quarta-feira, 8 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (3ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada (com vídeo) por Pedro Teixeira da Mota.

Eis-nos com Teixeira de Pascoaes A Minha Cartilha, de algum modo seu testamento ideológico, filosófico, teológico e espiritual, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes rumar para os mundos espirituais. Um autor bem representado na minha biblioteca nas edições originais, com várias delas em prosa bem anotadas a lápis, tais como o Homem Universal, A Arte de ser Português. os Poetas Lusitanos, o Duplo Passeio. Nesta terceira leitura gravada em vídeo percorremos os aforismos XIV a XXIV. 
          A casa de família de Teixeira de Pascoaes, em S. João de Gatão, com vistas para o Marão.
 E como o livrinho ainda não está acessível na web, transcrevemos alguns passos mais valiosos, dos quais ora discordamos ora concordamos, pois Pascoaes é bastante poeta e livre nos seus posicionamentos e conceitos adoptados e, ao abordarmos aspectos mais profundos é preciso também a realização interior e espiritual, o que por vezes falta a Teixeira de Pascoaes, construindo a sua cosmovisão sobre entidades, seres ou questões complexas e subtis, demasiado apoiado em ensinamentos pouco profundos ou pouco aprofundados, recolhidos da religiões, em especial a católica, e das filosofias, principalmente ocidentais. Certamente, dada sua grande sensibilidade à natureza, estabelecendo analogias originais, belas, poéticas mas não correspondendo por vezes à realidade subtil ou espiritual nem nos encaminhando para a realização dela. Oiçamo-lo:
«XVIII- Creio num Criador ou Espírito interior e exterior a tudo: exterior é como Deus em si, ou Deus só Deus; interior é como Deus no Homem ou Jesus, depois de frequentar os animais, desde o cão Anúbis ao boi Apis, e até os bosques e os rios...
Construiu os corpos inanimados e organizou os animados, revelando a mais profunda ciência matemática, nos primeiros, e biológica, nos segundos. E a nossa glória é termos captado essas duas ciências e as intermediárias, concebidas e realizadas por esse Espírito Divino (...)»
Consideraremos interessante o seu pensamento de que a evolução da ideia de Deus para os seres humanos passou pelas fases em que era visto nos animais, citando o Egipto, e só em Jesus é que o divino é visto no interior do homem. É porem uma visão parcial pois na Índia Rama e Krishna e toda a tradição dos mestres aponta desde há milénios para tal presença e realização. Para não falarmos nos místicos e iniciados do Irão e do Islão.

«XIX - A Ciência físico-química, tão perceptível na formação das cousas, e a ciência bio-psíquica tão notável na formação dos seres, afirmam a realidade de um Espírito Criador, isto é, de Deus. Que tudo, desde a matemática incluída nos penedos, à psicologia metida numa caveira, seja o simples produto casual de um jogo de forças brutas, não tenho estupidez bastante para acreditar em tal milagre».

«XXIII - Temos ainda o Antecristo ou Apolo e a Antevirgem ou Vénus. Liberto Cristo do Anticristo, resta-nos libertá-lo ainda do Antecristo, a Virgem da Antevirgem. Libertemos enfim, o Cristianismo do que ele encerra de paganismo helénico e de sombra latina ou medieva.
Actualizemo-lo, para alcançarmos talvez um conceito religioso da vida mais em harmonia com a ciência actual. E coloquemos o ser humano na altura que lhe pertence como parente mais próximo do Criador, e como sendo a mais alta consciência da Criação, em luta contra o Mal, esse duelo entre nós e nós, ou entre Deus e Deus, o Pai e o Filho.»

Como já comentei, há que discernir os vários níveis de religiosidade e de espiritualidade que há no Paganismo e como os Mistérios, por exemplo, foram uma instituição presente na religião Greco-Romana, desde os órficos e Eleusis, e na Mitraica e que influenciaram bem o Cristianismo, permanecendo válidas as suas três divisões ou fases, com as suas metodologias próprias: Katharsis ou purificação, Muesis ou iniciação e comunhão e a Epopteia, na qual havia a visão e salvação, num sentido de conhecimento da sua identidade espiritual e da sua ligação ao Divino.

«XXIV - O Dogma inabalável do Cristianismo é o da consubstanciação, a presença real de Cristo na Hóstia, ou a do Santo espírito na matéria. E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?
O Espírito é na matéria, sem deixar se ser em si próprio, num outro plano desconhecido ainda, para lá da existência e da vida, sendo ele, como é, incompatível com o existir e o viver.
Quando a nossa inteligência penetrar nesse terceiro plano, alcançaremos a ciência total, perfeita. E no encantamento da Luz Plena, ficaremos para sempre...»
 
Comentamos razoavelmente estes parágrafos na gravação, pondo em causa, por exemplo, que, ao penetrarmos nos mundos espirituais ficaríamos na plenitude e perfeição, pois tal não se passa nem teria sentido. Quanto à interrogação "E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?" algo misteriosa, será que quer Pascoaes dizer que a alma de cada ser é alimentada num seu corpo anímico pelo que entra nela, seja pelos cinco sentidos, seja pelas emoções e sentimentos, pensamentos, ideias, aspirações, ou está apenas a dizer que a nossa alma participa da alimentação do corpo, é influencida ou deriva dos alimentos  e assim, no caso, ao alimentar-nos da hóstia corporal estamos também a receber energias dela, a alma dela, seja o Cristo, seja o "Santo espírito", uma original grafia pois só o Santo está em maiúscula grafado?
Meditemos, e oiçamos o texto e os comentários.... Lux! Amor!
                       

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