sexta-feira, 8 de outubro de 2021

"As Cidades", do encontro luso-nipónico, no livro "Figuras de Silêncio, de Armando Martins Janeira. Breve resumo, 1ª parte.

                                                      

Em "As Cidades", a II parte das Figuras de Silêncio.  A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, obra publicada em Lisboa, em 1981, e que já abordámos a I parte, "O Passado e o Presente",  Armando Martins Janeira  descreve as raízes históricas das interacções realizadas após a segunda grande Guerra em treze localidades marcadas pelo encontro luso-nipónico: Tanegashima, Kagoshima, Hirado, Sakai, Kyoto, Yamaguchi, Oita, Yokoseura, ilhas de Amasuka, Nagasaki, Sendai, Kobe e Tokushima, narrando e ilustrando fotograficamente bem os acontecimentos e as personagens importantes do diálogo, partilhando ainda os seus sentimentos e intuições.  Passemos numa breve visita pelas seis primeiras, seguindo os títulos e as informações de Armando Martins Janeira: 

1ª - A pequena ilha japonesa onde os "bárbaros" portugueses aportaram a primeira vez, Tanegashina, em 28 de Setembro de 1543, segundo Teppo-Ki, a Crónica da Espingarda, escrita 60 anos depois, pois tal foi o que mais apreciaram, e passaram a utilizar, além da satsuma imo, a batata doce. É em Nishimo Omote, a capital da ilha, que fica perto da grande ilha de Kiusho, que se realizam festividades anuais em homenagem a Fernão Mendes Pinto e à sua amada Wakasa de que há uma bela lenda, tendo sido erguidos alguns monumentos aos navegadores portugueses, um deles inaugurado por Armando Martins Janeira (na fotografia em baixo), que discursou, participando depois numa pequena missa celebrada com grande unção mística, mas à qual resistiu o comungar, redimindo-se depois numa breve mas vibrante alocução  sobre a fraternidade universal ao pequeno núcleo de fiéis, descendentes  dos antigos tão perseguidos.

 2ª - Maus começos do Cristianismo no Japão, a cidade de Kagoshima, extremo sudoeste da ilha de Kiushu, capital do antigo feudo de Satsuma, onde Francisco Xavier  desembarca em 15 de Agosto de 1549, com o padre Cosmes Torres e um japonês nativo da cidade, Yajiro ou Paulo de Santa Fé, e ficam um ano a doutrinar e converter, mas poucos conseguiram, cerca de cem, já que a oposição dos monges budistas foi sempre forte,  levando  Xavier e os jesuítas a desistirem e preferirem Hirado, Funai e Kyoto. Mesmo o P. Luís de Almeida, médico, sábio e que falava japonês, em 1582, acabou por pouco tempo poder pregar.

                                    
 
 3ª Uma segunda Sodoma, Hirado, pequena ilha ao norte de Kiusho e da sua capital, recebeu desde 1550 barcos portugueses e missionários, tal como duas vezes Francisco Xavier, e sobretudo o padre Baltasar Gago, mas como narra Armando Martins Janeira «o excesso de zelo dos cristão lavou-os a queimar vários templos budistas e xintoístas, o que provocou grande comoção entre os pagãos. Pouco depois a hostilidade dos bonzos moveu o ânimo do senhor feudal e da população contra os missionários, que tiveram de fugir, em 1559. A igreja foi destruída». Hirado sendo um bom porto atraiu ainda espanhóis, holandeses e ingleses, tornando-se no dizer de uma testemunha europeia, uma segunda Sodoma, acabando por serem os holandeses os que ficaram numa feitoria junto ao mar, celebrando mesmo uma missa de acção de graças quando souberam que os portugueses tinham sido expulsos do Japão em 1639. 

- A Cidade do Chá e da Cruz, Sakai, o principal porto de então para o comércio com a China e a Coreia, junto a Osaka. Os portugueses estiveram nela desde 1551 e conseguiram por cerca de 60 anos manter a igreja, a  residência dos jesuítas e um grande cruz, que o Padre Luís Fróis, diz que se "vê do mar longe" e, nas suas limitações ideológicas do eurocentrismo católico que «é a primeira bandeira de Cristo que naquela populosa cidade se tem contra o Demónio arvorada entre quatro mosteiros de bonzos que a cercam» ficando «até ao decreto de expulsão de 14 de Fevereiro de 1614, onze dias após o qual foram obrigados a emigrar para as outras partes do Japão, especialmente Nagasaki». O padre João Rodrigues descreveu muito bem as características de Sakai, nomeadamente a arte do chá e a sua cerimónia o cha-no-yu. Contudo, dado que nem o P. João Rodrigues, nem depois Wenceslau de Moraes, a descreveram bem, Armando Martins Janeira narra-a com todos os detalhes, na pequena casa de chá chaseki, no recanto dum jardim particular citadino, sob um haiku (poema de três frases) caligrafado num kakemono, ou seja, num rolo tela pendurado: «Sobre a cerejeira que começa a florescer/ Um velho rouxinol/ trila o seu último canto»... 

