sábado, 11 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (5ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota. com vídeo.

                                         
Avancemos na leitura (5ª) comentada de mais dois aforismos d' A Minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, de certo modo um testamento filosófico-religioso, marcadamente cristão (embora ateu e teísta, como ele se afirmava paradoxalmente), finalizado pouco antes de partir da Terra.
 Como ainda não está acessível na web, transcrevemos os dois aforismos, que foram comentados brevemente em 14 minutos, e aqui de novo, limitadamente, pois é tal a elevação do tema (Deus e o Bem e o Mal) que seria preciso muito mais tempo reflexão, meditação e intuição, e mesmo assim...
«XXXVI - Dói-me sempre esta frase: Deus é o mal e o bem. Mas, se não a admitirmos, incompatibilizamos Deus com a existência, ou o Criador com a Criação. Mas Deus humanizando-se, transitou da acção para a contemplação, ou do poeta para o crítico, a fim de corrigir o seu Poema, que tem o mesmo título que a célebre ópera de Haydn. E onde estava o Orango da Selva, tentou colocar o Adão da Bíblia. A conversão do simiesco em adâmico é o esforço constante de Jesus. O símio é o homem natural, Adão é já sobrenatural, o super-homem oposto ao de Nietzsche, ou melhor, no mesmo plano de Nietzsche espiritualizado ou transcendido.»

Esta sucessão de pensamentos é vertiginosa mas tem faces ou facetas frágeis para constituir uma escultura vizinha da verdade. Comentaremos brevemente (e logo com muitas limitações) assim:
Deus só é criador de si próprio e não de um cosmos. Não houve um princípio nem haverá um fim, a dita "criação", ou irradiação das forças elementares primordiais, estando sempre a acontecer, tal como também há sempre galáxias a serem reabsorvidas. 
Deus não é o mal, pois é o bem e sobretudo mais que o Bem, é o Ser  primordial de todos os seres e elementos. O mal não é criado por Deus, tal como o universo físico não foi criado por Deus mas resulta das suas forças elementares, segundas causas. O mal é a reacção contrária a Deus, é a oposição a Deus que alguns seres manifestaram nos planos espirituais e materiais, ou manifestam, graças ao livre arbítrio que possuem, e que nos seus aspectos mais negativos se concretiza no ódio e na crueldade.
E nos planos de manifestação o mal surge ambientalmente como afastamento máximo do Ser Primordial e individualmente como  afirmação excessiva de si próprio, em desequilíbrio com o que a rodeia e em oposição à essência da Divindade presente em cada pessoa como o espírito íntimo (e como voz de consciência, para quem a consegue ouvir, tal como Antero de Quental recomendava a Fernando Leal)  e que permeia o Universo, sobretudo no nível espiritual e subtil, como Amor de irradiação horizontal e de religação vertical ou interior. 
Daqui um certo valor do Saudosismo de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra e Dalila Pereira da Costa, pois representa no ser humano uma memória ou lembrança do estado original de união com a Divindade e simultaneamente, uma aspiração ou vontade de reunião, de regresso a tal estado unitivo (ou paradisíaco, no dizer de Pascoaes e Dalila) certamente bem difícil de se realizar e apenas brevemente intuído ou sentido por todos nós, a menos que se seja um verdadeiro mestre e não um dos muitos pseudo-iluminados.
A força do querer de cada ser não é facilmente mensurável. E tanto para o bem como para o mal. Temos a possibilidade de seguir um lado ou outro, o do bem ou do mal relativos mas será exagerado considerar os simiescos ou os macacos mais maus que os seres humanos, tanto mais que a crueldade neles não existe...
Se aceitarmos a doutrina de Darwin ou da evolução das espécies podemos dizer que há uma humanização progressiva, e logo uma "adamização" no sentido valorativo que Pascoaes, que não deriva da Bíblia, também podemos afirmar que a mensagem de amor de Jesus, a irradiação de amor divino que ele atingiu e o que o Cristianismo nos seus melhores aspectos realizou, foram certamente importantes na história da melhoria dos comportamentos humanos. Mas não exageremos pois podemos ver que não há muitas diferenças entre povos que quase não tiveram contacto com o cristianismo e os que se tornarão cristãos.
Pascoaes exagera a importância seja da Bíblia e da mítica figura de Adão seja do Cristianismo. E menospreza o homem natural, quando o encontramos com grande qualidade sem influência cristã nas Américas, no Extremo Oriente, na Índia e em África.
O verniz de civilização, o poder da economia, dos armamentos, da tecnologia pouco melhoram necessariamente a qualidade interior dos seres, ou o bem neles, muitas vezes até perdendo muito do seu amor. Basta ver o que se tem passado nestes tempos da pandemia de 2020 não só com os líderes da USA como mesmo com os da União Europeia, no seu egoísmo desenfreado, no seu menosprezo dos seus povos (caso de Itália, que teve de ser ajudada pelas sancionadas, absurdamente, Rússia e Cuba), sempre num egoísmo de classes ou de império, de raça ou nação escolhida. 
                                
