domingo, 19 de julho de 2020

Uma raposa do Japão (kitsune) em Portugal. De Emília de Sousa Costa (1877-1959), "Triste vida a da Raposa", um conto para crianças bem sensivel.

Emília de Sousa Costa (1877-1959) foi uma notável artista, escritora, professora, feminista, protectora da infância, natural de Lamego e a família de Vila Pouca de Aguiar, que trabalhou na Caixa de Auxílio a Raparigas Estudantes Pobres, na Tutoria Central de Lisboa e no conselho central da Federação Nacional dos Amigos das Crianças. Casou com o "juiz" e escritor Alfredo de Sousa Costa, de quem teve descendência, Deixou-nos muitos contos infantis, cheios de ensinamentos e boas emoções para todos e para sempre: uma literatura perene, que bem mereceria alguma antologia. 
Um neto dela, no seu blogue Velharias, num valioso artigo de 11-VII-2016, intitulado Um porta-retratos antigo por preencher recenseou na Porbase da Biblioteca Nacional, 120 obras da sua autoria e dá até o seu  nome de nascimento, Emília da Piedade Teixeira Lopes e assinala que deve ter sido por ela que a notável republicana, feminista e espiritualista Maria Veleda (a quem consagramos recentemente um artigo neste blogue)  passou a trabalhar na Tutoria da Infância, pois fora criada pelo seu marido Alberto de Sousa Costa, para além de que a sua irmã Margarida casara-se em 1909 com o poeta Cândido Guerreiro, de quem Maria Veleda tivera uma paixão juvenil e um filho. Uma "discordância" senti contudo, pois a partir de uma ou outra fotografia, admite que a sua avó "não parece ser bonita", o que talvez não seja o caso, como vemos na imagem que reproduzo. Quanto ao belo, ou ao bonito, lembremos que a visão da beleza, ainda que haja parâmetros clássicos e bastante subjectiva pois vem sobretudo da alma que vê, e esta transfigura quem gosta ou ama, e pode chegar mesmo ao ponto de - tal como diz o nosso Luís de Camões, cavaleiro e fiel do Amor e frequentemente um neo-platónico ou quase um bhakta indiano, na sua cosmovisão -, poder causar o: "transforma-se o amador na cousa amada, por virtude do muito imaginar"..., mas sem deixar de querer concretizar na matéria e no corpo tal ligação anímica  com a "linda e pura semideia", como diz no fim do poema, pois "o vivo e puro amor de que sou feito, Como matéria simples busca a forma".
Imagem do http://mulheresilustres.blogspot.com/2011/06/emilia-de-sousa-costa.html, um espaço com boa iconografia.
A sua abertura ao Japão neste conto é bem valiosa, havendo talvez alguma influência de Wenceslau de Morais (1854-1929),  ou mesmo alusão a ele, ao ser referido um oficial da Armada, ou Marinha. Wenceslau que, na sua vasta obra, menciona mais de uma vez o espírito-deidade, ou kami,  Inari e as suas raposinhas ou kitsune terá sido possivelmente  lido pelo casal Sousa Costa.
 
A Triste Vida a de uma Raposa!, com sugestivas ilustrações de Raquel Gameiro,  teve a 2ª edição em 1943, na Editora Educação Nacional, no Porto, e que tem ao todo oitenta e seis páginas, da qual fotografámos o 1º capítulo, já que se passa no Japão, pois a kitsune vem depois para Portugal, para o  Douro vinhateiro, junto ao nosso sacro rio, e entra neste blogue numa linha de partilha de algumas das relações entre o Japão e o Portugal que tenho encontrado em livros, revistas, jornais e manuscritos, e também para uma (dona Liliana) ou outra amiga que têm crianças que conseguem manter a pureza e a naturalidade  necessária a elas gostarem de ouvir contos de encantar e logo deixarem-se tocar, formar e comungar com as raízes tradicionais de qualidades, virtudes, arquétipos e seres espirituais. 
Outra destinatária é a página-grupo no progressivamente mais opressivo Facebook, ligado ao Shinto e ao Japão que eu fundei, Shinto em Portugal e no Mundo, On Shinto, the way of the Kami, além da necessidade de fortalecer nas pessoas uma maior sensibilidade às boas relações e diálogos entre os animais e os homens. E particularmente com a raposa, kitsune, consagrada e considerada no Japão animal auspicioso e propiciador da fertilidade dos campos e das culturas, nomeadamente a do arroz biológico e sempre presente nos milhares de santuários de Inari, o espírito- deidade da agricultura, do arroz, da fertilidade mas também dos ferreiros e guerreiros. 
                                        Goddess Inari | Journeying to the Goddess
 Há no Japão milhares de santuários, grandes ou pequeninos, dedicados a Inari, basicamente deidade feminina, cuja etimologia se considera ser ine-nari (arroz crescer), e um dos mais famosos é o de Fushimi, junto a Kyoto, fundado em 711, e onde estive em peregrinação duas vezes, tendo gravado alguns vídeos que estão no Youtube. As raposas sendo o seu animal e as suas mensageiras espertinhas na Terra, surgem assim em estátuas, frequentemente em par, diante dos  altares, como protectoras e inspiradoras. 
Em Fushimi Inari, perto de Kyoto, em 2010, num recanto oculto, com uma pequena queda de água para o misogi, que pratiquei, a consagração a Inari kami, com as kitsunes, e a Amaterasu omikami, com o Yata no Kagami, o espelho, da auto-consciência e da mente transparente.

