terça-feira, 15 de outubro de 2019

Kubra. Ensinamentos (2º) dos Mestres da Tradição Espiritual Iraniana: Najm al-din Kubra." O Amor é a obediência do amado à amada."

Como já dissemos no 1º texto dos Ensinamentos dos Mestres da Tradição Espiritual Iraniana, Najm al-din Kubra valoriza muito a oração assente na repetição de nomes sagrados ou divinos, prática esta presente na maioria das religiões e tradições, seja apenas para ajudar as pessoas a concentrarem-se, seja porque se consideram tais sons como mais portadores de energias animicamnte operativas e causadoras de religação espiritual, ou seja, permitindo-nos tornar-nos pontífices, construtores de pontes entre a nossa consciência horizontal e externalizada e o espírito e o Divino.
1 - Allah e Muhammad, com o Bismillah, "em nome de Deus, o gracioso, o misericordioso" no canto superior, em caligrafia.
 Kubra sugere dois percursos energéticos, a serem sentidos ou imaginados, aquando da repetição ou invocação do nome de Deus (Allah e Huwa, Hu, Ele), ou da sua unicidade lâ ilâha illâ ‘llâh, "não há deus senão Deus", num processo dual que encontramos também noutros mestres seja sufis seja yogis: lâ ilâha repete-se subindo do ventre para a cabeça, e o illâ ‘llâh, descendo para o coração, ou então as mesmas palavras, a 1ª subindo pelo lado direito e a 2ª descendo pelo lado esquerdo para o coração, este de afirmação do "senão Deus" (amor, luz), que vai entrando no coração. Outro percurso conheço eu pessoalmente, que me ensinou um sufi turco, livreiro alfarrabista em Istambul e tradutor para turco de uma obra que me ofereceu de Ibn Arabi
Se feita com atenção e amor, esta prática oferece, segundo Kubra, resultados tais como a substituição da dominação do coração pela nossa alma (semi-instintiva) e as suas relações-projecções com o mundo, pela dominação de Deus (com a consequente iluminação do coração, antes entenebrecido) até à abertura da visão espiritual e à descoberta da "consciência secreta", ou cimo, apex, do nosso espírito.
Já a oração é apresentada como conversa (de convergir) no íntimo do nosso ser com Deus, realizando-se no seu aspecto mais elevado no coração que dialoga com Deus, pois por cada palavra ou frase ou sentimento que ele exprime Deus responde-lhe com outras palavras e vibrações. Advirtamos que tem de ser mesmo o coração profundo a orar, já que a Palavra, o Verbo, o Sermo, a Vibração, o fogo do Amor, está lá, e os sons e palavras são apenas testemunhos dessa ardência.
Ora esta forma de oração derrama no sentido espiritual do gosto uma grande doçura, e portanto é importante  consciencializar-nos mais deste gosto interior, o qual se vai obtendo pela transmutação do corpo instintivo e rude no corpo verdadeiro e espiritual, o qual vai crescendo a partir das práticas, da ascese, das provações difíceis e do amor. 
Será ele que nos une ao corpo verdadeiro dos outros seres, permitindo manifestarmos mais o nosso corpo espiritual, o nosso ser verdadeiro. A independência deste corpo nobre ou espiritual em relação aos cinco elementos é vivenciada por toda a gente pelo menos em alguns sonhos, e pelos discípulos ou iniciados através da concentração visionária.
A potência interior da invocação e repetição consciente do nome de Deus é também visível nos relatos feitos por Kubra de começar a emanar de cada membro do corpo uma invocação com um som parecido ao de uma trompa ou chifre ou ainda dum tambor, vindo mais tarde a estabilizar-se como o zumbido duma abelha. É interessante notar que estes sons audíveis interiormente são também descritos pelos yogis e praticantes da meditação, chamando-se na Índia tal o anahata nada, o som sem som, e tendo sido mesmo reconhecido em cada chakra (ou centro energético ao longo da coluna vertebral) um tipo próprio de som.
Dara Shikoh, com o seu mestre Mian Mir.