5 - Os Bárbaros em Kioto, capital imperial e uma das mais famosas cidades do Mundo. Depois de elogiar esta maravilhosa cidade, com os seus três mil templos e santuários, que também a mim muito me tocou quando nela permaneci dezassete dias em 2011, lembrando que ao contrário de Portugal, «muito dos esplêndidos palácios e templos de madeira arderam mais de uma vez, mas foram reconstruídos exactamente no mesmo lugar, com a mesma traça, reproduzindo escrupulosamente o modelo», relembra como Francisco Xavier queria evangelizar a capital, mas apenas conseguiu ficar 11 dias,  e os sucessivos sacerdotes que por lá passaram ou estiveram, sobretudo na época de protecção de Nobunaga pouco conseguiram converter. E se celebraram a 1ª missa numa uma bela igreja a 15-VIII-1576, um década depois por ordem de Hideyoshi, foi destruída. Em 1605, graças à autorização do do xógun Tokugawa Ieysau estava erguida outra grande igreja, comentando bem comparativamente Armando Martins Janeira: «Pode imaginar-se quão surpreendente seria o facto de uma missa - e mais tarde lustrosas procissões - celebrada então em Kioto, por ocidentais rezando e cantando em latim e português, se se pensar o espanto que causaria uma cerimónia budista celebrada num templo budista que houvesse sido construído por japoneses na Lisboa dos começos do séc. XVII. Os habitantes de Kioto observavam estes espectáculos com curiosidade e espanto». Em Fevereiro de 1614 deu-se a fatal ordem de expulsão, para Macau, via Nagasaki, embora cerca de cinquenta religiosos tivessem ficado na clandestinidade. Afirma ainda, talvez algo idealizadamente:«Os Jesuítas fundaram em Kioto uma Academia das Ciências, a que pertenceram alguns dos maiores intelectuais japoneses da época, da qual nada se sabe hoje das actividades que desenvolveu; deveria ter sido um pequeno centro de intercâmbio de ideias da cultura ocidental e nipónica», e partilha depois as vivências dos templos e santuários, jardins e maikos, que tanto o encantaram, ou ainda as reminiscências  da passagem lusa, concluindo excelentemente: «É em Kioto, nos seus templos e nos seus jardins, nas suas canções e nas suas mulheres, as mais belas do império, que vive ainda o espírito do Nippon, Yamato damashii, a verdadeira alma japonesa. E tê-la conhecido profundamente é uma felicidade inefável que fica na nossa alma, como sob a água que no rio corre, invisível, uma pedra rara.»

6ª - Primeiros êxitos do Cristianismo no Japão, Yamaguchi, na ponta noroeste de Honshu, a principal ilha do Japão, foi visitada por Francisco Xavier por duas vezes, tendo conseguido em 1551 converter cerca de 500 pessoas, segundo uma sua carta, após muitos dias de disputas  longas que aconteciam no fim das pregações. As guerra civis levaram às destruições das igrejas e residências jesuíticas, com reconstruções em 1586, e a expulsão final em 1602. Embora haja desde 1952 uma catedral dedicada a S. Francisco Xavier, Armando Martins Janeira conclui o capítulo com sentido crítico comparativo desassombrado:«Mais tarde a igreja e as casas de Yamaguchi eram dadas a um bonzo para as suas devoções budistas. Mais uma vez a força das crenças tradicionais vence a religião estrangeira. Xavier, fanático no seu zelo evangélico, incitava à destruição de muitos templos nipónicos e das imagens religiosas, no Japão, como já fizera na Índia, onde encorajara os rapazes a destruírem os ídolos. Esta intolerância contribui em grande parte para a hostilidade dos bonzos e foi uma das principais causas da expulsão dos Portugueses do Japão.» Sobreviveram contudo alguns kakure kirishitan, cristãos clandestinos (ainda assim cerca de 30.000 no final do séc. XIX), e os seus objectos de culto, ou não fossem estes também arte bela e inspiradora, a ser preservada na grande diversidade do género humano, fraterna, ecuménica, tanto mais que a Divindade primordial se pode manifestar em diversas formas segundo a fé dos crentes, conhecedores e amantes...

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Awakening to God, from the dream world, by Bô Yin Râ, in the book "More Light" , "Mehr Licht.


We are going to share from Bô Yin Râ a synthesis of the introduction and 1º chapter of the book Mehr Licht, More Light,  done in order to make available the excellent teachings from this book, and also to generate more right striving or sadhana, and, who knows, also some dialogue...

Part 1: Prologue and Introduction.

Bô Yin Râ afirms himself to be one of the few persons in human history that have achieved a perfect transmission of their eternal being with the substance of human feelings in human language, indeed a most profound realization that should make the people to be more aware, when reading his works, that the inner feelings that we can experience should direct and reunite us with the spiritual being.
And so his words can be said to be the ones who shall not pass, and will be perpetual lights on the path...

In certain way,Bô Yin Râ asks us,  his books readers, to have contact not with parts of his teaching, with ideas or doctrines, but to have communion with is spiritual life, with himself, the spiritual man.
He is in fact not trying to give informations but mostly to create in the readers a inner state of peace and receptivity that will lead them to become more united with the Spirit.
He is not trying to be accepted but mostly to make people cut asunder the darkness over them, and so reach a inner peace from which they will see better what should come from the spirit, from the spiritual world.
He speaks as a master, or sat guru (true master), or as Jesus, when, for example, he said: "unless you come through me, it will be quite impossible to reach the Divine realization, or the communion with the Father."
                                                 