 O aforismo seguinte, XXXVII, de Teixeira de Pascoaes parece que nos segue ou confirma:
«XXXVII – O sentimento de liberdade e irmandade contra o egoísmo cruel e a não menos cruel fatalidade, eis o ideal cristão, esse Credo Ateoteísta, na sua base de incerteza ou humildade».
Este sentimento de liberdade e irmandade, que seria o ideal cristão sabemos bem que, sendo essencial na mensagem libertadora de Jesus ("Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará") muito cedo deixou de se verificar, por vários factores intrínsecos e extrínsecos. E ao fim destes 20 séculos se olhamos para os governos ditos cristãos e democratas vemos quão pouco amistosos e fraternos se tornaram. Basta observar os mais poderosos como a USA, o Reino Unido, a França para nomearmos apenas alguns e como estes têm sido de um egoísmo e crueldade não só contra vários povos e governos mas contra os seus próprios cidadãos, como observámos, por exemplo com a repressão brutal por Macron dos Coletes Amarelos em França, ou comportamento desses três países na gestão económica e dos meios de protecção e tratamento na pandemia viral iniciada em 2020. 
Quanto ao Credo Ateoteísta que Pascoaes humildemente reconhece em si na sua dualidade de crente e descrente, pensamos que mais do que termos um credo devemos aprofundar experiências ou vivências da dimensão espiritual imanente em nós e por tal meio manifestamos mais tanto o ideal cristão, ou a aspiração ao ungimento espiritual, como desenvolver o amor e, logo, a fraternidade
Ao Credo quia absurdum atribuído a Tertuliano e a S. Agostinho, sem fundamento contudo,  mas que significa sobretudo acreditarmos passivamente em afirmações ou dogmas que não temos como certas ou nem sequer verosímeis, e ao Ateoteísta de Teixeira Pascoaes, substituamos a aspiração e a demanda de realização espiritual e divina, fraterna, sábia e ecológica.
Seguem-se os 14 minutos de vídeo, apenas com o céu, as belas nuvens e uma ou outra ave à vista.... 11.IV.2020.
                               

sexta-feira, 10 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (4ª p.), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota

Continuamos a ler e a comentar de Teixeira de Pascoaes o seu livrinho A Minha Cartilha, de certo modo um seu testamento anímico, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes de partir da Terra, e dado à luz em Dezembro de 1954. Como ainda não está acessível na web, transcrevemos alguns passos.
Teixeira de Pascoaes foi sobretudo amante da Natureza, do Marão e das suas gentes, e logo poeta e doutrinador (e também pintava) e, sendo um grande leitor de literatura, religião, filosofia, escreveu além da extensa obra poética e de pensador português, alguns romances biográficos históricos de grande erudição, genialidade e irreverência, tais como os dedicados a S. Paulo, S. Agostinho e S. Jerónimo, o que lhe deu bases boas para estes pensamentos-sentimentos, ora mais imaginados ora mais intuitivos, ora com mais luz ora com mais amor...
                            