Nas suas obras de comparação do Hinduísmo e do Islão e no seu Diwan poético, o notável místico e príncipe mogol Dara Shikoh, fala deles, valorizando muito a audição interior de tais sons, chamando mesmo a tal o Sultão das práticas, já que de facto implica um grande silêncio e elevada concentração subtil.
Estes sons são segundo Kubra o resultado de o homem conter dentro de si os cinco elementos e surgem assim tal como a ramagem das árvores agitada pelo vento, ou o crepitar do fogo, e são sinais do cântico de glória a Deus de todo o nosso ser que a invocação origina. 
                                                   
Aliás Najm al-din  Kubrâ descreve mesmo o processo internamente dizendo-nos que as palavras sobem do coração para a cabeça e para Deus e que Deste descem energias espirituais, ou mesmo na cor verde vivificando o coração de tal modo que ele vai crescendo e fortificando-se chegando mesmo Kubra a dizer, ecumenicamente, que o coração é como Jesus em criança e a invocação como o seu leite.
O aprofundamento da invocação e repetição do nome de Deus leva portanto a uma maior sensibilidade do corpo espiritual e dos movimentos energéticos e luminosos que aí acorrem, seguindo-se estados de resplandecência, amor e até de proximidade ou mesmo união com o Invocado.
Claro que esta invocação implica um trabalho hercúleo da limpeza das estrebarias que todos temos dentro da nossa alma comum e das quais em geral nem sequer estamos cientes da quantidade de animais, vícios e distracções que só quando começamos a meditar e a praticar a invocação de Deus tomamos consciência.
Com a continuidade das práticas o nosso corpo nobre ou precioso vai-se desenvolvendo e com ele a capacidade visionária, pois o espírito está dotado e é em si mesmo um órgão subtil celestial, capaz não só de ver como de viajar no mundo subtil e chegar mesmo ao sol. 
A contemplação pode ser dirigida para o mundo físico, para o mundo subtil ou oculto, com as suas terras, seres e coisas, e livros (escritos com pontos, letras e imagens, que lidos permitem a ciência íntima), e finalmente para o que o céu contém (tal os planetas com as suas características próprias: Saturno e a capacidade de concentração visionária, Marte e a discórdia, Vénus com a alegria e emoção, e Mercúrio do conhecimento e das ciências, podendo haver tanto visão telescópica como apenas absorção de qualidades), chegando-se por último à pureza de Deus.
Outros aspectos possíveis de meditação, invocação ou contemplação são os atributos de Deus ou os seus nomes de qualidades, dos quais os noventa e nove, "os mais belos", são os amplamente dedilhados sobretudo na arte, e que por vezes nos chegam até inesperadamente, acabando por depositar-se no nosso coração algum influxo da sua essência e aí crescer.

Todas estas práticas assentam numa comunicação de energias ígneas, de luzes e fogos, que tanto sobem do coração e da sua porta aberta para Deus, como descem da sede ou trono de Deus, e que vão purificando-nos até que a face brilha e irradia luz do terceiro olho, chegando mesmo uma pessoa a ver-se com uma face totalmente luminosa e por fim a ver uma personagem, o mestre do mundo escondido, o pré-eminente, a balança do mundo oculto, que acabará por fundir-se connosco, e que no fundo é também o Eu divino em nós.
Prato tradicional do Irão em porcelana, oferecida pela adepta da linha sufi de Nur Ali Shah Tabandeh,  Farnoush Fadayan Motlagh.