 Bô Yin Râ also discards the idea of some readers that it would be much better to meet him physically, because in fact the inner deep transmission of the substantial spirit alive in him needs to be with the minimum possible of brain oscilations coming from others, and that state of inner concentration is indeed difficult to achieve when mixed with people physically. 
So, in a certain way, he prefers to write, and in the perfect form, as the few ones have achieved in human history. And about the ways to know the mysteries of spiritual life he is not giving doctrines but more different perspectives, in new images about them, and in order to create a inner state of peace and receptivity to them, allowing people to arrive to experience their eternal spiritual being.
And so we have the bright whole of all his 32 books, written until 1936, called Hortus Conclusus, to read, meditate and live, and some eight more, out of the teaching but also very good ones...
In Mehr Licht, More Light, first chapter, "For the Ones who  become tired of Sleeping", Bô Yin Râ gives a dramatic vision of Mankind, so much lost in dreams that if there was not a few awakened persons, people would loose themselves, like a dream in the universal consciousness, something so much more true in the third decade of the XXI century with so much scary brainwashing, internet alienation or even agnosticism about the spiritual self going on...
Consequently Bô Yin Râ asks us to go beyond cerebral knowledge and belief, and seek to discover deep within us the precious gem that will show us that once realized state, when we were both conscious spiritual beings and united to God, indeed, as people is so much lost in unimportant informations, a difficult or challenging task for anyone in our busy days...
People need really to be awakened from their dreams, even if they have theirs saviours and reedemers that they believe, worship and follow, but only superficially, as there is only one saviour in all the saved ones, and this One has to be born in each one of us.
Everyone has to perfect in himself the "Son of Man", the awakened spiritual eternal Being...
So Bô Yin Râ  wishes our awakening and expresses that with strong words and make us feel the need of entering in the inner silence, a condition of acess to the spiritual level of reality, as it is at that level that is possible to happen the birth of the Living God in us.
Many people have created by thoughts their ideas of God and they become enslaved to them, like an "intellectual fetisch" and so they can't see and experience the true or living God, that should be born in themselves. 
Truly, the Divine Reality is beyond the different conceptions and names of God but, anyway, any answer of a God, be Him-Her called in the prayers Brahma, Allah, Father, Lord, Savior, Christ or Buddha, comes from that Divine Primordial Being...
The path to the union with the living God is not easy, as we have surrendered many forces to our idols and dreams and so it is not easy to listen to the Word of God in us.
Although many times in his books Bô Yin Râ has warned that the thoughts are not conductive to the realization, that the intellectual knowledge can be even a difficulty in the path of realization, in this process of awakening from the dreams and becoming free from the powerful powers of idols, beings and conceptions that retain mankind, Bô Yin Râ says that, indeed, thoughts and belief or confidence are also very real and powerful forces, if used or done with consciousness and capacity of a single purpose, in a way that we can control the obstacles and become free from their dominion, and he says it in a lovely way, as we can see now in the original:
«In unserer Zeit ward euch oft gesagt, daß Gedanken „Dinge” seien, „wirklich”, wie die greifbare „Wirklichkeit” der Dinge dieser Erde, doch ich sage euch, eure Gedanken sind wahrhaftig mehr als die „Dinge” dieser Erde, - sind Kräfte: - einzielige Bewußtheiten, denen nichts auf dieser Erde zu vergleichen ist, - erfüllt mit gierigem Lebenswillen, dem ihr durch euer Denken Nahrung schafft!»
And also Bô Yin Râ considers that our Gods, or our conceptions of them, have been formed since so long time, that to think and say now that "God is death"  it is of no avail or value.
                                                                  
It will take a long time to change these patterns of thought and images, as they don't go just by saying "God is death".  So, for example, if now, as spiritual disciples, we seek the living God, how many times, days, years do we have to work to renounce to the dreams of this world or to the will of ever knowing (sometimes just curiosity, so well explored by media...) and be in deep peace, stability and inner receptivity?
 Bô Yin Râ says that most of our night dreams are just reflexions of day life and that we must awaken from the ilusion of the dreams. But he says also that they (dreams) are more near the real awakened life than the normal day life, as sometimes they reflect the subtle worlds...
Still we must go beyond dreams, of the night, in sleeping, or of the wrong conceptions of God, and for that we must really develop a strong aspiration for liberation, for freedom, for spiritual awakening...
Erwachen der seele. Awakening of the soul
 Another prison or cage where we stay is the one of the satisfaction for what we know intellectually and also the pleasure of  wanting or going to know more intellectually...
This wanting to know more, this enslavement to the thoughts and theirs idols, in a never ending aprehension of informations, is really a great obstacle for having contact with the eternal Reality that asks you to renounce to that knowdlege, either in dreams either in factual life, although you have to live with some knowledge. Only with that renouncement or detachment the eternal and real Spirit can be born in each one as the living God. 
Hard truth in our days of so, so, much information available and luring us....
Until this renaissance of God in us happens, we are subject to illusions, errors, manipulations, and so the must important energy and quality to be developed is the will to awaken, to get out of colective dreams that control so much everyone that is not awakened. And that state of subjection in our days has become increasingly manipulated by a few rich ones and their politicians, corporations and media...
These colective dreams originate from religions, science, politicians, media, new age groups, all with their many times false claims, and can't give us answers to our deeper questions, as  we must discover these ones by your own awakening and intuition and by becoming that spiritually, and not just by thinking or believing or listening in the news...
in order to achieve that process we need really to strive much time to empty ourselves and let there be silence and space for the eternal spirit to rise and shine in our inner being...
Then, when your third eye begins to open, then only you will see the signs and wonders of the spiritual world, but still the  important is to aspire and strive to awaken from the dreams of others with all your will, and have patient, as the spiritual world is not something to bargain, nor to reach by strange pratices, but asks the price of long persistent devotion, discipline and striving to the higher, before the helpers or guides can also be felt and stimulate the inner spiritual awakening and the opening of the doors of the Temple....
May we reach these blessed levels...

domingo, 3 de outubro de 2021

Maria De Fátima Silva: Angelis, exposição de pintura e desenhos, no REM, Atelier Espaço Arte, Porto. Setembro-Outubro 2021.


No REM, Atelier, Espaço Arte, à rua Miguel Bombarda, Porto, no âmbito das  Inaugurações Simultâneas, a 25 de Setembro, ficou patente  a exposição de pintura e desenhos de Maria De Fátima Silva, intitulada Angelis, que decorreu bem e com bastante gente a contemplar as belas pinturas, por vezes bem enigmáticas.
Conhecendo-nos já há alguns anos, dialogando com regularidade e tendo escrito apresentações de algumas das suas exposições, a Fátima pediu-me que escrevesse umas linhas para o catálogo da exposição, que se materializou de forma bela e simples, e que reproduzimos:
                            
