morte, de Bô Yin Râ, traduzida do livro "Das Gebet".

                                
 Mais uma pequena oração (e pinturas) de Bô Yin Râ, esta diante da morte, mostrando uma oração e visão que podemos assumir ou praticar,  benéfica a quem partiu e a nós, melhorando-se assim a aura da Humanidade, religando-a melhor com a verdade, os mestres e a Divindade. 
                                        Diante de um caixão
 
Frio, –
Rígido, –
Silencioso, –
Amo eu
Porém
O que antes
Amei: –
Então quente
Animado, –
Boca eloquente…
Antigamente
Alma de luz,
De vida longa
Portadora,
E capaz de expressão
Cheia de estilo.

Horrível –
Ainda sem aceitar, 

O que agora
      Tem de apodrecer! – – –
Que estas Formas queridas
        Serão agora aniquiladas! – – –
Terrível
Sinto eu
      A transitoriedade terrena:

Agora porém
Pede
Meu amor
Por ti
Tu Alma de luz, –
Que este frio,
Imóvel,
Não te pode mais servir, –
Que a ti rapidamente
Os elevados Auxiliares
Se mostrem reconhecíveis,
Afim de que tu
Sem demora
Teu caminho para a Luz encontres: –
 Luz própria te tornes,
Tal como a Luz
Do começo primordial
Outrora foste!

Encaminhai,
Conduzi,
E ensinai,
Vós mestres irradiantes da Luz
Da mais sublime Luz do mundo!
Dirigi
Ao mais elevado objectivo: –
À perfeição da luz
No eterno espírito, –
O que eu amo
Com toda a força do Amor,
Agora, – como outrora!»

                                           

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Poemas de Mevlana Rumi, em homenagem a Qassem Soleimani e Al-Mohandis, lidos e traduzidos, e transcritos, por Pedro Teixeira da Mota

Li alguns poemas de Jalāl ad-Dīn Muḥammad Rūmī, traduzidos para francês por Emir Nosrateddine Ghaffary (incluídos na obra Farah, editada em 1965, em Teerão, onde a comprei num alfarrabista em 2010), em homenagem aos heróicos comandantes da resistência irano-iraquiana Qassem Soleimani e al-Madhi Mohandis, no 2º aniversário do seu martírio pelos drones norte-americanos liderados por Trump e Pompeo, no Iraque. Li traduzindo e comentei, gravando, e poderá ouvi-los no fim. E flores e amor para as almas luminosas, mártires e inspiradoras de Qassem Soleimani e Al-Mohandis...

E para contextualizar melhor o que li e comentei,  vou acrescentar por escrito outros poemas de Rumi partilhados por Emir N. Ghaffary, que inicia a obra com um bela dedicatória à companheira, agradecendo eu à amiga Elahe Habibi alguns esclarecimentos quanto à tradução de algumas palavras iranianas:
«À doce companheira da minha vida aqui em baixo. Aquela cujo
pensamento transcendental Hagighi (Verdade)  já era na pre-existência idêntico ao meu pensamento e cuja luz clarificada no Único reunir-se-á à Imanente Realidade Criadora: O Khaleg
[Criador-Deus] do Além.»
Muito valiosa dedicatória, pela reminiscência da pré-existência
enquanto almas gémeas e aponta uma linha de trabalho espiritual: clarificarmos, melhorarmos, intensificarmos a nossa luz interior pela sua comunhão com a Divindade, que é tanto transcendente como imanente. 

Acolhamos os poemas do flamejante Jalāl ad-Dīn Muḥammad Rūmī:

«Que frescura espiritual,
Quando sentados na varanda, tu e eu.
Diferentes na forma e na face
realizamos sermos uma só alma, tu e eu.
As estrelas do céu virão olhar-nos
e mostrar-lhes-emos a tua beleza, como a da Lua, tu e eu.
Tu e eu, saídos do nosso Eu, estaremos sentados em êxtase
Felizes e libertos das alucinações e tabus, tu e eu.