  Kubrâ descreve pois com originalidade uma ascensão da capacidade visionária interna que começa por abrir-se pelo olho espiritual, em seguida pela face, depois pelo peito e finalmente por todo o corpo.
O conhecimento do nome supremo de Deus brotará do coração e inclui todos os signos e letras, e disto nascerá o amor no seu máximo, original, incriado, onde o invocador ou nobre viajante se unificará ou aniquilará, como diz citando Al-Hallaj: «Admiro-me de Ti e de mim: tu aniquilaste-me a mim mesmo em Ti. Aproximaste-te de tanto e tão bem que Acreditei que Tu és Eu.»
O mesmo se passa no Amor, como todos os grandes místicos e amantes têm experimentado: o amante aniquila-se de tal modo no amor que se torna amor, aniquilando-se depois na amada. Aqui há a passagem do amor do coração, ao amor fervente, do espírito, numa ascensão à aniquilação ou superação de si na essência bondosa, luminosa e divina.
Falamos no início deste texto que Kubra apresenta a ascese como uma parte do caminho e de facto a sua ideia é a de que há necessidade na alma tanto da purificação, arrependimento e pacificação, para que se torne verdadeiramente coração, como no desejo ou apetite, o qual deve trocar os objectos dos cinco sentidos perecíveis pelo que é permanente e eterno, o espírito divino, passando do nível corporal para o desejo do coração e a aspiração ao Alto, e recebendo então as luzes da beleza e da compaixão divinas.
A evolução ou maturação do ser humano é caracterizada pelas asas da esperança e do receio dos jovens, no seu limitado saber, da contracção e da dilatação (do coração) do homem maduro, com o seu livre arbítrio emanando do poder do espírito pré-eterno (e assentes nas suas qualidades de paciência e de gratidão), e as da intimidade e veneração do ancião (assentes na sua satisfação e confiança), que ainda se transformarão nas do conhecimento e do amor, até chegar às da renúncia e da estabilidade. 
A revelação então dos atributos divinos pode surgir em duas linhas, a da beleza íntima, e a da majestade venerada, a primeira mais doce e generosa, a segunda mais poderosa, impetuosa ou violenta até. É interessante observar que para Kubrâ os atributos divinos de beleza e compaixão-benefício sejam visionariamente virgens belíssimas e puras, por detrás dos seus véus, certamente aludindo às houris, entidades celestiais angélicas compreendidas e interpretadas demasiado carnalmente
E fiquemos para concluir este segundo texto com uma aproximação de Kubra ao mistério do Amor, valiosa e algo raramente vivida dada a sua excelência de Fiel do Amor: "O Amor é a obediência do amado à amada."

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Kubra. Ensinamentos (1º) dos mestres da tradição iraniana: Najm Al-Din Kubra. Com vídeo.

Azulejos de bons efeitos contemplativos no portal do mausoléu de Najm Al-Din Kubra, em Urgench, hoje Turquestão

O ensinamento do mestre iraniano Najm al-din al-Kubra, nascido em Khwarezm (1145-1221), que viajou e estudou com sábio na Pérsia, Egipto e  Meca, que foi um mediador com os invasores mongóis, e se tornou um mestre de muitos discípulos valiosos, baseia-se sobretudo na sua experiência e no Corão e, embora elogiando várias vezes o iman Ali, considerou que os Shiaas o tinham divinizado demais, e valorizando por isso também a linhagem sunita, podendo portanto considerar-se próximo dela ou melhor, da espiritual mais pura que está acima e transcende as divisões e seitas humanas.
Foi divulgado no Ocidente principalmente pelo sábio francês Henry Corbin, autor de vasta obra incontornavel sobre a tradição mística iraniana, nomeadamente pelo contributo de Kubr quanto à luz e às cores que se manifestam nas meditações e contemplações. E por Fritz Meier, e mais recentemente por Paul Ballanfat, sendo sem dúvida um mestre portador de grandes claridades e forças espirituais pelo que vamos tentar dar algumas linhas de forças espirituais dele.
A sua visão do ser humano, fruto de longas vigílias, meditações e iluminações, é a de que ele é ou tem, além do corpo físico, uma alma da cor do céu (e que surge como a água que brota duma fonte), uma inteligência, um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já a consciência secreta), provenientes de Deus, e que o objectivo da nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é vivendo-a que a luz divina em nós cresce), procura ou viajem (para Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr, tendo mesmo escrito um Tratado das Regras da Viajem), é Deus, do qual saímos na pré-eternidade, e num pacto primordial no qual coexistimos na Unidade Divina.
Como pode o nosso espírito luminoso unir-se com a Luz descendente divina é talvez a principal questão tratada nos seus escritos com grande sabedoria e concisão.

