quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Aproximações ao santo Graal, nestes tempos de pseudo-ensinamentos e falsas profecias...

                                                    
 O santo Graal era e é um subtil cálice ou vaso capaz de acolher, ou ser receptor de influxos subtis, espirituais, do alto, divinos. E é simultaneamente um conhecimento e uma realização espiritual e divina.
Encontramo-lo em diversas tradições pré-cristãs, iranianas e celtas, embora seja com o cristianismo e já no séc. XIII que uma legenda literária se começará a formar, a partir de fontes pré-cristães e cristãs, com certas linhas de força, e a popularizar-se com 5 ou seis versões principais.
Este vaso ou cálice portador do Bem em tais narrativas ora desce do alto, em geral no meio de um grupo bem unido e espiritual, ora se manifesta a uma só pessoa, pela sua aspiração, pureza e coragem, ora na sua intimidade ou visão interior, ora como eleito entre alguns próximos.
A procura do merecimento da descida do Divino, das suas energias, forças ou bênçãos, seja directas seja através dos seus cavaleiros, guardiões e iniciadores, é de certo modo a demanda do santo Graal.
Ou seja, como estarmos conscientes, preparados, merecedores, receptivos, sintonizados e intuitivos com o nosso ser espiritual, com os planos espirituais e os seus seres e forças benéficas, luminosas, divinas, maxime, o Espírito Divino...
O que se vê é o brilho do espírito, o que desce é a Luz, a corrente do espírito, o amor, a bênção divina que nos intensifica e plenifica na auto-consciência espiritual harmoniosa e nos faz dar graças...

O santo Graal pode aparecer a uma pessoa como o resultado de uma ordenação e aprofundamento energético pessoal, ambiental, geral.

Ele pode ser um vaso invisível que paira no centro da divisão em que estamos e que intercomunica com o nosso coração.

Ele pode estar sobre o nosso peito, como uma fulguração das nossas aspirações e realizações e um alinhamento espiritual e cósmico.

Ele pode estar ao longe no cimo de uma montanha (imagem de uma pintura de Bô Yin Râ), custodiado pelos cavaleiros, ou mestres.
O santo Graal visita-nos só de vez em quando e devemos acolher bem tais momentos e depois meditá-los com regularidade para se aprofundar a nossa relação com ele e para comungarmos com tal bênção.

O Graal aparece-nos quando o merecemos, quando a nossa vida, apesar de desilusões, sofrimentos, desânimos e isolamentos, é regida por uma dinâmica de procura da verdade e do amor, de estudo e ordem, de aspiração e amor divino, de fraternidade e universalidade.
Contudo, há que estarmos bem atentos pois a maioria das pessoas não está numa vibração do santo Graal, e menos ainda o mundo enquanto soma das suas pessoas,  demasiado apanhado numa série de egrégoras (políticas, económicas, raciais, nacionais, religiosas, ocultas) em lutas fortes ou mesmo ferozes pelo domínio dos bens escassos e das mentes e energias das pessoas, para não dizer das suas almas e espíritos, sob formas enganadoras de novas ordens ou  religiões...

Sabermos ainda assim escapar às tentações e logo ao mal, que poderemos delinear como a ausência do bem e da verdade, é fundamental. Só assim se pode dar o acolhimento do Divino e sermos portadores do Graal. A sua sintonização e comunhão regular é uma tarefa a ser sempre prosseguida, e por isso nos romances antigos do ciclo do Graal os cavaleiros partiam em aventuras, perigos e tentações, para apenas uma ou outra vez, um ou outro, conseguir contemplar o Graal, ou vê-lo com a luz e o amor Divino.
 
No século XXI a legenda já não deveria ser tanto assim, pois a evolução da humanidade e da suas capacidades de cognição e auto-conhecimento deveriam estar a render mais frutos de lucidez e clarividência, compaixão e amor e logo a não a estarmos ainda tão sujeitos a negatividades e alienações, petrificações e materializações, mistificações e manipulações. Nem a constatações trágicas, tal como a do rei de Thulé que sentindo que a morte vem para o seu corpo não tem no filho nem nos seus cavaleiros a quem possa transmitir a custódia do santo Graal, e lança a taça para o Oceano do imanifestado.

O ser na demanda do Graal, o cavaleiro ou cavaleira, o peregrino ou  peregrina, tem assim regularmente de orar, invocar, d sintonizar o Graal, clamando com os seus mantras e orações mais adequados, até que, mais harmonizadas e unificadas as suas energias anímicas, possam sentir em si ou ver na sua visão espiritual seja a luz seja o cálice impregnado de luz e amor, e ir assim aumentando a sua receptividade e acolhimento do espírito e do amor a Deus e de Deus, para melhor resistir aos desequílibrios que o rodeiam ou às formas de pensamento enganadoras mundiais

Quem nos ajuda a sintonizar com o Graal, ou a elevar-nos vibratoriamente é o Anjo, o ser do mundos subtis e espirituais que em alguns dos tradicionais relatos do ciclo do santo Graal o precede ou acompanha. Ou ainda os eremitas,  mestres e santos, os seres que estão já despertos nos seus corpos subtis e espirituais e comungam com o Graal, a Fonte e entre si na Unidade.

Portanto lembrar-nos do Anjos, ou contemplarmos imagens ou esculturas suas, ajuda-nos a sentirmos mais luz e amor, a centrar-nos, a alinhar-nos com eles e o mundo espiritual, logo a fazermos descer mais as bênçãos do Graal, do Espírito, do Divino, na Terra.
                                                  
Quando contemplamos a soma de obras escritas sobre a religiosidade e espiritualidade não podemos deixar de pensar como é que se complicou tanto o caminho espiritual, como é que se construíram charadas sobre charadas, mistificações sobre mistificações, alegorias sobre alegorias, evangelhos sobre evangelhos, canalizações sobre canalizações, cabalas sobre cabalas, e só podemos compreender tal como exercícios terapêuticos, catárticos, e em geral até mais egóicos, que os seus autores foram segregando, enganando ou infectando outros.
Após tantos séculos de mistificações nos domínios da religiosidade e da espiritualidade deveríamos já ser bem mais exigentes no que ouvimos, lemos e escrevemos, no que acreditamos e no que nos envolvemos e participamos.
Estou a pensar nas tolices de tantas previsões astrológicas ou de ensinamentos quânticos, nas conversas com Deus e mensagens de mestres ascensionados ou pseudo-instrutores actuais, nas complicações da alquimia e da cabala, nos tratados escolásticos medievais e nas interpretações em forçadas simbolizações do Antigo Testamento ou de outros textos antigos, tão rudes e no seu sentido literal e histórico, ora mostrando a brutalidade dos modos de vida de então ou as limitações das concepções religiosas e de Deus, e a desfaçatez com que se publicaram e publicam (hoje em livros e vídeos) tais imaginações por vezes até desregradas e violentas, em geral enganadoras seja no que ensinam seja nas autorias, tais as  intituladas de Cartas dos Mestres, Decretos, Mensagens dos Mestres Ascensos, Ascensão do Coração, Ensinamentos de Merkaba, Evangelho de Maitreya, etc..

