quinta-feira, 16 de abril de 2020

"O Poeta, essa Ave Metafísica" ou Teixeira de Pascoaes, vida, obra e a serra do Marão, por Sant'Anna Dionísio.

                                               
    Em 1953, Sant' Anna Dionísio (1902-1991 e com quem convivi bastante nos seus últimos anos na Terra), publicava na revista Seara Nova o seu 15º livro (o 1º sendo de 1929), intitulado O Poeta, essa Ave Metafísica, consagrado a Teixeira de Pascoaes e enriquecido com alguns desenhos e fotografias que fizera dele. Dos doze capítulos, transcrevemos alguns passos bem valiosos. Do 1º, intitulado Pascoaes e o Saudosismo:
 «Daqui a 100 anos o nome de Pascoaes será seguramente invocado como um dos mais altos ímpetos de ansiedade metafísica da poesia portuguesa desta século» p.7
«A despeito de todos os silêncios, a obra de Pascoaes será descoberta pelos vindouros e por eles admirada como uma das mais intensas expressões de angustia transcendente, de inspiração e de ascese, de uma verídica alma» p.7
«Poeta concreta e placentariamente preso à sua paisagem natal, mas com os olhos da alma sempre posto no que podermos chamar o noumenal não só dessa paisagem mas de todas as paisagens, Pascoaes é como Antero e Camões, um espírito ávido do que está para lá do telúrico. Não menos que um ou outro, Pascoaes deu original expressão a este sentimento constante na alma do homem de que o ser autêntico não está decerto no plano do visível mas do invisível. Sua palavra, embora presa à terra – «as tais frágas, árvores e fontes», a que alguns críticos tão despicientemente se referem, - não visa nem sugere senão a alma abscôndita dessas mesmas coisas. Sua inspiração é, enfim, sem descanso, acordada e exaltada pela transvisão do que na realidade há de fantasmático» p.8.

