sexta-feira, 8 de outubro de 2021

"As Cidades", do encontro luso-nipónico, no livro "Figuras de Silêncio, de Armando Martins Janeira. Breve resumo, 1ª parte.

                                                      

Em "As Cidades", a II parte das Figuras de Silêncio.  A Tradição Cultural Portuguesa no Japão de Hoje, obra publicada em Lisboa, em 1981, e que já abordámos a I parte, "O Passado e o Presente",  Armando Martins Janeira  descreve as raízes históricas das interacções realizadas após a segunda grande Guerra em treze localidades marcadas pelo encontro luso-nipónico: Tanegashima, Kagoshima, Hirado, Sakai, Kyoto, Yamaguchi, Oita, Yokoseura, ilhas de Amasuka, Nagasaki, Sendai, Kobe e Tokushima, narrando e ilustrando fotograficamente bem os acontecimentos e as personagens importantes do diálogo, partilhando ainda os seus sentimentos e intuições.  Passemos numa breve visita pelas seis primeiras, seguindo os títulos e as informações de Armando Martins Janeira: 

1ª - A pequena ilha japonesa onde os "bárbaros" portugueses aportaram a primeira vez, Tanegashina, em 28 de Setembro de 1543, segundo Teppo-Ki, a Crónica da Espingarda, escrita 60 anos depois, pois tal foi o que mais apreciaram, e passaram a utilizar, além da satsuma imo, a batata doce. É em Nishimo Omote, a capital da ilha, que fica perto da grande ilha de Kiusho, que se realizam festividades anuais em homenagem a Fernão Mendes Pinto e à sua amada Wakasa de que há uma bela lenda, tendo sido erguidos alguns monumentos aos navegadores portugueses, um deles inaugurado por Armando Martins Janeira (na fotografia em baixo), que discursou, participando depois numa pequena missa celebrada com grande unção mística, mas à qual resistiu o comungar, redimindo-se depois numa breve mas vibrante alocução  sobre a fraternidade universal ao pequeno núcleo de fiéis, descendentes  dos antigos tão perseguidos.

 2ª - Maus começos do Cristianismo no Japão, a cidade de Kagoshima, extremo sudoeste da ilha de Kiushu, capital do antigo feudo de Satsuma, onde Francisco Xavier  desembarca em 15 de Agosto de 1549, com o padre Cosmes Torres e um japonês nativo da cidade, Yajiro ou Paulo de Santa Fé, e ficam um ano a doutrinar e converter, mas poucos conseguiram, cerca de cem, já que a oposição dos monges budistas foi sempre forte,  levando  Xavier e os jesuítas a desistirem e preferirem Hirado, Funai e Kyoto. Mesmo o P. Luís de Almeida, médico, sábio e que falava japonês, em 1582, acabou por pouco tempo poder pregar.

                                    
 
 3ª Uma segunda Sodoma, Hirado, pequena ilha ao norte de Kiusho e da sua capital, recebeu desde 1550 barcos portugueses e missionários, tal como duas vezes Francisco Xavier, e sobretudo o padre Baltasar Gago, mas como narra Armando Martins Janeira «o excesso de zelo dos cristão lavou-os a queimar vários templos budistas e xintoístas, o que provocou grande comoção entre os pagãos. Pouco depois a hostilidade dos bonzos moveu o ânimo do senhor feudal e da população contra os missionários, que tiveram de fugir, em 1559. A igreja foi destruída». Hirado sendo um bom porto atraiu ainda espanhóis, holandeses e ingleses, tornando-se no dizer de uma testemunha europeia, uma segunda Sodoma, acabando por serem os holandeses os que ficaram numa feitoria junto ao mar, celebrando mesmo uma missa de acção de graças quando souberam que os portugueses tinham sido expulsos do Japão em 1639. 

- A Cidade do Chá e da Cruz, Sakai, o principal porto de então para o comércio com a China e a Coreia, junto a Osaka. Os portugueses estiveram nela desde 1551 e conseguiram por cerca de 60 anos manter a igreja, a  residência dos jesuítas e um grande cruz, que o Padre Luís Fróis, diz que se "vê do mar longe" e, nas suas limitações ideológicas do eurocentrismo católico que «é a primeira bandeira de Cristo que naquela populosa cidade se tem contra o Demónio arvorada entre quatro mosteiros de bonzos que a cercam» ficando «até ao decreto de expulsão de 14 de Fevereiro de 1614, onze dias após o qual foram obrigados a emigrar para as outras partes do Japão, especialmente Nagasaki». O padre João Rodrigues descreveu muito bem as características de Sakai, nomeadamente a arte do chá e a sua cerimónia o cha-no-yu. Contudo, dado que nem o P. João Rodrigues, nem depois Wenceslau de Moraes, a descreveram bem, Armando Martins Janeira narra-a com todos os detalhes, na pequena casa de chá chaseki, no recanto dum jardim particular citadino, sob um haiku (poema de três frases) caligrafado num kakemono, ou seja, num rolo tela pendurado: «Sobre a cerejeira que começa a florescer/ Um velho rouxinol/ trila o seu último canto»... 