Hoje mais do que nunca há que fortalecer a prática espiritual das pessoas, assente numa vida ética e ecologicamente bem vivida, sóbria e lúcida e sem miragens de saltos quânticos, apocalipses e revelações fulminantes para alguns grupos de eleitos. Que prática espiritual, perguntarão?
Aquelas interiorizações e concentrações, meditações e contemplações que mais nos harmonizarem, iluminarem, satisfazerem, melhorarem, dinamizarem, inspirarem e, ao Graal do coração e da Divindade, nos ligarem ou conduzirem, na paz, na visão, no sentir, no amar, no ser...
Aquelas que tragam ao de cima a espiritualidade própria nossa, livre e libertadora, a da comunhão com o espírito em nós e nos outros, a comunhão das almas no bem e no corpo místico da humanidade....

Saudemos o santo Graal, sintonizemos mais com ele, e os mestres e Anjos que mais o transmitem, com a  intencionalidade persistente do coração sincero, vivo, flamejante, intuitivo, directo, a sós ou em comunhão com outros seres, qual alma-gémea, qual távola redonda, qual campo psico-mórfico que une várias almas, distantes no espaço mas próximas nas colorações e afinidades espirituais. 
Mas não nos deixemos prender nos milhares de grupos semi-iludidos, e de profecias e promessas, ensinamentos e mensagens estrambólicas e desequilibradas,  atribuídas a extra-terrestres, a mestres ascensos, a Jesus e a Deus, tal como tanto ser ambicioso e descarado proclama, gera e confunde. Liberte-se dessas ilusões, ainda que possa participar aqui e acolá nos grupos que tentam verdadeiramente discernir e viver os mistérios...
Ore e medite mais no silêncio com humildade e persistência, aspiração e amor, e receba os sinais ou as bênçãos interiores... 
 Este texto, "concluído" hoje 11-11-2021 e revisto em 17-1-23, que seria para o livro em preparação Ensaios Espirituais, é dado à luz antes no blogue, pois talvez seja mais lido do que em livro, uma realidade que temos contudo de avaliar constantemente. Poderá todavia um dia, e até aprofundado, ter lugar nele ou num outro, pois o mistério do Graal tem sido demandado e escrito por mim ao longo dos anos...

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Palavra sobre Deus, Logos, Espírito Santo, Espírito, Meditação, Campo unificado de energia consciência, Ecologia, Liberdade....

Uma breve aproximação a alguns dos grandes mistérios da Vida, de Deus, da Trindade, do Espírito Santo, do Espírito em nós e dos caminhos da religião perene ou universal, com algumas referências às tradições grega, romana, cristã e indiana, e à ciência moderna, e com indicações práticas para melhor fazermos luz. Apenas 21 minutos de palavra fluída, gravada pelas nove e tal da manhã de 9.XI.21

Se alguém quiser dactilografar o texto, agradece-se, pois servirá certamente para o podermos aprofundar e escrever por cima e por dentro.

Lux Dei.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

O Salão Anual dos Sócios da Sociedade Nacional das Belas Artes. Imagens de algumas das melhores obras expostas, no rés do chão. 5-XI-21

 Inauguração do Salão Anual, sob a temática do Ambiente. Lisboa, 2021.

Uma visita que se esperava breve alongou-se pelo encontrar de algumas pessoas amigas e de outras que se vieram a cruzar e a reconhecer nestes momentos de entrada e imersão numa sala-gruta- piscina em que infinitas sinapses quânticas se estão a interconectar constantemente, graças ou infelizmente sem nos darmos conta, apenas vendo que houve alguns encontros mais longos com pessoas mais afins e logo conversantes, ou seja, convergentes para a Verdade. E uma escolha das peças que, entre as cerca de 80 expostas no rés do chão (e no andar de cima haveria mais 100) me encantaram e foram então fotografadas e agora partilhadas:

O Futuro semeia-se e constrói-se no Presente, e a educação é quase tudo.

                                           

De António Ventura, este trabalho que sob o dito clássico "Ars Longa, Vita Brevis", nos mostra muitos livros cortados e intervencionados, com cola e papel, e como que comprimidos pela passagem do tempo e contudo talvez com conteúdos preservados e quem sabe transfigurantes para quem os souber intuir, ler, aplicar, viver.

 De Lu Mourelle, "Sydri", acrílico s/ tela. Quem não gostaria de ler ou meditar sob esta árvores elegante, frondosa e inspiradora? E como o tema da exposição é o Ambiente, que melhor ícone da Natureza que a Árvore, eixo dos mundos?

Autora não registada, num ver calmo, firme e desafiante...

De Beatriz Cunha, em madeira reutilizada, este sólido platónico contemporâneo, talvez uma arquetipização das geometrias subtis do mundo e da humanidade actual, "PGSOL", quem sabe pedindo que haja mais contemplação das formas e ideias arquétipas, para remodelarmos o mundo, a sociedade, as almas...

De Elizabeth Oliveira, esta fotografia da luta dramática da estátua clássica pela sua respiração livre, ou "Arts in Covid".

A Maria José Menezes, numa técnica mista com colagem sobre papel kraft intitulada "Do Fundo do Baú", desafia-nos a fazermos sair das nossas profundidades e potencialidades os ornatos e jóias criadores de beleza, harmonia, amor...
A Cristine Enrègle, que acabou agora uma residência artística de dois meses no Museu de Ciência Natural, da qual resultará dentro de meses uma exposição de desenho de plantas e folhas, captou bastante do génio refulgente, na fotografia a cores "Depois da Chuva", de uma das duas subtilmente animadas figueiras do jardim Botânico de Lisboa.
 
De Lena Horta Lobo esta fascinante multidimensionalidade outonal, "Autum Light", uma fotomontagem a partir de fotografias de uma sua tapeçaria.
 
 Escapou a autoria e título, mas é um alfabeto e uma linguagem bem sensual, animada e exemplificante das pernas e pés de uma mulher sensível e expressiva e, ao ser muito bem fotografada e sequenciada, quase em movimento transformada...
Bem desafiante peça, para entramos e nos elevarmos, e que foi a segunda menção honrosa, de J. C. Trindade, mas cujo título me escapou.