Ora a "alma abscôndita das coisas" pode ser vista em três níveis principais: 1º as imaginações e analogias que possamos fazer sobre as suas características visíveis ou perceptíveis, seja por instrumentos científicos seja pelas sensibilidades das pessoas e aqui Pascoaes foi um mestre de exaltada imaginação; 2º a história e interioridade que as coisas e seres tem dentro de si e que podemos sonhar, imaginar, intuir ou ver psiquicamente; 3ª o ser subtil, ou espírito da natureza, que anima uma parte qualquer da manifestação, e que está presente na tradição poética e em Teixeira Pascoaes como o deus Pan, os silfos, fadas, sátiros. Ser subtil que no ser humano é tanto a alma como o espírito, este praticamente invisível e incognoscível pela quase totalidade dos seres.
A maior parte dos leitores e apreciadores de Teixeira de Pascoaes, e Natália Correia no In-Memoriam de Pascoaes é bem forte nisto, exageram esta capacidade de osmose e captação das essências de Teixeira de Pascoaes, que embora imensa tinha sobretudo uma base imaginativa, sensitiva e poética mas não a visão espiritual, a clarividência, o olho espiritual aberto. Algo do qual Pascoais se aproxima contudo quando diz, e Natália Correia tanto apreciou, «esse olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade», e que bem gostaríamos de saber o que ele viu, sentiu, discerniu sobre tal olhar, ou olho...
 «Uma vez compreendida na sua mais íntima originalidade e significação, a poesia da saudade constituiu uma autêntica metafísica.
O sentimento de saudade, constantemente invocado e por vezes convertido pelo poeta em ontológico avatar – quando não em personalizada divindade -, não é senão uma face da ideia, persistentemente dita e redita em seus poemas, de que o mundo dado pelos sentidos tem para os seus olhos um simples valor de realidade onírica e de maneira alguma de verídica realidade.
A cada momento, nas Sombras, no Maranos, no Regresso ao Paraíso, aflora essa ideia; a de que e o mundo físico, ou melhor a paisagem, não passa, na verdade, do velho e indostânico véu de maia.
A genial beleza e profundidade de alguns cantos viverá para sempre nessa intuição.
Se o poeta frequentemente se repete e faz declinar a força de comoção dos seus arroubos, - deixá-lo; Homero por vezes também dorme e faz dormir. De resto, nunca a altitude espiritual de poeta se mediu pelos seus próprios psitacismo [loquacidade] ou ecolálias [repetições automáticas] de si mesmo, mas pelos voos inconfundíveis dos grandes momentos em que o seu canto parece subir, de graça, em vertical, no sentido do puro inefável e da verdade pura». p. 9.
Muito original Sant'Anna Dionísio, e julgo que ainda não foi apontada esta sua relação entre a saudade e a visão indiana  Vedanta que concebe a manifestação do Cosmos como Maya ou Maia, como ilusão, como um véu, como um sonho, que urge penetrar ou dissipar para se ver a verídica realidade, Brahman ou Atman.
No 2º capítulo do Poeta, essa Ave Metafísica, Sant'Anna desenvolve a ideia discutível de que as paisagens, montanhas, campos, rios só adquirem significado pelo que os poetas sentiram e imprimiram nelas, transcrevendo uma experiência iluminativa baptismal de Pascoaes: 
«Houve um momento da minha vida em que eu estremeci, diante da paisagem, como se ela própria houvesse estremecido... em que as pedras e os montes me falaram. E fiquei a ser esse instante. Aquele relâmpago fixou-se no meu espírito».
Desse transe mediúnico e baptismal nasceu o seu inconfundível misticismo panteísta.
Todo o poema Maranos, - de todos os de Pascoaes, o mais rico de inefável - é votado à expressão dessa mútua catálise, do Poeta e da Montanha. Nele, o espírito de Pascoaes não se cansa de invocar e inquirir a alma que está, ou visiona, oculta nas coisas, tendo constantemente os olhos presos no vulto escuro e sério daquela serra».
Talvez seja exagerado pensar-se que esse momento tenha definido ou intensificado muito essa natural osmose ambiental que o poeta foi desenvolvendo com o Marão, ou mais ainda a sua tendência de misticismo panteísta, esta ainda algo subordinada (sobretudo nas obras em prosa e doutrinação, nomeadamente n' A Minha Cartilha), à sua compreensão da Bíblia e dos conceitos de bem e de mal e de Divindade que desta e do cristianismo posterior brotam.
«O próprio nome Maranos», (pelo qual, no poema, ora se designa o caminheiro contemplativo, ora o vulto telúrico que se ergue ante os seus olhos) - que significa senão a sínteses do Poeta e da cósmica sombra que o despertou? Verdadeira musa e primordial fonte da inspiração da sua poesia, paradoxalmante panteísta e platónica, - a Montanha foi, naquela ascensão baptismal, quem ensinou para sempre o Poeta a identificar o seu ser com o ser íntimo e plural da «realidade» ou seja, com a essência noumenal da Paisagem. Assim a Montanha lhe deu genesíaco sobressalto: anch'io sono poeta, e o Poeta, por sua vez, a espiritualizou e imortalizou nos seus versos brancos.» 
Realcemos esta sensibilidade de Sant'Anna Dionísio às subidas das montanhas e à osmose com elas ou não tivesse sido ele a vir ajudar e continuar Raul Proença, autor de descrições meticulosas de todas as terras e cidades de Portugal, em viagens descritas e ilustradas nos famosos Guias de Portugal, editados pela Fundação Gulbenkian  partir dos anos 40 e que fizeram a delícia de muita gente no seu formato de bolso de viajante. Com Sant'Anna peregrinei eu, levados pela Dalila Pereira da Costa e seu feitor Acácio aos templos românicos do Entre Douro e Minho.
       «Ao seu muito estimado Amigo e Confrade Pedro Teixeira da Mota oferece como    singela  lembrança, José Sant'Anna Dionísio. 9 de Maio de 1989.»
"O caminheiro contemplativo", excelente expressão a recebermos; caminhar mantendo o vulto da montanha no olhar corporal e sobretudo anímico; e sentir quão as montanhas, e no caso o Marão, se tornam fontes inspiradoras, eis certamente ensinamentos que ou já conhecemos, o que se passa comigo graças a Deus e à Dalila Pereira da Costa que me facilitava as suas casas junto ao Marão, ou que devemos cultivar, peregrinando mais as serras e montanhas...
 Tem certa verdade a ideia de Sant'Anna Dionísio  que somos nós que  de certo modo espiritualizamos ou imortalizamos a Natureza, tal como já escrevera umas linhas antes: «Perante a montanha do Marão - uma das mais belas e severas do Norte de Portugal - análoga pergunta pode ser feita: - Que era essa montanha antes de Pascoaes? Era simplesmente uma grande barreira telúrica (uma volumosa massa de saibro, de granito e de xisto) a separar as orgulhosas alturas de Trás-os-Montes das velhas terras de Basto. Quis porém o destino que, na fundura verde de um dos seus vales, nascesse uma criança queum dia, ao abrir os olhos, depararai com esse misterios vulto. Essa criança viria a ser o cantor de Maranos e das Sombras. Por uma recíproca e maravilhosa acção de presença, a Montanha catalizou o Poeta e o Poeta espiritualizou a Montanha».
Todavia não nos devemos esquecer que elas em si mesmas são sacras, foram consideradas por muitos povos sagradas por se sentirem ou reconhecerem nelas presenças subtis ou  forças. Por exemplo, sabemos como muito próximo do Marão, se encontraram lápides da época romana dedicadas ao deus da montanha Larouco. Pena Pascoaes não ter estado nessa época e ter vislumbrado se realmente um poderoso deva ou espírito da natureza estava presente e recolhia tais oferendas e cultos, ou se foram mais os sacerdotes ou camponeses da religião que invocavam e cultuavam a Divindade sob esse nome ou faceta.
    Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, uma das mais valiosas amizades portuguesas
O III cap. da obra, intitulada Visita a Pascoaes, datada de Outono de 1949, e onde descreve a casa e as memórias que Pascoaes narrava das visitas do vizinho Leonardo Coimbra, termina assim: «Setenta anos de convivência de umas pedras e umas árvores com um Poeta! Setenta anos de conversa de uma alma com uma Serra! Não, porém, uma conversa tácita - como tantas terá havido por esse mundo fora, no decorrer dos séculos - mas uma troca de perguntas e respostas entre a ansiedade de um poeta de infatigável poder interrogativo, de assombrosa força de captação do Inefável e a mudez misteriosa de luz e de trevas em que a sua alma se debate»
Possamos nós, sintonizando com esta linguagem e visão algo maniqueísta ("mudez misteriosa de luz e de trevas em que se debate") mas viva e espicaçante, que Pascoaes nutria e Sant'Anna Dionísio aceita, manifestarmos e sermos cada vez mais a Luz, por entre as trevas ou névoas obscuras que nos possam circundar ou tentar, e assim as dissipando ou iluminando...