Mais recentemente, hoje mesmo 4-X-2022, a Inês Carvalho de Matos partilhou para a rede social, ao contrário da VK.com,   tão censuradora do Facebook,  e mais concretamente para a página já referida Shinto em Portugal  e no mundo, um texto e algumas belas imagens do ritual do casamento das raposinhas primordiais e com afirmações finais etnológicas valiosas: «Em Minowa no Sato, na região de Gunma, realizou-se o ritual Kitsune no Yomeiri: "o casamento da raposa". Os figurantes recriam o episódio mitológico do casamento das raposas, que na cultura popular japonesa (com origens no Shintoísmo) é o evento que provoca chuva súbita em dias de sol e também clarões inexplicáveis durante a noite ou no meio do campo.»
Possamos nós presenciar tais fenómenos, muito raros nas cidades, claro, mas ocorrendo nos campos de Portugal ou do Japão, como propõe a Inês, e que são bem transfiguradores para quem os sabe contemplar unificadoramente....
  Uma bela história de Emília Sousa Costa, certamente sem rigor de erudição shintoísta mas com bastante sensibilidade, para crianças mas não só e, capaz de nos emocionar, ainda que apenas neste primeiro capítulo, fazendo-nos viajar ao Japão  e sentir a sua gente e costumes...
Desfrute então de algumas páginas de uma história luso-nipónica de Emília de Sousa Costa e que se pode ter originado em Wenceslau de Morais, oficial da Armada, consúl de Portugal em Kobe e apaixonado pela civilização e duas mulheres do Japão, Ó-Yoné e Ko-Haru, título aliás de uma das suas magníficas obras, das melhores descrições nipónicas no Japão antes da II Grande guerra e do absurdo de Hiroshina e Nagasaki.
Alguns erros na descrição do panteão do Shinto, pois Tien, é céu. A frase correcta seria: "a religião oficial venera os deuses (kami) do Tien (céu) e outros deuses (kami) inferiores ou menos primordiais, entre os quais o simpático kami Inari Sama, isto é, o Senhor ou Dom Inari....


                       Uma descrição da delicadíssima hospitalidade e a culinária  do Japão....









domingo, 12 de julho de 2020

Erasmo: "Da Utilidade do Conhecimento dos Adágios". Breve biografia e tradução, no seu dia de partida da Terra, 12.VII.1536.