De Milucha, inegavelmente uma das melhores obras (técnica mista: grafite, lápis de cera e acrílico)  e por isso menção honrosa, ou não encaminhasse o seu título para essa actividade honrada e criadora e tão necessárias às almas viandantes e que se querem despertantes:  "Meditações"...

De António Marques Miguel este diagrama, a lápis antracite, com marcadores a cores, dos mundos subtis "Ao longo das cíclicas" que Dante imaginou visitar e que muitos  artistas e comentadores seus desenharam e meditaram...

De António Saraiva, as inestéticas máscaras transfiguradas pela poderosa arma da sensibilidade e delicadeza feminina, em colagem que vence "Covid19/2020"
 
                                  
A tripla instalação de João Motta (ou João Teixeira da Mota), com um pequeno (3 minutos) mas bem profundo filme de Eduardo Sousa, e ainda um texto,  intitula-se "A Crise Planetária. A relação do vírus com a Humanidade", na qual procura dar sentido ao mundo actual recorrendo às visões orientais que o vêm como ilusório, na sua separatividade e dualidade, e  necessitando de ser desegotizado e caminhado com mais profundidade e harmonia. E, lembrando-nos do poder do sorriso ou mesmo riso, deseja "que uma epidemia de riso dissipe as trevas da ignorância..."
                                  
                                                    
                                                   
Glória, César (com o seu canal das Conversas da Alma) e João, comunicadores multidimensionais.
                                

Livros sobre Anjos, (4) , em inglês ou francês, comentados e classificados.

Livros sobre Anjos, em inglês ou francês, comentados e classificados: *** Bom, ** Médio, * Fraco. Quatro realizados, no dia 5.XI.21...

1 -  KAUFFMANN, Jean-Paul. LA LUTTE AVEC L'ANGE. Paris, La Table Ronde, 2006. In-8º 336 p. Uma boa investigação da igreja parisiense de Saint-Sulpice e da pintura de Eugène Delacroix  sobre a luta do Anjo e Jacob, que se encontra dentro da mesma igreja na capela de Todos os Santos, servem para o autor levantar questões sobre as representações dos Anjos e de Lúcifer e, logo, da origem do mal, com comparações com outros pintores dos mesmos temas. Investigando a vida, imagens e cadernos de Delacroix (1798-1863), transcreve o convite publicado pelo pintor em Julho de 1861 para a visita das suas pinturas, que termina assim: «Esta luta é vista, pelos livros santos, como um emblema das provações que Deus envia a qualquer um dos seus eleitos». Não teve contudo o sucesso desejado, embora os seus amigos Theophile Gautier, Théophile Thoré e Baudelaire o felicitassem. Ingres, o rival de Delacroix, comentará o quadro ao prior da igreja: «não tenha dúvidas que o mal existe». Eugène Delacroix morrerá em 13 de Agosto de 1863, algo entristecido, junto à sua floresta de Sénart, onde pontificava o carvalho de Antin (ainda hoje vivo), pintado por ele e outros e que terá servido de fonte para a pintura, e numa casa e atelier que consegue visitar, e onde o dono confessa a presença forte de Delacroix. 

A obra termina com uma visita a uma das tragédias culturais da actualidade, por o dinheiro público ser mal gerido e não se criarem mais locais de preservação e culto da arte e da beleza, antes se preferindo dá-lo a tanto explorador ou loteador do bem comum: as reservas dos museus, onde obras de arte por vezes fabulosas não são expostas e antes vão-se deteriorando frequentemente, no caso deste livro uma pintura  de Jacob em fuga para a Mesopotâmia, de François-Joseph Heim (1767-1865), contemporâneo e amigo de Delacroix.   Quase um romance de suspense, mas sem medos, de história de arte e que prende ou se lê bem, embora sem grandes dados valiosos sobre os Anjos.**

2 - SULLIVAN, Paul O´. ALL ABOUT ANGELS. Lisboa, The Catholic Printing Press, 1945. In-8º 112 p. Br. A obra leva a recomendação inicial do cardeal patriarca Manuel Cerejeira:«Peço a Deus que abençoe abundantemente esta obra de modo a que possa vivificar a fé e intensificar a devoção dos seus leitores». Também o bispo de Portalegre, Domingos, escreve: «A devoção aos Anjos é muito pouco praticada considerando os imensos benefícios que eles estão  tão prontos a obter para nós. O nosso querido Anjo é o melhor e mais poderoso amigo durante os longos anos das nossas vidas.» O autor narra casos de aparições autenticadas recentes, e seguindo a doutrina de S. Tomás de Aquino, tenta explicar quem são os Anjos, o que fazem, onde estão, como são e como nos querem ajudar, dando muitos exemplos da Bíblia e das Vidas dos Santos. Inicia com as visões do Anjo de Portugal e da Paz em Fátima, em 1917 e como os pastorinhos se sentiam em paz e grande força com as bênçãos. Alguns exemplos dos muitos ensinamentos:  A S. João Bosco, o anjo apareceu-lhe com um cão para guiá-lo. O padre Lamy (1853-1931) disse: «Os anjos são muito tocados quando lhes oramos. É muito útil orar aos Anjos. Eles olham-nos como irmãos com necessidades. Por vezes, além do Anjo da Guarda, o Arcanjo Gabriel acompanhava-o, enquanto servia de capelão na 1º grande Guerra. Na parte doutrinal  ora tem boas visões, ora se limita a ser devedor das patranhas do Antigo Testamento, tal como quando para provar o poder do Anjos, tenta convencer-nos que Deus "mandou" um anjo numa noite matar 70.000 egípcios. Ou ainda, outra patranha, quando houve a invasão pelos assírios, por ordem de Deus, um anjo teria matado 185.000 numa só noite. Uma maluquice completa...
Também seguindo outra autoridade com pés de barro, S. Tomás de
Aquino, lembra que cada corpo planetário tem um «anjo guardião que mantém o seu curso e evita qualquer aberração. Que prodigiosa energia e poder não exige tal controlo!». Também parece ser exagero considerar que oferecer a missa ao Anjos é a maior alegria que eles podem ter, tal como tudo o que sentem na missão de assistirem às missas. Mas sem dúvida é bom reconhecer que a oração conjunta com os Anjos é menos fria, mais ardente e mais eficaz.
Mais correcto é dizer que «apesar de estarem connosco sempre e devotando
toda a sua atenção e cuidado aos nosso bem estar, eles nunca perdem vista a presença de Deus. Estão sempre contemplando a sua Infinita beleza, deliciando-se no  brilho de sol da sua Presença.» Ou ainda que todo o ser humano tem o seu anjo e que cumprimentá-los agrada-lhes, e que retornam o amor centuplicado.
Há outros aspectos valiosos de doutrinas que são provavelmente
acertados, enquanto que há outros de especulações provavelmente infundadas. Apesar dos defeitos de tomar como literalmente verdadeiro o que se passa na Bíblia, tão cheia de imaginações ou invenções e posteriores manipulações ou distorções, este livro vale a pena ler-se. Contém ainda um desenho do Anjo Guardião de Portugal. **