Todas as aves do paraíso, inebriar-se-ão de frutos doces
ao verem-nos rir tão alegremente, tu e eu.»

 «Aceita do Amor - com felicidade e alegria - o vaso do vinho
Este vinho que grita: "Onde é que está o desencantado?"
O que é a vida sem Amor?
Um capricho num ambiente rígido.
E face ao Amor, o que é a Vida?
Uma duplicidade escrava em correria.
Vou-te pôr uma questão, vou dizê-la e calar-me:
Como amadurecem a nossa alma e o nosso coração?
É a partir da inexperiência.»

                                        

Mevlana Rumi criou e poetisou muito a Sama, a dança circular, em volta do centro, e do Murshed (mestre) ou do Sol espiritual, e pela qual os sufis tentam expandir a sua consciência para as dimensões subtis e espirituais e elevar-se para o Divino. Oiçamo-lo em mais uma tradução indirecta, a minha, através do francês, e sabendo nós como Mevlana Rumi tem sido manipulado e superficializado em tanta tradução traidora. Boa e fidedigna (pois há também já muitas falsas) é a música que pode escutar  por esta ligação: https://youtu.be/_h1wayIgn8o

«Atenção, sufis! Hoje é preciso
Estar alegre e inebriado para dançar o Sama.
Atenção! Os nossos espíritos serão hoje preenchidos
Do perfume dos reencontros do mundo espiritual...»


«Não viste em certos parques
A árvore enlaçar a sua vizinha!
Sabe que o vento primaveril é a causa
De cada vez que, ao dançar, um ramo se mexe.
Porque queres tu portanto fugir a esse vento
Não sabes - que ele te traz ajuda e assistência?»

«Esta chama que brota do canto da flauta é expressão da alma,
Que os que não têm esta chama sejam reduzidos a nada.
Pois quem está privado deste fogo é como um morto
É o fogo do amor que inspira a flauta.
E o gemido da cana verde fala-vos de separações:
Depois que me cortaram do campo natal, diz ela,
Homens e mulheres escutam a minha voz queixosa.

Queixo-me de estar separada dos meus,
O meu coração está dilacerado pelo abandono.
A minha voz em som triste é para vos exprimir a minha pena
Pois toda a pessoa que esteja longe das suas origens
Procura a altura em que a reunião se operará de novo.
Também tu, irás um dia reunir-te ao teu Deus.»

Terminemos esta pequena antologia, com outro poema em que a mesma nota fundamental é tocada, a da busca da religação com o Deus vivo de cada um, no íntimo, pelo amor, o silêncio, a aspiração. E que nesta curta viva terrena devemos tentar realizar já, ou mais...

«Escuta o som da flauta que sem a ajuda da linguagem te fala.
Sem palavras ela faz-se ouvir, como jóias em cascata.
Agora que os nossos companheiros se aqueceram, senta-te tu, pois
A chama da flauta abrasou-nos tanto que extingui-la é impossível.
Quando estiveres em Sama ultrapassar-te-ás a ti mesmo,
E talvez no espaço duma respiração, vejas a imagem da Divindade Amada.»                                     

                      

Fotografias de pedras e cerâmica com história e alma, por Pedro Teixeira da Mota.

         Pedras recolhidas por Portugal e com impregnações energéticas e históricas, em geral enigmáticas, fotografadas a 4 de Janeiro de 2022.. 

A alma latente na pedra já clama e aspira, poetizava Antero de Quental no soneto Evolução.
                                                                

Milagres das pedras poucos os fazem e contudo são tantas e tão belas como as fragrantes rosas e fortificadoras...
                                                   
                          Divindade infinita, na pedra já cultuada...
                                   
Os humanos pelo Amor chegam ao espírito e por fim à Divindade.....