                                  
Desidério Erasmo, de Roterdão, um dos maiores sábios de sempre, deixou o seu corpo terreno a 12 de Julho de 1536 (na imagem, já no fim da vida), em Basileia, com 69 anos. Dando à luz sucessivas obras de sabedoria perene (tal os Adágios), de crítica dos costumes (Os Colóquios, o Elogio da Loucura), de retórica e de religião, nomeadamente dos primeiros padres da Igreja, valorizando uma religiosidade de inteligência, piedade e amor, tornara-se o mestre, ou a voz mais respeitada, dos humanistas e da cristandade europeia no Renascimento, chegando mesmo a pôr em causa (a pedido do Papa) Lutero e a sua negação do livre arbítrio. Dos portugueses será amigo de Damião de Goes (na fotografia) e inspirará ou influenciará André de Resende, Frei Valentim da Luz, João de Barros, Diogo de Teive, entre outros. 
A sua crítica dos costumes desvairados da Igreja católica, propondo uma religião de piedade, não-violência e veracidade, suscitou a proibição no Índex (sobretudo a partir do Concílio de Trento e 1562) de muitas das suas obras, ainda que variando conforme as "limitações" dos censores e das infalibilidades papais que as garantiam. Realçando muito um coração puro, livre de superstições, corajoso e aspirando a Deus, dirá: «O importante, onde se deve aplicar toda a nossa energia, é a curar a nossa alma das paixões: inveja, ódio, orgulho, avareza, concupiscência. Se não tenho o coração puro, não verei a Deus. Se não perdoar ao meu irmão, Deus não me perdoará. (...) S. Agostinho encontrou um ou outro caso onde não se reprova a guerra: mas toda a "filosofia de Cristo" a condena. Os apóstolos reprovam-na sempre, e os doutores santos que a admitiram em certos casos, em quantos outros não a condenam? Porquê procurarmos à custa duma passagem o com que autorizar os nossos vícios?» 
No seu afã de irenismo, como se chamava então ao pacifismo, escreverá várias obras e cartas, muito pioneiramente pondo em causa de certo modo as evangelizações, colonialismos e imperialismos que tanto tanto mal têm feito ao mundo, dirá ainda: «Há muita distância entre guerra e latrocínio, entre dilatar o reino da fé e aumentar a tirania deste mundo, entre buscar a saúde das almas e perseguir o botim de Mafoma. Das terras descobertas trazem-se ouro e pedras preciosas, mas mais digno de louvor seria levar lá a sabedoria cristã que vale mais que o ouro».
Ao morrer, o nosso sábio eborense André de Resende (1498-1573) escreve a Damião de Goes contando-lhe como sonhou ouvir uma voz clamando: «extinguiu-se para o mundo aquele que era o ornamento que os séculos nunca chorarão suficientemente». E apela: «Os que profanaram a sua reputação acusando-o de heresia, aprendam agora a moderar as suas sevícias e deixem ao menos intactas as suas obras que a posterioridade grata poderá venerar e honrar». Infelizmente não sucedeu assim e em Portugal o espírito aberto e sábio do Humanismo, bem presente nos cavaleiros e fiéis do Amor e nos erasmianos, não conseguiu sobreviver às pressões do fanatismo ortodoxo, da Inquisição e da censura. 
O Elogio da Loucura, os Colóquios, os Adágios, as Cartas e a sua versão do Novo Testamento são sas suas obras mais perenes. 
Entre nós, em 2008, traduzi com Álvaro Mendes o Modo de Orar a Deus, dado à luz nas publicações Maitreya (com desenhos da capa e no interior de Maria de Lurdes de Oliveira), e comentei-o com certa profundidade, depois de ter contextualizado a obra e as metodologias de oração, bem como biografado Erasmo. Poderá encomendar à editora, ou mesmo a mim, se quiser um exemplar com dedicatória...
Para esta celebração em 12-VII-2020 do aniversário da morte deste querido amigo, traduzi dos Adágios, a partir do latim e de uma versão abreviada espanhola, uma parte do VI capítulo do prólogo, pela muita sabedoria desafiante que contém, nomeadamente no desenvolvimento da amizade e da comunidade, do amor e da Unidade, tão necessários para a evolução da Humanidade, algo que na tradição espiritual portuguesa no séc. XIX foi muito pensado e desejado por Antero de Quental, apelando a que nos elevemos acima do nosso egoísmo e vibremos mais no Bem impessoal e universal.
  Oiçamos então Erasmo: « (...) Para principiar, que a ninguém pareça estranho que eu diga que os provérbios pertencem à ciência da Filosofia. Estimava Aristóteles, segundo Sinésio, que os adágios não eram senão relíquias daquela Prisca Filosofia que se extinguiu por causa das calamidades graves dos humanos e que se conservaram em parte por sua brevidade e concisão, em parte pelo seu bom humor e  engenhosidade; por isso, temos de examiná-las não com apatia nem com negligência, mas com proximidade e profundidade, porque neles subsistem certas chispas daquela vetusta sabedoria que foi muito mais perspicaz na investigação da verdade do que o foram os filósofos posteriores. Também Plutarco (no tratado que fez intitulado Quo pacto sint audiendi poetas) [De que modo são ouvidos os poetas] considera que os adágios dos antigos eram semelhantes aos sagrados Mistérios, nos quais as coisas mais importantes e divinas costumam expressar-se sob cerimónias insignificantes e na aparência quase ridículas.
De facto nestes ditos tão breves chegam-nos através do seu envoltório as mesmas mensagens que os príncipes da filosofia nos transmitiram através de tantos volumes. Por exemplo, aquele adágio de Hesíodo "a metade é mais que o todo" não significa outra coisa que o que Platão, tanto no Górgias como nos seus livros da Política, esforçou-se com múltiplos argumentos por ampliar: "é preferível admitir uma injúria do que causá-la".[Ou ainda, que na metade está uma potencialidade que sobre passa o Todo]
Que outro princípio transmitiram alguma vez os filósofos que fosse mais salutar para uma correcta educação para a vida ou ainda mais vizinha  da religião cristã?
Como pode um minúsculo provérbio encerrar algo de tanta importância: "a metade é mais que o todo" (dimidium plus toto)! Porque  quem aufere o todo, está a defraudar o outro ao deixá-lo sem nada: portanto vale mais ser defraudado que defraudar. 
Para além disso, quem  medite a fundo e com esforço o dito de Pitágoras "as coisas são comuns entre amigos"    descobrirá  sem dúvida neste breve dito estar incluída a súmula da felicidade humana. Que outra coisa faz Platão em todos os seus volumes senão persuadir à comunidade e ao seu originador, a amizade
Se os mortais se persuadissem disto, afastar-se-iam do meio da guerra, da inveja e da fraude;  resumindo, um rebanho universal de calamidades logo emigraria da vida.
A que outra coisa apela Cristo, o príncipe da nossa religião? Um preceito e um só transmitiu ao mundo, o da caridade-amor,  admoestando de que dela só dependem toda Lei e os Profetas. E a que outra coisa nos exorta  senão a charitas, amor, a que tudo seja comum a todos?  Para que, religados na amizade com Cristo, pelo mesmo laço que o une a ele ao Pai, imitando no que é permitido aquela comunhão absoluta pela qual ele e o Pai são verdadeiramente o mesmo, sejamos também um com ele, para, diz Paulo, realizarmos "ser um espírito e uma carne", com ele; de modo a que pela lei da amizade todas as coisas sejam comuns: o que é de Ele seja nosso e o que é nosso seja de Ele. E que então, unidos entre nós uns com os outros, com  vínculos iguais de amizade, como membros da mesma cabeça e como um único e mesmo corpo, sejamos animados pelo mesmo espírito, e assim o mesmo soframos, o mesmo gozamos, como o prefiguram também aquele místico pão, feito de muitos grãos reunidos na mesma farinha, e a bebida do vinho, na qual se fundem muitos bagos no mesmo líquido; para que, finalmente, ao estar em Deus a totalidade das coisas criadas e Deus por sua vez em todos, o universo no seu conjunte retorne à unidade. Vês que grande oceano de filosofia, ou mesmo de teologia, abre-nos um tão pequeno adágio?»
Saibamos nós então, na comunhão com Erasmo e os humanistas e espirituais, escolher, e mesmo escrever (com as mãos de Erasmo, por Hans Holbein), alguns adágios, frases concisas de sabedoria, ou ditos ou mantras, ou preces, e meditarmos e orarmos com eles, assimilando-os no corpo e alma e vivendo-os e irradiando-os luminosamente.
O caduceu de Hermes ou Mercúrio, a circulação das energias ascendentes subtis. Empresa do famoso tipógrafo e humanista Ioannis Froben, de Basileia, grande amigo de Erasmo.

