segunda-feira, 13 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (6ª p.), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota. Com vídeo.

Nesta leitura (6ª) comentada d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, de certo modo um testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se afirmava paradoxalmente), finalizado pouco antes de partir da Terra (já bem maduro nas suas crenças e saudosismo), abordamos os aforismos XXXVIII a XLI. Como ainda não está acessível na web, transcrevemos dois aforismos, comentando-os, de novo, brevemente:  
                              
 «XXXVIII - Teremos a liberdade espiritual, isto é, religiosa e filosófica, que faz progredir a ciência e a consciência, para que o nosso poder representativo do Universo, o para que talvez da nossa vida, progrida indefinidamente. Este para que inclui a ideia de finalidade ou teleológica, mas diferente da clássica, sendo verdadeira admitindo-se uma acção espiritual interior e exterior a tudo. Os ouvidos não foram feitos para ouvir? Ou ouvem por acaso? Ou organizados pelo caso, ficaram aptos para a audição casualmente? Repugna-me acreditar numa soma infinita de acasos exigida para a aparição de um ser inteligente.
Creio bem que os ouvidos foram feitos para ouvir, e que o homem foi criado para ser a consciência do Existente.  E eis a sua dignidade, a sua distinção, o seu destaque no meio da turba irracional. Entre o moleiro e o seu gericó há um desnível para cima, como entre o moleiro e a estrela Sírius...
E teremos o amor fraterno, que leva à justiça económica estendida superiormente, e à convivência amorosa, apenas agitada pela troca de ideias e sentimentos pessoais, isto é, originais. E a luta das ideias é benéfica, pois não pode haver um ideal que cristalize em qualquer imobilidade dogmática.»

Comentário: - Após alguns pensamentos algo exagerados, derivados duma visão criacionista do ser humano, quase como a razão de ser do Universo, a parte final é bem interessante equiparando como manifestações fundamentais do Amor divino no ser humano a sua capacidade de fraternidade, tanto na justiça da sua economia como no diálogo ideológico. Sabemos como porém é difícil o Amor nos seres humanos atingir tal plenitude já que múltiplos condicionamentos corporais, psíquicos e sociais o afectam. Desafios diários...

«XXXIX - O Cristianismo aproxima-se da realidade cósmica, talvez inatingível, e da verdade humana bem mais próxima de nós, isto é, do nosso entendimento.
A verdade é a própria realidade transitada das cousas para as almas, e até do conhecimento científico para a emoção poética.  A verdade é, enfim, a realidade humanizada.  E o Criador humanizado é Jesus.
Já tratamos dela, no campo teológico em que Deus, sendo o Mal e o Bem, a Destruição e a Criação, se destaca do Mal criador, e é o Redentor. É Ele sempre, Criador ou dentro da existência, e, dentro da vida, Redentor, e é Ele ainda, para lá de tudo, nesse terceiro plano, nesse Mistério dos mistérios... e em nosso coração, que é também o coração, que é também o coração do mundo, como é a consciência do mundo a nossa consciência.»
Comentário: - Este aforismo é bastante valioso e foi já razoavelmente comentado na gravação mas destaquemos, para quem não tiver muita paciência para ouvir, como a concepção religiosa e de Deus de Pascoaes é muito condicionada pela Bíblia e pelo Cristianismo, valorizando-os exessivamente, e por uma  apropriação de noções muito relativas tornando-as Absolutas, tal como o Bem e o Mal, acabando por concluir que Deus é o Bem e o Mal, quando a Divindade é apenas ela próprio e bem acima das nossas qualificações dualistas. O Mal existe só fora de Deus, ou contra Deus. 
 Mas é valioso quando vê a demanda da realidade como a verdade humanizada, podendo-se explicar pela assunção ou captação amorosa da nossa unidade com os seres e as coisas, a qual nos permite ver ou sentir o seu interior, a sua verdade, dando-se então como diz, esse trânsito dela para a nossa alma.
Também é compreensível como cristão, embora com algumas posições heréticas, a sua visão de Deus manifestado em Jesus, só que pouca gente consegue ver mesmo Jesus nessa dimensão em que "ele e o pai são um".
Finalmente a menção ao "terceiro plano" ou nível de realidade, "Mistério dos mistérios", expressão bem usada pelos místicos do Islão e exactamente tanto em relação à Divindade em si como à sua presença enquanto espírito  no "nosso coração", onde devemos despertar a consciência de tal ligação, união, Unidade...
                        

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