segunda-feira, 11 de maio de 2020

O "imenso olhar" de Antero de Quental, nos sonetos de Carlos Eugénio Corrêa da Silva (Paço d'Arcos).

É na Visão imperfeita dum Parnaso cristão, dada à luz postumamente em 1932, prefaciada por Vieira de Almeida e dedicada a Ladislau Patrício (entre outros destinatários dos sonetos), que as primícias poéticas do malogrado Carlos Eugénio Corrêa da Silva (Paço d'Arcos) chegaram até nós, presenteando-nos com sonetos de profunda erudição e sensibilidade, embora talvez sem a fluidez musical que lhes poderia corresponder. 
 Era Carlos Eugénio um espiritual cristão, com algo de um místico medieval ou humanista mas com os anseios apropriados da modernidade, mormente na unidade entre o catolicismo e o paganismo, entre a civilização greco-romana e a ocidental cristã. 
Os 33 títulos dos sonetos dividem-se em 3 partes:
A I - Medalhas, subdividida em 3 capítulos, intitulados: De Delos ao Baixo Império (com 6 sonetos), Do Monte Cassino  a Versailles (com 4) e No Limiar do Mundo Moderno (com 11). Algumas grandes almas greco-romanas são invocadas e homenageadas, tais como Eneias, Cícero e Marco Aurélio, mas também locais, tais como Beja, onde uma jovem grega Nike recebeu versos exarados no seu epitáfio e que anunciam os de Camões a Inês de Castro.
A II - Impressões de Viagem contem sete sonetos, sobre S. Tomé e Príncipe, Barcelona, Lago de Lugano, Alentejo (2) e castelo de Marvão.
A parte III e última, Folhas da árvore da vida, tem quatro conjuntos sonetos, com títulos bem significativos, o último A uma rapariga linda e doente, composto no sanatório Sousa Martins na Guarda, contendo três sonetos, belíssimos, trágico, pois narra, já condenado pela tuberculose (o mal do século, sobretudo nos poetas) o enamoramento breve pelo seu "anjo de caridade",  e como a mão da Maria Celeste F. apoiou-o e com bálsamo precioso ungiu seu corpo e  alma, preparando-o para o Morrer é ser iniciado, que a Antologia Palatina dos gregos, Antero de Quental e Fernando Pessoa tinham afirmado e escrito. 
 Fotografemos a página intervencionada do terceiro e último soneto e transcrevamos os dois tercetos finais dessa dedicatória final, e com votos que no mundo espiritual se tenham reencontrado : 
«Deus há de coroar tua fronte formosa
Pois bálsamo trouxeste ao pobre Prometeu
Agrilhoado ao leito, à noite dolorosa.
 
 Onde vou? Ninguém sabe. À Morte? À vida? Ao céu?
Quiseste ser p'ra mim a aurora luminosa
De um dia mais feliz que nunca amanheceu.»

Depois desta contextualização, bem pequena para a imensa sensibilidade e erudição de Carlos Eugénio, depois de anotarmos que em 1931 a imprensa da Universidade de Coimbra dava à luz a antologia dos seu textos em prosa, de doutrina ou sensibilidade católicos, a Jornada de Um Crente, vindo a publicar-se depois ainda a Vita Brevis, com prefácio de Joaquim de Carvalho, transcrevamos, dessa II parte onde Antero ombreia com as outras referências de Carlos Eugénio, tais como Schiller, Bethoven, Chateubriand, Vigny, Psichari, Teresa de Brunswick,   o belo e sábio soneto dedicado a Antero de Quental:
«O Divino Platão disse a um filho errante:
Hoje reina a Matéria! O Espírito morreu!
Mas quem pode esquecer que eu transportei ao céu
A subsistente ideia em seu fulgor brilhante?

Na Grécia rica em luz em meu poema distante
Um pensamento eterno ao jovem mundo deu.
«Vai tu lampeão acesso em denso véu
Falar no Pensamento ao mundo agonizante!»

Assim falou Platão... E Antero do Quental
(Era ele o filho errante) ao mundo gasto trouxe
Um pensamento expresso em estilo de cristal.

Ébrio de soluções, no Oceano embrenhou-se...
A dúvida afogou-o. Em parte o mal.
Ergueu o imenso olhar. Faltou-lhe a fé. Matou-se.»
 Muito belo esta ligação, muito evidente, entre Antero de Quental e Platão, e implicitamente com Sócrates, com quem aliás Antero até se comparou no sentido de ser mais um dialogante que um escritor e, quanto a mim, por terem sido dois mártires do conhecimento e do amor, Logos. Na Grécia eles tinham elevado o pensamento até ao mundo arquétipo ou das Ideias, mas como agora a matéria triunfava cada vez mais sobre o espírito, era preciso um novo cavaleiro andante (ou "filho errante") e por isso Antero de Quental enviado à Terra com missão elevada.
Todavia, com mil hipóteses diante de si, ébrio do vinho do conhecimento das grandes questões e soluções, as dúvidas, o mal e a falta de fé acabariam por o fazer sucumbir e mata-se.
Este diagnóstico é correcto, em parte ou na totalidade?
Parte de um observador imparcial e conhecedor dos problemas em causa, ou há algum tingimento da sua religiosidade católica.
Que se inebriou, sobretudo em Coimbra, das mil soluções filosóficas sociais e religiosas que se agitavam nos ares europeus, certamente. Que tenha perdido algum tempo nisso, mais do que seria desejável, bem possível. Que tenha enfraquecido e adoecido, em parte também por isso, certamente possível também, pois desgatara-se ao não estar a cumprir a sua vocação mais alta, que no caso seria a de que o mestre Platão lhe destinara...
As dúvidas e a falta de fé, enfraquecem-no? Em parte, certamente, embora elas possam ser estímulo a trabalho mais intenso, como Antero exprime na sua evolução de cosmovisão nos Sonetos e como compreensão filosófica espiritualizante que se confirma nas Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX, dada à luz uns meses antes de morrer.
Quanto ao mal, eis uma acusação quase, complexa, pois como um dos sucessores de Antero de Quental, Fernando Pessoa, se afirmava no último poema da Mensagem na mesma época de Carlos Eugénio Paço d'Arcos, ninguém sabe o que é o bem e o mal. Mas admitamos que Antero tenha namorado ou cultivado demasiado tempo o pessimismo, o niilismo, a morte e por isso se tenha deixado enfraquecer na sua solaridade espiritual, contribuindo para uma diminuição de forças psico-somáticas e até de fé e vontade de prosseguir a sua demanda.
Mal por oposição ao Bem, não. Antero foi nesse aspecto um santo, sempre lutando pelo bem do próximo, pelo bem da humanidade, crente nas forças positivas e de uma humanidade melhor. A sua ampla correspondência é um testemunho notável disso e constante ao longo de toda a sua vida.
Mal físico? Esse, provavelmente sim. O desarranjo psico-somático enfraqueceu-o demasiado e sentiu-se sem forças ou já sem missão para continuar na terra. E logo, "samuraicamente", matou-se.  
Ficaram a sua poesia amorosa e revolucionária inicial, e, como Carlos Eugénio realça os seus sonetos cristalinos, numa sua dura e sentida pesada travessia do das correntes do pensamento da época, que culminam em cinco ou seis sonetos, tais como o Mor-Amor, Com os Mortos, Comunhão, Solemnia Verba e Na Mão de Deus, pois, como diz bem Carlos Eugénio Corrêa da Silva, Antero de Quental era um "lampeão acesso",  dotado de um "imenso olhar"
Todavia, talvez, apesar de tudo, Platão e Sócrates estivessem ao seu lado quando acabando de se matar se viu num além diferente do que pensara. E a própria mão de Deus, na sua luz dourada, recebesse o seu puro e atribulado coração-alma em sangue, quem sabe se até pouco depois com as suas crianças adoptivas, tragicamente atingidas, chorando e rezando por ele com capacidades intercessoras. 
E depois, a sua legenda dourada, com tantos anterianos tecendo considerações valiosas sobre a sua vida, obra e morte, com o decorrer do tempo no além, ele próprio já não apenas como coração cansado descansando nas mãos de Deus, se tornasse o espírito, filho de Deus, mais consciente desta verdade e das realidades correspondentes, lá no céu das Ideias, onde certamente sorrirá, lampeão de olhar imenso, a estes pensamentos e sentimentos tanto do Carlos Eugénio Correia Marques como meus e  seus, leitora ou leitor.
Foram dois seres unidos  numa comum aspiração amorosa e gnóstica, em ambos mais ou menos meteórica e um pouco infausta, mas certamente ao nível de alma de grande luz e perenidade.
Muita luz e amor em Antero de Quental, e em Carlos Eugénio Corrêa da Silva e sua Maria Celeste, e para nós, nesta comunhão no corpo místico da Humanidade.