             
Seres latentes espreitam: anões, duendes e pans se chamaram
                
Fragmentos plenos de amor de tempos antiquíssimos...

                                              
                                              
                                              
Volutas greco-romanas, de Tróia, e a estrela que nelas pousa e estabiliza.
                                               

                         
Como está a tua estrela, e a tua aura?
                                                     
                                                     
                                               
Qual ídolo placa, a pedra pode ser espelho para o Divino, e fonte de admiração e gratidão para Ele(a), primordial Amor...
                                              
Ó Grande Deusa, Amante, Mãe e Musa de gerações infindas...
                                              
        Culto no Lar, criar, avançar, ano mais divino a brilhar!  

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Dos Místicos Persas. Homenagem da tradição espiritual iraniana e da portuguesa aos comandantes Qasem Soleimani e Madhi Muhandis, no 2º aniversário do seu martírio e ungimento.

 Quando, convidado a conferenciar no Irão sobre o misticismo islâmico em Portugal e os diálogos ecuménicos desde o tempo dos Descobrimentos, numa universidade da cidade santa de Qom, perto de Teerão, afirmei a meio do semi-improvisado discurso, diante dos estudantes e professores de teologia e literatura, que considerava os místicos persas dos melhores do mundo, terei surpreendido os ouvintes iranianos, mas expliquei-lhes como tinham desenvolvido bem a ascese interiorizante, o desprendimento do mundo e os sentidos espirituais e assim atingir níveis muito profundos de auto-conhecimento espiritual e da relação com o cosmos subtil e a Divindade, transmitindo tal excelentemente aos discípulos ou por escrito. Já na parte final das perguntas fui questionado quanto à razão de ter referido além de Sohrawardi, Maulana Rumi, Ruzbehan, Najm Al-Din Kubra e o mestre Nur Ali Shah (1748-1798), sendo este um mestre tão pouco conhecido no Ocidente. Ora, curiosamente, como viria a saber finda a sessão,  eram discípulos dessa linhagem ainda hoje viva no Irão que me interpelavam e com quem me viria encontrar alguns dias depois.
Na realidade os místicos persas têm atrás de si uma longa tradição espiritual, tal como também os indo-europeus da Índia, pois recuam as suas raízes ao Zoroastrismo, a Mani  e às sucessivas transformações do Mazdeísmo, a que a se juntará a passagem dos sábios gregos, aquando do encerramento em 529 d. C. da Academia Platónica em Atenas pelo imperador Justiniano, bem como de gnósticos e, por fim, a entrada dos árabes seguidores do Islão, em meados do séc. VII.
Ora o Zoroastrismo tinha adoptado uma concepção ou cosmovisão pela qual Deus não podia ser a origem do mal, pelo que assumia o mundo como uma luta entre dois princípios do Bem e do Mal, estando o Espírito do Bem, Hormuzd (ou Mazda Ahura) acima do espírito do Mal Ahriman. E só com a vitória final de Ahura Mazda (Hormudz)  se iniciaria a era plena do Bem, tão desejada e esperada. 

Com esse desejado retorno do Divino à Terra, profetizado ou imaginado com a entrada em acção dum último grande mestre, Saoshyant, de que o avatar Kalki no Sanatana Dharma da Índia é uma mesma concretização de arquétipo, tal como o são ainda as crenças ou expectativas do retorno de Jesus ou as do Décimo segundo  Imam escondido dos xiitas, o Madhi, não se excluía, antes pelo contrário, era bem reafirmada, a importância do nosso trabalho interior e da vivência virtuosa quotidiana, tal como podemos ler já numa das preces zoroástricas ou mazdeístas: 

                                       
                           Zoroastro (ou Zardocht), Yasna 48, 12:

«Os salvadores (Saoshyants) a virem dos povos
são aqueles que, pelo Bom Pensamento (Vohuman)
se comprometem pelos seus actos a realizar
os deveres que vós, Mazda, o Sábio,
transmitistes enquanto justiça verdadeira. »