 O texto é pequeno para o tema, mas pode ser que noutra exposição venha a ter maior amplidão, e neste caso concentrei-me sobretudo no local que foi a fonte das inspirações que intensificaram  o processo criativo e rasgaram e abriram os veios de formas e imagens, ideias e aspirações, cores e movimentos que desabrocharam da anima mundi a qual, numa igreja com tanta história, e face a uma alma tão receptiva e luminosa, a infundiu com a bela fecundidade que as imagens testemunham...
 Leiamos então o texto, e que ele possa inspirar algumas pessoas do Porto a visitarem a exposição...
  «Se o cruzamento de dados informativos é nos nossos dias estonteante, as visitações ao passado intensificam ainda tal desafio, sobretudo se a alma investigadora, historiadora ou artística está munida da necessária sensibilidade, gnose, intuição e paciência para poder sondar os muitos tempos, espaços e seres históricos ou subtis que se cruzam com ela, ou a que ela pode ter acesso.
É o caso da Maria De Fátima Silva que, amadurecida pelas suas criações e exposições sobre Atlantis, Mitos e Lendas e sobretudo o Amor de Inês de Castro e Dom Pedro, resolveu embrenhar-se numa mítica caverna platónica, no útero da terra, mais concretamente numa capela antiga, e expôs-se às múltiplas vibrações que se vieram a plasmar em sonhos, imagens e ideias e materializar nas telas em cores e formas, ora claras ora misteriosas e que tanto nos encantam
como desafiam.
No concelho Mafra, a capela de Fanga da Fé, restaurada após o terramoto de 1755, encerra memórias tanto orais como materiais, e além dum 1º registo de 1220, admite-se terem-se celebrado missas  pela alma de Inês de Castro, pois foi de D. Afonso IV e D. Beatriz, e que um dos intermediários da Divindade invocados num retábulo de altar lateral era S. Miguel e Almas, tendo mesmo havido Irmandade. Esta conjugação de entidades a que particularmente se tem dedicado a Maria De Fátima levaram-na a gerar um conjunto de pinturas denominadas Angelis, Anjos, nas quais estas misteriosas mas reais, ainda que subtis, entidades nos surgem de diferentes modos e invocações: inesianas, locais, actuais e dos simples Anjos da Guarda aos Arcanjos, e que nestas janelas e altares que são as suas tão dinâmicas telas, serão por cada um dos visitantes, vistas e contempladas, sentidas e assimiladas pessoalmente...
Resta-nos destacar a harmoniosa conjunção dos opostos nos temas e nas cores, no humano e no angélico, e desejar que quem contemple mais demoradamente estas poderosas e por vezes enigmáticas pinturas possa adivinhar e sentir o sagrado, as ligações entre a Terra e o Céu que elas partilham e ter mesmo alguma intuição ou experiência unitiva com o que ou quem está evocado e invocado, e que a Maria De Fátima durante cerca de dois meses bem viveu e trabalhou in loco. Que os anjos e mestres nos inspirem...

sábado, 2 de outubro de 2021

Bô Yin Râ. Orações para a refeição, o findar do dia, e na alegria. Tradução do livro "Das Gebet", por Pedro Teixeira da Mota.

       Ao sustentar o corpo

         I

Graças ao Gerador 

Pelo gerado!-

Abençoada seja a comida,

Consagrada seja a bebida

Ao Amor eterno Primordial.

II

Presente da Terra,

Preserva na Terra

O que lhe pertence!-

Torna-te bênção

Para a vida encarnada.

               III

 Força da vida!

Produz o milagre: 

Transforma,

O que eu aniquilo,

O que tenho de destruir

Para me sustentar,

Em sábia força de vontade.

  *  * *

Ao Findar do Dia.


 Oh Felicidade da Paz!

Felicidade do silêncio!

Felicidade da noite! 

 

Após o labor do dia,

Os ruídos do dia,

A pressão do dia,

Agora fatigada,

Aspira a alma

E o corpo

A descansarem por fim,

A libertarem-se das ressonâncias,

A libertarem-se da agitação.

 

Agora está completado

O trabalho terrestre!

 

Alma!

Regressa a ti mesma!

Aprende

A esquecer agora o corpo!

Deixa-o

Descansar na sua cama!

 

Nobre custódia de santos guardiões

Protegei-o do Mal. 

 

Mas tu, -

Alma, - 

Reza

No entretanto!

***    ***

Na  Felicidade!

Livre!

 

Liberto

De questões absorventes!

 

 Liberto

De desejos agitados!

 

Assim liberto,

Eu quero

Ser senhor

De ti, -

Quero

Dominar,

A ti,

Minha felicidade!

 

Graças a quem

te

me enviou!

Graças a quem,

A mim

Te permite modelar!

 

Embora - servir -

Não quero eu

A ti.

 

Se  me queres

 Escravo,

Então terás 

De deixar-me, --

Já que eu quero 

Ser livre

Mesmo de ti!

 ****    ******

Pinturas de Bô Yin Râ

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

"Figuras de Silêncio. A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje", de Armando Martins Janeira. Resumo valorativo. 1ª parte.

                                       

Figuras de Silêncio é uma obra publicada em Lisboa, em 1981, por Armando Martins Janeira dez anos  após o seu seminal estudo, já por nós abordado, O Impacte Português na Civilização Japonesa, e que de certo modo o complementa, já que, como o seu subtítulo indica, A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, Martins Janeira partilha as suas vivências, estudos e reflexões de dez anos como diplomata português no Japão e amante entusiasta do encontro luso-nipónico.

É do escritor Shusaku Endo (1923-1996) o prefácio da obra, em que valorizando a pioneira ligação da civilização ocidental e do cristianismo com o Japão através  dos portugueses e ainda os escritores  "profundamente versados no Japão",  Wenceslau de Morais e Martins Janeira, elogiando este como o embaixador mais querido de então, e a "atmosfera dum salão de cultura" que a sua casa  tinha,  considera-o um importante embaixador da cultura japonesa na Europa, dando como exemplos a introdução e divulgação que fez do teatro Nô e Kabuki, e dele próprio como romancista.