domingo, 10 de maio de 2020

Yoga e a Índia em Portugal. Ensinamentos na década de 1980.

Ños anos 80, depois de ter estado dois meses e em seguida um ano na Índia, praticando os vários yogas e aprendendo com mestres e em ashrams, ensinei yoga esporadicamente em Gilde (S. Torcato, Guimarães) e Braga, com regularidade em Lisboa, Évora e Covilhã e sobretudo no Porto, no restaurante macrobiótico e centro alternativo Suribachi, à rua do Bonfim, ainda hoje em actividade, e onde antes de mim estivera a ensinar o Carlos Hargraves. Além das aulas, meditações, diálogos ou satsangas e idas à Natureza, dava umas folhinhas com ensinamentos tradicionais e dos mestres que conhecera, com  o esquema da sequência das posturas e práticas nas aulas e com explicações de espiritualidade e yoga.  
A Manuela, o Miguel Canelas e eu, na muralha do castelo de Guimarães.
As aulas continham uma síntese, um graal, de Raja Yoga, na linha de Yoga Vedanta e do que aprendera na Índia com mestres e instrutores, e dos ensinamentos dos livros de Agni Yoga, mais o que ia descobrindo.  Ensinava sob a denominação Agni Raj Yoga.
Na quarentena de 2020, pondo os milhares de livros, imagens e papéis em ordem, encontrei  algumas folhas e vou transcrever uma, com acrescentos ou explicações entre colchetes:
                                      Textos sobre Yoga.
Das Upanishad (2.000. A.C.) [Embora os Vedas tenham começado a ser compostos oralmente nesse período, as Upanishads, que fazem parte dos quatro Vedas,  começam a surgir por volta do séc. VIII, a.C.]
- Conduz-nos do irreal ao Real [Verdade], da escuridão à Luz, da morte à Imortalidade. [Asatoma sadgamaya, Tamasoma jyothirgamaya, Mrithyorma amritangamaya.   Proveniente da Bṛhadāraṇyaka Upaniṣad (1.3.28.), recentemente traduzida por António Barahona, e que é muito utilizada como oração yogi.

- O Conhecedor [o que adquiriu o conhecimento verdadeiro] é feito de fé, de verdade, de exactidão recta de majestade - e de Yoga (a sua alma).
- O corpo humano é um carro puxado por cavalos indisciplinados (os sentidos), que o cocheiro (o pensamento) não consegue dirigir. A alma - atman - embarcada nesta corrida para o precipício sofre, a menos que o Yogi abra a sua inteligência intuitiva do coração à luz de Atman...
- Aquele que sente em si a necessidade de saber, o desejo de salvar-se (mumuksa) possui já em si o sagrado Atman a agir para a sua libertação. 
- Diz-se que o Espírito humano pode ter dois aspectos, o puro e o impuro. Este quando se é escravo do desejo, puro quando está livre do desejo. É o pensamento a causa do cativeiro ou da liberdade dos humanos. Se apegado aos bens deste mundo conduz ao sofrimento, mas livre desta ligação conduz à libertação. É só quando o espírito humano está livre de todo o apego que conquista o auto-domínio e que extinguindo [silenciando] o pensamento atinge o estado supremo [Ou uma certa comunhão com o Espírito]. Mas enquanto a instabilidade reinar no seu coração longos serão os esforços para a realização. Conhecimento (Jnana) e Meditação são estes esforços. É preciso portanto combinar  a prática atenta de Yoga com a enunciação da sílaba secreta OM, cujo silêncio final se dirige para o Ser. Quando o adepto reconhece que ele próprio é  Brahman, ele realizou-o para sempre. 
[Esta identidade de atman (espírito, ou o ser em nós com Brahman, pois haverá só este Brahman, Divindade, Espírito Abslouto, ou Eu, é a visão e realização Advaita (ou não dual), de muitos yogis e filósofos. Já outros, onde me incluo, são Dvaita, dualistas, sentindo ou realizando que são duas realidades verdadeiras  mas diferentes, o espírito individual (atman ou jivatman) e o Espírito Absoluto, Atman ou Brahman]. [Assim hoje a afirmação final seria assim redigida por mim:  Quando o praticante toma consciência da sua ligação com o Espírito (atmam) ou com a Divindade (Brahman), obtém uma certa realização luminosa, mais ou menos profunda e duradoura.]
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[Citações de Mestres] Contemporâneos:
Sri Yogi Jnana Sidha (mestre do Kavi Yogi Shudhanana Bharati): -Yoga é sentir na alma a unidade embraçante [envolvente] de Deus.
                                   
Sri Yoga Shudhananda Bharati (um dos mestres com quem vivi mais tempo e me iniciou, em Ram Nagar, Madras): - Procurai a companhia dos grandes seres (satsanga) mas sede vós mesmos.
- Elevai-vos acima das personalidades até ao Eu impessoal que está no vosso coração. Sede sempre centrados em Deus.
- O Yoga estabelece-te dentro de ti mesmo, independente dos outros. 
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Sri Yogi Vidwans (um dos mestres que me iniciou, sendo yogaterapeuta em Wardha): Através das cinco Yamas [As cinco observâncias de Raja Yoga: Satyam, a Verdade, Ahimsa, a não-violência, Astheya, o não roubar, Aparigraham, o desapêgo e Brahmacharya, o controle da energia sexual],  reduzem-se as tensões sociais e a cooperação e simplicidade generalizam-se. A dedicação de tudo ao Divino  (Iswara pranidhana) é habilidade de estarmos conscientes da sua Presença.
O Guru (Mestre) é o que destrói as trevas. O que vira as almas para a luz.
 O Yoga ajuda a despir-nos das malhas que nos puseram em crianças e torna-nos seres livres.
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Sri Morya: Agni Yoga [O mestre que teria inspirado o ensinamento de Agni Yoga ao casal russo Helena e Nicholai Roerich, este um fabuloso pintor, como vemos na imagem. Estive no local onde ele viveu em Naggar, Kulu Valey, e correspondi-me com o filho Svetoslav.] 
Hagia Sophia e a bandeira da Paz: a religião, a ciência e a arte em triangulação no círculo da cultura
- «Eu proteger-te-ei com um capacete de fé, uma armadilha de devoção e um escudo de vitória. Mas na bandeira estará inscrito: Amor - O Conquistador. 
- A transmutação da consciência é a substituição da memória pela compreensão do Espírito, envolvendo todo o ser como um chama.
- Notai o efeito do pensamento de matar e acção de matar no espectro da aura. Os resultados serão idênticos.
- O Mundo inteiro está dividido por uma linha de fronteira dentre o bem pessoal e o bem geral. Quando agimos na esfera do bem geral e temos motivos sinceros, então por detrás de nós acha-se toda a reserva das acumulações cósmicas.
-A Fé em si próprio e a procura da Verdade criam a Harmonia.»
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Saudações aos que buscam.
Ligação para esclarecimentos: Sri Pedro
Quinta do Gilde. S. Torcato, Guimarães. T: 42875 (de Braga).»

sábado, 9 de maio de 2020

Os Anjos, quem são e o seu relacionamento connosco. Texto e vídeo.