Esta sobreposição ou síntese no Irão do melhor ou do essencial das tradições religiosas indo-europeias e da semita islâmica deu uma simbiose potencialmente muito rica de universalismo e de amor, de tal modo que no Irão se desenvolveu mais fortemente a religião de Amor, tendo como seus profetas ou mestres principais os poetas Hafiz e Saadi, sobre os quais conferenciei em Teerão e Shiraz,  quando estive no Irão, em 2012. Pude nessa ocasião aperceber-me quão real era tal asserção, nomeadamente quando peregrinei aos túmulos destes dois grandes poetas e místicos de Shiraz, observando muita gente e jovem a acercar-se dos belos mausoléus e a recitar de cor, ou então a ler, poemas com sinais de grande devoção e felicidade. Ou então a praticar a istixara, a abertura ao acaso dos Diwans ou Antologias, para se receber inspiração.

Nur Ali Shah, em jovem mas já mestre. Fotografia tirada num museu de Teerão.

Foram muitos os escritores, mestres, filósofos e grandes poetas persas que aprofundaram os mistérios e belezas do Universo, do espírito e da Divindade e na palestra referi Rumi, Nur Ali Shah, Ruzbehan, Sohrawardi, Najm Al-Din Kubra, ou ainda os indirectos da Índia mogol, Akbar e seu bisneto Dara Shikoh, e os seus respectivos sheiks ou mestres, e que em animados diálogos na Ibadat Khana, a casa de Adoração, com os missionários portugueses e ocidentais e representantes de outras religiões, estiveram em busca dos melhores princípios e práticas espirituais, os quais por Akbar em 1582 foram enunciados na fundada por ele Religião Divina, Din i -Ilahi.

Esta longa introdução serve para contextualizar alguns poemas dos grandes místicos persas que contêm em si sinais da religião de Amor, fagulhas da comunhão na essência espiritual comum dos seres e das diversas religiões e tradições, neste dia 3 de Janeiro, em que, comemorando-se o aniversário do assassinato cobarde pelos norte-americanos, liderados pelo tão manipulado e estouvado Donald Trump, dos heroicos comandantes da resistência ao terrorismo, o general Qassem Soleimani e o comandante Abu al Madhi Muhandis, quis de algum modo homenagear o passado, presente e futuro desse fabuloso povo e civilização do Irão e curvar-me sob o sangue sacrificial ou santo derramado e que certamente dará os seus frutos tanto de justiça na terra como na vida subtil espiritual...

Os Mestres, e sobretudo quando morrem assassinados cobardemente por Estados opressores, tornam-se mais dinâmicos em muitas mais almas, ou mesmo em povos inteiros... Longa vida anímica e espiritual aos corajosos opositores ao terrorismo anglo-americano, da NATO, saudita, qatarico, israelita e turco. Longa vida aos heroicos comandantes da resistência Qassem Soleimani e Abu Mahdi al-Muhandis que são, tal como Julian Assange, Cristos ou ungidos e mártires dos nossos opressivos tempos... Lux Dei!

Oiçamos então algumas sementes da grande agricultura mística e ecuménica persa, tão actual para os nossos dias de pouco respeito pelas religiões dos outros, extraídas e traduzidas da obra Farah, L'Univers Paradisiaque des Soufis Persans, do Emir Nosrateddine Ghaffary, 1965, Tehéran, comprada num alfarrabista em Teerão. 

Ferdousi (940-1019), o Camões persa, a propósito dos zoroastrianos, mazdeístas, ou magos, e que chegaram ao conhecimento Ocidente de certo modo na lenda dos três Reis Magos,  eis uma quadra tão bela: 

                               

«Permanecem uma semana toda na comunhão de Deus.
Não creias que eles adoram o fogo.
O fogo é só o Oriente da sua oração
E os seus olhos estão cheios de lágrimas puras...»