quarta-feira, 15 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (7ª p. ), de Teixeira de Pascoaes. Com texto de Natália Correia e comentada por Pedro Teixeira da Mota

A 7ª leitura comentada (e gravada) dos aforismos ou máximas contidos em A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes  é desta vez antecedida na passagem para o blogue por um excerto da penetrante interpretação  que Natália Correia (ela também um elo importante da Tradição Espiritual Portuguesa) lhe faz no valioso e extenso In-Memoriam no centenário do seu nascimento, 1979 (onde colaboraram trinta e sete personalidades, de Miguel Torga, Joaquim de Carvalho e Joaquim Paço d'Arcos a José Gomes Ferreira, Ilídio Sardoeira e  Sant'Anna Dionísio), donde passo a transcrever alguns parágrafos, com breves comentários:  
 «Gnose e Cosmocracia em Pascoaes: 
Pascoaes não é biografável. Cercou-se de névoas. Elas imprimem incorporalidade ao seu contorno. Impossível encarcerá-lo na carnalização que dá corpo a uma biografia/ Porque foi Pascoaes um construtor de névoas? O questionador que ele era da natureza oculta das formas pedia a estas anamorfoses que, distendendo o tecido das aparências, o tornam ténue, dando-lhe a transparência que permite ver o dentro esmagado pela densidade dos corpos. Vestidas de névoas, as coisas são os seus fantasmas. A estes o poder de dizer o indizível das coisas. Ouviu-os Pascoaes, e em transmitir-nos essas vozes foi o poeta do indizível».
Excelente visão de Natália embora exagere na capacidade de Pascoaes de ver o dentro das coisas. Não era um clarividente, ainda que possa ter tido certas visões e o que nos transmite do interior das coisas e seres depende muito da sua sensibilidade. É um conhecimento subjectivo. Não nos diz o indizível das coisas, mas sim o que ele pressentiu, pensou, intuiu, imaginou delas. O que muitas vezes não seria real. Não era um ser dotado da capacidade de contemplar no seu olho espiritual a memória dos lugares, como Dalila Pereira da Costa, de algum modo sua discípula, teve algumas vezes em relação ao Porto e a certas zonas do Douro, mas ainda assim sempre subjectivas. Com efeito dada a imensidade de informação que qualquer coisa ou local tem do seu passado e aura, apenas se nos revelam certas imagens, causadores de sentimentos, e impulsionadoras de compreensões e realizações.

Passamos ao 3ª parágrafo.
«A vivência poética foi para o poeta das névoas uma indagação desse "outro plano não revelado ainda à nossa inteligência, mas entrevisto pela inspiração, por esse olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade". Estas suas palavras (A Minha Cartilha) definem o seu discurso à luz de uma gnose que transcende  a qualidade estética e literária da poesia. Como exercício espiritual iniciático, a sua poética só aceita os ingredientes artísticos quando estes  convergem com a apreensão do segredo das coisas a revelar-se na consciência do poeta. O refinamento estético funciona então como um elemento necessário a uma estrutura que se ergue pela força da sabedoria. O belo é a imagem que o olho misteriosa da mais remota intimidade contemplou. Jamais é belo pelo belo. Tem uma colocação gnóstica»
Este paragráfo, de novo muito belo, profundo e exaltante da poética de Pascoaes, refere  A Minha Cartilha, e por isso a escolhemos para se afeiçoar a esta série minha de comentários, tanto mais  porque embora tendo estado apenas uma vez com ela, foi bom o curto diálogo, sob a égide Agostinho da Silva e do Espírito santo, num congresso na Biblioteca Nacional.  Refere da Cartilha a explicação que Pascoaes dá para alcançar o segredo das coisas, e que Natália Correia muito atenta transcreve «a inspiração, olhar misterioso que brilha no mais distante da nossa intimidade, considerando portanto que o seu discurso é feito à luz de uma gnose, de um conhecimento, que transcende a poesia normal. Natália Correia chama-lhe mesmo "exercício espiritual iniciático", e bem na sua dimensão de origem interior e posterior transformação artística que se subordina a essa dimensão de verdade interior.
Certamente que em Pascoaes houve porém uma visão das coisas dos seres, das ideias, dos princípios que não teve necessariamente o auxilio desse olho, já que ele apenas intermitentemente em nós se abre e nos revela o interior dos seres ou das coisas, ou o distante no passado ou no futuro, ou os mundos subtis, de que as névoas e fantasmas de Pascoaes são adivinhações, pressentimentos, imaginações, por vezes mais certeiras outras não tanto. Algo disto se passa também nas suas reconstituições do passado e de grandes figuras como S. Paulo. S. Agostinho. S. Jerónimo, Napoleão e Camilo. Quanto não teve ele que ler, quanto não teve ele de imaginar, quanto terá ele acertado ou errado nas suas interpretações?
Quanto aos planos espirituais e divinos, como temos estado a ver nas leituras anteriores, Pascoaes ficou demasiado condicionado pela tradição cristã e face às suas fraquezas e contradições Pascoaes ora conseguiu ver  bem e discernir a verdade, ora se deixou enganar ou iludir. A nós de exercermos o discernimento do espírito....
 Podíamos ficar-nos por aqui, embora certamente o restante do texto de Natália Correia seja valioso e mereceria ser discutido, aprofundado. Mas transcrevamos ainda assim a parte final,  bem optimista e idealista (e certamente mitificante), escrita nos tempos tão desabrochantes de 1979:
«O génio que se manifesta em Pascoaes, excedendo a literatura, a filosofia e a religião, é sobretudo oracular. Indica-nos o ponto matricial onde se cruzam as grandes forças da integração no Todo. E só nos cabe perguntar como o poeta suíço Albert Talhof: 
Saberia Pascoaes que tinha no seu génio a porta aberta para um Terceiro Testamento?
Pascoaes responde-nos com a sua poesia. Ela mana de uma ultraconsciência anunciadora da Cosmocracia que os sábios de Princeton já apontam pela via do conhecimento científico assumido como teologia».
Onde vai este sonho de uma cosmocracia da ciência assumida como teologia, quando o que vemos é a degradação ou mesmo falência da sociedade moderna cada vez mais desumanizada pela tecnologia e por uma ciência (feita de milhões de cientistas em lutas constantes e pouco respeitando a verdade) e em nada respeitosa do Cosmos ou tendo em conta os sábios que conseguem ver com o olho espiritual a interioridades e as finalidades dos seres e das sociedade. Quanto ao 3ª Testamento, ou 5º Evangelho, sabemos quão ilusórias são tais valorizações e expectativas e contentemo-nos, como se diz no aforismo XLII, em sondar melhor a página branca inicial da Bíblia, ou Livro, feita dos livros todas as religiões e filosofias, ou mais modestamente, como queria Antero de Quental, que na última página em branco dela vamos nós escrevendo as nossas realizações espirituais e humanas
Oiçamos então os aforismos ou máximas XLII, XLIII e XLIV, com os comentários que fiz na manhã desta quarta-feira, 15.IV.2020.