Nesta quarta gravação lemos e comentamos, os aforismos XXIV a XXXV. E transcrevemos agora os seguintes, mais originais ou valiosos:
«XXVI - Raciocionar é ver de perto, como imaginar é ouvir ao longe, que a Realidade é próxima ou vista, e longínqua ou musical. Finda em música, ou, antes, é infindável: finda e principia, que o princípio é também impronunciável ou perdido ou, antes, a perder-se no passado.»
Uma bela aproximação poética na eternidade, na serpente que morde a cauda, tal como a representavam os egípcios e os cultores dos emblemas alquímicos e renascentistas. Há reminiscências da Palavra ou Verbo que ao Princípio (en Arke) estava com Deus, ou era Deus, e que foi sentida também como o Alfa e o Ómega,  primeira e última vogal do alfabeto grego, tal como o Aum nome divino indiano formado do mesmo modo em sânscrito, no fundo tentativas humanas de se pronunciar o que sendo "imprincipiável" é também impronunciável, valendo mais o sentir e o assimilar nosso interior ao concentrar-nos nele  Daí a mais acertada recomendação de imaginar, de meditar ora esse longe ora o mais íntimo de nós onde se encontra a pérola perdida, o espírito, que devemos recuperar.

«XXVIII - O espectáculo do Cosmos nos deslumbra desde a nuvem de chuva a molhar-nos o caco incandescente à nebulosa Andrómeda a desfazer-se em estrelas, a um milhão de anos de luz. E este deslumbramento é a própria fonte da Religião e da Poesia, duas irmãs, como Teresa e Mariana.
A poesia é a ciência do Remoto, uma espécie de Geometria no infinito. Se a do espaço serviu para medir a dos campos do Egipto ou da Mesopotâmia, a do infinito metrifica o incomensurável, o invisível, o inatingível. Se lhe tocamos num dado instante maravilhoso, é com a sombra do dedo indicador infindamente prolongada. E as orelhas de Platão asnaticamente lhe cresceram até às esferas a cantar. Esse contacto aureola os grandes versos e os sublimes pensamentos (cabem todos numa página antológica) roubados ao Santo Espírito, como a Divina Comédia, na opinião de Petrarca». 
Estes pensamentos e imagens são de grande beleza, unindo tão bem todo o tipo de opostos, da chuva das nuvens à das estrelas e galáxias, das místicas às amorosas (S. Teresa de Ávila e Mariana Alcoforado), da agrimensura à geometria do infinito, do mundo material ao espiritual, das orelhas felpudas e alongadas dos asnos até às subtis desenvolvidas no esforço de audição silenciosa de Pitágoras e Platão.
Valiosa a visão final: os poetas e escritores mais inspirados, como Dante, no dizer do grande Petrarca, o primeiro humanista Europeu, como defendia José V. de Pina Martins, captam do mundo do Espírito tais intuições manifestadas depois sublimemente.
 Possamos nós comungar ou sintonizar mais com este espírito santo ou divino que está no íntimo de cada um e contribuirmos para uma Humanidade melhor, mais lúcida, solidária, sábia e amorosa, nestes meses de 2020 tão desafiada para se transformar e evoluir mais justa, ecológica e luminosamente...
Seguem-se os aforismos e os comentários.
                    

Aurora de Sexta-feira Santa, com nuvens e a Lua e em tempos de pandemia. Com música.

 10 de Abril de 2020, Sexta-feira santa. (Com bela música no fim do artigo que pode já pôr a tocar...) A Natureza, sempre bela, presenteia-nos com uma serena aurora, harmonizando-nos e estimulando-nos a reagir ao ambiente mundial sofredor e inquieto desafiando-nos a vencermos inépcias e injustiças, medos e ameaças, meditando, orando e agindo confiantes no Caminho abençoado de Luz e de Amor, nosso e da Humanidade, num Cosmos permeado pela Divindade...
                        
As neblinas violetas são apropriadas para uma sexta-feira santa, pairando no horizonte e convidando-nos a penetrarmos nos sucessivos planos de existência, na grande unidade Divina. Saibamos erguer-nos das nossas identificações e vencer as provações, receios ou dores e brilhar, sorrir, ser...
                                
Ligar a Terra e o Céu bem, ou Talent de bien faire, é lema da tradição espiritual portuguesa e tarefa da Humanidade, e tal deve-nos obrigar a constantemente por-nos em causa individualmente e colectivamente, para melhorarmos...
Por vezes os sinais da Natureza tornam evidente que temos de mudar, humanizar-nos nos melhores sentidos e deixarmos de ser sujeitos tão manipulados e quase escravos de modelos económicos e políticos bastante desequilibrados, injustos e nocivos ao planeta e aos seus seres e eco-sistemas.
                       