                               Nizami Ganjavi  (1141-1209).

«A Deus sobem todos os pensamentos
E Dele descem todas as palavras.
Que o Seu Nome coroe toda a tua fala, recitação ou oração.»

                              

Farid al-Din 'Attar  (620-1223), já evocado neste blogue a propósito da sua Conferência dos Pássaros, que foi ilustrada entre nós por José Pinto Antunes, numa exposição de curadoria do Hélder Alfaiate (ambos já partidos para o além e logo muita luz e amor para eles) e para a qual escrevi o texto de apresentação, que encontra neste blogue. Oiçamos Attar:
«Nós somos os eternos mazdeístas
Nós não somos muçulmanos
Nós somos a honra da infidelidade
E a vergonha da fé oficial.

Muçulmano, eu sou esse mazdeísta
 Que constrói o templo do ídolo,
Sim, eu estou na fundação de tal templo.»


            Do mais famoso, Molana Jalal ad-Din Rumi (1207-1273):

 «Que devo eu fazer, ó crentes
Se não me reconheço a mim mesmo
nem como cristão nem judeu
nem mazdeísta nem muçulmano
nem do Oriente nem do Ocidente,
nem do mar nem da terra
nem dos céus em rotação,
nem das minas da natureza.
Não possuindo alma nem corpo,
pertencendo ao Espírito supremo.
banindo a dualidade,
Não vejo senão um no universo, Ele.
E se me for dado um dia qualquer,
de estar um instante ao pé dele,
terei o mundo sobre os meus pés ...
e, então, dando-me todo, dançarei.»

                                Rahi Mo'ayyeri (1909-1968)

«Se tu podes ver o nosso brilho pelo olhar do coração
Verás no fundo do coração resplandecer o brilho de Deus.
Então poderás ler nos nossos olhos, o segredo dos céus
e veres sobre a tua fronte desenhar-se a aurora luminosa.

 A flauta separada dos lábios não tem som.
Pobre de ti se o teu coração está separado de Deus.»

 Saibamos vencer a forças do medo e do mal, tão visíveis  e preponderantes na violência, manipulação e opressão actual, e neste texto mencionadas e, mais despertos e determinados, ardamos  corajosamente no Amor da Divindade e pela Harmonia e Felicidade da Humanidade e dos que nos estão próximos...

Arco-íris da Paz justa, por Bô Yin Râ.

sábado, 1 de janeiro de 2022

"Contemplação" e "Evolução", sonetos de Antero de Quental, lidos do alto do Touro, no Gerês transmontano, e comentados brevemente

 No meu diário, a entrada de 19 Julho de 2021, segunda-feira, no Gerês transmontano, regista: «São 8:45. Saímos perto das 6, ao amanhecer, eu e o amigo Nelo (filho do sábio Manuel Afonso e de Soledade), grande conhecedor da região aonde a sua família habita já há séculos, para o Touro, um pico alto (cerca de 900 m.) aqui perto. De carro uns minutos e depois a pé. Alguns momentos mais difíceis pelos desníveis ou inclinações dos penedos por onde tivemos de subir ou descer, num local usando mesmo cordas, mas fez-se bem, a descida começando às 8:00.

                                 

                                 

Já na grande fraga do alto, com os seus característicos regos que pensamos frequentemente serem de cultos antigos mais do que de chuva, expandimos a alma na ampla vista sobre os montes circunvizinhos, as neblinas matinais e os horizontes longínquos, para além do Sol já erguido e o céu azulado  palpitante de mil partículas ou esferas luminosas voltijantes, o prana dos yogis indianos.

                                       

Levara uma edição de bolso dos Sonetos de Antero de Quental  abri à sorte, o istikhara persa, e li e comentei dois poemas: Contemplação e Evolução, valiosos mas ainda assim com uma ou outra limitação, talvez merecedoras de formulação mais optimista e luminosa: nomeadamente ao chamar ao granito antiquíssimo inimigo, ainda que fosse do mar, pois porque não ver um conúbio amoroso entre água e o granito da terra, tal como sentimos aqui entre o sol-céu e os penedos graníticos ?

