Eis uma carta, não datada, de Marsilio Ficino (1433-1499) a Lorenzo Franchesi, um escritor de Florença, poeta (nomeadamente com apreciados versos de homenagem na morte de Michelangelo) e membro da Accademia della Crusca e da Accademia Fiorentina.
Marsilio Ficino, o médico da família Medici, o primeiro tradutor da obra completa de Platão e Plotino do grego para o latim, o animador da famosa Accademia Platonica, dedicou ainda a Lorenzo Franchesi uma carta prefacial no seu comentário ao VIII capítulo da República de Platão.
A tradução que faço a partir da edição latina de Paris impressa por Dionysium Bechet em 1641, consultando a tradução inglesa (The Letters of Marsilio Ficino, Volume I. London, School of Economic Science, 1975) e desviando-me dela em alguns passos, e que pode ler mais em seguida, foi realizada porém já após a leitura gravada do vídeo que se encontra no fim, no qual só segui a tradução inglesa, embora adaptando-a na linguagem ou esclarecendo-a por vezes. Reproduzo imagem do texto latino da carta de Ficino...
«Três guias da Vida, e um princípio óptimo da Vida.
Três são os guias da vida. O primeiro é a razão, constantemente e cuidadosamente examinada. O segundo é a experiência das coisas,
confirmada duradouramente pela tradição. O terceiro é a autoridade
daqueles antigos, a saber, que tais foram que nunca puderam ser
enganados facilmente por outro e que nunca foram vistos com desejos de enganar os
outros.
Por isto aplica mais o que é praticado do que o que
é dito, pois muitos falam bem, mas poucos agem bem.
A melhor razão [princípio] de vida é que cogites e te esforces o máximo que possas
para viver segundo a mente-inteligência-razão [mens], e sempre que estejas infeliz, recuperar tal estado de tranquilidade, pois quem da
mente-razão cai, escorrega para o inferior..
Não desejes obstinadamente viver longamente no corpo, pois a duração das
coisas corporais comparada com a eternidade é nada.
Para além de que na vida
corporal temos de superar muitas coisas triviais.
A vida no corpo é punição
e é chamada a morte da alma.
Esforça-te acima de tudo
por esta só [alma], como o nosso Platão recomenda no Górgias, para que no tempo que
por Deus te é assinado vivas o mais optimamente possível, de tal modo que sejam evitados os suplícios do sofrimento duradouro e que sejam estabelecidos com o auxílio divino os fundamentos da vida eterna e feliz.»
Eis mais uma cartinha de Marsilio Ficino que traduzo (ver outras no blogue, bem como sua biografia), sem grandes elevações aos planos subtis e espirituais, ou aos mistérios da alma humana e da Divindade, mas da qual realçarei apenas, como prefácio ao que nos comentários gravados poderá ouvir, dois passos:
1º, a frase de esforça-te por esse Um, por essa alma espiritual que és eternamente e que te está tão escondida pela tua identificação ao corpo e o apego à personalidade, com seus desejos e repulsões.
2º, como deve ser nossa meta ou intenção permanente a fixação ou unificação maior na mente ou razão pura, de modo a que não caiamos tanto no inferior ou nos sofrimentos, mas antes estejamos mais na paz e na comunhão, com o auxílio divino.
Isto vale até para os nossos tempos mais conturbados, em que não devemos deixar-nos enfraquecer tanto por medos e receios, manipulações, pressões outros modos de afastamentos do racional, do proporcional, do interior espiritual, de modo a sermos guiados pelo Logos, Razão-Amor-Inteligência-Ordem cósmica, e logo a estarmos numa sábia resistência prudente, amorosa e luminosa, sem necessariamente termos de ver tão negativamente o corpo, como de certo modo fazia a tradição platónica e Ficino segue no texto, conseguindo antes harmonizá-lo e utilizá-lo com sobriedade, sensibilidade e sabedoria.
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