A pequena gravação nocturna (que encontra no fim desta introdução) de uma leitura e comentário de duas páginas de um livro-santinho dos começos do séc. XX, francês, é uma pequena homenagem aos Anjos e à bela tipografia devocional francesa do século XIX, contendo algumas indicações, tradicionais e minhas, de como melhor entendê-los, senti-los, amá-los e assim nos relacionarmos.

Na verdade, o nosso Anjo da Guarda quer e gosta de inspirar e até envolver-nos e penetrar-nos, desde que nós o invoquemos com sentimento, ou mesmo ardor-amor, e perseverança, e merecendo-o por uma vida activa e ecológica, luminosa e amorosa, conscientes que somos seres espirituais e peregrinos na Terra para cooperar num plano cósmico seja de desenvolvimento das nossas potencialidades psíquicas e espirituais, seja de realização e libertação espiritual, e que se manifesta numa melhoria das pessoas amigas, ambientes e sociedade, para que haja mais religação com o mundo espiritual, seja nas suas qualidades e virtudes, seja com os Anjos e Arcanjos, os mestres e santos e santas, e a Divindade.
 Momentos diários de maior sintonização com o Anjo da Guarda ou com os Anjos e com o mundo espiritual, seja por orações e mantras, meditações ou contemplações são bem importantes para nos aproximarmos, interiorizarmos e elevarmos. E assim podermos com eles comungar com os nossos sentidos espirituais, em especial a visão e o coração, mas também, embora mais raramente, o tacto, o olfacto e a audição.
A oração tradicional: «Anjo da Guarda, minha doce companhia, guardai a minha alma, de noite e de dia», presta-se a muitas variantes, de acordo com o nosso sentir interior, e graças à criatividade nossa espontânea pode até surpreender-nos em variantes.
A contemplação de alguma imagem angélica num dos pequenos altares que tenhamos em nossa casa ou local de trabalho é também bastante útil não só para nos concentramos através dela, como para criarmos vibrações e ligações subtis tanto na imagem como no local, que de algum modo estimulam a nossa ligação aos Anjos e à Divindade.
Quanto aos nomes dos Anjos para cada dia, isso é uma invenção tola, de magia e de ocultismo muito tingidos de comercialismos e, portanto. quando vir algum livros com essas tabelas já sabe que é mistificação originada no Renascimento e da Cabala e sobretudo desenvolvida no ocultismo francês, do século XIX. Escrevi uma revisão crítica de cerca de 30 livros sobre Anjos, ajudando as pessoas a discernirem melhor as diferenças entre as patranhices e mistificações, de que Haziel e Doreen Virtue   foram dos últimos protótipos, do que é ora estudo e pesquisa séria ora verdadeira experiência interior. E eis a ligação para tal: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/08/livros-sobre-anjos-os-melhores-e-os.html
 Para finalizar esta introdução, lavrada qual vagalume sob uma manhã chuvosa e melhorada já numa noite outonal, lembremos que acima do nosso Anjo da Guarda está o Arcanjo de Portugal (ou do Brasil, ou de que país se for), o qual não é o Arcanjo Miguel, como muitos iludidos, ou tentando iludir, propagaram e ainda propagam e que, se trabalhamos bem e o invocamos meditando, por vezes podemos merecer a sua bênção ou, como se diz na Índia, a luz colorida e amorosa do seu darshan, ou visão e graça...
Muitas luz e amor, gratos, para eles, e para todos, na invocação da graça Divina, para que ela seja mais cultivada, cultuada e merecida em nós e para a harmonia e paz no mundo...
                       

sexta-feira, 8 de maio de 2020

"Sadhana", de Rabindranath Tagore. Transcrição da tradução e vídeo da leitura comentada de excertos.

Sadhana é sem dúvida uma das obras primas de Rabindranath Tagore, talvez mesmo a mais valiosa do ponto de vista da espiritualidade expressa, face à implícita presente em toda a sua obra dada a sua sensibilidade anímico-espiritual imensa. 
Sadhana, palavra sânscrita que significa conjunto de práticas e modo de vida assumido no caminho do conhecimento e da religação (Yoga), foi dada à luz em 1913, quando Rabindranath Tagore (1861-1941) já atravessara, pela morte da sua mulher e filhos, o seu tremendo rasgar de alma, e continua hoje bastante actual na sua abordagem de oito perenes questões do ser humano, assim intituladas nos capítulos em que está dividida: «I - A relação do indivíduo com o Universo. II - Consciência da Alma. III - O problema do mal. IV- O problema do Eu. V - Realização no Amor. VI - Realização na Acção. VII - Realização da Beleza. VIII - A Realização do Infinito.» E podemos pensar que seria muito bom se todos fizéssemos de quando em quando uma reflexão, ou mesmo uma redacção, acerca destes temas...
Pelo título, Sadhana, e pelos temas tratados, vemos que os oito capítulos da obra nos fazem circular por entre a espiritualidade indiana em geral e até pelos quatro caminhos, ou margas, típicos da espiritualidade indiana: Raja Yoga, o do conhecimento e o auto-conhecimento; Bhakti, o do amor, devoção, compaixão; Karma, o da acção correcta ou boa; e Jnana a percepção ou visão do divino, do infinito, no universo, na vida, em nós, numa unidade de uma só consciência omnipresente.
Embora haja uma tradução recente brasileira, Sadhana é uma obra que merecia ser traduzida e publicada em Portugal. Traduzimos neste artigo alguns excertos substanciais do 1º capítulo, e comentamo-los um pouco, nestes dias das comemorações do seu 159 aniversário de nascimento. E posteriormente gravámos uma parte valiosa do capítulo , que contudo não chegou ao fim, pois a bateria findou...
Logo no começo do 1º capítulo, depois de contrastar a civilização grega nascida nas cidades e entre muros com a indiana nascida nas florestas e aberta à imensidade da vida, deduz que de tal nasceu uma tendência para se possuir e defender no caso grego, enquanto que na Índia o que se desenvolve é «um objectivo não de adquirir mas de realizar, para alargar a sua consciência crescendo com, e crescendo para, os seus ambientes. Ele [o povo indiano] sentiu que a verdade é omnicompreensiva, que não há isolamento absoluto na existência, e que a única maneira de atingir a verdade é através da interpenetração do nosso ser com todos os objectos. Realizar esta harmonia entre o espírito humano e o espírito do mundo foi o esforço dos sábios habitantes das florestas da antiga Índia.»
Este esforço concretizou-se e tornou-se a sadhana, um tipo de vida com as suas práticas, a qual procura abrir a ligação consciente do nosso  interior tanto consigo mesmo na sua pluridimensionalidade como com o campo unificado de infinita energia e informação que é o Universo e a sua Fonte Divina.
De realçar a visão de Tagore bem abrangente e panteísta de que o caminho, para se alcançar a verdade, é o da interpenetração  do nosso ser com tudo, ou seja, o estabelecermos pontes de comunicação, simpatia e comunhão. 
"O caminho faz-se caminhando", foi dito, e tal significa que o caminhar ou avançar já é em parte manifestar o que se quer atingir e que devemos sentir a harmonia e amor com o que nos rodeia, e aceitar o que vamos recebendo, firmes nos nossos pequenos propósitos que estão em harmonia «com o propósito que opera através da natureza», o Sanatha Dharma, a Ordem cósmica.
«Para a Índia a unidade fundamental da criação não foi apenas uma especulação filosófica e o seu objectivo de vida era realizar esta grande harmonia entre sentir e agir. Com a meditação e o serviço, com uma regulação da sua vida, ela cultivou de tal maneira a sua consciência que tudo tinha um significado espiritual para ela».
 Rabindranath Tagore realça que esta percepção da unidade é algo vivido e sentido e desenvolvido por uma vida justa e espiritual, destacando a tradicional divisão da meditação ou via contemplativa e o serviço desinteressado ou via activa, numa interacção com o que nos rodeia não limitada ao que é registado como aparência sensorial mas bem mais vasta e subtil.. 
Assim «o ser que tem os seus olhos espirituais abertos sabe que a verdade última acerca da terra e da água  está na nossa apreensão da vontade eterna que opera no tempo e  toma forma nas forças que nós realizamos sob esses aspectos. Isto não é um mero conhecimento, como a ciência é, mas uma percepção da alma pela alma. Isto não nos conduz ao poder, como o conhecimento faz, mas dá-nos alegria, a qual é o resultado da união de coisas afins»
Realça então Tagore que este desabrochar da alma se faz pela abertura dos sentidos espirituais, os quais fazem-nos sentir a comunhão com a vontade divina ou cósmica, que podemos  denominar não só Dharma como também Amor, e simultaneamente uma felicidade (Ananda) grande na união ou comunhão com os objectos ou seres próximos ou afins. 
É muito valioso este discernimento de Rabindranath Tagore que a verdadeira alegria não vem de se possuir ou se conhecer superficialmente mas sim da união dos seres, da sua comunhão nos seus níveis subtis e dentro do propósito divino que perpassa o Cosmos.
                                       