                        

segunda-feira, 13 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (6ª p.), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota. Com vídeo.

Nesta leitura (6ª) comentada d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, de certo modo um testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se afirmava paradoxalmente), finalizado pouco antes de partir da Terra (já bem maduro nas suas crenças e saudosismo), abordamos os aforismos XXXVIII a XLI. Como ainda não está acessível na web, transcrevemos dois aforismos, comentando-os, de novo, brevemente:  
                              
 «XXXVIII - Teremos a liberdade espiritual, isto é, religiosa e filosófica, que faz progredir a ciência e a consciência, para que o nosso poder representativo do Universo, o para que talvez da nossa vida, progrida indefinidamente. Este para que inclui a ideia de finalidade ou teleológica, mas diferente da clássica, sendo verdadeira admitindo-se uma acção espiritual interior e exterior a tudo. Os ouvidos não foram feitos para ouvir? Ou ouvem por acaso? Ou organizados pelo caso, ficaram aptos para a audição casualmente? Repugna-me acreditar numa soma infinita de acasos exigida para a aparição de um ser inteligente.
Creio bem que os ouvidos foram feitos para ouvir, e que o homem foi criado para ser a consciência do Existente.  E eis a sua dignidade, a sua distinção, o seu destaque no meio da turba irracional. Entre o moleiro e o seu gericó há um desnível para cima, como entre o moleiro e a estrela Sírius...
E teremos o amor fraterno, que leva à justiça económica estendida superiormente, e à convivência amorosa, apenas agitada pela troca de ideias e sentimentos pessoais, isto é, originais. E a luta das ideias é benéfica, pois não pode haver um ideal que cristalize em qualquer imobilidade dogmática.»

Comentário: - Após alguns pensamentos algo exagerados, derivados duma visão criacionista do ser humano, quase como a razão de ser do Universo, a parte final é bem interessante equiparando como manifestações fundamentais do Amor divino no ser humano a sua capacidade de fraternidade, tanto na justiça da sua economia como no diálogo ideológico. Sabemos como porém é difícil o Amor nos seres humanos atingir tal plenitude já que múltiplos condicionamentos corporais, psíquicos e sociais o afectam. Desafios diários...

«XXXIX - O Cristianismo aproxima-se da realidade cósmica, talvez inatingível, e da verdade humana bem mais próxima de nós, isto é, do nosso entendimento.
A verdade é a própria realidade transitada das cousas para as almas, e até do conhecimento científico para a emoção poética.  A verdade é, enfim, a realidade humanizada.  E o Criador humanizado é Jesus.
Já tratamos dela, no campo teológico em que Deus, sendo o Mal e o Bem, a Destruição e a Criação, se destaca do Mal criador, e é o Redentor. É Ele sempre, Criador ou dentro da existência, e, dentro da vida, Redentor, e é Ele ainda, para lá de tudo, nesse terceiro plano, nesse Mistério dos mistérios... e em nosso coração, que é também o coração, que é também o coração do mundo, como é a consciência do mundo a nossa consciência.»
Comentário: - Este aforismo é bastante valioso e foi já razoavelmente comentado na gravação mas destaquemos, para quem não tiver muita paciência para ouvir, como a concepção religiosa e de Deus de Pascoaes é muito condicionada pela Bíblia e pelo Cristianismo, valorizando-os exessivamente, e por uma  apropriação de noções muito relativas tornando-as Absolutas, tal como o Bem e o Mal, acabando por concluir que Deus é o Bem e o Mal, quando a Divindade é apenas ela próprio e bem acima das nossas qualificações dualistas. O Mal existe só fora de Deus, ou contra Deus. 
 Mas é valioso quando vê a demanda da realidade como a verdade humanizada, podendo-se explicar pela assunção ou captação amorosa da nossa unidade com os seres e as coisas, a qual nos permite ver ou sentir o seu interior, a sua verdade, dando-se então como diz, esse trânsito dela para a nossa alma.
Também é compreensível como cristão, embora com algumas posições heréticas, a sua visão de Deus manifestado em Jesus, só que pouca gente consegue ver mesmo Jesus nessa dimensão em que "ele e o pai são um".
Finalmente a menção ao "terceiro plano" ou nível de realidade, "Mistério dos mistérios", expressão bem usada pelos místicos do Islão e exactamente tanto em relação à Divindade em si como à sua presença enquanto espírito  no "nosso coração", onde devemos despertar a consciência de tal ligação, união, Unidade...
                        

sábado, 11 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (5ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota. com vídeo.