HOWARD, Michael. THE BOOK OF FALLEN ANGELS. Somerset. Cappal Bann Publishing, 2004. In-4º 198 p. Uma boa obra e em grande parte baseada nos ensinamentos de Madeline Montalban (1910-1982) uma ocultista, maga luciferina e astróloga inglesa que passou por muitos mestres e grupos, escrita por quem foi seu discípulo e companheiro alguns anos, antes de se iniciar.  O autor faz a sua investigação e apreciação histórica e comparativa das origens das personagens, livros e fábulas criadas em torno de Deus, cultos pagãos e anjos caídos. De realçar que tanto ela como ele  são crentes e praticantes da magia cerimonial baseada nas correspondências de nomes dos sete anjos planetários, estações do ano, direcções, elementos, e funções. Lúcifer é denominado Lumiel e de modo algum é o Satan que o Catolicismo gerou, mas antes um espírito celestial benigno. Eis os títulos do capítulos: From Apes o Angels. The Tree of Gnosis. The fallen one. The myths of great Flood. Lady of the Evening Star. Avatars of Light. The Teaching Angels. 

Neles o autor explica com dados históricos e arqueológicos como o Genesis deve muito a outros povos e Jehova a outros deuses, e como Lúcifer teve como fontes Shamesh e Helel ben Sahar e, inclinando-se sobretudo para as ideias sincretistas de H. P. Blavatsky e  da sua mestra Madeleine Montalban, considera Lumiel ou Lúcifer como o primeiro ser criado e que, ao tentar apressar a evolução de Adão e Eva, foi expulso do Paraíso no plano ou mundo astral e tornou-se o senhor deste mundo físico. Michael Howard (1948-2015), apesar das suas práticas cerimoniais e outras, parece não ter contudo alcançado experiências mais profundas, e calculamos provavelmente por erros ou apoios de explicações e identificações superficiais, ou ainda influências não puras **

HUNTER, Charles and Frances. ANGELS ON ASSIGNMENT as told by Roland Buck. Kingwood, Hunter Books, 1979. In-4º 204 p. Br. A obra é algo entusiástica e parte de dois crentes na vinda eminente de Jesus e relata várias experiência de contacto com Anjos ou mesmo com Deus "tidas" por Roland Buck (1918-1979), pastor da Central Assembly of God Christian Life Center, em Idaho, durante os seus últimos 30 anos de vida, e que lhes transmitiu por gravações, conversas e aprovação deste livro. Há mesmo vídeos na web com a voz de Roland Buck a explicar a sua mensagem, a sua ida ao Trono de Deus, o qual lhe permitiu ver  anjos, milhares ou milhões à volta das pessoas e em especial da sua igreja. Não parece contudo muito
convincente, ou verdadeira, a voz.
O conteúdo é também muito discutível, desde a familiaridade com o
Arcanjo Gabriel e com Deus, que o leva para a sua sala Trono, aos ensinamentos sempre demasiado apoiados em leituras literais da Bíblia. Anotemos alguns supostamente dados pelo Arcanjo Gabriel: «como o Espírito Santo monitoriza tudo o que se passa em toda a terra, e recolhe instantaneamente os sinais de toda a parte», detectara uma tremenda preparação de forças satânicas para o atacar a ele, Buck, e assim enviara anjos para onde ele estava em Idaho. Buck não queria que eles se incomodassem, mas responderam-lhe que já tinham feito o trabalho e «pediram-me para olhar pela janela. Olhei e estavam cerca de 100 grandes anjos lutadores de pé na rua. Já tinham terminado o trabalho e estavam a falar uns com os outros relaxadamente»... Uma cena quase de filme norte-americano.  Outro: «há muitos tipos de anjos, tais os de louvor, adoração, ministração e luta. Mas independentemente da função, o seu mais alto propósito é exaltar o nome de Jesus», de novo exagerando um cristianismo literal... Quanto à data em que Jesus vai voltar, uma outra expectativa infundada e geradora de muita aldrabice, diz cautelosamente: «Deus reservou esse segredo particular para ele. Mas depois Gabriel disse-me: "Posso dizer-vos isto: nunca houve tanta excitação e actividade nos átrios do Céu desde que Jesus veio pela 1ª vez à Terra, como hoje.»... Uma excitação que dura ainda hoje, para muitos crentes numa vinda... 

Prevê também que as pessoas abrirão os seus olhos e verão verdadeiramente os anjos e não apenas imaginações, algo que denota também a confusão constante entre o ver físico e a visão espiritual, algo que permeia toda a narrativa, não direi inventada mas imaginada, no caso chegado ao ponto de descrevendo os sapatos e as roupas dos Anjos musculados e enormes que o visitavam. Há pouco dados sobre a sua vida disponíveis. Pouco antes de morrer escreveu o seu epitáfio, inegavelmente verdadeiro em certos aspectos, "inspirou a fé dos outros", resta saber se foi uma fé infundada e daninha até... Casado, com 3 filhas, uma delas, Sharon White, escreveu um segundo livro, com mais diálogos angélicos, The Man Who talked to Angels. Para o público norte-americano, muito habituado a pastores e grandes sermões, com pouca erudição ou comprovada veracidade, é uma obra de sucesso. Mas não recomendamos gastar o seu tempo em fés em anjos e concepções de Deus bastante ultrapassadas. *
Fiquemos com uma fotografia tirada por mim já em Janeiro de 2022, bem
sugestiva da subtileza e intimidade angélica, praticamente impossível de encontrar hoje na alma colectiva norte-americana, e nos seus miríficos pregadores e especialistas de angeologia...

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Reflexões sobre os sons dos ventos e brisas nas árvores, bosques e almas... Do livro em preparação "Ensaios Espirituais".

  Este texto, "concluído" hoje 1-11-2021, que seria para o livro em preparação Ensaios Espirituais, é dado à luz antes no blogue, pois talvez seja mais lido do que em livro, uma realidade que temos contudo de avaliar constantemente. Poderá todavia um dia, e até aprofundado, ter lugar nele ou num outro. Imagens recentes na serra do Gerês, depois uma anteriana, uma ave vizinha no Gerês, duas mais antigas do  Japão e duas do Irão, e por fim, de novo Gerês transmontano, e a última da Serra da Estrela.