sábado, 11 de julho de 2020

Os cavaleiros do Amor. Antero de Quental, por Félix Horta, in "Livro d'Horas". Com um desenho de Almada.

O diplomata e poeta micaelense Félix Borges de Medeiros Horta, nascido em Ponta Delgada em 1890,  publicou o que cremos ser o seu 1º livro em 1908, o Auto da Vida e trinta anos depois, já bem mais amadurecido, o Livro d' Horas, o qual numa prateleira da livraria alfarrabista Kronos Bazar, do amigo caldense Fernando de Castro, me despertou pela sua lombada e título e, depois, pela capa, a atenção movente.
Levado por aquele impulso intuitivo que nos leva a avistamentos ou descobertas inesperadas, lancei a mão, abri a obrazinha e na página que veio à luz do dia estava inscrito ao alto: Antero.
 Era um belo poema que resumia o seu ser e vida. E como tenho abordado este poeta-filósofo e seus amigos, tendo criado mesmo uma página no Facebook a ele dedicada, adquiri o livro. E já de madrugada, ao deitar, resolvi lê-lo em voz alta e comentá-lo para uma gravação, e assim no fim deste artigo encontra o vídeo de 19 minutos...
Resumamos ainda brevemente o livro de Félix Horta, in-8º de LIII págs., dado à luz nos competentes prelos da Imprensa Nacional, valioso  pelo conteúdo e por ser tão esteticamente bem impresso, não só pelos desenhos e capa mas também pela letra gótica, algo bem raro no séc. XX. E ainda por conter uma breve dedicatória, numa letra bem espraiada e amistosa, a um seu leitor Vasco da Cunha, introduzindo-nos desse modo um pouco mais na sua vibração anímica, que possa ter passado a ele quando o teve na mão.
                                    
Anote-se e reproduza-se ainda o seu ex-libris ou imagem que escolheu como poeta e desenhado para ele por Almada Negreiros, e que nos surge tão discreta e minusculamente logo nas páginas brancas que nem nos demos conta disso inicialmente. Vola et Ama, Voa e Ama, eleva-te e sê pleno, unificador. 

E não encontrei qualquer referência ao alado desenho na iconografia de Almada Negreiros.
                                    
O cap. I , in Limine, no Limiar, contém a dedicatória aos seus pais, "à Terra em que nasci, esse vulcão que o mar embala e ao embalá-lo canta", ao mistério, ao amor, aos mártires e aos que o ampararam ou sofreram por sua causa.
                                    
O cap. II, a Ideia, traça a sua crença no mestre Jesus, em Nossa Senhora da Luz, na comunhão das almas, em especial com seu pai, mas também na vacuidade do pensamento para chegar ao conhecimento Divino e na dualidade das forças que o inspiram, impulsionam ou tentam.