5 - Os Bárbaros em Kioto, capital imperial e uma das mais famosas cidades do Mundo. Depois de elogiar esta maravilhosa cidade, com os seus três mil templos e santuários, que também a mim muito me tocou quando nela permaneci dezassete dias em 2011, lembrando que ao contrário de Portugal, «muito dos esplêndidos palácios e templos de madeira arderam mais de uma vez, mas foram reconstruídos exactamente no mesmo lugar, com a mesma traça, reproduzindo escrupulosamente o modelo», relembra como Francisco Xavier queria evangelizar a capital, mas apenas conseguiu ficar 11 dias,  e os sucessivos sacerdotes que por lá passaram ou estiveram, sobretudo na época de protecção de Nobunaga pouco conseguiram converter. E se celebraram a 1ª missa numa uma bela igreja a 15-VIII-1576, um década depois por ordem de Hideyoshi, foi destruída. Em 1605, graças à autorização do do xógun Tokugawa Ieysau estava erguida outra grande igreja, comentando bem comparativamente Armando Martins Janeira: «Pode imaginar-se quão surpreendente seria o facto de uma missa - e mais tarde lustrosas procissões - celebrada então em Kioto, por ocidentais rezando e cantando em latim e português, se se pensar o espanto que causaria uma cerimónia budista celebrada num templo budista que houvesse sido construído por japoneses na Lisboa dos começos do séc. XVII. Os habitantes de Kioto observavam estes espectáculos com curiosidade e espanto». Em Fevereiro de 1614 deu-se a fatal ordem de expulsão, para Macau, via Nagasaki, embora cerca de cinquenta religiosos tivessem ficado na clandestinidade. Afirma ainda, talvez algo idealizadamente:«Os Jesuítas fundaram em Kioto uma Academia das Ciências, a que pertenceram alguns dos maiores intelectuais japoneses da época, da qual nada se sabe hoje das actividades que desenvolveu; deveria ter sido um pequeno centro de intercâmbio de ideias da cultura ocidental e nipónica», e partilha depois as vivências dos templos e santuários, jardins e maikos, que tanto o encantaram, ou ainda as reminiscências  da passagem lusa, concluindo excelentemente: «É em Kioto, nos seus templos e nos seus jardins, nas suas canções e nas suas mulheres, as mais belas do império, que vive ainda o espírito do Nippon, Yamato damashii, a verdadeira alma japonesa. E tê-la conhecido profundamente é uma felicidade inefável que fica na nossa alma, como sob a água que no rio corre, invisível, uma pedra rara.»

6ª - Primeiros êxitos do Cristianismo no Japão, Yamaguchi, na ponta noroeste de Honshu, a principal ilha do Japão, foi visitada por Francisco Xavier por duas vezes, tendo conseguido em 1551 converter cerca de 500 pessoas, segundo uma sua carta, após muitos dias de disputas  longas que aconteciam no fim das pregações. As guerra civis levaram às destruições das igrejas e residências jesuíticas, com reconstruções em 1586, e a expulsão final em 1602. Embora haja desde 1952 uma catedral dedicada a S. Francisco Xavier, Armando Martins Janeira conclui o capítulo com sentido crítico comparativo desassombrado:«Mais tarde a igreja e as casas de Yamaguchi eram dadas a um bonzo para as suas devoções budistas. Mais uma vez a força das crenças tradicionais vence a religião estrangeira. Xavier, fanático no seu zelo evangélico, incitava à destruição de muitos templos nipónicos e das imagens religiosas, no Japão, como já fizera na Índia, onde encorajara os rapazes a destruírem os ídolos. Esta intolerância contribui em grande parte para a hostilidade dos bonzos e foi uma das principais causas da expulsão dos Portugueses do Japão.» Sobreviveram contudo alguns kakure kirishitan, cristãos clandestinos (ainda assim cerca de 30.000 no final do séc. XIX), e os seus objectos de culto, ou não fossem estes também arte bela e inspiradora, a ser preservada na grande diversidade do género humano, fraterna, ecuménica, tanto mais que a Divindade primordial se pode manifestar em diversas formas segundo a fé dos crentes, conhecedores e amantes...

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