Sob esta comunhão mais subtil ele explicita que «quem se limita pelo conhecimento científico nunca compreenderá o que o ser com visão espiritual encontra nos fenómenos naturais: A água não limpa apenas os seus membros, mas purifica o seu coração; pois toca a sua alma. A terra não sustenta ou apoia o corpo apenas, mas alegra a sua mente, pois o seu contacto é mais do que um contacto físico, é uma presença viva». 
Poderíamos pensar que Rabindranath Tagore iria falar ou apontar para os espíritos da natureza, os devas, mas não é o caso, descrevendo mais a sensibilidade da alma com os elementos da natureza. A visão espiritual que ele valoriza e desenvolve é mais profunda e elevada, na linha ou tradição da darshana ou filosofia Vedanta: «Quando o ser humano encontra o espírito eterno em todos os objectos, então torna-se emancipado, pois descobre então o significado ou sentido mais completo do mundo em que nasceu; então ele encontra-se na perfeita verdade, e a sua harmonia com o todo está estabelecida».
                                         
Mas logo em seguida
Rabindranath Tagore apela a um despertar para o mundo não apenas na realização da Unidade Divina, mas também de interacção e interpenetração: 
«Na Índia recomenda-se que as pessoas despertem plenamente para o facto de que estão numa relação estreita com o que as rodeia, corpo e alma, e que devem saudar o sol nascente, a água fluindo, a terra frutífera, como manifestações da mesma verdade que os sustém num abraço. E assim o texto da nossa meditação diária é a Gayatri, uma oração que é considerada o supremo resumo ou epítome dos Vedas. Através dela nós tentamos realizar a unidade essencial do mundo com a alma consciente do ser humano. Aprendemos a perceber ou discernir a unidade mantida pelo Eterno Espírito Um, cujo poder cria a terra, o céu, as estrelas e ao mesmo tempo irradia as nossas mentes com a luz de uma consciência que move e existe numa continuidade não partida com o mundo exterior». 
Eis-nos com algumas indicações sobre a sadhana, sobre as práticas  harmonizadoras e espiritualizantes: ver o nascer do Sol, saudar o Divino astro, sentir com amor a força da fluidez da água, dardejarmos, meditarmos, assimilarmos, sintonizarmos e sermos um com os conteúdos de alguma  oração ou mantra, tal a Gayatri: Om Bhur Bhuva Swaha Tat Savitur Varenyam, Bhargo Devasya Dhimahi Dhiyo Yonah Prachodaya. Uma tradução possível, a minha de agora: "Na vibração de Deus, saudações à terra, ao mundo subtil e ao celestial e àquela Divindade solar excelente. Possa a sua luz gloriosa estimular e abençoar as nossas meditações."
Sendo talvez das mais fortes e misteriosas questões que nos desafiam dia e noite, a da relação entre a mente cerebral, a consciência, a luz e o espírito,  bem como a do nosso ser individual com o Universal, Rabindranath Tagore afirma que o «Espírito irradia as nossas mentes com a luz de uma consciência que move e existe numa continuidade ininterrupta com o mundo», ou seja o Espírito, a Divindade, emana, irradia uma consciência luminosa que vai impactar, penetrar, influenciar as nossas mentes. Esta consciência luminosa, este Eu sou divino é omnipresente e assim o que sentimos em nós é para sentirmos reconhecermos e amarmos nos outros, a verdade.
 Em seguida Rabindranath Tagore desenvolve a ideia que na Índia o entendimento da superioridade do homem na Terra ou na criação não era o poder de possuir ou dominar mas sim o poder de estar em união, sem dúvida uma clarificação muito bela e útil, pois as pessoas, apesar do mote a união faz força, esquecem que devemos trabalhar sacrificando ou vencendo o nosso egoísmo e liberdade para, em união, com os outros, ajudá-los ou impulioná-los.
É também valiosa e original a explicação que Rabindranath Tagore dá para a escolha de certos locais como santuários e metas de peregrinação, de certo modo em sintonia com o Shinto japonês que ele apreciará em 1916, quando visita o Japão (receando já porém o nacionalismo), pois o Shinto é também uma religião muito sensível à natureza e aos espíritos ou deuses, os Kami, que a habitam. Diz-nos assim: «A Índia escolhe os seus locais de peregrinação onde quer que haja na natureza  algum tipo especial de grandeza e beleza, de modo que a mente humana possa sair do mundo das estreitas necessidades e realizar o seu lugar no Infinito.»
Estampa trazida de uma peregrinação a Kedarnath, uma das fontes do santo Ganges.
 Para Rabindranath Tagore os locais sagrados seriam os mais indicados para os seres saírem dos seus limitados horizontes e expandirem-se na imensidade e assim sentirem ou realizarem algo da infinidade e unidade do Espírito divino.
E continuando a explicitar como a Índia desenvolveu o poder da união, faz logo a seguir uma afirmação também muito original: «Esta foi a razão porque na Índia todo um povo que outrora era de comedores de carne abandonou a ingestão de comida animal para cultivar o sentimento de simpatia universal pela vida, um acontecimento único na história da humanidade.»
Foi o imperador máuria Asoka (304-232 A. C.) que, após uma guerra violenta e aderindo ao budismo, promulgou o princípio yogi da ahimsa, não-violência, em relação à mortandade de animais na alimentação e nos sacrifícios, e Rabindranath Tagore vê tal como uma decisão consciente de manter a simpatia viva com todos os seres vivos. 
  «Os escolhidos para representarem o ser humano na Índia foram os rishis. Quem são os rishis: Aqueles que tendo atingido o conhecimento da alma suprema foram enchidos de sabedoria, e que tendo-a encontrada em união com as suas almas estavam em harmonia perfeita com o eu íntimo; tendo-o realizado no coração, libertaram-se de todos os desejos egoístas e vivenciando a alma suprema em todas as actividades do mundo, atingiram a quietude. Os rishis foram os que tendo atingido o supremo Deus (purusa) por todos os lados encontraram uma paz duradoura, tornaram-se unidos com o Todo, entraram na vida do Universo».
Om sri Ramakrishna namah! Um rishi e yogi moderno.
 Os parágrafos seguintes, um deles muito valioso sobre o que ele sentia ser o Amor, bem como as críticas a uma compreensão superficial ou limitadora da espiritualidade indiana, foram lidos e comentados, como pode ouvir no vídeo final.  Mesmo assim traduzo aqui a parte melhor: «o verdadeiro espírito do ser humano é o espírito de compreensão. Essencialmente o ser humano não é um escravo nem de si nem do mundo; mas é um amante. A sua liberdade e realização plena está no amor, que não é senão outro nome para a compreensão perfeita. Por este poder de compreensão, esta permeação do seu ser, ele é unido com o omnipenetrante Espírito, que é também a respiração da sua alma»....
Das quatro pequenas páginas que faltavam para terminar a leitura do capítulo gravado, transcrevo alguns parágrafos onde Rabindranath Tagore acentua a sua forte vivência amorosa da Unidade da vida e a partilha dela, bem fundamentada com a tradição espiritual indiana.
«O Infinito na Índia não era uma frágil não-entidade, vazia de todo o conteúdo. Os rishis da Índia afirmaram enfaticamente,
"Conhecê-lo nesta vida é ser verdadeiro, não o conhecer nesta vida é a desolação da morte". Como conhecê-lo então: "Realizando-o em cada um e em todos". (Bhuteshu bhuteshu vichintya). Não só na natureza, mas na família, na sociedade, no Estado, e quanto mais realizarmos esta consciência do mundo melhor para nós. Se falharmos na realização disto estamos a virar as nossas faces para a destruição».
Algo que é bem difícil nestes momentos em que sociedades e estados estão tão apanhadas por forças desinformadoras, manipuladoras, opressivas, mas que é certamente um ideal, uma linha de força, para des-desconfiarmos e des-confinarmos....
Reconhece e bem desafiantemente Rabindranath Tagore que os antigos videntes (rishis) sentiam na profundidade serena das suas mentes que a mesma energia, que vibra e passa nas inumeráveis formas do mundo, manifesta-se a si própria no nosso ser interior como consciência; e não há uma quebra de unidade», prosseguindo com a visão que mesmo com a morte não há quebra dessa continuidade consciencial: o ser humano é imortal...
E termina o capítulo assim, começando com a sua tradução de dois versos das Upanishads: «Tudo brotou da vida imortal, e vibra com vida» (Yadihna kincha prana ejati nihsritam), pois a «Vida é imensa» (prano virat).
                                                   