Quando os raios luminosos do sol se fundem ou se derramam por entre procissões de nuvens e escadas e antenas, e nos transluzem, devemos abrir a nossa  alma às aspirações e realizações necessárias e empenhar-nos mais fortemente na luta por uma maior harmonia entre a Terra e o Céu, mais ecologia e justiça e menos corrupção e imperialismo.
                         
 Nuvens que passais, que mensagens levais, que bênçãos ides derramar, que consolos nos que sofrem suscitareis? 
Tanta gente a sofrer e a chorar, tanto egoísmo e imperialismo ainda a oprimirem, e tão pouca gente a demandar o Graal, o Sol da Verdade e da Justiça, o Espírito, a fraternidade e a Divindade...
Raios de Ouro do Sol, material e espiritual, reflectidos pelas nuvens e céus das nossas terras e ares puros, penetrai nas cidades e almas e purificai, fortificai e despertai...
                          
Céu tão diáfano, tão puro, tão transparente quanto dona Luna nossa Dama branca e amada...
 Saibamos singrar contemplativamente na barca de Ísis ou nas dimensões cósmicas, sentindo e irradiando beleza e paz na terra.
 Saibamos comungar com as cores, sentir mais interna e intensamente a Natureza e seus fenómenos harmonizadores.
                           
Nossos amiguinhos (melros) sempre atentos, muito familiares já com os humanos, e prontos a voar elegantemente ou a trinar suas mensagens alegres, rápidas, subtis. Também outras aves trocam ou entoam seus gorjeios, mais audíveis por entre uma sociedade moderna quarentenada e limitada até não sabemos quando e com que resquícios e consequências, numa luta grande entre vários grupos de pressão ou de ideologias..
Saibamos tanto resistir saudavelmente  como comunicar afectivamente, amorosamente, luminosamente, mesmo sob as ameaças de morte, as desilusões políticas e os forçados distanciamentos, trabalhando nas ligações harmoniosas entre a terra e o céu, o interior e o exterior,  o eu e o tu, a antiga e a nova sociedade, aproveitando o tempo de recolhimento e de passagem, invocando as bênçãos dos anjos e mestres, nomeadamente Jesus, exemplo e grande fonte de Amor...
Nuvens quentes, brancas, já do findar da manhã, poderosas e felizes seja por fecundarem os campos e a agricultura biológica seja por nos inspirarem....
Que a Luz, o Amor e a Força divina estejam connosco e nos protejam e nos orientem em novos e melhores modos de viver sociais!
Saudações aos mestres e anjos e adoração à Divindade íntima...
Música bela, para nos fortalecer e para pacificar o astral tão dilacerado por tanta morte repentina e com as almas pouco preparadas para a vida consciente no além... Morte e ressurreição!
                              

quarta-feira, 8 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (3ª p. ), de Teixeira de Pascoaes, lida e comentada (com vídeo) por Pedro Teixeira da Mota.