                                         
Avancemos na leitura (5ª) comentada de mais dois aforismos d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, de certo modo um testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se afirmava paradoxalmente), finalizado pouco antes de partir da Terra.
 Como ainda não está acessível na web, transcrevemos os dois aforismos, que foram comentados brevemente em 14 minutos, e aqui de novo, limitadamente, pois é tal a elevação do tema (Deus e o Bem e o Mal) que seria preciso muito mais tempo reflexão, meditação e intuição, e mesmo assim...
«XXXVI - Dói-me sempre esta frase: Deus é o mal e o bem. Mas, se não a admitirmos, incompatibilizamos Deus com a existência, ou o Criador com a Criação. Mas Deus humanizando-se, transitou da acção para a contemplação, ou do poeta para o crítico, a fim de corrigir o seu Poema, que tem o mesmo título que a célebre ópera de Haydn. E onde estava o Orango da Selva, tentou colocar o Adão da Bíblia. A conversão do simiesco em adâmico é o esforço constante de Jesus. O símio é o homem natural, Adão é já sobrenatural, o super-homem oposto ao de Nietzsche, ou melhor, no mesmo plano de Nietzsche espiritualizado ou transcendido.»

Esta sucessão de pensamentos é vertiginosa mas tem faces ou facetas frágeis para constituir uma escultura vizinha da verdade. Comentaremos brevemente (e logo com muitas limitações) assim:
Deus só é criador de si próprio e não de um cosmos. Não houve um princípio nem haverá um fim, a dita "criação", ou irradiação das forças elementares primordiais, estando sempre a acontecer, tal como também há sempre galáxias a serem reabsorvidas. 
Deus não é o mal, pois é o bem e sobretudo mais que o Bem, é o Ser  primordial de todos os seres e elementos. O mal não é criado por Deus, tal como o universo físico não foi criado por Deus mas resulta das suas forças elementares, segundas causas. O mal é a reacção contrária a Deus, é a oposição a Deus que alguns seres manifestaram nos planos espirituais e materiais, ou manifestam, graças ao livre arbítrio que possuem, e que nos seus aspectos mais negativos se concretiza no ódio e na crueldade.
E nos planos de manifestação o mal surge ambientalmente como afastamento máximo do Ser Primordial e individualmente como  afirmação excessiva de si próprio, em desequilíbrio com o que a rodeia e em oposição à essência da Divindade presente em cada pessoa como o espírito íntimo (e como voz de consciência, para quem a consegue ouvir, tal como Antero de Quental recomendava a Fernando Leal)  e que permeia o Universo, sobretudo no nível espiritual e subtil, como Amor de irradiação horizontal e de religação vertical ou interior. 
Daqui um certo valor do Saudosismo de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Dalila Pereira da Costa, pois representa no ser humano uma memória ou lembrança do estado original de união com a Divindade e simultaneamente, uma aspiração ou vontade de reunião, de regresso a tal estado unitivo (ou paradisíaco, no dizer de Pascoaes e Dalila) certamente bem difícil de se realizar e apenas brevemente intuído ou sentido por todos nós, a menos que se seja um verdadeiro mestre e não um dos muitos pseudo-iluminados.
A força do querer de cada ser não é facilmente mensurável. E tanto para o bem como para o mal. Temos a possibilidade de seguir um lado ou outro, o do bem ou do mal relativos mas será exagerado considerar os simiescos ou os macacos mais maus que os seres humanos, tanto mais que a crueldade neles não existe...
Se aceitarmos a doutrina de Darwin ou da evolução das espécies podemos dizer que há uma humanização progressiva, e logo uma "adamização" no sentido valorativo que Pascoaes, que não deriva da Bíblia, também podemos afirmar que a mensagem de amor de Jesus, a irradiação de amor divino que ele atingiu e o que o Cristianismo nos seus melhores aspectos realizou, foram certamente importantes na história da melhoria dos comportamentos humanos. Mas não exageremos pois podemos ver que não há muitas diferenças entre povos que quase não tiveram contacto com o cristianismo e os que se tornarão cristãos.
Pascoaes exagera a importância seja da Bíblia e da mítica figura de Adão seja do Cristianismo. E menospreza o homem natural, quando o encontramos com grande qualidade sem influência cristã nas Américas, no Extremo Oriente, na Índia e em África.
O verniz de civilização, o poder da economia, dos armamentos, da tecnologia pouco melhoram necessariamente a qualidade interior dos seres, ou o bem neles, muitas vezes até perdendo muito do seu amor. Basta ver o que se tem passado nestes tempos da pandemia de 2020 não só com os líderes da USA como mesmo com os da União Europeia, no seu egoísmo desenfreado, no seu menosprezo dos seus povos (caso de Itália, que teve de ser ajudada pelas sancionadas, absurdamente, Rússia e Cuba), sempre num egoísmo de classes ou de império, de raça ou nação escolhida. 
                                