Os principais meios para se chegar a esta união são, e bem explicados por ele, a diminuição ou moderação do descanso e dos alimentos (sufismo é fome, fome...), a entrega a um mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático que permite a consulta ou comunicação tele-anímica a qualquer momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã gémea da alma, e a ouvir a inteligência superior, irmã-gémea do coração íntimo, bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas qualidades, tais como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o contentamento, a confiança e a atenção a Deus e, finalmente, a prática da invocação de Deus, esta a pedra de toque também na tradição indiana e cristã.
Kubra distingue três caminhos ou vias: a mais lenta da gente piedosa, religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, a dos que lutam fortemente no seu interior, os justos, surgindo  por fim a via mais rápida da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em estados de amor e de beatitude.
Este caminhar mais rápido será o seu e aquele que dinamizará nos seus discípulos, a via kubrawîe, a dos que voam para Deus.
Acerca do valor do desejo na via ou caminho, Najm al-din Kubra costumava contar a história metafórica do sheikh al-Kharaqâni, que tendo na meditação do meio-dia subido às alturas do trono do Deus e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente derivava da sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo.
Kubra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando mesmo como a oração mais própria para sermos libertados de forças negativas esta: Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî, Oh Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me.
Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino, e o amargo o que não deveríamos assimilar.
Eis uma técnica raríssima entre os místicos e mestres e bem valiosa, pois estamos a trabalhar o gosto ao nível espiritual e como sabemos temos tal sentido no corpo espiritual. Por isso, mesmo ao alimentar-nos, devíamos estar mais atentos a um saborear de gratidão...
O caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal que é a visão espiritual, ou seja, o órgão de luz contemplativo que nos permite tanto ver a luz interior e a luz divina como as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos.
Najm Al-Din Kubra dá-nos vários exemplos da ultrapassagem das influências dos cinco elementos (terra, água, ar, fogo e éter) nos nossos sonhos ou visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, o que caracteriza a condição mais purificada, denominada Senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e cores obscurecidas e à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração, e por fim o verde do coração espiritual. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem ao coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo em Deus.
Kubra praticava sobretudo a invocação do santo nome de Deus, recomendada no Corão, II:152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII:24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir anjos cantarem: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II:163), de tal modo que parecia que Deus descera das alturas para o céu que rodeia a Terra, visitação com que aliás estamos familiarizados com as legendas que se teceram à volta de certas noites míticas nas principais religiões.
Kubra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação, zikr ou dikr, a sua importância (tal como ser ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina), características, modos (por exemplo, ao pronunciá-la, simultaneamente ouvi-la), objectivos e resultados, pois é por ela sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que  se revele na sua plenitude e nos segredos e poderes íntimos.
Invocação não só pela língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes dando a energia e a capacidade, a quem ora ou invoca, de se ligar ou mesmo tornar-se o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e unicidade divina.
Encontramos estes ensinamentos nos místicos não advaiticos da Índia, sobretudo nos Shaivas, Shaktas e Vaishnavas onde o japa mantra (a repetição de nome divinos), e o kirtan, o canto devocional (Hari, Hare) são muito valorizados e praticados, um dos últimos e por nós trabalhado no blogue Gurudev Ranade. 

O livro mais importante de Najm Al-Din Kubra é o Fawatih al-Jamal wa fawa'ih al Jalal, que se pode traduzir por As eclosões de Beleza e os perfumes da Majestade, tendo sido traduzido para alemão e para francês, e bem comentado, por Fritz Meier e Paul Ballanfat.
Há dois dias, de noite, resolvi ler e comentar o início da obra, que já leio e conheço há alguns anos, e gravei uns doze minutos, agora disponíveis. Mas voltaremos à obra notável de Najm al-din Kubra, tanto mais que outro místico sincrético valioso do Islão o cita e que eu muito aprecio, Dara Shikoh, o príncipe mogol pioneiro dos estudos comparativos entre o Hinduísmo e o Islão e também conhecedor do Cristianismo, filho de Mumtaz Mahal e do quinto imperador mogol Shah Jahan, o construtor do imortal Taj Mahal... 

Que eles nos possam acompanhar e inspirar na Awliyaullah, ou companhia dos amigos de Deus...                                                                                                            

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

"Jesus não era Deus", afirmação do papa Francisco. Breve comentário...

"Jesus não era Deus", afirmação recentíssima do papa Francisco, e que com mais duas, "não existe Inferno", e não houve Imaculada Concepção em Maria, têm causado bastantes polémicas, levaram-me a proferir este pequeno comentário, que esperemos que seja esclarecedor e verdadeiro.
Oramos para que permita às pessoas posicionarem-se melhor planetária e ecumenicamente e simultâneamente realizarem uma percepção mais luminosa tanto do mais essencial do Cristianismo como de si próprios, de modo a estarem mais ligados com o mestre Jesus, com o Espírito interno e com a Divindade e num diálogo e convívio sábio, ambientalista, espiritual com todos os povos e ambientes, tradições, religiões e seres.
10/10/2019, pelas 10 da manhã, em Lisboa, e gravou-o Pedro Lencastre Teixeira da Mota....
                              

domingo, 6 de outubro de 2019

Do Crescimento da Alma, V. cap. d' "O Mistério da Golgota", por Bô Yin Râ. Com vídeo de leitura comentada.