Os mistérios do som e da palavra, do vento e das brisas, dos ruídos e zumbidos e do murmúrio crepitante do silêncio são realidade subtis afins entre si e que, com a regularidade que os conseguirmos sondar e vivenciar na Natureza, deveremos sentir e escutar, questionar e meditar. 

Referimo-nos em primeiro lugar à possibilidade de atribuirmos às árvores como que sons, ou seja, os seus efeitos sonoros ou musicais provocados pelo vento, possam ser por nós ouvidos e lidos inteligivelmente.

Ora na minha experiência quanto ao vento ou às brisas que movem as folhas, ou que subitamente afagam os nossos cabelos e refrescam a face, senti-os mais como sinais de passagens ou presenças subtis e abençoantes do que como propiciadores duma linguagem específica, em cada folha, tal como disse uma vez a poetisa Cecília Meireles, embora já tenha intuído mensagens delas, pese o facto de que o som que as folhas gerem seja muito subjectivamente acolhido por nós e varie certamente com a espécie, a época do ano e o tipo e intensidade do vento. Entre nós Antero de Quental, caminheiro frequente de Coimbra à mata do Buçaco, sonhador de uma Ordem dos Mateiros, foi um dos poetas que mais interrogou os sons da Natureza, particularmente o do mar, fruto da sua insularidade natal e da estadia de quase uma década em Vila de Conde.
                                       
Assim num pinheiral, num eucaliptal, num soto de carvalhos, os exemplares falam, ou soam ao vento, ao seu modo, uns mais forte outros mais suaves, e uma pessoa pode intuir mensagens particulares ou apenas considerar tais sons como a linguagem dessa mata, floresta, bosque ou árvore, a qual faz parte da grande Fala ou Diálogo da Natureza, ou mesmo do grande som cósmico, e do que através desse seu sub-campo ambiental pode perpassar ou apenas gerar-se. 
  Ora estes sons, que sentimos e consideramos como linguagem (e deveremos mencionar as aves, mensageiras e encantadoras), podem pelos mais cépticos ou menos receptivos serem entendidos apenas como uma simples participação fluída das árvores nos ciclos dos elementos naturais, ou seja, nas estações do ano e seus fenómenos, e os seus sons serem um mero efeito mecânico das correntes do ar num meio, o arvoredo, que ressoa com elas involuntariamente, inconscientemente e sem haver qualquer tipo de capacidade de expressão interna psíquica... 
                                        
Já se admitirmos que possa haver um diálogo dos subtis Espíritos da Natureza, ou até outros, operando através das árvores, então a riqueza e complexidade dos sons ouvidos e a possibilidade de haver mensagens que intuíveis serão bem maiores...
Ora se o supor-se a possível existência de uma mensagem no som das árvores abanadas pelo vento é algo supersticioso ou imaginativo para a ciência e para a maioria das pessoas, já num nível subtil, e certamente subjectivo, podemos equacionar diferentes fontes possíveis bem como meios de audição e interpretação, em geral ligados à tão suspeita quão desejada sensibilidade subtil e telepática que ao longo dos séculos se foi manifestando nos fenómenos de formulação de oráculos, muito comuns na Antiguidade, ou na adivinhação tão popular em todos os povos, ainda que frequentemente com demasiada imaginação e mistificação...
Como exemplo de fonte subtil podemos considerar que a árvore é uma entidade, consciência e poder, pelo que pode transmitir uma mensagem, ao ser abanada pelo vento, seja pelo som, seja ainda pela forma como surge aos nossos sentidos, nomeadamente ao deixar destacar para a nossa visão certos recortes ou sugestões de seres, que vemos de longe.
Em verdade, a árvore entidade é não só uma mera árvore física mas também podemos ver ou intuir nela um ser subtil, uma dríade ou hamadríade, ou até o duende que vive na árvore ou mesmo o deva ou anjo que anima uma zona florestal. Ao aceitarmos a existência destes seres invisíveis da Natureza, poderemos mais facilmente vê-lo e senti-los como as entidades subtis que invisivelmente modelam ou assistem às formas e transformações da Mãe Natureza e que a tradição popular, tradicional e oculta chamou de espíritos da Natureza, ainda que fantasiando-os muito e enriquecendo o mundo infantil com tantos contos de encantar...
Também podemos intuir que o vento é soprado por entidades não visíveis, para além dos espíritos da natureza, as quais podem ver as nossas necessidades existentes subtilmente na nossa alma, e podem responder e comunicarem-se-nos, e assim nesta explicação passa ser o vento animado um agente informador... 
Por exemplo, no Japão, o vento é denominado kaze e é considerado poder ser animado por espíritos, designados como os Kami, que tanto podem ser antepassados ou outros espíritos humanos, como também. e mais até em geral, espíritos da natureza, anjos e seres celestiais, manifestando tal mais em geral nos santuários e quando nos curvamos em saudação-adoração, tal como a fotografia em Ise Jinja sugere...
Na Pérsia, o vento e as brisas são vistos como possíveis portadores das correntes psíquicas, em especial dos seres amorosos e da Divindade, sendo bem descritos como seus agentes na poesia medieval persa, como estudei e palestrei em Saadi ou Hafiz, nomeadamente quando o amante pede ao vento que passa que lhe traga novas da sua amizade, ou lhe faça chegar o perfume dos seus cabelos, ou que lhe leve os seus sentimentos. 
 