Eis-nos com Teixeira de Pascoaes A Minha Cartilha, de algum modo seu testamento ideológico, filosófico, teológico e espiritual, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes rumar para os mundos espirituais. Um autor bem representado na minha biblioteca nas edições originais, com várias delas em prosa bem anotadas a lápis, tais como o Homem Universal, A Arte de ser Português. os Poetas Lusitanos, o Duplo Passeio. Nesta terceira leitura gravada em vídeo percorremos os aforismos XIV a XXIV. 
          A casa de família de Teixeira de Pascoaes, em S. João de Gatão, com vistas para o Marão.
 E como o livrinho ainda não está acessível na web, transcrevemos alguns passos mais valiosos, dos quais ora discordamos ora concordamos, pois Pascoaes é bastante poeta e livre nos seus posicionamentos e conceitos adoptados e, ao abordarmos aspectos mais profundos é preciso também a realização interior e espiritual, o que por vezes falta a Teixeira de Pascoaes, construindo a sua cosmovisão sobre entidades, seres ou questões complexas e subtis, demasiado apoiado em ensinamentos pouco profundos ou pouco aprofundados, recolhidos da religiões, em especial a católica, e das filosofias, principalmente ocidentais. Certamente, dada sua grande sensibilidade à natureza, estabelecendo analogias originais, belas, poéticas mas não correspondendo por vezes à realidade subtil ou espiritual nem nos encaminhando para a realização dela. Oiçamo-lo:
«XVIII- Creio num Criador ou Espírito interior e exterior a tudo: exterior é como Deus em si, ou Deus só Deus; interior é como Deus no Homem ou Jesus, depois de frequentar os animais, desde o cão Anúbis ao boi Apis, e até os bosques e os rios...
Construiu os corpos inanimados e organizou os animados, revelando a mais profunda ciência matemática, nos primeiros, e biológica, nos segundos. E a nossa glória é termos captado essas duas ciências e as intermediárias, concebidas e realizadas por esse Espírito Divino (...)»
Consideraremos interessante o seu pensamento de que a evolução da ideia de Deus para os seres humanos passou pelas fases em que era visto nos animais, citando o Egipto, e só em Jesus é que o divino é visto no interior do homem. É porem uma visão parcial pois na Índia Rama e Krishna e toda a tradição dos mestres aponta desde há milénios para tal presença e realização. Para não falarmos nos místicos e iniciados do Irão e do Islão.

«XIX - A Ciência físico-química, tão perceptível na formação das cousas, e a ciência bio-psíquica tão notável na formação dos seres, afirmam a realidade de um Espírito Criador, isto é, de Deus. Que tudo, desde a matemática incluída nos penedos, à psicologia metida numa caveira, seja o simples produto casual de um jogo de forças brutas, não tenho estupidez bastante para acreditar em tal milagre».

«XXIII - Temos ainda o Antecristo ou Apolo e a Antevirgem ou Vénus. Liberto Cristo do Anticristo, resta-nos libertá-lo ainda do Antecristo, a Virgem da Antevirgem. Libertemos enfim, o Cristianismo do que ele encerra de paganismo helénico e de sombra latina ou medieva.
Actualizemo-lo, para alcançarmos talvez um conceito religioso da vida mais em harmonia com a ciência actual. E coloquemos o ser humano na altura que lhe pertence como parente mais próximo do Criador, e como sendo a mais alta consciência da Criação, em luta contra o Mal, esse duelo entre nós e nós, ou entre Deus e Deus, o Pai e o Filho.»

Como já comentei, há que discernir os vários níveis de religiosidade e de espiritualidade que há no Paganismo e como os Mistérios, por exemplo, foram uma instituição presente na religião Greco-Romana, desde os órficos e Eleusis, e na Mitraica e que influenciaram bem o Cristianismo, permanecendo válidas as suas três divisões ou fases, com as suas metodologias próprias: Katharsis ou purificação, Muesis ou iniciação e comunhão e a Epopteia, na qual havia a visão e salvação, num sentido de conhecimento da sua identidade espiritual e da sua ligação ao Divino.

«XXIV - O Dogma inabalável do Cristianismo é o da consubstanciação, a presença real de Cristo na Hóstia, ou a do Santo espírito na matéria. E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?
O Espírito é na matéria, sem deixar se ser em si próprio, num outro plano desconhecido ainda, para lá da existência e da vida, sendo ele, como é, incompatível com o existir e o viver.
Quando a nossa inteligência penetrar nesse terceiro plano, alcançaremos a ciência total, perfeita. E no encantamento da Luz Plena, ficaremos para sempre...»
 
Comentamos razoavelmente estes parágrafos na gravação, pondo em causa, por exemplo, que, ao penetrarmos nos mundos espirituais ficaríamos na plenitude e perfeição, pois tal não se passa nem teria sentido. Quanto à interrogação "E a nossa alma não está no alimento do seu corpo?" algo misteriosa, será que quer Pascoaes dizer que a alma de cada ser é alimentada num seu corpo anímico pelo que entra nela, seja pelos cinco sentidos, seja pelas emoções e sentimentos, pensamentos, ideias, aspirações, ou está apenas a dizer que a nossa alma participa da alimentação do corpo, é influencida ou deriva dos alimentos  e assim, no caso, ao alimentar-nos da hóstia corporal estamos também a receber energias dela, a alma dela, seja o Cristo, seja o "Santo espírito", uma original grafia pois só o Santo está em maiúscula grafado?
Meditemos, e oiçamos o texto e os comentários.... Lux! Amor!
                       

segunda-feira, 6 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (2ª), de Teixeira de Pascoaes. Lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota, com vídeo.