Na sua Confissão a servir de Intróito Armando Martins Janeira justifica-se: «Este livro vem procurar tornar conhecida em Portugal uma grande herança construída por dois povos que tão afastados, rasgaram um caminho comum e pela primeira vez na História realizaram o verdadeiro encontro entre o Oriente e o Ocidente», embora mais à frente do livro relembre o encontro ainda mais pioneiro ocorrido entre Alexandre, o Magno e a Índia,  reflectido na arte Gandhara, do séc. I ao VI.  Poderia ter talvez mencionado o realizado em geral pelos portugueses na Índia, e em especial na corte mogol de Akbar, onde desde 1579 jesuítas e representantes das várias religiões discutiram mais ou menos ecumenicamente.

                                 

Nesta sua «luta combatida e vivida num fervor de cruzada, não para
ressuscitar um legado histórico mas para inserir a História na vida de hoje e amanhã»,  confessa ter ajudado a  erguer quinze monumentos comemorativos da grande obra portuguesa, dois museus, uma escola infantil, um cortejo histórico, pilares, cruzes, inscrições, além da divulgação dos livros de Wenceslau de Moraes, e deseja que tal obra passe à cultura geral portuguesa, com significado moderno e de amor entre os dois povos. E se foi nos dez anos "no  Japão que passei os dias mais felizes da minha vida", e na longa profissão de diplomata aprendeu a ser cidadão do mundo nunca deixou secar as suas raízes transmontanas, confessando mesmo que andou sempre com três pedras trazidas da serra do Roboredo e um cântaro de barro de Felgar, do mesmo município de Torre de Moncorvo.
                                         

Ora na Parte I, O Passado e o Presente,  Armando Martins Janeira, medita com originalidade a necessidade «de formar uma consciência clara dos valores da nossa cultura» que inspirarão e animarão os portugueses, até para criar novos valores,  e que alimentarão os laços com os países da lusofonia. E observando lucidamente que  no encontro com o Japão as igrejas foram também e sobretudo centros de divulgação das artes e ciências e seria esse o seu mais valioso contributo para o Japão moderno e potência mundial, aprova o malogro da cristianização pois seria «uma grande perda para a cultura universal se as religiões e culturas da China e do Japão tivessem sido substituídas pela religião e cultura cristãs. Se pensarmos nos inestimáveis tesouros de arte que o alastramento do cristianismo destruiria - sobre isto os exemplos do começo não admitem dúvidas -, teremos de concluir que a cristianização daqueles países implicaria uma das maiores perdas para o património artístico da humanidade». E meditando os contrastes entre Jesus e Buda pondera que era essas "estremadas e fascinantes diferenças de ideias  e criações", que os missionários procuravam suprimir, iriam certamente contra o desígnio divino de tal "riqueza de diversidades".

Este universalismo dialogante de Armando Martins Janeira, tão presente na sua obra, e por isso por vezes desagradando a algum mais intolerante, nacionalista ou fanático, leva-o mesmo a lamentar não só a inépcia natural da evangelização impossível, como até colonialismos e imperialismos ocidentais: «E não é ainda - ai de nós, Ocidente! - nos países cristãos que o homem se tem mostrado mais justo e menos cruel, nas guerras que levou a toda a parte, em hecatombes como a história nunca antes conhecera».
Feito no seu O Impacto Português na Civilização Japonesa o
«escorço histórico da acção dos missionários, marinheiros e comerciantes portugueses no Japão durante um século de contacto, e do condicionalismo político, social e cultural nipónico em que tal se desenvolveu», através deste seu novo livro Figuras de Silêncio. A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, quer «lançar  na circulação cultural portuguesa alguns valores fundamentais, esquecidos hoje, mas ainda vivos e palpitantes no passado», pois continuam a ser valorizados e estudados por muitos estrangeiros e japonese, lamentando  como apesar da «história portuguesa no Oriente ser a mais rica de todos os países ocidentais, somos o único país da Europa que não possui uma escola ou verdadeiro instituto de estudos orientais e asiáticos» não se acompanhando ainda a historiografia nipónica ou europeia sobre o assunto. Sabemos que terminada a sua carreira diplomática Armando Martins Janeira veio contudo a dar aulas e criar, ou co-fundar, instituições nesses sentidos, tal o Instituto dos Estudos Orientais, hoje Instituto Oriental, sito na Universidade Nova de Lisboa, e a Associação de Amizade Portugal-Japão.
Num dos parágrafos mais paradigmáticos do escopo da obra,
pondera que «o passado representa para Portugal a consciência da sua capacidade de vencer adversidades e descobrir caminhos, significa garantia e auto-confiança para novos empreendimentos, constitui uma força que dá forma ao futuro. No presente confuso e triste em que os altos valores humanísticos, a limpidez de intenção, a coragem e a aspiração à altura, e a imaginação construtiva transitoriamente se apagam, é ao passado que temos de ir procurar as constantes da nossa criatividade. Uma nação e um povo podem haurir no presente a energia colectiva para construir com indomável determinação e visão lúcida o edifício do futuro, mas é no passado que os povos encontram a sua identidade. Que esta sondagem do passado, onde os japoneses descobriram tantas veias vitais, merecedoras de ser trazidas ao presente, possa inspirar alguns portugueses ambiciosos de renovar e criar e lhe comunique uma inquietação profunda. Mais fraternas formas de convívio e liberdade não sairão apenas da nossa esperança, mas do esforço duro e persistente e da lucidez de visão do futuro, que no passado encontram a justificação, a coragem e as certezas». Mas, bem lúcido, lembra que há sempre nesse passado ideais dinâmicos e vivificadores e ideais retrógrados ou já mortos e que há que escolher os que contém sementes de vida  e forças de progresso e corajosamente abandonar as tradições e hábitos inertes.