 
 No cap. III, do Amor, este surge-nos bastante vivenciado na dualidade do desejo-encontro e dúvida-separação. 
 No cap. IV, do Homem, contém quatro poemas dedicados a Antero a Soror Mariana, a Camões e a Pedro o Cruel, os dois primeiros muito bem conseguidos, e de realçar Mariana Alcoforado surgir no capítulo do Homem, e ser ela quem que  brilha amorosamente na noite das dificuldades e dos tempos, assim o finalizando: «(...) Sem forças adormece. É madrugada. E ao despertar daquela imensa dor a carta recomeça: - Meu amor!».
 No cap. V. da Morte, pensaríamos que haveria algo de discípulo de Antero, cavaleiro enamorado ou vencedor da morte, mas não, é uma vivência profunda da morte da amada real que descreve, e assim se compreende melhor o dilaceramento patente no cap. III do Amor. Contém seis poemas valiosos, o primeiro levando mesmo o desafiante título Génia, o último confessando nos primeiros versos: «Eu sei quem é que força aquela porta/ e vem, de branco, à noite, silenciosa,/ rondar a minha vida lutuosa/ e afagar-me com suas mãos de morta./ Eu sei quem é aquela forma airosa/ que por saudade ao mundo se transporta,/ que me olha, sorri e me conforta/ e é gelada, pálida e bondosa. (...).
 O cap. VI e final, intitulado da Terra é um belíssimo canto a São Miguel dos Açores, de cinco páginas, iniciado assim: 

 «Nasce das ondas e vai quase aos Céus,
Como uma escada posta aos pés de Deus,
a terra onde eu nasci.
Doura-o o sol e dá-lhe tons e cores
para beijar a Ilha dos Amores
que se levanta ali
num festival supremo de beleza,
em honra do deus Pan,
pela natureza maravilhosa e forte!
Apolo deu-lhe o fogo em convulsões
nas crateras abertas dos vulcões
desafiando a Morte. (...) »

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Oiça então o belo poema dedicado a Antero de Quental, com alguns comentários luminosos, num sacrifício de dezanove minutos do seu precioso temp0....
                                

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Diários. 10-X-1990. Cadeira del-Rei e o Convento de Cristo, em Tomar. Forças telúricas e realizações Templárias.

 
 Página do Diário de 1990, quando vivia e meditava, escrevia e fazia agricultura biológica no Vale da Figueira, a 6 km de Tomar. 
Fotografias no terreno Cadeira del-Rei, na cerca da mata dos Sete Montes do convento de Cristo, a 1ª, e que, com as suas oliveiras, eu cuidava, e as seguintes já no convento e charola.
  «Qual a diferença entre a chama e o crepitar do alecrim, do pinheiro, da salva, do rosmaninho?
O sol, a água, o vento, a terra são determinantes no crescimento das múltiplas espécies do reino vegetal. Escolher bem os sítios, tendo ainda em conta sombras, ondulações do terreno, fenómenos atmosféricos, etc.»              

A Presença Divina dentro de nós, eis a maior riqueza.
A Charola Templária [do convento de Tomar] é uma imagem pequena da fortaleza inexpugnável do coração consciente da Divindade em nós. E ser-se cavaleiro Templário era e é isso.
 A morte do grão-mestre Jacques de Molay e seus companheiros na fogueira é, ainda que na sua tragédia, uma apoteose ígnea da missão flamejante dos Templários.
                                                
Para além dum expansionismo cristão, com os seus lados egoístas e idealistas, a tentativa templária serviu uma intensificação evolutiva (karmica) duma série de seres que se ligaram à Ordem e à sua egrégora corajosa e libertadora.
Alguns eram guerreiros, outros construtores, outros homens de visão do futuro, ou mesmo interna. Uns poucos tentaram também aprofundar os mistérios das religiões e tradições espirituais a partir da encruzilhada e cadinho alquímico do Médio Oriente, em encontros e diálogos, orações e iniciações com islâmicos espirituais...
                                            
 E houve assim os que alcançaram e trouxeram ensinamentos mais mágicos ou mais iniciáticos, expressos na suas vidas, obras e realizações, e ainda hoje fecundando ou inspirando os que conseguem, vencendo as trevas da submissão à alienação ou à opressão, interiorizarem-se e erguer o seu coração como  Graal santo para a Divindade, os Anjos e os Mestres e na comunhão da unidade amorosa e sábia do Oriente e do Ocidente.»

domingo, 5 de julho de 2020

Antero de Quental e a ascensão no post-mortem. Breve improviso meditativo aquando da partida do Zé Maria Ribeirinho.

A caminho de casa, passando diante do jardim da Estrela, resolvi franquear os portões, usufruir do arvoredo e saudar Antero de Quental, através da sua estátua. Qual não foi o meu espanto agradável quando me deparei com um presente lilás "aos pés do mestre", do poeta filósofo.
 Resolvi então fazer um pequeno improviso sobre os mistérios da progressão das almas uma vez abandonado o corpo físico pela morte, tanto mais que vinha das despedidas de um criativo amigo, o José Ribeirinho, que acabara de partir da terra para os mundo espirituais.
José Ribeirinho que para além de jornalista do Diário de Notícias fora editor, com a Prelo, onde publicou entre outras obras, tal uma biografia de Agostinho da Silva, uma edição da Mensagem ilustrada por muitos artistas e co-prefaciada  por Anabela Rita e por mim, tendo eu proferido algumas palavras nas exposições que se realizaram em Lisboa e em Tomar, que se encontram aliás disponíveis no Youtube, bem como neste blog: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2016/03/tomar-exposicao-das-pinturas-da.html, o José Ribeirinho sendo o mais alto. 
                                      