 O aforismo seguinte, XXXVII, de Teixeira de Pascoaes parece que nos segue ou confirma:
«XXXVII – O sentimento de liberdade e irmandade contra o egoísmo cruel e a não menos cruel fatalidade, eis o ideal cristão, esse Credo Ateoteísta, na sua base de incerteza ou humildade».
Este sentimento de liberdade e irmandade, que seria o ideal cristão sabemos bem que, sendo essencial na mensagem libertadora de Jesus ("Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará") muito cedo deixou de se verificar, por vários factores intrínsecos e extrínsecos. E ao fim destes 20 séculos se olhamos para os governos ditos cristãos e democratas vemos quão pouco amistosos e fraternos se tornaram. Basta observar os mais poderosos como a USA, o Reino Unido, a França para nomearmos apenas alguns e como estes têm sido de um egoísmo e crueldade não só contra vários povos e governos mas contra os seus próprios cidadãos, como observámos, por exemplo com a repressão brutal por Macron dos Coletes Amarelos em França, ou comportamento desses três países na gestão económica e dos meios de protecção e tratamento na pandemia viral iniciada em 2020. 
Quanto ao Credo Ateoteísta que Pascoaes humildemente reconhece em si na sua dualidade de crente e descrente, pensamos que mais do que termos um credo devemos aprofundar experiências ou vivências da dimensão espiritual imanente em nós e por tal meio manifestamos mais tanto o ideal cristão, ou a aspiração ao ungimento espiritual, como desenvolver o amor e, logo, a fraternidade
Ao Credo quia absurdum atribuído a Tertuliano e a S. Agostinho, sem fundamento contudo,  mas que significa sobretudo acreditarmos passivamente em afirmações ou dogmas que não temos como certas ou nem sequer verosímeis, e ao Ateoteísta de Teixeira Pascoaes, substituamos a aspiração e a demanda de realização espiritual e divina, fraterna, sábia e ecológica.
Seguem-se os 14 minutos de vídeo, apenas com o céu, as belas nuvens e uma ou outra ave à vista.... 11.IV.2020.
                               

sexta-feira, 10 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (4ª p.), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota

Continuamos a ler e a comentar de Teixeira de Pascoaes o seu livrinho A Minha Cartilha, de certo modo um seu testamento anímico, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes de partir da Terra, e dado à luz em Dezembro de 1954. Como ainda não está acessível na web, transcrevemos alguns passos.
Teixeira de Pascoaes foi sobretudo amante da Natureza, do Marão e das suas gentes, e logo poeta e doutrinador (e também pintava) e, sendo um grande leitor de literatura, religião, filosofia, escreveu além da extensa obra poética e de pensador português, alguns romances biográficos históricos de grande erudição, genialidade e irreverência, tais como os dedicados a S. Paulo, S. Agostinho e S. Jerónimo, o que lhe deu bases boas para estes pensamentos-sentimentos, ora mais imaginados ora mais intuitivos, ora com mais luz ora com mais amor...
                            
Nesta quarta gravação lemos e comentamos, os aforismos XXIV a XXXV. E transcrevemos agora os seguintes, mais originais ou valiosos:
«XXVI - Raciocionar é ver de perto, como imaginar é ouvir ao longe, que a Realidade é próxima ou vista, e longínqua ou musical. Finda em música, ou, antes, é infindável: finda e principia, que o princípio é também impronunciável ou perdido ou, antes, a perder-se no passado.»
Uma bela aproximação poética na eternidade, na serpente que morde a cauda, tal como a representavam os egípcios e os cultores dos emblemas alquímicos e renascentistas. Há reminiscências da Palavra ou Verbo que ao Princípio (en Arke) estava com Deus, ou era Deus, e que foi sentida também como o Alfa e o Ómega,  primeira e última vogal do alfabeto grego, tal como o Aum nome divino indiano formado do mesmo modo em sânscrito, no fundo tentativas humanas de se pronunciar o que sendo "imprincipiável" é também impronunciável, valendo mais o sentir e o assimilar nosso interior ao concentrar-nos nele  Daí a mais acertada recomendação de imaginar, de meditar ora esse longe ora o mais íntimo de nós onde se encontra a pérola perdida, o espírito, que devemos recuperar.