O vento nestas tradições mais sensíveis e espirituais à Natureza animada é uma viração, eco ressonante e fluxo no grande Oceano que une todos os seres, em geral obedecendo à Providência Divina,  e que pode ser constituído e animado por correntes inter-comunicantes, postas em acção sobretudo pelo amor e a vontade, e assim fortificando os laços recíprocos e os fogos dos corações.
Há outra explicação causal das intuições que podemos obter do vento, e provavelmente a que acontece mais: encerramos e apresentamos uma rede de aspirações e interesses, desejos e receios, com os quais interagimos ou respondemos aos sons que nos chegam à alma e aos neurónios, dando origem a que tais impactos se configurem numa sensação, mensagem ou intuição.
Mas claro tanto podemos gerar uma mensagem correcta, ao conseguirmos espelhar a ordem, o todo ou a resposta certa, como também podemos ouvir ou ler erradamente, conforme projectamos demasiado as nossas expectativas ou medos sobre o influxo sonoro que é assim mal interpretado ou lido.
Ou seja, por vezes, conseguimos por uma serenidade e desprendimento deixar formar-se e vir ao de cima a mensagem ou resposta certa ou que precisamos. Ou seja, há uma sensação e leitura interpretativa dos sons do vento e das folhas como indicações que nos servem de bússola intuitiva de decisão, de acção e de verdade.
Talvez possamos ainda admitir que a nossa mente ou alma, ao estar calma e receptiva, abre-se ao Campo unificado de energia consciência informação, que também se pode denominar alma mundi, intelecto cósmico, ou mesmo Divino, já que o Cosmos sem o Ser Divino não teria a a coerência, beleza e propósito que lhe verificamos e que é a Divindade, ou a Inteligência divina nele manifestada ou subjacente. 
Mas também pode acontecer apenas um ser abrir-se ou estar sensível às correntes psico-energéticos que lhe são enviadas pelos outros seres, ou que eles emanam naturalmente, se entre si se amam, ou se pensam neles com alguma intensidade, pois a energia anímica irradia bastante, embora subtilmente, do nosso ser
Claro que esta hipótese da energia psíquica ou do pensamento e intenção poderem transmitir-se só está a ser investigada e reconhecida por poucos investigadores e institutos psico-científicos e surge como a acção à distância remota, de que há já comprovações de certas pessoas mais dotadas para tal.
Há contudo ainda outra hipótese a considerar-se: a do nosso próprio ser ou espírito utilizar o som exterior do vento nas folhas para induzir em nós uma audição directa diferida por ele próprio e assim quem fala ou dá mesmo a mensagem somos nós próprios, ou seja, a nossa essência espiritual que a intui no Cosmos ou no sub-campo que nos toca, ou a realiza por si mesma.
Neste sentido talvez corra algo daquele conto do príncipe encantado que busca perdidamente a sua dama e que quando a encontra e beija descobre que ela está também dentro de si, ou que ela é uma parte de si. Ou mesmo, para quem nela acredita, que a sua alma-gémea por ele procurada já estava dentro de si, ou em comunicação subtil consigo... 
                                        
Saibamos pois, quando estamos debaixo de choupo ou chorões, carvalhos, nogueiras ou castanheiros, abrir-nos às comunicações seja dos mundos superiores seja as que ligam as almas afins neste caminho de despertar do adormecimento em que estamos para uma plenitude maior de consciência, audição e visão espiritual. E, quem sabe, se além de alguma sibílica intuição do rumorejar das folhas, a "própria voz ou palavra Divina" se possa ouvir em nós... 

domingo, 31 de outubro de 2021

Luís de Almeida, nas "Figuras do Silêncio", de Armando Martins Janeira. Breve resumo do 23º capítulo e dos finais.

  O introdutor da Medicina Ocidental no Japão: Luís de Almeida, constitui o 23º capítulo das Figuras do Silêncio, e a 4ª individualidade destacada, após Jorge Álvares, o autor da 1ª relação sobre o Japão, o missionário santificado Francisco Xavier, o peregrino aventureiro e escritor Fernão Mendes Pinto. Em Almeida  vemos como nascido em 1525 e aprovado como médico cirurgião em 1546, parte para o Oriente a aumentar a sua fortuna pois já era de família de ricos cristão novos em 1548, e em sete anos fá-la crescer bem, mas foice já estava junto à seara e o convívio com os Padre Baltasar Gago e Cosme de la Torre  fá-lo entrar na Companhia de Jesus e entregar os seus bens para a missão e para obras de beneficência, tal como Hospital  que co-funda em Funai, Bungo, apoiado até numa farmácia que se abastecia das ervas medicinais e demais produtos boticários que fazia vir também da China, Índia e provavelmente Portugal, onde exerce os seus dons clínicos e compassivos, tal como o seu superior Cosme de Torres (1510-1570) anuncia numa cartaAqui recebemos um irmão bom sujeito, que tem donum curationis e o sabe muito bem fazer”. O sucesso do Hospital, administrado por uma confraria, de 12 irmãos, com o seu regimento, foi grande em em 1559 foi ampliado e a ele recorria muita gente de todas as partes do Japão. 

Não estava só nesta tarefa, pois diz-nos Armando Martins Janeira: «Sabe-se que Almeida ensinou a medicina e criou discípulos japoneses europeus (...) Ainda ao tempo de Almeida, um outro português exercia a medicina no Japão, começando na província do Hizen e indo depois para Osaka; adoptou o nome japonês de Keiyu. Fróis dá notícia de um excelente cirurgião português, e deve ser este, que veio para o Japão no último quartel do século XVI. Um outro português, ex-jesuíta, Cristóvão Ferreira, atrás mencionado, que depois de apostatar tomou o nome de Sawano Chuan, conhecia e praticava também a cirurgia e instruiu, a partir de 1633, alguns japoneses; escreveu um tratado, Cirurgia dos Bárbaros do Sul, «que pertence  às melhores obras sobre este assunto. Um dos seus alunos foi Nishi Gempo, fundador da escola «Mishi», médico de câmara do xógum e encarregado pelo governo de dar lições de fisiologia.» Acrescente-se que  Cristóvão Ferreira mereceria ter sido eleito, apesar da apostasia, também como uma das figuras...

Em Junho de 1561, o P. Cosme de Torres, decide, graças às vitórias do dáimio seu protector Otuma, que o terreno de evangelização pode ser alargado decide dispensar do hospital, onde já havia bons auxiliares e discípulos,  Luís de  Almeida e enviá-lo a  cristianizar fora de Funai, a capital do Bungo. E vai assim passar a converter, curar e fortalecer os pequenos núcleos de cristãos e as suas capelas, com cenas belas ou comoventes como descreve nas suas vivas cartas, percorrendo várias partes do Japão, resumidas por Armando Martins Janeira assim: «Os actuais historiadores , entre os quais os Padres Dorotheus Schilling e Diego Pacheco, que dedicam a Almeida interessantes estudos, seguem os seus passos e a sua obra de conversões e baptismo: vemo-lo pregar e catequizar activamente em Kagoshima, em Yokoseura, em Arima, regressando depois a Bungo e de novo partindo para Hirado, Kioto, as ilhas de Goto e de Amasuka, e Nagasaki. Do que vê nas suas viagens nos dá interessantes descrições, umas patéticas, como as da destruição de Yokoseura, invadida e queimada pelos inimigos dos cristão, ou o abandono em que viu os cristãos perseguidos de Shimabara; outras brilhantes e entusiastas, como as descrições dos esplêndidos templos e palácio que visita em Nara e Kioto». Anote-se mais recentemente, 2015, a obra de Inês Carvalho Matos, Património de Cristianismo no Japão na qual visitando tais terras, narra e ilustra bem o que se foi fazendo ou se celebra nos últimos anos relacionado com Luís de Almeida e os outros missionários.
                                                
Armando Martins Janeira concluirá o capít
ulo falando da perenidade do nome de Luís de Almeida:  «A introdução da medicina ocidental no Japão por Fróis e a sua piedosa obra são lembrados ainda hoje pelos japoneses. Como já vimos, em Oita ergueram-lhe um monumento (na fotografia inicial) e o maior e mais moderno Hospital Central de Oita tomou o seu nome. Em Hondo (...) Em Nagasaki (...) O seu nome é sempre citado nos estudos históricos sobre a introdução da medicina no Japão. A sua acção de espalhar pelo Japão o espírito do Ocidente é inolvidável».