Continuamos a ler e a comentar de Teixeira de Pascoaes o seu livrinho A Minha Cartilha, de certo modo o seu vero testamento anímico, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes de partir da Terra, dado à luz em Dezembro de 1954. Nesta segunda vez lemos e comentamos, em vídeo, os aforismos V a XIII. E como ainda não estão acessíveis na web, transcrevemos alguns.
 «VIII - Creio em Deus. Mas a minha crença não é absoluta ou anti-cristã: à Torquemada. Deus é uma probabilidade representada por um sim sobre um número de nãos incalculável. Mas o sim brilha inextinguivelmente no meu espírito. E os nãos passam, por ele, como sombras.
IX - A crença absoluta é um produto antipático do nosso orgulho inquisitorial, contrariante o mais possível da humildade cristão. Quem se julga na nossa posse integral de uma certeza filosófica ou religiosa cai no mais trágico ridículos profundamente ibérico, esse ridículo que, em Dom Quixote, fez chorar o Henri Heine, quando fazia rir o mundo».
 XII - O Paganismo era extático, parado nas figuras dos seus Deuses e Deusas, todos em mármore e só mármore, limitados a uma acção extra-cultural e sempre a mesma, nos poemas dos seus sacerdotes como Hesíodo, Homero e Vírgilio. Sempre o mesmo implica umas paragem. E o parado está morto, conforme o conceito infantil e a língua hebraica.»
Realcemos apenas, além do que vai nos 25 minutos do vídeo, nomeadamente a crítica a esta visão (nº XII) tão limitada do Paganismo, que não parece nada dele, já que muito poetisou Pan, Apolo, as ninfas, etc.,  a geometria sagrada que Teixeira de Pascoaes desenha seja no universal seja nos movimentos da nossa alma, primeiro apresentando a "esfera que pretende limitar o espaço", o que de facto poderá mais até ser visto como uma tentativa de delimitar no espaço infinito, e sobretudo no interior, aquele a que a nossa consciência anímica consegue abranger, pacificar, clarificar, para nele se ver e ouvir o Verbo luminoso, o Logos, Sol de Amor e Inteligência. 
E depois "a pirâmide que aspira a ultrapassar" o espaço, e que é também o triângulo de fogo, a emanação do fogo da aspiração que lavra do solo corporal e telúrico e procura a sua própria fonte ígnea e solar, maxime Divina.
Por fim realçar que o magistral D. Quixote é no fundo o último livro de Cavalaria, esses que foram cartilhas ou histórias inspiradoras dos Cavaleiros de Amor, dos paladinos de causas e de damas, e que entre nós teve vários cultores, um dos últimos Jorge de Ferreira de Vasconcelos, e que face à modorra da inquisição, do pragmatismo, do materialismo e do crescimento do poder do Estado estavam em declínio, Cervantes prestando-lhes as suas homenagens, imortalizando-os nessa figura tão visionária que mais do que ser ridícula ou trágica, se afirma como paradigmática de não nos deixarmos vencer ou manipular por todo o tipo de normalizações, de repressões, de confinamentos exagerados...
Do último aforismo que li, o XIII, transcrevo e realço para concluir  o seu início:
«XIII - Esta base de incerteza alimenta a nossa humildade, e clarifica o nosso olhar, desenvolve-lhe o alcance alumiante».
Este alcance alumiante não só do nosso ver exterior mas também interior é de destacar-se, e de meditarmos. A pirâmide de fogo acessa no nosso peito desferindo as suas setas de amor, de atracção, de união seja com o amado ou a amada, seja com o ideal e a vitória, seja com o Espírito, os mestres  e a Divindade.
Possa o nosso olhar espiritual ter um alcance cada vez maior e mais alumiante...
                      

domingo, 5 de abril de 2020

"A minha Cartilha", de Teixeira de Pascoaes. Um testamento anímico, lido e comentado para os nossos dias, com vídeo, por Pedro Teixeira da Mota.

