segunda-feira, 6 de abril de 2020

"A Minha Cartilha" (2ª), de Teixeira de Pascoaes. Lida e comentada por Pedro Teixeira da Mota, com vídeo.

Continuamos a ler e a comentar de Teixeira de Pascoaes o seu livrinho A Minha Cartilha, de certo modo o seu vero testamento anímico, finalizado em Junho de 1951, dezoito meses antes de partir da Terra, dado à luz em Dezembro de 1954. Nesta segunda vez lemos e comentamos, em vídeo, os aforismos V a XIII. E como ainda não estão acessíveis na web, transcrevemos alguns.
 «VIII - Creio em Deus. Mas a minha crença não é absoluta ou anti-cristã: à Torquemada. Deus é uma probabilidade representada por um sim sobre um número de nãos incalculável. Mas o sim brilha inextinguivelmente no meu espírito. E os nãos passam, por ele, como sombras.
IX - A crença absoluta é um produto antipático do nosso orgulho inquisitorial, contrariante o mais possível da humildade cristão. Quem se julga na nossa posse integral de uma certeza filosófica ou religiosa cai no mais trágico ridículos profundamente ibérico, esse ridículo que, em Dom Quixote, fez chorar o Henri Heine, quando fazia rir o mundo».
 XII - O Paganismo era extático, parado nas figuras dos seus Deuses e Deusas, todos em mármore e só mármore, limitados a uma acção extra-cultural e sempre a mesma, nos poemas dos seus sacerdotes como Hesíodo, Homero e Vírgilio. Sempre o mesmo implica umas paragem. E o parado está morto, conforme o conceito infantil e a língua hebraica.»
Realcemos apenas, além do que vai nos 25 minutos do vídeo, nomeadamente a crítica a esta visão (nº XII) tão limitada do Paganismo, que não parece nada dele, já que muito poetisou Pan, Apolo, as ninfas, etc.,  a geometria sagrada que Teixeira de Pascoaes desenha seja no universal seja nos movimentos da nossa alma, primeiro apresentando a "esfera que pretende limitar o espaço", o que de facto poderá mais até ser visto como uma tentativa de delimitar no espaço infinito, e sobretudo no interior, aquele a que a nossa consciência anímica consegue abranger, pacificar, clarificar, para nele se ver e ouvir o Verbo luminoso, o Logos, Sol de Amor e Inteligência. 
E depois "a pirâmide que aspira a ultrapassar" o espaço, e que é também o triângulo de fogo, a emanação do fogo da aspiração que lavra do solo corporal e telúrico e procura a sua própria fonte ígnea e solar, maxime Divina.
Por fim realçar que o magistral D. Quixote é no fundo o último livro de Cavalaria, esses que foram cartilhas ou histórias inspiradoras dos Cavaleiros de Amor, dos paladinos de causas e de damas, e que entre nós teve vários cultores, um dos últimos Jorge de Ferreira de Vasconcelos, e que face à modorra da inquisição, do pragmatismo, do materialismo e do crescimento do poder do Estado estavam em declínio, Cervantes prestando-lhes as suas homenagens, imortalizando-os nessa figura tão visionária que mais do que ser ridícula ou trágica, se afirma como paradigmática de não nos deixarmos vencer ou manipular por todo o tipo de normalizações, de repressões, de confinamentos exagerados...
Do último aforismo que li, o XIII, transcrevo e realço para concluir  o seu início:
«XIII - Esta base de incerteza alimenta a nossa humildade, e clarifica o nosso olhar, desenvolve-lhe o alcance alumiante».
Este alcance alumiante não só do nosso ver exterior mas também interior é de destacar-se, e de meditarmos. A pirâmide de fogo acessa no nosso peito desferindo as suas setas de amor, de atracção, de união seja com o amado ou a amada, seja com o ideal e a vitória, seja com o Espírito, os mestres  e a Divindade.
Possa o nosso olhar espiritual ter um alcance cada vez maior e mais alumiante...
                      

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