O mistério da alma e do espírito, pesem os milhares de anos já de documentação expressiva de tal demanda, continua a desafiar-nos. Um dos autores que melhor escreveu sobre esta cadente questão foi o mestre alemão Bô Yin Râ, notável pintor e escritor, e que lhe consagra alguns capítulos, como aliás em todos os seus livros, no Das Mysterium von Golgatha, dado à luz em 1930, em Leipzig. Resolvemos ler-traduzir, usando sobretudo a versão francesa, gravando com breves comentários.
 
Realcemos no V capítulo da obra o não deixar cada um morrer o seu sentimento de si mesmo, e como o amor da arte, da estética, da ciência e da natureza não satisfazem as necessidades mais religiosas e espirituais dos seres que se podem ver assim, sem se darem conta, desprovidos de um crescimento das forças anímicas unificadas numa individualidade anímico-espiritual, aquela que permitirá a sobrevivência consciente à morte do corpo físico terreno ou animal.
Alerta Bô Yin Râ para muita gente que vive com a alma quase morte, sem calor interior, quando pelo contrário o seu Eu deveria estar animado pela centelha espiritual e sentindo-se e reconhecendo-se como corpo espiritual luminoso, dinâmico, bem-fazejo.
Recomenda também estarmos bem atentos a tudo o que possa ser uma impulsão provinda da nossa alma, a tudo a que possa ser ou proporcionar um contacto com as forças da alma.
E esta percepção e sensação interior não se obtém apenas pelo retirar da vida activa e em meditação ou mosteiros, mas na vida do dia a dia (do lavar a roupa ao cavar) através da qual se desenvolvem forças da alma importantes, ainda que certamente devam haver momentos de sintonização, de reconexão, de religação com a fonte espiritual e divina.
Oiçamos então Bô Yin Râ, através da minha voz e tradução, e poderá até fechar os olhos pois a imagem é praticamente a mesma até ao fim. Aum...:
                             

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Da morte santa da bem aventurada rainha D. Filipa de Lencastre e da iniciação cavaleiresca aos três filhos.