Faltaria resumirmos os capítulos finais intitulados Um grande clássico por descobrir em Portugal: Luís Fróis, Um precursor da sociologia: João Rodrigues, acerca deste intérprete, filólogo e autor de obras sobre a língua nipónica, Um Mártir: Diogo de Carvalho e finalmente O Último dos grandes aventureiros Lusíadas, Wenceslau de Moraes, mas para não estar a resumir e eventualmente a distorcer  ou a enfraquecer intencionalidades de Armando Martins Janeira e porque se espera já há algum tempo que a sua Obra Completa seja finalmente dada à luz na Imprensa Nacional Casa da Moeda, vamos terminar, pelo menos por hora, e neste dia 31 de Outubro de final de ciclo, estes textos de resumo de um livro de leitura bem valiosa e que se encontra todavia ainda em alfarrabistas ou em venda pela internet. 

Anote-se que  Armando Martins Janeira conclui a sua obra com dois pequenos capítulos, Avaliação do Passado: Os Modernos estudos-Luso-japoneses, bastante ultrapassado pelas numerosas publicações das décadas posteriores, onde destacaremos a publicação completa em cinco tomos da História do Japão, de Luís Fróis, La Compagnie de Jesus et le Japon. 1547-1570, de Léon Bourdon, partir de 1993 a obra de referência, ano em que se realizou o Colóquio O Século Cristão do Japão, com as actas publicadas em 1994; as Cartas do Japão, em 2 vols. em 1997, num fac-símile da raríssima edição de Évora de 1598; e também o Bulletin of Portuguese/Japanese studies, desde 2000, dirigido por João Paulo Oliveira e Costa, que com Valdemar Coutinho publicou também individualmente. Ou ainda os contributos de Michael Cooper, Jacques Besineau; e os de Maria Helena Mendes Pinto sobre a arte Namban, e os de Américo Costa Ramalho e Sebastião Tavares Pinho em relação às obras em latim de Duarte Sande. E devemos mencionar por fim os autores japoneses  referidos então por Armando Martins Janeira: Ken Takeuchi, Tamon Miki, Saburo Ienaga, Eichiro Ishida e Shitaro Ayuzaka. No último capítulo, O Passado e o Futuro, faz votos para que Portugal não se limite na Europa, tal como na época dos Descobrimentos, e desenvolva as suas relações com Japão, agora mais na tecnologia e industrialização, e aprendendo a investir mais na investigação e no futuro, e que saiba também erguer alguma estátua a uma grande personagem japonesa, tal um busto de Bashô...

sábado, 30 de outubro de 2021

Fernão Mendes Pinto, o 3º das "Figuras de Silêncio", livro de Armando Martins Janeira, bem valioso. Breve resumo por Pedro Teixeira da Mota.

 Fernão Mendes Pinto (1513-1583) escreveu uma obra que atravessará os tempos como o melhor testemunho presencial dos portugueses no Oriente no tempo dos descobrimentos, já que, partindo de Lisboa em 1538 e regressando em 1558,  passou por mil aventuras descritas magistralmente na Peregrinação, publicadas já só postumamente em 1641, com revisão e prováveis censuras de Francisco de Andrade e do padre Francisco Lucena, este quem biografará Francisco Xavier sem nunca ter saído de Lisboa e haurindo muito da Peregrinação.

Armando Martins Janeira, no capítulo O Descobridor literário do Japão, Fernão Mendes Pinto, defenderá contudo também a veracidade da maior parte do que é narrado na Peregrinação. tendo examinado e aprovado a maior parte dos nomes referidos nas descrições que deixou das suas estadias no Japão: «As menções geográficas da ilha de Kiushu e da pequena ilha de Tageshina não pecam nem sequer no detalhe». Também a chegada de Francisco Xavier a Kagoshima, em dia de N. Senhora da Assunção, 15-VIII-de 1549, a viagem a Hirado e a Kioto, e depois o regresso a Yamaguchi, onde num ano, até 5 de Setembro de 1551, converteu 3.000  almas, são descritos de um modo quase igual ao do padre Luís Fróis  na sua História do Japão, que Fernão Mendes Pinto não conhecera. 

Refere a famosa conversão de Fernão (por este mesmo bem descrita), como ele sentiu necessidade de aderir a uma via mais religiosa e entrar na milícia da Companhia de Jesus, onde esteve dois anos e a qual deu muito dinheiro, mas que depois resolveu voltar ao seu estado leigo e livre, o que ao longo do tempo a maioria dos historiadores jesuítas não perdoou. Mas como poderia um aventureiro, um cavaleiro do amor daquele quilate de sensibilidade, curiosidade e coragem, que gostava de ver teatro, pescar, caçar e admirar os templos e santuários japoneses deixar-se modelar por muito tempo pelos estatutos apertados da Companhia,  talvez sentindo também desafinidades com alguns missionários de temperamentos  mais extremistas e destruidores da variedade religiosa do género humano, tão patente no Japão?

A parte mais valiosa do capítulo interelaciona-se com essa universalidade religiosa latente, visceral ou implícita de Fernão Mendes Pinto (em cima numa sua hipotética imagem na igreja da Misericórdia, de Almada, onde faleceu) e,  embora a obra dele possa não ser "exacta muitas vezes isso não implica que falte à verdade essencial das coisas",  Armando Martins Janeira discorda, e com  razão, do conhecido estudioso ou especialista de Fernão Mendes Pinto, George le Gentil que pusera em causa as narrações de disputas teológicas, algo que contudo veio a ser confirmado por outras fontes, e em especial a História de Japão de Luís Fróis, o insuspeitado missionário jesuíta e companheiro de S. Francisco Xavier. Oiçamos então Armando Martins Janeira

«George le Gentil concebe "dúvidas sobre o relato das discussões de Xavier com os bonzos". Ora a verdade é que a discussão de Xavier com o bonzo Furucandono é o mais verosímil e hábil relato de uma discussão que é possível ter existido entre um missionário do carácter de Xavier e um monge budista. Todos os argumentos fundamentais que os budistas opunham aos cristãos são ali invocados: o argumento da reincarnação, baseada no budismo; porque negava o cristianismo alma aos animais?; porque não previu Deus, ao criar os anjos, a rebelião e a queda de Lúcifer, e, se a previu e é infinita a sua misericórdia, porque não a evitou, poupando tanto mal aos homens? porque não enviou Deus, ao mundo Cristo, seu filho, antes de Adão ser tratado pela serpente? Não falta mesmo a observação de que a pronúncia da palavra «Deus» em japonês soa como «Dai so», «grande mentira». 