Embora já tivesse dialogado com ele e a Vera sua mulher mais fortemente, há uns 16 anos, quando dirigi com a Sofia Quintas e a Lita Costa Cabral a livraria-galeria Pessoas e Saberes e lançámos um livro de poesia e desenho dum comum amigo, o Manuel Bernardes, foi sobre a égide de Fernando Pessoa que estivemos mais nos últimos tempos e assim também ontem e hoje,  foram lidos de Fernando Pessoa, para acompanhar as celebrações e elevações da alma do Zé Ribeirinho, o último poema do Guardador de Rebanhos, pelo Diogo Dória, e hoje o  Infante Santo, da Mensagem, pelo Manuel Bernardes, tendo eu no fim dito também algumas palavras complementares do pequeno mas bom sermão do prior da Estrela, que relembrou a sede do Deus vivo que deve animar os seres nesta peregrinação terrena.
A estrela luminosa que cada um de nós é como espírito, guardada e comungando com os espíritos celestiais. Pormenor da capela onde se velam e encaminham as almas na olisiponense  basílica da Estrela e do sagrado coração que, vencendo as trevas pandémicas e imperialistas exteriores,  em todos se deve acender e comungar mais com os outros.
Eu disse mais especificamente o que poderíamos fazer para comungar com, e ajudar ou impulsionar, o Zé Ribeirinho a ir consciencializando-se e autonomizando-se no seu corpo espiritual, onde está agora a renascer e a vivenciar essa famosa frase da milenária Antologia Grega parafraseada por Antero de Quental, Joaquim de Araújo e Fernando Pessoa: "Morrer é ser iniciado".
 Pois no Jardim da Estrela "juntou-se" a nós o Antero de Quental e o resultado é o pequeno vídeo que pode ouvir em seguida.
Que a sua audição possa ser luminosa para todos, particularmente para os que já partiram...
                    

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Guru Ranade, um verdadeiro yogi e filósofo. Biografia e ensinamentos, no seu aniversário. (3-VII-1886 a 6-VI-1957)