Esta é a nobre herança dos nossos antepassados, esperando por ser reclamada por nós como nossa, este ideal de suprema liberdade de consciência. Não é apenas intelectual ou emocional, tem uma base ética, e deve ser traduzida em acção. Na Upanishad diz-se: "O supremo ser é omnipresente, e portanto é a divindade inata em todos". (Sarvavyapi sa bhagavan tasmat sarvagatah çivah). Estar verdadeiramente unido em conhecimento, amor e serviço com todos os seres, e assim realizar o seu próprio eu na Divindade omnipresente é a essência da bondade, e esta é a nota chave dos ensinamentos das Upanishads: "Prano virat, a Vida é imensa".»
 
Aum Bhagavan namah, Om sri Gurave namah. Saudações à divindade amada, saudações ao mestre.
Saudações à Divindade amada. Saudações ao mestre,  e em especial a Rabindranath Tagore... Que saibamos aprofundar a sabedora milenar da Índia por ele transmitida... Possam-nos inspirar e iluminar... Aum...
                      

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Rabindranath Tagore, "Crise na Civilização". Último discurso. Leitura comentada, com vídeo.

A última conferência ou satsanga de Rabindranath Tagore, já com 80 anos e a três meses da sua partida da Terra é valiosa e pouco conhecida, e tendo um exemplar dela, trazido da sua Universidade Livre, em Bengala, em 1995,  resolvemos lê-la traduzindo-a e gravando. Encontra no fim o vídeo, com alguns comentários, realçando a sua actualidade. 
 Estávamos em Abril de 1941, quando a 2ª Grande Guerra dilacerava inúmeros povos. Para um humanista e místico,  artista e pedagogo, e bem documentado viajante universal, que vivia num país colonizado, tal desabar das aparências da tão proclamada superioridade civilizacional foi motivo de desilusão e dor. 
Era natural tal sentimento para quem estudara a língua e a literatura inglesa dois anos em jovem em Londres e apreciara o liberalismo político britânico de "grande coração", particularmente nos discursos de John Bright, e o bom acolhimento que davam aos refugiados políticos, e para quem mais tarde recebera consagrações, como a sua tradução para várias línguas, o prémio Nobel de literatura em 1913 e o grau de cavaleiro pelo rei Jorge V Inglaterra, em 1915, e que ele renunciaria e devolveria em 1919, em sinal de repúdio dos métodos punitivos e desproporcionados exercidos recentemente pelos ingleses.
Todavia, pelo egoísmo e os maus efeitos da colonização da Índia pelos Ingleses, demasiado gananciosos e apenas interessados em retirar lucros para eles, Tagore compreendera que os bons aspectos deles tinham sido corrompidos e degenerados pelo imperialismo. Confessa mesmo, que se não fossem dois ou três ingleses mais generosos que há muito teria perdido esperanças na raça inglesa, exaltando mesmo Andrew o seu íntimo amigo e braço direito (e protector face à opressão inglesa) na Universidade Livre que fundara em Shantiniketan, não longe de Calcutá.
É um texto surpreendente pois vemo-lo a elogiar primeiro o liberalismo e o modelo civilizacional inglês  que ajudara até a pôr em causa os moldes sociais petrificados das castas, mas logo em seguida criticar o egoísmo colonizador face à pobreza da Índia que se acentuara com os cerca de 200 anos de subjugação e exploração britânica, guardando para si todos os progressos industriais, e no fundo satisfazendo-se de uma mão de obra baratíssima.
Ora era o contrário disso que ele observara na Rússia soviética, onde estivera, pelas realizações extraordinárias que se tinham conseguido, pondo-se o progresso técnico ao serviço de todos, com resultados excelentes na erradicação da pobreza, na melhoria da saúde e da educação, e sem conflitos de classes nem de religiões. Escreve mesmo quanto à manta de retalhos de 200 povos diferentes:«Enquanto os outros poderes imperialistas sacrificam o bem estar das raças submetidas à sua ganância nacional, na U.S.S.R. eu encontrei uma genuína tentativa de harmonizar os interesses das várias nacionalidades que estão dispersas por uma vasta área. E vi povos e tribos que um dia antes eram nómadas selvagens sendo encorajados e de facto treinados, para verem livremente por eles próprios os benefícios da civilização».
 Elogia depois o Irão e vamos, até  por alguma actualidade de luta pela independência face às sanções norte-americanas, transcrever  o parágrafo que lhe dedica: «Eu vi também o Irão [visitara-o em Abril-Maio de 1932], que desperta recentemente para um sentido de auto-suficiência nacional, tentando cumprir o seu próprio destino livre das mortíferas mós de pedra de dois poderes Europeus. Durante a minha recente visita a esta país descobri para a minha delícia que os Zoroastrianos, que outrora tinham sofrido  do ódio fanático da comunidade maioritária e cujos direitos tinham sido coartados pelo poder regente, estavam agora livres dessa longa repressão, e que a vida civilizada tinha-se estabelecido na "terra feliz". É significativo que a boa fortuna do Irão data do dia em que finalmente se desatou das malhas da diplomacia Europeia. Com todo o meu coração eu desejo o bem ao Irão.»
Elogia ainda o Afeganistão, já na altura insubmisso face aos arrogantes poderes europeus e critica a Inglaterra por ter levado o ópio para a China e ter-se apropriado de seus territórios e contrapõe o Japão e o seu dinamismo tecnológico ao serviço de toda a população.
É um discurso bastante actual, na sua crítica forte ao imperialismo da civilização ocidental, e como eu ainda nunca o lera, ao traduzi-lo directamente na gravação acabei por deixar transparecer algo da adesão à visão crítica mas construtiva.
Na parte final Rabindranath eleva-se, profetizando que a roda da Fortuna há-de de certamente dar a independência à Índia, e não seriam necessários muitos anos para Gandhi, Nehru, Vinoba, através de ahimsa (não-violência) e swaraj (auto-governo), chegarem a tal libertação, a 15.VIII.1947. E conclui com a esperança de que quando o «cataclismo tiver findado e a atmosfera estiver limpa graças a um espírito de serviço e de sacrifício»,  uma aurora civilizacional, talvez provinda da Índia e para que esta  cumpra a sua missão ou dharma e para que as sociedades recuperem a sua «herança humana perdida». 
Mesmo assim termina com um aviso da sabedoria indiana para a insolência dos poderosos, citando uma sloka, talvez do Bhagavad Gita:«Pela injustiça pode-se ganhar prosperidade e o que parece desejável, e vencerem-se inimigos, mas  tais seres perecerão pela raiz».
 Numa linha que Erasmo apreciava e que era o cumprir-se o anel das três Graças, ou  unir o princípio e o fim, transcrevo agora o poema inicial desta última mensagem de Rabindranath Tagore, que é uma evocação dos mestres, da possibilidade de algum grande ser, salvador ou avatar se manifestar na Terra, esperança que se encontra em muitos povos, algo que na altura outro grande artista e mestre Nicholai Roerich também esperava em relação ao bodhisatva Maitreya, mas que no século XXI sabemos já que dificilmente ou mesmo não acontecerá a um nível exterior, pois as forças do mal são muito poderosas no mundo político, financeiro, farmacéutico e dos armamentos, ainda que disfarçando-se  e muitos corrompendo...
Será cada um que terá de religar-se com o seu espírito, o seu anjo e eventualmente com os Mestres, e ir lutando lucidamente pela justiça, a liberdade e a dignidade e realização espiritual humana, só, em família, em grupos, em redes, pouco se podendo esperar dos partidos e votações...

«O Grande Ser vem,
enviando arrepios através da poeira da Terra.
Nos céus soa a trombeta,
no mundo humano os tambores da vitória batem,
a hora chegou do grande nascimento.

Hoje os portões (gates) da fortaleza da noite
desmoronam-se em pó -
Na crista da aurora que desperta
a garantia de uma nova vida
proclama "Não temas".

O grande céu ressoa com os cantos (paeans) de vitória
 Àquele que chega ».

Fiquemos com o mantra tagoreano "Não temas" e com a fé e a visão da vitória das forças do Bem na Humanidade, com a ajuda dos Mestres ou grandes seres, dos Anjos e da Divindade. E de Rabindranath Tagore... Muito Amor para ele. Omm
                   

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Para a Teoria e Realização do Amor, em Geral e Espiritual. Contributo de Pedro Teixeira da Mota.

Não é fácil a consciencialização do nosso estado de Amor, já que estamos em geral muito na cabeça e na actividade mental relacionada com actividades exteriores e logo não sentimos como está o Amor em nós, nem se sabe bem o que é ou pode ser o Amor nos seus diversos níveis, mesmo que se o sinta por momentos ou por tempos mais longos no relacionamento humano ou na criatividade, como afectividade, gratidão ou mesmo felicidade.
Em geral não se reconhece o Amor como um estado do Ser Divino que em nós pode estar ou perpassar, mais ou menos, como uma das suas qualidades ou até essência, ou ainda como a energia coesiva e unitiva do Universo, e que a nossa missão na terra será provavelmente conseguirmos o máximo de despertar dele e nele.
Se estamos mais conscientes de tal omnipresença do Amor a nossa aspiração a ele pode ser maior e, através de certos estados psico-somáticos, tais como os desenvolvidos pela atenção e a devoção, podemos intensificar centros de forças subtis e influenciar neuro-transmissores cerebrais, e assim aprofundar ou estabilizar melhor tal vivência.