Ora de facto algumas destas questões eram complexas para Francisco Xavier responder, atado que  estava a uma série de tradições, narrativas ou personagens do Antigo Testamento, tal o Génesis, a Serpente, Lúcifer, que na realidade são explicações míticas, susceptíveis de várias hermenêuticas simbólicas. Por outro lado algumas questões dos monges assentam numa oposição à concepção de Deus do Catolicismo que, entroncada no Jehova tribal e violento, fatalmente teria muita limitações, a que se acrescentaram as  dos cristãos dos primeiros tempos que fizeram do mestre Jesus, Deus e reservaram só para ele, ou para os que que acreditavam nele ou na religião cristã,  a única via de salvação de toda a Humanidade, mesmo para as almas do longínquo e extremo Oriente. E todos os que teriam vivido antes da vinda dos missionários estariam no Inferno, algo que até não incomodava muito o santo apóstolo do Oriente.

E continua «Quem haja lido os documentos da época e conheça o budismo sabe que estas eram as principais objecções postas aos missionários e às quais o budismo dá resposta mais satisfatória [em alguns casos...] do que a dada então por S. Francisco Xavier - que, segundo Mendes Pinto, respondia apenas que tais perguntas eram inspiradas pelo Demónio. E a bem da inteligência de Mendes Pinto se deve sublinhas que ele não parece convencido das razões dadas pelo santo para responder a "umas razões tão agudas"».

A bela  homenagem do embaixador e universalista Armando Martins Janeira neste seu livro Figuras do Silêncio a Fernão Mendes Pinto e à sua Peregrinação, é  justificada pois «transparece em todo o livro uma grande simpatia pelos países onde anda, a curiosidade e o gosto de descrever costumes exóticos, empregar frases de estranhas línguas, aventurar-se a experiências raras. A linguagem florida e verbosa dos diálogos em que intervêm orientais ou de cartas e mensagens a estes atribuídas mostram a profunda influência asiática que Mendes Pinto sofreu». E acrescenta algumas apreciações dele sobre o Japão: «gente muito hospitaleira» e «naturalmente muito bem inclinada e conversadora». «São mais ambiciosos de honra do que todas as outras nações do mundo». «É a nação mais sujeita à razão que todas as outras». E que Fernão Mendes Pinto gostava de «ver os templos dos seus pagodes, que eram de muita majestade e riqueza».

Sem dúvida Fernão Mendes Pinto, que fez quatro viagens a Kiushu, e «numa delas, como embaixador do vice-rei da Índia, entregou a carta que deste levava ao dáimio do Bungo» entre os ocidentais, «é o primeiro escritor japonizante», e é com razão que hoje em dia ainda é celebrado anualmente com bastante amor na ilha de Tanegashima com um original matsuri, ou procissão-cortejo namban, isto é, dos bárbaros do sul, que parte dum templo xintoísta, já que levam «aos ombros o grande andor xintoísta - omikoshi-» como bem relata e ilustra neste seu tão valioso livro Figuras de Silêncio. A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de hoje. Anote-se que em 1988, Avelino Rodrigues, Leong Ka Tai e Gonçalo César de Sá deram à luz pelo Instituto Cultural de Macau, um grande e belo livro Tanesgashima, a ilha da espingarda portuguesa, com a seguinte dedicatória: «Ao POVO DE TANEGASHIM, que se revê na história do primeiro encontro da Europa com o "País do Sol Nascente", e a MARTINS JANEIRA, que descobriu Portugal no Japão, os autores dedicam esta memória.»

 De facto, por duas vezes participou em tal matsuri e cortejo namban que se realiza na cidade de Nishimo Omote, e em que se homenageia particularmente Fernão Mendes Pinto, Almirante e com sua amada Wasaka,  mas é no 6º capítulo consagrado a Tanegashima, A pequena ilha japonesa onde os «bárbaros» portugueses aportaram a primeira vez  que partilha de modo belo as intuições sentidas  diante do oceano por onde  chegaram pela 1ª vez os portugueses em 1543, e ao mesmo tempo que no «Templo xintoísta, ao fundo, o Espelho sagrado reflectia o Sol, de que é símbolo, trazendo a presença da Divina Amaterasu, que um dia foi invocar, ao nascer do Sol [tal como eu...], no cimo do sagrado monte Fuji, em preito ao povo japonês, do qual é benévola protectora. Contemplando aquele símbolo dos homens do mar [o monumento aos Navegadores de Portugal, da autoria de António Duarte], senti, pela primeira vez, tão distintamente como se sente o palpitar do coração, que a alma se me iluminava e me erguia à grandeza de um momento raro [o que no Japão se designa por ichi-go ichi-e]. 

E, diante daquela multidão de japoneses, comecei vibrante, a dizer, em português, o meu discurso: "Aqui, em frente ao mar antigo, quiseste erguer um monumento à coragem. Aos homens de coragem que há mais de quatro séculos, cortando o mar desconhecido, aqui vieram só pela aventura humana de encontrar-vos. Não vinham apenas de estranha e longínqua terra, vinham de outra civilização - confiados na amizade dos novos homens que procuravam - trazer-vos a cultura da Europa. 

O homem nasceu para ousar: "viver não é necessário, é necessário navegar", era a sua divisa. Arrojados criadores de novo entendimento entre os homens foram os navegadores que esta pedra lusa simboliza. E audazes foram os japoneses, que, a alma ao Oriente fie, inspirados na civilização do Ocidente, criaram um grande país e estão a continuar o caminho da nova civilização universal que o Ocidente e o Oriente abraça.

Assim nós, homens do Presente, encontramos o sentido da vida dos homens do Passado, naquela comunhão de espíritos de que têm nascido as grandes obras que o tempo guarda.

Em nome de Portugal, entrego à ilha de Tanegashima este monumento - não só para que ele fique a testemunha a amizade do Passado, mas para que ele dê corpo a um grande sonho de beleza e fraternidade, e o leve, como uma semente, aos homens [e mulheres] do Futuro.»

E aqui e agora estamos nós hoje, gratamente, nesta "comunhão de espíritos de que têm nascido as grandes obras que o tempo guarda"...