E neste diálogo de povos e civilizações, mostra alguns contrastes que nos deveriam estimular: «O Japão é o único país do mundo onde não existe uma só ruína. Os japoneses desconhecem a saudade da história, esse morbo, que a nós, Portugueses, rói a vontade e paralisa. Ali o passado vive no presente. O moderno e contemporâneo existem no Japão ao lado do antigo e do medieval; a a industrialização e a tecnologia não mataram o artesanato primitivo, e as artes tradicionais do chá e das flores são ensinadas às operárias nas fábricas ultra-modernas. O operário japonês é o mais produtivo do mundo, e o único que na fábrica, faz meditação zen. Foi salva a continuidade duma antiga herança que guarda à vida a serenidade e o encanto que a mecanização e produção em massa varreram de todos os países. Refere ainda como «o Japão possui os mais antigos e mais belos jardins do mundo» e poderia ter ainda mencionado o culto e protecção das árvores antigas ou mais notáveis, atadas mesmo com  cordas sagradas de palha de arroz ou de cânhamo, shimawa, e que tanta falta faz em Portugal, já que há demasiadas câmaras e juntas de freguesia arboricidas...

Os sub-capítulos seguintes da I Parte da obra tratam ainda de: Os Portugueses na Pintura japonesa (a arte Namban, isto é, representando os "bárbaros do sul"), Temas portugueses na cultura japonesa de hoje, onde escreve sobre a influência geral e ainda no romance, teatro, cinema, danças e outras artes tradicionais, com uma apreciação crítica final à participação portuguesa na Expo de Osaka de 1960, que teve grande sucesso e com muitas manifestações adjacentes mas em que o pavilhão português na sua arquitectura e
acessos deixou muito a desejar.
Nas Figuras de Silêncio, Armando Martins Janeira continuava
assim uma fervorosa tentativa de despertar os portugueses para os valores que foram demonstrados no séc. XVI, sentindo que a tarefa não era fácil. E embora tendo o bom exemplo do Japão que conseguiu unir frutuosamente o passado e o presente, erguendo bastantes monumentos ou memórias ao encontro, ou mesmo festas e pequenas indústrias, no caso português, e em Portugal, não haverá tanta facilidade, fora dos estudos e comemorações dos missionários e dos seus contributos, para valorizar o encontro luso-nipónico, lamentando mesmo que nem uma estátua em homenagem ao grande poeta Basho se tenha erguido em Portugal. 

Será nas partes seguintes, ilustradas, da obra: II, As Cidades, e III, As Figuras, que Armando Martins Janeira mostrará o muito que se fez para perenizar e vivificar o encontro luso-nipónico, seja nas treze cidades e vilas onde tal mais aconteceu, seja por oito notáveis individualidades portuguesas (uma basca), às quais ele próprio se poderia acrescentar:«O capitão-do-mar Jorge Álvares. Francisco Xavier, sonhador duma grande empresa malograda. O descobridor literário do Japão: Fernão Mendes Pinto.  O Introdutor da medicina ocidental no Japão: Luís de Almeida. Um grande clássico por descobrir em Portugal: Luís Fróis. Um precursor da Sociologia: João Rodrigues. Um mártir: Diogo de Carvalho. O último dos grandes aventureiros lusíadas: Wenceslau de Moraes.» Esperamos brevemente apresentar resumidamente as partes II e III desta valiosa obra.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

A origem dos Arcanjos Miguel e Gabriel. O livro "Na Hora de S. Miguel", por Gabriel Bosco. Resumo valorativo.

Gabriel Bosco escreveu a obra Na Hora de S. Miguel e publicou-a no Porto, nas edições Cavaleiro da Imaculada, em 1977. Num livrinho de 32 páginas (com apenas uma gralha, na pág. 13, onde está David deve-se ler Daniel), tem na capa a iconografia tradicional do Arcanjo, com um pé sobre a cabeça do Diabo, a mão esquerda segurando a balança e com a direita apontando a espada  ao Adversário e vencendo-o. E é apresentado assim no I capítulo: «Quem é como Deus? Eis o nome e o grito de guerra de S. Miguel. No seu nome está a sua bandeira e o seu programa de acção.»
A obra não tem grandes rasgos ou investigações e partilha  algumas citações de textos sem as localizar, tal como a de S. Boaventura ter escrito que  «é raro o profeta que não fala dos serafins e dos querubins», algo errado pois há pouquíssimas referências a eles em todo o Antigo Testamento.
Valoriza muito o profeta Daniel (significando "Deus é meu juiz", em hebreu), educado com mais três companheiros na corte real da Babilónia, "capaz de interpretar qualquer sonho e visão" e que o rei, consultando-os em questões de sabedoria e discernimento, considerava-os «dez vezes superiores a todos os magos e adivinhos do seu reino». Será Daniel que desvendará o misterioso sonho de uma estátua compósita de Nabucodonosor, pelo que o rei se prostrou aos seus pés e lhe disse: «Em verdade o vosso Deus é o Deus dos deuses e o senhor dos reis e o revelador dos mistérios, pois tu pudeste revelar este mistério»(II, 46,47). 
Estamos a ver a manipulação grande no relato do que quer que tenha podido acontecer, pois como seria possível o rei fazer e dizer tal, se logo em seguida Nabucodonosor eleva uma estátua de ouro a si mesmo e queria que todos a adorassem...
Este sonhos e visões imaginativas do religioso hebreu que no II séc. a. C escreveu o Livro de Daniel  foram um dos contributos de esperança ou miragem do messianismo judaico do V Reino, o messiânico que havia de vir, em Portugal tornado o V Império.
É em Daniel, VIII que  surge a primeira menção de um dos grandes arcanjos da história judaico-cristã, Gabriel, e podemos dizer que foi o anónimo escritor do Livro de Daniel quem de facto inventou nomes e entidades que se tornariam tão famosas e poderosas, tais como Mikael ou Miguel, e Gabriel, este que terá a fortuna tanto de ser o anunciador do nascimento de Jesus  a Maria como, uns séculos depois, quem, já com o nome árabe de Jibril, ditará ao profeta Maomé o livro sagrado do Islão, o Alcorão...
 