Na verdade, a ocorrência ou sintonização maior do Amor em nós emana de, e acontece em, níveis pouco consciencializados, seja cósmicos seja microscópicos, e o Amor sente-se e é vivido algo involuntariamente, ora instintivamente ora mentalmente, pois só o conseguimos sentir mais consciente e profundamente quando estamos verdadeiramente sintonizados com alguém, com um trabalho, com um objecto ou obra de arte, com a Natureza e sobretudo com o nosso espírito, o anjo e na aspiração à Divindade.
Todavia é muito raro estarmos sintonizados conscientemente com profundidade ou força suficiente nestes níveis. E raro é vermos com a visão espiritual as potencialidades e maravilhas da nossa abertura e osmose com o Amor. E raro é além disso se sentidas ou em certos casos mesmo desvendadas em meditações, tais aberturas ao Amor, que elas se estabilizem como estado de desanuviamento interior e fogo de irradiação permanente.
Tentarmos compreender e realizar melhor o Amor exige atenção e sinceridade, estudo e esforço tanto na entrega a ele fogo do Amor, como ao que se ama e a quem se ama, tal como ainda no auto-conhecimento e vontade de meditação e discernimento, pois o caminho de aproximação e sintonização é como avançar no fio de uma navalha, donde facilmente se cai, se distrai, se esfria na multiplicidade dispersante ou mesmo conflituosa que nos rodeia.
É necessário então fortificar-nos na ligação interna, sentir também o pulso e anseios do coração, para assim observar, compreender e corrigir ou controlar instintos, desejos, reacções, aspectos, energias e causas, trazendo-os à luz da consciência.
Como que mandalizá-los a partir do coração, isto é, torná-los, ordená-los concêntricos e transparentes ao foco de luz que emana do centro íntimo do coração, denominado por exemplo pelos místicos iranianos como o segredo do segredo, ou pelos espirituais ocidentais, coração do meu coração.
Quanto à expressão "luz da consciência", embora seja de utilização quase inconsciente, na realidade é muito significativa, pois a consciência é luz e o acto de estarmos conscientes de algo ilumina e clarifica o sujeito e o objecto, e logo ao virar-nos para dentro, fortalecemo-nos e aproximamo-nos da desvendação da chama do coração do Amor atractivo, unitivo e coesivo.
Ou seja, ao meditarmos, ao observarmos as nossas reacções aos outros, ao sentirmos a afectividade maior ou menor em que estamos, ao sintonizarmos o Ser, o Amor em si, o amado ou a amada, o Anjo ou o Mestre, compreendemos como o Amor, ou o afastamento ou obscurecimento dele, está em nós, fazemos com que a luz da consciência acalme as vagas de pensamento e se ligue no silêncio com tal centro da nossa dimensão interna afectiva, daí resultando uma iluminação e dinamização maior do nosso conjunto psicosomático e, claro, maior brilho do Amor, nós quais vagalumes ou joaninhas palpitando no Cosmos e seu Campo unificado de energia consciência informação...
 Na verdade, ao meditarmos pode ainda suscitar-se a visão interior da alma, do espaço subtil e espiritual que temos e somos, e onde se poderão erguer, desvendar-se, avistar-se e fortificar-nos as formas dos seres com quem temos mais relação ou afinidade anímica, ou as que mais amamos, então intensificadas ou desvendadas pela luz e o fogo do Amor, tornando-se ou desvendando-se assim simultaneamente o nosso ser mais flamejante. 
Algo que, se é perseverado pelos modos de vida, devoção e consciencialização, gera uma eclosão maior do amor devocional, aspiracional, tornando-nos templos Divinos, portadores do santo Graal, e logo estando-se mais em comunhão com os anjos e mestres, ou suas bênçãos, e portanto em Amor mais permanente, grato, intenso.
Na realidade, no processo ou caminho meditativo consciencial iluminamos aspectos tais como  sensações, instintos, energias, emoções, sentimentos, sonhos, pensamentos, motivações, actos e imagens, que se entretecem mais ou menos com o Amor e nos envolvem, alguns dos quais  estão tão subtilmente sobrepostos ou entrosados que não é fácil discernirmos e sentirmos o que é, está ou  pode ser em nós, verdadeiramente, o Amor, e de que níveis ele se funda e irradia mais.
Exemplos, se tal desejo de unidade para com uma pessoa parte do instinto genésico ou sexual, se da afectividade social (frustrada ou plena), se da determinação mental de elevação energética, se de afinidades electivas fortes, se do coração espiritual e da centelha espiritual, ou ainda do Amor unitivo em si mesmo e que dois seres, reciprocamente se querendo ou amando, intensificam e trazem ao de cima mais.
Por fim, o nível tanto mais íntimo como mais elevado e  mais permanente  é a atracção amorosa entre o eu e a fonte dos eus (De-eus), a Divindade, e este Amor devocional ou de aspiração de união, cultiva-se também em certos aspectos com os Anjos, em especial o da Guarda, ou o Arcanjo do país, e com os Espíritos e mestres.
É importante aprofundarmos as razões de sentirmos Amor, pois em geral conhece-se ou identifica-se o Amor mais na experiência imediata de se estar apaixonado, ou então quando se gosta muito e se pode dizer mesmo que se ama algo ou alguém. Ou mesmo, em algumas pessoas, a vida e a fonte de tudo, a Divindade.
Todavia, o que vai neste sentimento, tido como Amor, pode, como já aludimos, mais do que verdadeiramente Amor, ser muitas vezes desejo ou carência, afirmação, controle e posse, algo que não se quer reconhecer ou pensar, ainda que frequentemente tal se verifique, e se venha a confirmar mais tarde, por vezes para desilusão de um ou dos dois, embora se deva aceitar e avançar, dando graças pelos momentos ou tempos de mais Amor vividos e, no fundo, na peregrinação terrena, bem iluminantes.
                                   