«XXVIII - O espectáculo do Cosmos nos deslumbra desde a nuvem de chuva a molhar-nos o caco incandescente à nebulosa Andrómeda a desfazer-se em estrelas, a um milhão de anos de luz. E este deslumbramento é a própria fonte da Religião e da Poesia, duas irmãs, como Teresa e Mariana.
A poesia é a ciência do Remoto, uma espécie de Geometria no infinito. Se a do espaço serviu para medir a dos campos do Egipto ou da Mesopotâmia, a do infinito metrifica o incomensurável, o invisível, o inatingível. Se lhe tocamos num dado instante maravilhoso, é com a sombra do dedo indicador infindamente prolongada. E as orelhas de Platão asnaticamente lhe cresceram até às esferas a cantar. Esse contacto aureola os grandes versos e os sublimes pensamentos (cabem todos numa página antológica) roubados ao Santo Espírito, como a Divina Comédia, na opinião de Petrarca». 
Estes pensamentos e imagens são de grande beleza, unindo tão bem todo o tipo de opostos, da chuva das nuvens à das estrelas e galáxias, das místicas às amorosas (S. Teresa de Ávila e Mariana Alcoforado), da agrimensura à geometria do infinito, do mundo material ao espiritual, das orelhas felpudas e alongadas dos asnos até às subtis desenvolvidas no esforço de audição silenciosa de Pitágoras e Platão.
Valiosa a visão final: os poetas e escritores mais inspirados, como Dante, no dizer do grande Petrarca, o primeiro humanista Europeu, como defendia José V. de Pina Martins, captam do mundo do Espírito tais intuições manifestadas depois sublimemente.
 Possamos nós comungar ou sintonizar mais com este espírito santo ou divino que está no íntimo de cada um e contribuirmos para uma Humanidade melhor, mais lúcida, solidária, sábia e amorosa, nestes meses de 2020 tão desafiada para se transformar e evoluir mais justa, ecológica e luminosamente...
Seguem-se os aforismos e os comentários.
                    

Aurora de Sexta-feira Santa, com nuvens e a Lua e em tempos de pandemia. Com música.

 10 de Abril de 2020, Sexta-feira santa. (Com bela música no fim do artigo que pode já pôr a tocar...) A Natureza, sempre bela, presenteia-nos com uma serena aurora, harmonizando-nos e estimulando-nos a reagir ao ambiente mundial sofredor e inquieto desafiando-nos a vencermos inépcias e injustiças, medos e ameaças, meditando, orando e agindo confiantes no Caminho abençoado de Luz e de Amor, nosso e da Humanidade, num Cosmos permeado pela Divindade...
                        
As neblinas violetas são apropriadas para uma sexta-feira santa, pairando no horizonte e convidando-nos a penetrarmos nos sucessivos planos de existência, na grande unidade Divina. Saibamos erguer-nos das nossas identificações e vencer as provações, receios ou dores e brilhar, sorrir, ser...
                                
Ligar a Terra e o Céu bem, ou Talent de bien faire, é lema da tradição espiritual portuguesa e tarefa da Humanidade, e tal deve-nos obrigar a constantemente por-nos em causa individualmente e colectivamente, para melhorarmos...
Por vezes os sinais da Natureza tornam evidente que temos de mudar, humanizar-nos nos melhores sentidos e deixarmos de ser sujeitos tão manipulados e quase escravos de modelos económicos e políticos bastante desequilibrados, injustos e nocivos ao planeta e aos seus seres e eco-sistemas.
                       
Quando os raios luminosos do sol se fundem ou se derramam por entre procissões de nuvens e escadas e antenas, e nos transluzem, devemos abrir a nossa  alma às aspirações e realizações necessárias e empenhar-nos mais fortemente na luta por uma maior harmonia entre a Terra e o Céu, mais ecologia e justiça e menos corrupção e imperialismo.
                         
 Nuvens que passais, que mensagens levais, que bênçãos ides derramar, que consolos nos que sofrem suscitareis? 
Tanta gente a sofrer e a chorar, tanto egoísmo e imperialismo ainda a oprimirem, e tão pouca gente a demandar o Graal, o Sol da Verdade e da Justiça, o Espírito, a fraternidade e a Divindade...
Raios de Ouro do Sol, material e espiritual, reflectidos pelas nuvens e céus das nossas terras e ares puros, penetrai nas cidades e almas e purificai, fortificai e despertai...
                          
Céu tão diáfano, tão puro, tão transparente quanto dona Luna nossa Dama branca e amada...
 Saibamos singrar contemplativamente na barca de Ísis ou nas dimensões cósmicas, sentindo e irradiando beleza e paz na terra.
 Saibamos comungar com as cores, sentir mais interna e intensamente a Natureza e seus fenómenos harmonizadores.
                           
Nossos amiguinhos (melros) sempre atentos, muito familiares já com os humanos, e prontos a voar elegantemente ou a trinar suas mensagens alegres, rápidas, subtis. Também outras aves trocam ou entoam seus gorjeios, mais audíveis por entre uma sociedade moderna quarentenada e limitada até não sabemos quando e com que resquícios e consequências, numa luta grande entre vários grupos de pressão ou de ideologias..
Saibamos tanto resistir saudavelmente  como comunicar afectivamente, amorosamente, luminosamente, mesmo sob as ameaças de morte, as desilusões políticas e os forçados distanciamentos, trabalhando nas ligações harmoniosas entre a terra e o céu, o interior e o exterior,  o eu e o tu, a antiga e a nova sociedade, aproveitando o tempo de recolhimento e de passagem, invocando as bênçãos dos anjos e mestres, nomeadamente Jesus, exemplo e grande fonte de Amor...
Nuvens quentes, brancas, já do findar da manhã, poderosas e felizes seja por fecundarem os campos e a agricultura biológica seja por nos inspirarem....
Que a Luz, o Amor e a Força divina estejam connosco e nos protejam e nos orientem em novos e melhores modos de viver sociais!
Saudações aos mestres e anjos e adoração à Divindade íntima...
Música bela, para nos fortalecer e para pacificar o astral tão dilacerado por tanta morte repentina e com as almas pouco preparadas para a vida consciente no além... Morte e ressurreição!
                              

quarta-feira, 8 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (3ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada (com vídeo) por Pedro Teixeira da Mota.