Primeiramente surge Gabriel a explicar uma visão de animais que simbolizaria o tempo do Fim, em VIII-17, e logo em seguida uma segunda vez.
Será só no cap. X, quando é relatada a aparição de «um homem vestido de linho, com os rins cingidos de ouro puro, seu corpo tinha a aparência de crisólito, e seu rosto o aspecto de fogo, seus braços e suas pernas como como o fulgor do bronze polido e o som das suas palavras como o clamor de uma multidão. Somente eu vi esta visão...»
O que diz esse homem resplandecente, mais tarde identificado a Jesus? 
Explica a Daniel o que se está a passar: "- O chefe do reino persa resistiu-me durante vinte e um dias; porém, Miguel, um dos principais chefes, veio em meu socorro. Permaneci assim ao lado dos reis da Pérsia.* 14. Aqui estou para fazer-te compreender o que deve acontecer ao teu povo nos últimos dias; pois essa visão diz respeito a tempos longínquos.»
Aqui é feita a menção pioneira a S. Miguel ("Quem é como Deus?"), a única que há em todo o Antigo Testamento. Mas como poderia ser Jesus, a lutar com o anjo ou arcanjo persa vinte e um dias e sendo  ajudado por um dos primeiros Príncipes, Miguel, e referindo a Daniel o teu povo, que não dele? 
Vemos assim a misturada grande que este livro é, intensificada depois pelo facto de se ter tentado ver Jesus o Cristo já a agir nos tempos do Antigo Testamento, o que é um erro completo. O mais interessante é porém a fortuna destes Arcanjos, que hoje, e com muita razão, já ninguém, dos crentes nos Anjos e Arcanjos, duvida da sua existência ou mesmo identidade e funções.
Seguem-se mais duas aparições de seres parecidos com homens, a última acabando por ser a inicial, pois diz a Daniel:
"Sabes bem” – prosseguiu ele – “por que vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o chefe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o chefe de Javã.* 21. Mas (antes), te farei conhecer o que está escrito no livro da verdade. 22. Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso chefe."
Vemos assim Miguel a tornar-se, de um dos principais chefes ou príncipes, "o vosso chefe". Que manipulações e interpolações o texto não terá sofrido, só um persverante estudioso deste livro o poderá adivinhar...
Segue-se uma longuíssima descrição de lutas entre povos da região no III e II século, e que trabalho para o pseudo Jesus ter de as estar a prever, e a descrevê-las a Daniel. Quando por fim se entra no cap. XII, reaparece Miguel: «Então se levantará o grande príncipe Miguel tomar a defesa dos filhos do teu povo». Ou noutra versão «que se conserva junto dos filhos do teu povo. Será um tempo de tal angústia qual jamais terá havido até aquele tempo, desde que as nações existem, mas nesse tempo o teu povo escapará, isto é, todos os que se encontrarem inscritos na vida. E muitos dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbio, para o horror eterno». Seguem-se depois as histórias de Susana e do dragão e como o Anjo de Senhor levou pela cabeleira o profeta Habacuc até à Babilónia para este dar a refeição que confecionava a Daniel, que estava na cova dos leões... I
maginações estrambólicas e que muita gente acreditou...

Como sabemos, o género de visões apocalípticas são fruto de imaginações frondosas que, por vezes, quanto muito, captaram no mundo astral ou imaginal certas imagens e forças germinantes, e que, de acordo com a sua sensibilidade desejos e receios, criam histórias, que podem mesmo ver, quais sonhos e filmes, e neste caso temos um escritor (aliás mais do que um, pois distinguem-se várias histórias  adicionadas) a relatar os feitos e visões de um profeta Daniel, muito provavelmente uma figura ficcional que serviu para fortificar os judeus face a outras religiões e povos, descrevendo mistérios da história, do porvir e do Divino que nem Jesus se atreveu mais tarde a dizer, reservando unicamente ao Pai, seja quem ele for, tal conhecimento.

Defende o autor do livrinho, Na Hora de S. Miguel, Gabriel Bosco ainda que já antes de David se aponta a intervenção de S. Miguel «ocultando aos judeus o corpo de Moisés, para que aquele povo, propenso como era à idolatria, não caísse nesse erro, tributando ao corpo do seu libertador honras só devidas a Deus». É claro utra mistificação, pois Moisés morreu e foi enterrado, e não veio um Arcanjo esconder o corpo ou levá-lo num lençol para o céu. Também seria Miguel o anjo que teria aparecido a Josué depois da passagem do rio Jordão, pois apresentou-se: «Eu sou o príncipe dos Exércitos do Senhor.» Era o tempo de Jehova, o deus das batalhas e dos extremismos, um deus muito cioso das suas ordens e culto, uma concepção primitiva e nacionalista de Deus, que Jesus repudiou, apresentando antes uma concepção de Deus bem mais harmoniosa...
A fortuna do pseudo-profeta Daniel, um dos primeiros visionários apocalípticos, logo a seguir a Ezequiel, e o criador de Arcanjos tão importantes no futuro, foi grande e chegou até à Europa cristã, em especial à Inglaterra dos puritanos e da V Monarquia e ao Portugal das fantasias do V Império, de ambas estando bem conhecedor Fernando Pessoa, como já antes o P. António Vieira. É de Daniel também, por exemplo, que vem a ideia e a expressão «Será salvo todo aquele que estiver inscrito no Livro da Vida», bem como a maluquice da ressurreição da carne e dos corpos físicos, que a tantas religiões e seitas se estendeu, pois não teve mão restrita nas suas visões e profecias. A  obra é  muito violenta,  por exemplo, pondo os anjos a rachar a cabeça ao meio de dois anciões que tentaram possuir a casta Susana. É com Daniel que termina o profetismo do Antigo Testamento, talvez porque foi tão extraordinária e pesada a avalanche de visões que ele criou que mais ninguém se atreveu a levantar a voz como profeta visionário em nome de Deus. Teremos de aguardar algum tempo, para já no seio do Cristianismo, o mesmo veio hebraico apocalíptico se manifestar, fazendo-o em nome do apóstolo querido de Jesus, João, sabendo nós que é uma obra de um judeu cristão, um zelota ou extremista, por volta de 80 d.C.
O autor do Apocalipse (e certamente não foi o apóstolo João, tal como Erasmo já no começo do séc. XVI provara e a crítica textual actual confirma) não conheceu Jesus, mas sim e muito bem as visões e profecias de Isaías, Ezequiel e Daniel, utilizando-as frequente mas discretamente na feitura da sua obra imaginativa, provavelmente escrita para afastar os cristãos de estabelecerem acordos ou acomodações com outras comunidades religiosas e para dar continuidade de valor aos profetas do Antigo Testamento, em riscos de serem destronados, caso o Cristianismo nascente conseguisse ter cortado com o Antigo Testamento, o que desgraçadamente sabemos que não aconteceu, enredando em pessoas em muita história e concepção errada e violenta...
                                 