Ramchandra Dattatray  Ranade nasceu a  3 de Julho de 1886, em Jamkhandi, na Índia, numa família bastante devota, que o soube impulsionar no caminho espiritual, e foi um dos mais brilhantes yogis, filósofos e comparativistas religiosos indianos do século XX, e no verdadeiro sentido da palavra, pois juntava ao trabalho intelectivo criador e ao estudo das várias filosofias, religiões e tradições, um modo de vida harmonioso e uma prática diária devocional de aprofundamento da vivência espiritual.
Nesse sentido elogiou-o em 1954, pouco antes de ele deixar a Terra,  o então Presidente da Índia, o filósofo e historiador Radhakrishnan:«Com Ranade, a Filosofia é a demanda da sabedoria e não um mero exercício intelectual. É para ele uma meditação no Espírito, um modo de vida dedicado».
 Aos 15 anos, em 1901, foi iniciado por Sri Bhausaheb Maharaj e foi-lhe dado um nome invocador de Deus pois, tendo aprendido com ele e existindo afinidades internas, na ocasião propícia meditaram juntos e Sri Bhausaheb Maharaj tocou-lhe no 3º olho e transmitiu-lhe um nome de Deus (ou mantra). Ranade privilegiará sempre a proximidade com o seu mestre ou guru, recusando cargos que o afastassem do  ashram e da presença de Sri Bhausaheb Maharaj.  
Tendo-se formado com notas excelentes, embora com problemas nos pulmões graves, foi (em part-time para ter mais tempo para as suas práticas ou sadhana)  professor de Inglês e depois, já com o Mestrado, professor de Filosofia no Fergusson College em Poona durante dez anos, e chegará a vice-Chanceler na Universidade de Allahabad, onde ensinou de 1927 a 1946, tendo publicado vários livros valiosos sobre espiritualidade, pois dominava sânscrito, hindi, marata e kanada, além do persa, inglês e algum grego e latim.
 O primeiro livro, a partir de conferências pronunciadas em 1915 na Sanskrit Academy de Bangalore, foi dado à luz  em 1926, A Construtive Survey of Upanishadic Philosophy, e veio a ser muito considerado, já que as Upanishads são uma das fontes mais profundas e elevadas do pensamento indiano. Em 1928, após ter conferenciado sobre outra fonte imortal da sabedoria indiana, publicou o seu conteúdo em The Bhagavad Gita as a Philosophy of God-realization, seguindo-se Vedanta, the culmination of Indian Thought. Em 1933 deu à luz Indian Mysticism: Mysticism in Maharastra, onde traça sumariamente o desenvolvimento do misticismo indiano até Jnanadeva (séc. XIII), consagrando depois a ele e à sua obra Jnanesvari, a Namadeva, a Ekanata, a Tukaram e a Ramadasa brilhantes páginas de recolha e hermenêutica, no prefácio explicando: «Misticismo denota a atitude mental que envolve uma apreensão intuitiva em primeira mão, directa e imediata de Deus», considerando-a ainda como uma contemplação serena e amorosa, um desfrutar silencioso, de Deus.
Em 1937 pronuncia um importante discurso Presidencial no Congresso Filosófico Indiano, em Nagpur, onde afirma: «É só quanto toda a humanidade vier a reconhecer o Princípio Espiritual único que subjaz todas as coisas, que nós poderemos criar uma harmonia entre os diferentes credos, nações e raças. Sri Radhakrishnan é um embaixador do Pensamento Indiano para a Cultura Ocidental. Devemos desejar que cadeiras da Filosofia da Religião, tal como há em Oxford, fossem estabelecidas em todas as Universidade para que toda a Humanidade se possa encontrar na Filosofia do Espírito. Não é por um apelo aos dogmas das diferentes fés que podemos juntar as seitas que se guerreiam. É apenas levando-as a alcançar uma  consciência semelhante ou comum da vida espiritual que poderemos realizar o fim para o qual nos esforçamos»
1954 será o ano do Pathway to God in Kanada Literature, onde na hermenêutica das experiências desses místicos antigos partilha algumas das suas experiências interiores. E em 1956 dá à luz  The Conception of Spiritual Life in Mahatma Gandhi and Hindi Saints, saindo no mesmo ano e no dia do seu septuagésimo aniversário publicado pela Sri Gurudeo Ranade Satkar Samiti, em Jamkhandi,  em homenagem a ele, uma recolha, ilustrada, de ensaios e apreciações de livros e filósofos (Heraclito, Aristóteles, Xenófanes, Parmenides, Protagoras, Zeno, Melisos,  etc.) sob o título Philosophical & Other Essays. Part I, com um prefácio valioso de N. G. Damle, seu sobrinho e discípulo, que realça a reconciliação da linha Advaita, do monismo intelectual, com a Bhakti marga, o caminho devocional, alcançada por Ranade.
Algumas das obras de gurudev Ranade.
Anote-se que desde 1946 se retirara do cargo de vice-chanceler da Universidade de Allahabhad (embora continuando a acompanhá-la como professor emérito),  para o seu centro espiritual ou ashram de Nimbal, que fundara em 1925, a fim de aprofundar a realização espiritual e partilhá-la,  iniciando bastantes discípulos, o que fez até deixar a Terra em 6 de Junho de 1957. 
Tendo dedicado mais de quarenta anos da sua vida à demanda divina, pela filosofia e a mística, teórica e praticamente, Guru Ranade encontrou-se ou correspondeu-se com vários pensadores, filósofos ou espirituais que muito o apreciaram, entre outros, Tillak, S. Radhakrishnan, Rudolfo Otto, Sri Aurobindo, Dada J. P. Vaswani e Jacques de Marquette, este tendo sido mesmo iniciado, com a sua mulher em 1954, tendo eu traduzido e comentado as suas referência a Ranade para artigos neste blogue. Recentemente, Rajendra Chaun e Deepak V. Apte publicaram uma valiosa recolha de dezenas de testemunhos de convivências, aprendizagens ou apreciações: Tributes to and Remembrances of Gurudev R. D. Ranade, The Saint of Nimbal, by Rajendra Chauan and Deepak V. Apte.
É dele que transcrevemos, agradecendo aos compiladores, o testemunho de S. Radhakrishnan, 2º Presidente da Índia e filósofo: «Para Ranade, a filosofia não era uma profissão, mas uma paixão consumidora. Ele pensava, não apenas com seu intelecto, mas com toda a sua vida», de fato um chamado para que sejamos sinceramente íntegros em tudo o que fazemos. E «ele exprimia as suas convicções mais profundas com palavras e formas inteligíveis à pessoa comum. As almas realizadas com Deus formam uma comunidade abençoada,  "Anubhava mantapa", que trabalha com amor pela humanidade aflita. A história é a concretização progressiva da visão da fraternidade humana, culminando numa sociedade de espíritos livres, um corpo de seres dedicados à busca da verdade. Ranade passou sua vida na busca desse ideal. Ele lembra-nos do verso  Moha Mudgara, [Destruidor da ilusão] de Sankaracharya.»  
                                                