                                     

O melhor dos dois poemas é sem dúvida a grande aspiração à liberdade com que Antero os escreveu, ou neles a inseriu, a partir das suas concepções filosóficas: na Contemplação, que já comentei noutro artigo, muito teórica ou mais da imaginação, termina com a concepção panpsíquica que unifica a matéria e o espírito, de acordo com a sensibilidade nocturna anteriana, no caso realçando a aspiração a mais luz:

«E dentre a névoa e a sombra universais
Só me chega um murmúrio, feito de ais...
É a queixa, o profundíssimo gemido

Das coisas, que procuram cegamente
Na sua noite e dolorosamente
Outra luz, outro fim só pressentido...»

Já o segundo soneto Evolução é:

«Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem ‑ e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.»

Neste soneto Antero exprime uma sensibilidade panteísta, ecoando talvez até alguma poesia persa que leu, nomeadamente Rumi (que tem poemas parecidos, como pode ler neste blogue), ou mesmo um credo evolucionista, sem dúvida verdadeiro em termos do corpo animal mas que não esgota a pluridimensionalidade humana, constituída como sabemos de corpo, alma e espírito. Ora Antero não aprofundou plenamente a diferença entre o espírito e a alma e concomitantemente ora aceitou, pelo cristianismo da educação e ambiente, a descida do espírito-alma à terra e ao corpo animal, ora viu mais a evolução da substância psíquica ou alma (a que pode chamar também espiritual). desde um estado inconsciente, na pedra, ao consciente  no ser humano. É belo e bem religioso e espiritual o sentimento que sente em si, de aspiração e adoração à liberdade, que é também à Verdade, Amor, Bem e Unidade ou Divindade. Algo desta aspiração de unificação culmina alguns dos seu melhores sonetos, nomeadamente quando refere a comunhão com os amigos ou antepassados já mortos, ou quando descansa o seu coração na mão de Deus. Mas faltou a Antero uma realização maior, meditativa até, do: - Eu sou um espírito luminoso e imortal.

Mais terra a terra, mas também com a adoração, brotou-me um breve poema escrito após a subida e sobre o granito, meu grande amigo antiquíssimo, ainda que já tenha escorregado dos seus penedos em declives uma ou outra vez e até sangue derramado. Ei-lo:

«Subo ao monte íngreme e pedregoso,
Faces lisas e altaneiras deparam-se-me.
As urzes e arbustos rasgam-me a pele,
Pernas e joelhos tremem do esforço
Mas não podemos parar nem duvidar,
O caminho pode ser mesmo a ajoelhar.»

Segue-se a leitura, com algum vento, dos sonetos Contemplação e Evolução, de Antero de Quental, num alto do Gerês:

                     

Começo do ano da graça de 2022 nos diários, blogues e almas, na comunhão das almas e correntes divinas...

 Demos graças por estamos vivos e comungarmos com o corpo místico da Humanidade, rumo à Divindade ( ...) Oremos para que em 2022 diminuam as desigualdades e injustiças, a ignorância e as manipulações, o sofrimento e a mentira, e brilhe mais a Verdade e o Amor.

Uma nova letra (...), bela, irá acompanhar-me neste diário de um espiritual, bibliófilo, bibliotecário, biblioterapeuta, investigador, escritor e conferencista disposto a, com os esforços necessários, a gnose justa e a graça do Alto, religar-se mais ao espírito, a Deus e ao plano divino em que estamos inseridos, e que nos cumpre discernir bem, sobretudo quanto a tarefas e demandas, prioridades e elos, pois a união que faz a força passa-se a muitos níveis, desde a música que ouvimos, ao livro que lemos, às pessoas que apoiamos ou ouvimos, num entrosamento que desejamos útil a tal plano de melhoria da Humanidade no maior número de campos e níveis possíveis.