Quanto à relação do Arcanjo de Portugal e o arcanjo Miguel, algo que vários têm procurado, com diversas motivações e esoterismos, refere Gabriel Bosco que embora no Congresso Internacional da Mensagem da Fátima, no Ano Santo [1951], o eng. Varela Cid pretendesse «provar ser S. Miguel o Anjo de Portugal», e que ele próprio também o desejasse, «não tem nenhuma revelação divina, autenticada pela Igreja, a confirmá-la». Menciona antes as três estátuas principais do Anjo Custódio de Portugal, em Évora, Bucelas e igreja da Encarnação em Lisboa, ainda hoje existentes. Não mencionou outras bem importantes, tais como as do convento de Tomar,  a da Sé de Braga, a da igreja de Santa Cruz em Coimbra, da autoria de Diogo Pires,  reproduzida em seguida.
No fim da obrinha deixa sete resoluções e propósitos, que vale a pena cogitarmos: 1ª « O temor e o respeito devido aos santos Anjos. Sabemos que o Anjo Exterminador matou os primogénitos do Egipto [talvez para dar o exemplo à legenda de Herodes ter mandado matar as crianças da idade de Jesus], e outro Anjo celeste exterminou numa noite 200.000 Assírios comandados por Senaquerib, por terem blasfemado o nome santíssimo de Deus (Isaías, XXXVII)».  O propósito é bom e devemos senti-lo mais no nosso coração espiritual, o local ou nível sem dúvida melhor para os invocarmos, enquanto sede da afectividade e da aspiração, mas são certamente duas mistificações completas, como se Deus mandasse matar por um anjo, tomando partido em guerras humanas e logo milhares de uma vez. 
Um mau precedente se abriu com esta intrujice, pois ao longo dos séculos vimos sacerdotes a abençoar os povos dantes de partirem para guerras, e até ofensivas, e para chegarmos aos nossos tempos e ouvirmos governantes irresponsáveis e vendidos, de certo modo criminosos de guerra, como George Bush, Tony Blair, Tatcher, Cameron, afirmarem que Deus os mandava entrar nas guerras e violência no Médio Oriente. 
O 2º propósito a termos em conta e adoptarmos é que pela nossa consagração ao Anjo da Guarda criamos intimidade com ele, podendo eles protegerem-nos. É certamente um dos mais acertados ditos e  conselhos do livro. O 3º propósito é lembrar-nos que nas missas  há união com eles, de facto uma afirmação verdadeira, uma realidade para quem consegue merecer tal visão. O 4º propósito é sermos submissos aos Anjos porque avisa S. Paulo: «Todos os Anjos bons são espíritos, ministros de Deus, enviados em socorro dos que se vão salvar», embora possa haver algum erro pois é como se houvesse um predestinação, só para uns tantos receberem os Anjos bons, e todos podemos e devemos tornar-nos bons e ligados ao Anjo. A 5ª tenção a desenvolvermos é a da vigilância e luta, porque como diz a Epist. de S. Pedro I, 5, 8, «o diabo vosso inimigo anda ao redor de vós como leão rugidor, buscando a quem devorar». Um dos que disse que o viu mais de uma vez foi Lutero e não sabemos se terá sido em algum nível devorado, mas pelo menos deixou de falar e cultuar a intermediarização dos Anjos  e ainda dos santos e mestres, ficando tudo dependente apenas da fé de cada um e da graça divina predestinada, algo que Erasmo criticou, explicando como o livre arbítrio, o studium, que significava esforço e estudo, e a docta pietas, uma piedade ou devoção sábia, activa e moderna, a devotio moderna, eram os meios principais do ser humano melhorar e se abrir ao espírito e à Divindade, tal como eu expliquei bem na introdução e biografia de Erasmo, no seu Modo de Orar a Deus, uma obra ainda bem anotada e valiosa.
O 6º propósito a assumir-se seria: «A invocação frequente e fervorosa do grande poder e socorro do Arcanjo S. Miguel, através do exorcismo do Papa Leão XIII», que mistura salmos do Antigo Testamento, citações do Novo Testamento e orações ao Arcanjo, e que se encontra hoje disponível online. 7º Reconhecer-se «que o demónio é a causa de todas as contestações, que afligem a Igreja, e de tantas perdas de fé e de paz social e das consciências», equacionando demónio e soberba, propondo a humildade, que será a 1ª, a 2ª e a 3ª condição de santidade, segundo S. Agostinho.
Que dizer,  desta obrinha piedosa e católica? Que as pessoas sintonizem e descubram mais o seu Anjo da Guarda ou mesmo o Arcanjo de Portugal ou, quem sabe, o espírito celestial denominado S. Miguel, nomeadamente em momentos de aspiração mais ardente e orante, seguidos de meditações profundas, porque então as crenças infundadas e até violentas, apocalípticas e nacionalistas dissipar-se-ão e, na luz e bênçãos recebidas poderão antes ter as suas compreensões e vivências interiores espirituais e transformadoras, e dos Anjos ou mesmo de espíritos celestiais superiores, mais próximos da Fonte Divina, para uma limpeza da negatividade imperialista e consumista poluidora e destruidora da Natureza, para uma melhoria da Humanidade e do Planeta...
                                           Lux - Amor - Pax