sábado, 11 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (5ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota. com vídeo.

                                         
Avancemos na leitura (5ª) comentada de mais dois aforismos d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, de certo modo um testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se afirmava paradoxalmente), finalizado pouco antes de partir da Terra.
 Como ainda não está acessível na web, transcrevemos os dois aforismos, que foram comentados brevemente em 14 minutos, e aqui de novo, limitadamente, pois é tal a elevação do tema (Deus e o Bem e o Mal) que seria preciso muito mais tempo reflexão, meditação e intuição, e mesmo assim...
«XXXVI - Dói-me sempre esta frase: Deus é o mal e o bem. Mas, se não a admitirmos, incompatibilizamos Deus com a existência, ou o Criador com a Criação. Mas Deus humanizando-se, transitou da acção para a contemplação, ou do poeta para o crítico, a fim de corrigir o seu Poema, que tem o mesmo título que a célebre ópera de Haydn. E onde estava o Orango da Selva, tentou colocar o Adão da Bíblia. A conversão do simiesco em adâmico é o esforço constante de Jesus. O símio é o homem natural, Adão é já sobrenatural, o super-homem oposto ao de Nietzsche, ou melhor, no mesmo plano de Nietzsche espiritualizado ou transcendido.»

Esta sucessão de pensamentos é vertiginosa mas tem faces ou facetas frágeis para constituir uma escultura vizinha da verdade. Comentaremos brevemente (e logo com muitas limitações) assim:
Deus só é criador de si próprio e não de um cosmos. Não houve um princípio nem haverá um fim, a dita "criação", ou irradiação das forças elementares primordiais, estando sempre a acontecer, tal como também há sempre galáxias a serem reabsorvidas. 
Deus não é o mal, pois é o bem e sobretudo mais que o Bem, é o Ser  primordial de todos os seres e elementos. O mal não é criado por Deus, tal como o universo físico não foi criado por Deus mas resulta das suas forças elementares, segundas causas. O mal é a reacção contrária a Deus, é a oposição a Deus que alguns seres manifestaram nos planos espirituais e materiais, ou manifestam, graças ao livre arbítrio que possuem, e que nos seus aspectos mais negativos se concretiza no ódio e na crueldade.
E nos planos de manifestação o mal surge ambientalmente como afastamento máximo do Ser Primordial e individualmente como  afirmação excessiva de si próprio, em desequilíbrio com o que a rodeia e em oposição à essência da Divindade presente em cada pessoa como o espírito íntimo (e como voz de consciência, para quem a consegue ouvir, tal como Antero de Quental recomendava a Fernando Leal)  e que permeia o Universo, sobretudo no nível espiritual e subtil, como Amor de irradiação horizontal e de religação vertical ou interior. 
Daqui um certo valor do Saudosismo de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Dalila Pereira da Costa, pois representa no ser humano uma memória ou lembrança do estado original de união com a Divindade e simultaneamente, uma aspiração ou vontade de reunião, de regresso a tal estado unitivo (ou paradisíaco, no dizer de Pascoaes e Dalila) certamente bem difícil de se realizar e apenas brevemente intuído ou sentido por todos nós, a menos que se seja um verdadeiro mestre e não um dos muitos pseudo-iluminados.
A força do querer de cada ser não é facilmente mensurável. E tanto para o bem como para o mal. Temos a possibilidade de seguir um lado ou outro, o do bem ou do mal relativos mas será exagerado considerar os simiescos ou os macacos mais maus que os seres humanos, tanto mais que a crueldade neles não existe...
Se aceitarmos a doutrina de Darwin ou da evolução das espécies podemos dizer que há uma humanização progressiva, e logo uma "adamização" no sentido valorativo que Pascoaes, que não deriva da Bíblia, também podemos afirmar que a mensagem de amor de Jesus, a irradiação de amor divino que ele atingiu e o que o Cristianismo nos seus melhores aspectos realizou, foram certamente importantes na história da melhoria dos comportamentos humanos. Mas não exageremos pois podemos ver que não há muitas diferenças entre povos que quase não tiveram contacto com o cristianismo e os que se tornarão cristãos.
Pascoaes exagera a importância seja da Bíblia e da mítica figura de Adão seja do Cristianismo. E menospreza o homem natural, quando o encontramos com grande qualidade sem influência cristã nas Américas, no Extremo Oriente, na Índia e em África.
O verniz de civilização, o poder da economia, dos armamentos, da tecnologia pouco melhoram necessariamente a qualidade interior dos seres, ou o bem neles, muitas vezes até perdendo muito do seu amor. Basta ver o que se tem passado nestes tempos da pandemia de 2020 não só com os líderes da USA como mesmo com os da União Europeia, no seu egoísmo desenfreado, no seu menosprezo dos seus povos (caso de Itália, que teve de ser ajudada pelas sancionadas, absurdamente, Rússia e Cuba), sempre num egoísmo de classes ou de império, de raça ou nação escolhida. 
                                
 O aforismo seguinte, XXXVII, de Teixeira de Pascoaes parece que nos segue ou confirma:
«XXXVII – O sentimento de liberdade e irmandade contra o egoísmo cruel e a não menos cruel fatalidade, eis o ideal cristão, esse Credo Ateoteísta, na sua base de incerteza ou humildade».
Este sentimento de liberdade e irmandade, que seria o ideal cristão sabemos bem que, sendo essencial na mensagem libertadora de Jesus ("Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará") muito cedo deixou de se verificar, por vários factores intrínsecos e extrínsecos. E ao fim destes 20 séculos se olhamos para os governos ditos cristãos e democratas vemos quão pouco amistosos e fraternos se tornaram. Basta observar os mais poderosos como a USA, o Reino Unido, a França para nomearmos apenas alguns e como estes têm sido de um egoísmo e crueldade não só contra vários povos e governos mas contra os seus próprios cidadãos, como observámos, por exemplo com a repressão brutal por Macron dos Coletes Amarelos em França, ou comportamento desses três países na gestão económica e dos meios de protecção e tratamento na pandemia viral iniciada em 2020. 
Quanto ao Credo Ateoteísta que Pascoaes humildemente reconhece em si na sua dualidade de crente e descrente, pensamos que mais do que termos um credo devemos aprofundar experiências ou vivências da dimensão espiritual imanente em nós e por tal meio manifestamos mais tanto o ideal cristão, ou a aspiração ao ungimento espiritual, como desenvolver o amor e, logo, a fraternidade
Ao Credo quia absurdum atribuído a Tertuliano e a S. Agostinho, sem fundamento contudo,  mas que significa sobretudo acreditarmos passivamente em afirmações ou dogmas que não temos como certas ou nem sequer verosímeis, e ao Ateoteísta de Teixeira Pascoaes, substituamos a aspiração e a demanda de realização espiritual e divina, fraterna, sábia e ecológica.
Seguem-se os 14 minutos de vídeo, apenas com o céu, as belas nuvens e uma ou outra ave à vista.... 11.IV.2020.
                               

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