Vejamos o que será o novo ano, o que irá surgindo de actividades, de amizades aprofundadas, e para isto sendo bem necessário saber discernir e seleccionar o trigo do joio e com quem podemos verdadeiramente trabalhar para o mútuo intensificar espiritual e o frutificar nos ambientes e almas que podemos ou devemos tocar.

Modestamente, humildemente, sem hubris ou arrogância, mas antes com a prudência da serpente de Esculápio e do mocho de Minerva, mantendo no coração nossos mestres da Antiguidade, tais como Pitágoras e Plutarco, Plotino, Porfírio e Apuleio, e do Renascimento, tais como Erasmo, Pico della Mirandola, Marsilio Ficino e Giordano Bruno, saberemos não cair em nada em excesso e trilhar a via estreita do Y pitagórico, tentando aprofundar alguns ensinamentos e partilhá-los com as poucas almas que sentem afinidades connosco ou que, conhecendo-me pessoalmente sentiram algum amor e valor em mim e entre nós, aqui e acolá chegando ao coração puro espiritual, graça muito, muito rara mas que supera as distâncias e limites e nos faz sentir a satsanga indiana e o encontro dos corações filigrânicos e seus rios, oceanos e fogos...

De tais ensinamentos ouvidos, lidos, recebidos, comungados, estudados e amados aos longo das décadas que já levo no Caminho espiritual na Terra, destacarei os ensinamentos de mestres como Pitágoras, Lao Tseu, Buda, Jesus, Sohrawardi, Ruzbehan, Ruysbroeck, Marsilio Ficino, Dara Shikoh, Ramakrishna, Tolstoi, Tagore, Gandhi, Roerich, Ranade, Yogananda, Henry Corbin e Bô Yin Râ, e em especial os últimos, ou mesmo mais o último, como os mais importantes e actuais, e neles me concentrarei e trabalharei partilhando a sabedoria que for discernindo ou vivendo, no blogue que leva o meu nome e onde brevemente, de um a dois meses, se tal for da graça divina presente, chegarei aos 1008 artigos publicados, substanciais, perenes, e que convido a visitar de quando em quando e digitalizar algum nome ou palavra que lhe interesse auscultar....

Enquanto nascido em Portugal, ou Lusitânia, e sob o seu (meditado e sintonizado seja) Arcanjo, faltaria a um dos meus mais sagrados deveres se falhasse em honrar, comemorar, relembrar e aprofundar as vidas e ensinamentos dos nossos antepassados e antecessores, todos nós elos da Tradição Espiritual Portuguesa, e a alguns deles já devotei muitas horas da minha sempre exígua existência e criatividade, e assim referirei, além dos muitos cavaleiros e cavaleiras do Amor tão brilhantes no primeiros séculos da monarquia, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Bocage, Antero de Quental, Fernando Leal, Jaime de Magalhães Lima, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Teixeira Pascoaes, Wenceslau de Moraes, Dalila Pereira da Costa, Agostinho da Silva, Sant'Anna Dionísio, Miguel Torga, Martins Janeira e Pina Martins, havendo porém muitos outros que gosto, valorizo, trabalho ou tenho obras suas, de tudo dando notícias ou artigos no blogue, para que tais almas e espíritos bem luminosos não sejam olvidados e seus testamentos anímicos valiosos perdidos ou minguados em seco e frustração, antes haja esta troca de vibrações subtis entre eles e nós pelas quais os fiéis do Amor comunicam....

Possa então este ano de 2022 ser verdadeiramente renovador das nossas melhores potencialidades e qualidades e resultar no bem nosso, da Humanidade e do Planeta, em comunhão com o Spiritus Mundi, e os seus seres e agentes, mestres e espíritos celestiais.