 A minha Cartilha, de Teixeira de Pascoaes, foi finalizada em 9 de Junho de 1951, nas faldas da serra do Marão, na sua casa em S. João de Gatão, a uns breves meses, 18, de partir da Terra para os mundos subtis e espirituais.
É um testamento anímico de Pascoaes, já bem maduro, pois nascera em 1877, onze mais cedo que Fernando Pessoa e morrerá em 1952, portanto tendo então 75 anos, bem cheios de obras, diálogo, amigos, voos poéticos de incendiada e comovida imaginação riquíssima, ainda assim talvez demasiado alimentada de café e do cigarro, tudo isso alquimizado num condensado manual de bem compreender e viver a passagem terrena.
 Bem impresso, já postumamente, em 1954, na tipografia Cruz & Cardoso Lda., na Figueira da Foz, num in-12º de 41 págs, com a capa de Carlos Carneiro, está constituído por 60 sutras, ou seja, como aforismos que resumem ou condensam a sua ampla e profunda visão do mundo, da humanidade e da Divindade.
Embora tenho lido e apreciado Teixeira de Pascoaes, tanto mais que meu pai era também das zonas próximas do Marão e ainda o conheceu como a Leonardo Coimbra, foi pela sua revista A Águia, o movimento da Renascença Portuguesa e Leonardo Coimbra que me interessei mais, sobretudo na época em que vivi no Porto e convivia com Sant' Anna Dionísio, que os conhecera bem e muito cultivava (tal como a Antero de Quental), deixando vários testemunhos sobre os três, e Dalila Pereira da Costa, que para além de saudosista espiritual e telúrica, abordou Pascoaes em alguns dos seus livros.
Como esta Cartilha não está muito divulgada e é rara e é bastante rica ou fecunda, resolvi, pegar na obra e comentá-la enquanto a leio.
Será uma homenagem e uma inserção na Tradição Espiritual Portuguesa, actualizando-a com a minha reflexão de comentários breves e espontâneos que a leitura me for suscitando.
Nesta primeira gravação de breves 15 minutos (devido à bateria pouco carregada), entrei ou li os quatro primeiros sutras. E transcrevo aqui o 3º e o 4º, que passam assim a estar disponíveis na web:
«III - O sentido perfeito do real pertence aos que avistam o ideal. Quem ignora a folha, não conhece a raiz. O ideal é a última expressão da realidade, ou ela a continuar-se, além de si.
IV - A vida sai da existência, e regresso a ela, que a existência é natural, e a vida é sobrenatural, uma espécie de efémero milagre. E então a vida consciente é o Milagre dos milagres.
A vida efémera participa da existência eterna, como a Criação do Criador. Logo no efémero, há o eterno, e no humano transluz o divino, e temos Deus em Jesus Cristo. Um Cristo, que eu não admito senhor, nem na terra nem no céu.
Eu por exemplo, existo desde sempre, e para sempre existirei; mas apenas vivo, desde o dia 2 de Novembro de 1877. A minha eternidade apenas foi interrompida por um lapso de tempo; mas esse lapso de tempo representa o advento da consciência humana, a conversão do Creador em Redentor. Todo o ser humano é uma Bíblia, o Velho, o Novo e o Novíssimo Testamento: o Verbo encarnado ou a falar.» 
 Apenas acrescentarei aos comentários a provável visão e gnose de Teixeira de Pascoaes quanto a Jesus Cristo, de ele ser um Christos, um ungido do espírito, um ser em quem o Divino brilha, vive, transluz mais; realização esta que Pascoaes não limita a Jesus e por isso não o querendo ver como senhor do céu ou da terra, antes apelando a que cada um seja um redentor da Humanidade e da Natureza, encarnando o Divino Verbo,  Palavra, Logos, de modo a que a Razão-Coração ou o Amor-Sabedoria brilhem no nosso viver, falare ser. 
Algo tão necessário nos nossos dias de 2020, em que seja a crueldade dos hábitos alimentares dos chineses sejam os laboratórios da guerra biológica chineses e americanos estão pondo tanto em causa o convívio ou o banquete puro, agape,  filosófico, justo e fraterno dos seres humanos.... 
Possam estes elos da Tradição Espiritual Portuguesa inspirar-nos, proteger-nos, fortificar-nos... Lux.
                        

sábado, 4 de abril de 2020

Marsilio Ficino. "Os três guias da vida, e um princípio de vida óptimo". Carta a Lorenzo Franchesi. Com gravação.