O Amor, como consciencialização e irradiação do coração espiritual, como ardência plena para a fonte do Amor, a Divindade, e como dádiva plena a tal corrente e do nosso ser nela para alguém, para os outros e o Cosmos implica um trabalho constante de religação, ou seja, de não sairmos ou melhor até de voltarmos a tal consciencialização e vibração, o que sabemos bem ser difícil no dia a dia do séc. XXI, com maior ou menor confinamentos, com maiores ou menores imperialismos e opressões, difícil mas desafiante...
É então importante por um lado não nos deixarmos envolver demasiado pela horizontalidade social e mediática, e por outro haver tanto a sintonização e graça do íntimo do mundo espiritual, como também a abnegação e submissão persistente do eu, enquanto personalidade limitada e limitadora da frequência vibratória cardíaca e da correnteza unitiva, pois são os egos ou eus humanos, com as suas preocupações e envolvimentos, hábitos e reacções, que põem os corpos, desejos e pensamentos em estados ou níveis vibratórios pouco afins ou atractivos da graça do Amor, do espírito, do anjo e da Divindade.
O Amor torna-se assim quase um ideal e daí terem surgido ao longos dos séculos tantas teorias e práticas que, por exemplo, configuraram na Índia a Bhakti Yoga, o caminho do Amor Divino, a união pelo Amor devocional, ou ainda a Tantra Yoga, em que há já a utilização do corpo na sua sexualidade e energias para se tentar despertar o corpo de luz ou se expandir a consciência, o amor e se chegar a uma certa unidade.
Todavia na Tantra Yoga, e em especial fora dos contextos yogis originais de mestre a discípulo e de pequenos grupos, tal como acontece no Ocidente, as pessoas tendem a ficar demasiado na sexualidade, na sensualidade, nos egos e vaidades, enredando-se nos grupos e nos egos dos pseudo-mestres, por iluminados ou universais que se proclamem, e pouco ou nada acontece de unificação de energias, de realização e religação espiritual e divina, pois na realidade o Amor pela união sexual não é algo de mecânico, automático ou de exercício, mas de comunhão na elevação psico-espiritual, o que implica sempre um caminho espiritual sério e de intimidade pessoal a dois e não de mistificações e superficializações, no que se pode denominar "materialismo espiritual", tão presente nos movimentos da chamada new age.
Por estas vias práticas ou sadhanas tenta-se chegar ora à libertação ora à união, e é nesta via mais dualista e devocional, a da união, que o Amor tem sido mais demandado, cantado, realizado, em especial na Índia, pelos místicos vishnuítas, mas não só, dois dos clássicos sendo os Bhakti sutras de Narada e a Bhagavad Gita, esta verdadeiramente abrangente, para além de milhares de obras de grandes místicos como Kabir e Mirabai,  Ramakrishna e Rabindranath Tagore, Swami Prabhupada e Guru Ranade, etc., etc.
  Todavia, quanto a um pleno conhecimento do Amor no nível cósmico ou universal e no Ser divino, se encontramos ou temos tido certas intuições, visões e realizações poderosas (uma delas sendo exactamente a de Krishna a Arjuna, descrita na Bhagavad Gita) é difícil chegar a um acordo, já que são temporárias e subjectivas.  Contudo, dentro das compreensões ou até doutrinas geradas ao longo dos séculos pode-se discernir como que duas linhas, uma para a qual o Amor  é a energia fundamental do Universo provinda da Divindade ou mesmo a Sua Essência e indispensável para a religação a Ela, a outra valorizando mais a Consciência pura, Shiva, como Sua essência e considerando o Amor como dinamismo, a Shakti, na terminologia sânscrita, que tanto é encadeadora (Maya) como libertadora (Kali).
Já nos que seguem os ditos (algo pretensiosamente, já que os Vedas o são igualmente) "Livros revelados" e suas doutrinas, verificamos como há muitas limitações no Judaísmo, com uma concepção de Deus Jeová bastante tribal e violenta, que Jesus e o Cristianismo tentaram mesmo ultrapassar, embora a Igreja claudicasse ao criar ou manter uma aliança entre Antigo Testamento de Jehova e o ensinamento de Jesus e do Pai.  
Com o tempo, embora pregando-se o Amor ou melhor a Caridade, muito na linha de S. João, e do seu Evangelho, que com o de Tomé são os que transmitem mais o ensinamento de Amor e de Realização espiritual de Jesus, os fiéis pouco se realizaram e muitas das suas convicções, palavras e realizações foram ou são bastante limitadas, dogmáticas ou mesmo violentas (o pior tendo sido a fatal Inquisição católica e protestante, que abateram grandes almas como Giordano Bruno ou Miguel Servet) e logo pouco pacificadoras (unde Pax vobis?), harmoniosas e universais. Reconheça-se contudo que a Igreja Católica melhorou bastante nas últimas décadas quanto ao ecumenismo e ao diálogo com as outras religiões.
Será nos místicos, devotos e iniciados mais ardentes e profundos das várias religiões, em especial indiana, cristã e islâmica, que encontramos os que conheceram (e conhecem) por experiência estados conscienciais expandidos de amor, de felicidade, de união, com quem ou o que quer que fosse, embora em geral sejam os mestres e a Divindade, deixando frequentemente disso relatos, diálogos, instruções, orações, mantras, instalações de altares, diagramas ou imagens (caso de muitas das pinturas de Lama Anagarika Govinda, Nicholai Roerich e Bô Yin Râ, na imagem) que facilitam o avançar no Caminho espiritual e consequentemente a crescente iluminação e religação ao Divino, ao Amor pelo amor e o conhecimento.