Eis-nos com Teixeira de Pascoaes A Minha Cartilha, de algum modo seu testamento ideológico, filosófico, teológico e espiritual, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes rumar para os mundos espirituais. Um autor bem representado na minha biblioteca nas edições originais, com várias delas em prosa bem anotadas a lápis, tais como o Homem Universal, A Arte de ser Português. os Poetas Lusitanos, o Duplo Passeio. Nesta terceira leitura gravada em vídeo percorremos os aforismos XIV a XXIV. 
          A casa de família de Teixeira de Pascoaes, em S. João de Gatão, com vistas para o Marão.
 E como o livrinho ainda não está acessível na web, transcrevemos alguns passos mais valiosos, dos quais ora discordamos ora concordamos, pois Pascoaes é bastante poeta e livre nos seus posicionamentos e conceitos adoptados e, ao abordarmos aspectos mais profundos é preciso também a realização interior e espiritual, o que por vezes falta a Teixeira de Pascoaes, construindo a sua cosmovisão sobre entidades, seres ou questões complexas e subtis, demasiado apoiado em ensinamentos pouco profundos ou pouco aprofundados, recolhidos da religiões, em especial a católica, e das filosofias, principalmente ocidentais. Certamente, dada sua grande sensibilidade à natureza, estabelecendo analogias originais, belas, poéticas mas não correspondendo por vezes à realidade subtil ou espiritual nem nos encaminhando para a realização dela. Oiçamo-lo:
«XVIII- Creio num Criador ou Espírito interior e exterior a tudo: exterior é como Deus em si, ou Deus só Deus; interior é como Deus no Homem ou Jesus, depois de frequentar os animais, desde o cão Anúbis ao boi Apis, e até os bosques e os rios...
Construiu os corpos inanimados e organizou os animados, revelando a mais profunda ciência matemática, nos primeiros, e biológica, nos segundos. E a nossa glória é termos captado essas duas ciências e as intermediárias, concebidas e realizadas por esse Espírito Divino (...)»
Consideraremos interessante o seu pensamento de que a evolução da ideia de Deus para os seres humanos passou pelas fases em que era visto nos animais, citando o Egipto, e só em Jesus é que o divino é visto no interior do homem. É porem uma visão parcial pois na Índia Rama e Krishna e toda a tradição dos mestres aponta desde há milénios para tal presença e realização. Para não falarmos nos místicos e iniciados do Irão e do Islão.

«XIX - A Ciência físico-química, tão perceptível na formação das cousas, e a ciência bio-psíquica tão notável na formação dos seres, afirmam a realidade de um Espírito Criador, isto é, de Deus. Que tudo, desde a matemática incluída nos penedos, à psicologia metida numa caveira, seja o simples produto casual de um jogo de forças brutas, não tenho estupidez bastante para acreditar em tal milagre».

«XXIII - Temos ainda o Antecristo ou Apolo e a Antevirgem ou Vénus. Liberto Cristo do Anticristo, resta-nos libertá-lo ainda do Antecristo, a Virgem da Antevirgem. Libertemos enfim, o Cristianismo do que ele encerra de paganismo helénico e de sombra latina ou medieva.
Actualizemo-lo, para alcançarmos talvez um conceito religioso da vida mais em harmonia com a ciência actual. E coloquemos o ser humano na altura que lhe pertence como parente mais próximo do Criador, e como sendo a mais alta consciência da Criação, em luta contra o Mal, esse duelo entre nós e nós, ou entre Deus e Deus, o Pai e o Filho.»

Como já comentei, há que discernir os vários níveis de religiosidade e de espiritualidade que há no Paganismo e como os Mistérios, por exemplo, foram uma instituição presente na religião Greco-Romana, desde os órficos e Eleusis, e na Mitraica e que influenciaram bem o Cristianismo, permanecendo válidas as suas três divisões ou fases, com as suas metodologias próprias: Katharsis ou purificação, Muesis ou iniciação e comunhão e a Epopteia, na qual havia a visão e salvação, num sentido de conhecimento da sua identidade espiritual e da sua ligação ao Divino.

«XXIV - O Dogma inabalável do Cristianismo é o da consubstanciação, a presença real de Cristo na Hóstia, ou a do Santo espírito na matéria. E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?
O Espírito é na matéria, sem deixar se ser em si próprio, num outro plano desconhecido ainda, para lá da existência e da vida, sendo ele, como é, incompatível com o existir e o viver.
Quando a nossa inteligência penetrar nesse terceiro plano, alcançaremos a ciência total, perfeita. E no encantamento da Luz Plena, ficaremos para sempre...»
 
Comentamos razoavelmente estes parágrafos na gravação, pondo em causa, por exemplo, que, ao penetrarmos nos mundos espirituais ficaríamos na plenitude e perfeição, pois tal não se passa nem teria sentido. Quanto à interrogação "E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?" algo misteriosa, será que quer Pascoaes dizer que a alma de cada ser é alimentada num seu corpo anímico pelo que entra nela, seja pelos cinco sentidos, seja pelas emoções e sentimentos, pensamentos, ideias, aspirações, ou está apenas a dizer que a nossa alma participa da alimentação do corpo, é influencida ou deriva dos alimentos  e assim, no caso, ao alimentar-nos da hóstia corporal estamos também a receber energias dela, a alma dela, seja o Cristo, seja o "Santo espírito", uma original grafia pois só o Santo está em maiúscula grafado?
Meditemos, e oiçamos o texto e os comentários.... Lux! Amor!