Valioso é ainda o belo testemunho Dada J. P. Vaswani, o fundador da Sadhu Vaswani Mission (e autor do inspirador livro The Rishi), e há décadas em Poona ainda estive nesse centro e dialoguei com o  familiar que lhe sucedeu: «Gurudev Ranade foi um grande sábio, um autor brilhante, um homem altamente erudito. Na história da humanidade, houve muito poucos académicos que alcançaram a iluminação espiritual. Gurudev Ranade foi um deles. Ele era um homem de livros que alcançou a ananda, beatitude divina, por meio da sabedoria espiritual. Ele era um sábio que se tornou um santo [tal como em Portugal foi Antero de Quental, no dito com as mesmas palavras de Eça de Queirós, que ilumina o In-Memoriam que lhe foi dedicado]. Era um professor que se tornou um profeta.
A aceitação da vontade de Deus e a meditação na Sua forma e nome: estas duas características fizeram de Gurudev Ranade a grande alma que ele foi. Possam a vida e os ensinamentos de Gurudev Ranade serem uma fonte perene de inspiração para todos nós!»
Entre os seus ensinamentos faremos agora uma pequena grinalda nesta breve apresentação pioneira em Portugal, onde infelizmente a palavra Yoga foi tão desfigurada ou diminuída, por culpa de vários instrutores desequilibrados e egóicos e a grande sabedoria da Índia ainda pouco conhecida.
«A minha filosofia não é diferente da minha vida... 
 As dores e as misérias que eu possa vivenciar ajudarão a purgar a mente das suas impurezas...
Uma vez gerada a devoção, a qualidade torna-se mais importante que a quantidade...
A miséria pode ser suportada; os ataques de tentação e o ódio, podem ser tolerados; mas a dor física torna-se insuportável a partir de certo limite. Em tais ocasiões a única via que permanece aberta é orar a Deus para nos permitir meditar... Os critérios de perfeição maior na vida espiritual são: a consciência de estar sem pecar, de ser um com Deus (bem exigente), e saber que de certo modo ninguém é (verdadeiramente) senão Deus  o verdadeiro agente no mundo», algo também muito difícil face à profusão de agentes segundos muito negativos...
Valorizando  a aspiração (mumuksha) e a determinação dos yogis,  gurudev Ranade considerava
todavia indispensável a ligação com um mestre, de quem se deveria receber a iniciação, com um nome de Deus, ou mantra, para se meditar nele depois:
«A forma de Deus deve descer sobre nós, e para isso acontecer deve haver um instrutor ou mestre de elevado nível espiritual. Só então ele pode fazer descer tal para o nível inferior do discípulo. Se o mestre nada tem, o discípulo nada recebe. Por vezes pode acontecer o discípulo receber algo, mesmo que o professor nada tenha. Mas há um limite para tal, e então o discípulo deixa de fazer progressos». 
Esta consciência de que a maioria dos instrutores ocidentais (e hoje em dia também os orientais) pouca ou nenhuma realização espiritual têm não está muito discernida ou desenvolvida pelas pessoas, tanto mais que muitos deles assentam o seu ensino em especulações incomprováveis, em canalizações e revelações imaginadas ou simuladas, ou em meras acumulações de conhecimentos teóricos ou históricos.
Para o guru Ranade, o brâmane [membro da casta religiosa] é, ou deveria ser, quem "realizou" Brahman, a Divindade, ou seja, aquele que conseguiu estabelecer uma comunicação fácil com Deus e para quem nada é mais querido ou amado que a forma com que Deus se lhe manifesta». 
Vemos nesta afirmação como Ranade estava longe dos que se posicionar na não-dualidade (advaita) e se apresentam como realizados, como conhecendo o Brahman, ou mesmo como O sendo, sem terem depois na realidade qualquer verdadeira ligação e visão da Divindade, embora possam receber nos seus ashrams muita gente algo hipnotizada ou iludida pela paz e amor que por lá se possa sentir.
A sua sadhana, ou caminho espiritual, assentava sobretudo na devoção ou sentimento amoroso (bhava) para com Deus e depois na lembrança e meditação no nome de Deus (Nama-Smarana) e, eventualmente, na Sua visão interior. E nessa prática desenvolveu notável sensibilidade, fazendo a dança da mente cessar, discernindo algumas particularidades da fisiologia espiritual que transmitiu, tal como a necessidade de abrir a janela existente no ventrículo do coração, algo que já o poeta yogi Kabir cantara. 

Kabir,  foi por ele bastante estudado e comentado, nomeadamente na obra que li, The Conception of Spiritual Life in Mahatma Gandhi and Hindi Saints, 1956, na qual explica as qualidades e características dum sadguru, ou verdadeiro mestre: alegria e destemor,  sempre ligado ou concentrado em Deus e sem necessidade sequer de práticas, consciência facilmente centrada no coração espiritual, comunhão no som subtil interno (anahata sabda) e eficácia social na transmissão dessas realizações aos discípulos.
Guru Ranade, no meio da sucessão dos seus gurus, no pequeno templo que os homenageia no ashram de Nimbal.
Numa das suas cartas, quando esteve doente, confessava ao seu guru: «Estou a tentar praticar a sadhana o mais possível. Muito raramente tenho a visão suprasensorial da lua crescente azul. Se recuperar a saúde estou decidido a praticar a repetição do nome de Deus pelo menos uma hora, duas vezes por dia.»
E nós, quando tempo dedicamos à invocação e adoração da Divindade, nos modos e formas que mais nos dizem, intuímos ou que nos ensinaram? Não nos perdemos demasiado na televisão ou net, ou nas comidas e bebidas, ou em espectáculos e conversas sem valor?
Votos de luminosa realização, ou então de boas práticas e vivências espirituais diárias...