Himavat, por Bô Yin Râ... Que nos inspire, fortifique e aprofunde em 2022... Aum...

Justificação das Efemérides anuais, mensais e diárias do Encontro do Oriente e do Ocidente, sempre a crescerem neste blogue.

                                            

É bom e benéfico irmos às vidas e páginas do passado, escritas com sangue e dor, sabedoria e amor, e daí ler e assimilar os exemplos e ensinamentos que nos possam inspirar e impulsionar a  atravessar as lutas e  purgatórios actuais, rumo ao Oriente de onde vem a Luz, Deus ou Verdade. 

Ou seja, recolher, absorver, comungar com os grande seres, vidas e obras, recebendo os seus exemplos, ditos e conselho para que consigamos iluminar-nos mais dada a quase ausência deles nos nossos dias e atravessarmos a agitação das mil comunicações superficiais contraditórias e divergentes que tanto caracterizam e distorcem a limpidez desejável ou possível do presente..

Como pode desenvolver-se um são heroísmo, grandes esforços para o bem? Como podem  manifestar-se tais virtudes ou qualidades luminosas, se não forem dados os nutrientes necessários ao crescimento de plantas  raras nos dias de hoje?

Ora relembrar e meditar os feitos e conselhos dos grandes seres e os pensamentos dos sábios, penso ser  dos melhores modo de permitir às pessoas uma certa aproximação ou mesmo  comunhão com o  Graal - a tradição perene, a realização divina, o espírito santo, a natureza búdica, o coração espiritual ou como lhe quisermos chamar - alcançado por alguns desses seres e que nós poderemos talvez assim também atingir ou fazer resplandescer.

As efemérides mensais que se encontram no blogue tem vindo a ser acrescentadas desde que foram publicadas em livro em 1998, o Livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente, e hoje o livro teria o o dobro ou triplo do tamanho, tal a quantidade de novos seres, acontecimentos, datas, ensinamentos e imagens que fui beneditinamente recolhendo de muitos livros e revistas que me foram passando pelas mãos.

Esta comunhão de almas que nos é oferecida mensalmente pode ser acolhida de alguns modos, mas talvez um das melhores será escrever na sua agenda semanal ou mensal, alguns dos dias em que um ser de uma efeméride (tal o nascimento ou morte) mais lhe diz ou toca, e depois, chegado a esse dia, ler, meditar e quem sabe actualizá-la e assim interrelacionar-se bem com o que nestas efemérides é cultivado ou mesmo cultuado: o   corpo místico da Humanidade, pois assim verdadeiramente se pode chamar, já que a maioria dos seres mencionados estão bem despertos, luminosos e activos nos planos subtis e espirituais. 

                                                                       

Criarmos algumas amizades com grandes seres que já partiram é bastante necessário nos nossos dias quando a pobreza intelectual e espiritual abunda e as nossas amizades e relacionamentos, conversas e diálogos em geral não ganham as dimensões profundas e afins que poderíamo conjecturar que se tornarão imortais, permitindo virmos a ser com gosto almas companheiras, ou pelo menos dialogantes, nos mundos subtis e espirituais, no post-mortem.

                                              

Escolha então pelo menos nos trinta dias de cada mês algumas almas luminosas e passe a conhecê-las melhor, quem sabe a lê-las ou meditá-las. Seria bom ficar com mais alguns bons amigos ou amigas para sempre. Boa sorte nas escolhas e sintonizações. E em Janeiro são muitas desde Ramakrishna e Vivekananda a Vasco da Gama e seu filho Estêvão, ParamahamsaYogananda e Lanza del Vasto, D. Dinis e Gil Vicente, os padres Roberto da Nobili, S. José Vaz e Alexandre Valignano... 

Valete, Frates et Sorores.

Com o tempo, a virtude germina a semente afortunada.Perseveremos, com as bênçãos divinas em 2022.