Eis uma carta, não datada, de Marsilio Ficino (1433-1499) a Lorenzo Franchesi, um escritor de Florença, poeta (nomeadamente com apreciados versos de homenagem na morte de Michelangelo) e membro da Accademia della Crusca e da Accademia Fiorentina.  
Marsilio Ficino, o médico da família Medici, o primeiro tradutor da obra completa de Platão e Plotino do grego para o latim, o animador da famosa Accademia Platonica, dedicou ainda a Lorenzo Franchesi uma carta prefacial no seu comentário ao VIII capítulo da República de Platão.
  A tradução que faço a partir da edição latina de Paris impressa por Dionysium Bechet em 1641, consultando a tradução inglesa (The Letters of Marsilio Ficino, Volume I. London, School of Economic Science, 1975) e desviando-me dela em alguns passos, e que pode ler mais em seguida, foi realizada porém já após a leitura gravada do vídeo que se encontra no fim, no qual só segui a tradução inglesa, embora adaptando-a na linguagem ou esclarecendo-a por vezes. Reproduzo imagem do texto latino da carta de Ficino...
            «Três  guias da Vida, e um princípio óptimo da Vida.
Três são os guias da vida. O primeiro é a razão, constantemente e cuidadosamente examinada. O segundo é a experiência das coisas, confirmada duradouramente pela tradição. O terceiro é a autoridade daqueles antigos, a saber, que tais foram que nunca puderam ser enganados facilmente por outro e que nunca foram vistos com desejos de enganar os outros. 
Por isto aplica mais o que é praticado do que o que é dito, pois muitos falam bem, mas poucos agem bem.
A melhor razão [princípio] de vida é que cogites e te esforces o máximo que possas para viver segundo a mente-inteligência-razão [mens], e sempre que estejas infeliz, recuperar tal estado de tranquilidade, pois quem da mente-razão cai, escorrega para o inferior..
Não desejes obstinadamente viver longamente no corpo, pois a duração das coisas corporais comparada com a eternidade é nada.
Para além de que na vida corporal temos de superar muitas coisas triviais.
A vida no corpo é punição e é chamada a morte da alma.
Esforça-te acima de tudo por esta só [alma], como o nosso Platão recomenda no Górgias, para que no tempo que por Deus te é assinado  vivas o mais optimamente possível, de tal modo que sejam evitados os suplícios do sofrimento duradouro e que sejam estabelecidos com o auxílio divino os fundamentos da vida eterna e feliz.»
Eis mais uma cartinha de Marsilio Ficino que traduzo (ver outras no blogue, bem como sua biografia), sem grandes elevações aos planos subtis e espirituais, ou aos mistérios da alma humana e da Divindade, mas da qual realçarei apenas, como prefácio ao que nos comentários gravados poderá ouvir, dois passos:
1º, a frase de esforça-te por esse Um, por essa alma espiritual que és eternamente e que te está tão escondida pela tua identificação ao corpo e o apego à personalidade, com seus desejos e repulsões.
2º, como deve ser nossa meta ou intenção permanente a  fixação ou unificação maior na mente ou razão pura, de modo a que não caiamos tanto no inferior ou nos sofrimentos, mas antes estejamos mais na paz e na comunhão, com o auxílio divino.
Isto vale até para os nossos tempos mais conturbados, em que não devemos deixar-nos enfraquecer tanto por medos e receios, manipulações, pressões outros modos de afastamentos do racional, do proporcional, do interior espiritual, de modo a sermos guiados pelo Logos, Razão-Amor-Inteligência-Ordem cósmica, e logo a estarmos numa sábia resistência prudente, amorosa e luminosa, sem necessariamente termos de ver tão negativamente o corpo, como de certo modo fazia a tradição platónica e Ficino segue no texto, conseguindo antes harmonizá-lo e utilizá-lo com sobriedade, sensibilidade e sabedoria.