 E não deveremos esquecer de nomear tantos poetas e escritores, que dentro ou fora destas religiões, teceram com seus corpos e almas textos e poemas de amor mais que flamejantes, ainda hoje inflamando os que os lêem, e podemos nomear Mevlana Rumi e Hafiz, Sohrawardi, Ruzbehan Baqli e Nur Ali Shah dos iranianos, ou dos portugueses Camões, S. Agostinho da Cruz, Bocage,  João de Deus, Leonardo Coimbra e Agostinho da Silva...
Cada um de nós deverá então cultivar (nomeadamente lendo os autores ou poetas que mais o demandaram ou viveram), chamar e meditar o Amor, ou tornar-se mais consciente dele, e querer viver mais em amor e dele receber de quando em quando alguma instrução, desvendação beatífica, graça, a qual deve ser depois aprofundada, mantida, relembrada, cultivada, sabida de cor, ou seja, do coração, sentida, amada e preservada, irradiando mais nesses momentos de anamnese, de sintonização, geração ou ressurreição do que constitui o corpo glorioso (ou espiritual) nosso e que nas nossas interiorizações e meditações trabalhamos mais.
Como a fonte e base substancial omnipresente e divina do Amor não é atingida pela maioria das pessoas, e logo se perde, desvanece, ameniza-se nos que a sentem de quando em quando, o Amor não está claro nem nos corações, nem na mente racional das pessoas, nem na visão interior contemplativa, nem a arder no interior delas, pelo que se tornam necessárias as artes poéticas, pictográficas, mandalicas, mântricas para nos alinharem mais com o Amor, que na tradição da Cavalaria do Amor perene se cristalizou muito bem nos lemas do Infante D. Henrique, Talant de bien faire (tão valorizado por Fernando Pessoa) e do Infante D. Pedro das 7 Partidas, Désir, desejo e aspiração, tradição espiritual que perpassa bastante em Camões, Jorge Ferreira de Vasconcelos, Bocage e tem um cantar de cisne no soneto Mors-Amor, de Antero de Quental, embora ainda hoje viva e na ampla comunidade de língua portuguesa.
 Apesar de tantos contributos, mesmo em muitos dos mais amantes, poetas, devotos e espirituais não está tão forte e "ininterrupto" (algo que Erasmo pedia no seu Modo de Orar a Deus, que publiquei),   como poderia estar, donde o desafio do dito que o "Amor autêntico é permanente" já glosado por mim. Assim, a chama do potencial Amor divino permanente estando em nós  pouco intensificada e cultivada,  é como uma flor de lótus ou uma rosa Amor que deverá desabrochar um dia mais plenamente no peito e coração espiritual do homem e da mulher.
Os seres que atingiram, conservaram e testemunharam grandes estados de Amor místico e permanente à Divindade, ou mesmo à amada ou ao amado, ao amigo ou à amiga, ou ainda na doação criativa a outros, por força ou ardência de tal atracção de doação e união, realçaram esses três moldes ou molas principais de sentir e manifestar o Amor, e deveremos no último molde ou linha realçar o muito heroísmo, dádiva e amor à paz, à cultura, à ciência, à pátria, aos animais, à natureza, às causas da humanidade, nos que a chama do Amor estava bem dinâmica, ainda que em geral não consciencializada na sua dimensão interior, espiritual, divinizante.
Se tivermos a consciencialização firme de que o Amor tem origem Divina, e é intrínseco Dela e no nosso espírito, e que ele para ser mais conhecido e vivido por nós, tal implica tanto gnose ou inteligência como vontade e fé, já que é apenas por uma experiência e intuição, subjectiva ou pessoal, incomprovável exterior ou cientificamente (mesmo que o peito esteja mais ardente...) que sentimos, vivenciamos ou intuímos o Amor, tanto no nível primordial e universal como no nosso nível íntimo e aurico, então conseguiremos perenizá-lo mais facilmente, no sentido de que a Fonte Divina embora transcendente é sempre acessível enquanto imanente e merece logo sempre o nosso amor, em contraste com a impermanência do contacto amoroso com os outros moldes onde ela se manifesta, tanto mais que Ela é o próprio Amor.
Por vezes o fogo colorido do Amor torna-se tão sensível em nós e nos que nos rodeiam, durante os encontros ou diálogos de nobres peregrinos, cavaleiros e cavaleiras do Amor e almas afins, que é visto mesmo com os olhos, o que nas religiões sucedeu mais com santos ou mestres, assim observados e depois representados com o coração em fogo, com o dito sagrado coração, o chakra Anahata, aberto e deixando ver o Amor operante. Já outros o viram por todo o corpo, ou pelo Amor conseguiram ver tal corpo espiritual multi-colorido e flamejante.
Relembrarmos então mais a janela ou o templo do Amor que há no peito, no corpo subtil ou de glória-luz, é importante, saindo-se tanto dos meros níveis instintivos e sexuais ou da agitação quotidiana mental, comunicativa e mediática, e intensificando-se a chama seja da aspiração seja da comunhão unitiva, de valor perenizante. 
 Se admitirmos e sentirmos que somos alimentados ou vivificados pelas correntes do Amor, ou que nos fortificamos nelas quando as cultivamos (nomeadamente pela oração, mantras, trabalho manual consciente), então seremos capazes de constantemente renascer face às inúmeras separações e mortes, sofrimentos e desilusões, oposições e lutas que vamos atravessando, capazes tanto de ainda de aguardar pacientemente e com fé uma nova intensificação do Amor, isto é, o reacendimento da chama do Amor, seja misticamente, verticalmente, em estados de graça orativos, meditativos e contemplativos, seja com outras pessoas, e assim avançarmos em estados de maior amor, no Amor, para sermos mais plenamente Amor, centelha e fogo  em nós, rumo ao Sol Divino Primordial.