Desenho de Daniela Devi Pace.....
Reconstituição piedosa da morte santa da bem-aventurada rainha D. Filipa de Lencastre, em 1415, extraída da Histoire Générale de Portugal par M. de la Clede, 1735, numa versão portuguesa contida numa História de Portugal, de 1852. Transcrita a 2-X-2019 para a sessão da Codex: As Chaves da História. Filipa de Lencastre, princesa do santo Graal. Santa?
«Sentindo bem que se ia aproximar a hora extrema duma separação eterna, a rainha D. Filipa se voltou para o seu marido, com o fim de lhe rogar o haver de entregar, em sua presença, a cada um dos seus filhos, uma das três espadas ornadas de ouro e de pedras preciosas, que se tinham feito preparar para o serviço destes cavaleiros. Quando no dia seguinte todos se encontraram reunidos junto do leito da rainha, ao lado do qual já se encontravam dispostas as espadas aludidas, D. Filipa, vencendo todos os seus sofrimentos, e tomando um a apresenta ao mais velho de seus filhos, dirigindo-lhes estas palavras: - Meu filho, Deus que te há destinado para o sucessor de teu pai, quer também que governes o reino com equidade, por isso mesmo que, sem equidade, nem o reino, nem o o soberano, podem subsistir. Da mesma forma que aqueles edifícios a quem se arrebatam seus respectivos alicerces, eles logo caiem por terra, igualmente os estados mal regidos, e injustamente administrados, tombam, caindo em ruínas. Tomai pois esta espada, meu filho; e por ela seja sempre presente que foste nascido para ser rei de Portugal, para proteger todos os seus vassalos, não os devendo nunca tratar como teus escravos: - recorda bem que só deves proceder com justiça e equidade, castigando os crimes, unicamente segundo os preceitos da lei, a fim de a audácia dos criminosos ser reprimida, e repelida a prepotência dos grandes, contra os fracos, e que a todos se assegure o que devidamente lhe pertence.». D. Duarte, tomado de admiração, e penetrado de respeito, recebeu a espada da mão de sua mãe, prometendo-lhe o fazer, conforme coubesse nas suas forças, tudo quanto acabava de ser-lhe maternalmente determinado.
Seguidamente, D. Filipa, tomando outra espada e dirigindo-se ao infante D. Pedro, lhe falou por esta forma: - «Eu te confio esta espada, meu filho; a fim de que ela te possa servir para bem defenderes as donzelas, e viúvas, que tens constantemente protegido com tanto desvelado zelo, para que tenhas por elas todo o respeito que lhes é devido: - por quanto é um dos mais rigorosos deveres , um príncipe nobre, defender e honorificar as mulheres às quais a natureza recusou a força, e lhe outorgou em partilha um fraco vigor corporal.
A rainha, tomando a terceira e última espada, a apresenta ao infante D. Henrique, a quem dirigiu esta elocução: - Tende sempre coração bem disposto a servir de apoio àqueles que, pelo bem do Estado, expõem suas pessoas ao ferro e fogo dos adversários da sua pátria, não hesitando jamais preferir uma morte gloriosa a uma vida efeminada e cómoda. D. Henrique, de joelhos, promete solenemente cumprir todas as recomendações de sua mãe.
Com todas as forças que lhe prestava ainda o seu amor maternal, a rainha D. Filipa pediu ainda aos infantes D. Pedro e D. Henrique que honrassem e bem queressem a seu irmão D. Duarte, que depois da morte do rei seu esposo viria a herdar o reino e a coroa; devendo ser os primeiros que o reconhecessem por seu legítimo soberano, visto que segundo a vontade divina vira primeiro a luz do dia, e que era tão justo, tão doce e benévolo que os trataria constantemente como a seus melhores amigos, seus companheiros de vida. Eles assim o prometeram.
Continuou ela exortando-os para no futuro se conservarem aquele amor fraternal que se haviam até então mutuamente testemunhado e a jamais riscarem da sua lembrança que todos eles tinham sido procriados no mesmo seio materno, repousado em o mesmo berço, amamentado ao mesmo peito, e recebido sua educação e gozado de todas as delícias da infância no interior da mesma câmara e debaixo das mesmas vistas e insinuações da mesma preceptora. (...)
Desligando todos os seus pensamentos dos objectos terrenos, e dirigindo-os para a vida futura, a rainha em seus últimos dias , se entregou a piedosas meditações sobre o nada das coisas humanas; (...). Seu fim se aproximou. «Eu vos agradeço ó Virgem Santíssima, disse ela volvendo seus olhos para o céu, e tendo sua fronte animada com o mais doce sorriso, eu vos agradeço o ter-vos dignado visitar a vossa serva, ainda antes que ela se escapasse da prisão do mundo». Seguidamente, elevando ainda uma vez suas mãos para o céu, as deixou cair sobre o seu seio; e cruzando-as, deu a alma ao Criador».
Possamos nós receber a iniciação cavaleiresca e cívica da rainha D. Filipa, sermos portadores do mesmo Graal e vivermos uma vida tão luminosa que nos faça merecer o desabrochamento da visão espiritual e uma boa viagem no além...
                                          

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Hipnose e espiritismo, fraudes e perigos. "Forças Psíquicas", por João Reis Gomes. E a concordância com Bô Yin Râ.

Desde que no final do século XVIII, a hipnose, com o mesmerismo ou magnetismo e a sugestão, se tornou tema de investigação ocultista e da experimentação e teorização científica nunca mais deixou de suscitar questões, com um pico na época do espiritismo dos finais do séc. XIX princípios do XX, e que no século XXI ainda mais se acentuaram pois graças em grande parte ao movimento da Nova Era, que veio a sobrepor-se ou quase a substituir o ocultista e o esoterista, e a certo tipo de psicologia, a hipnose divulgou-se ainda mais e por doenças, mera curiosidade e desejo de conhecer vidas passadas ou fazer regressões há muitos candidatos à sua utilização.
E contudo desde sempre algumas vozes se ergueram contra a facilidade com que se permitia a alguém entrar no foro íntimo de outra pessoa e tomar conta da sua psique e corpo, fazendo-a sujeitar-se a cenas divertidas ou ridículas e a influências das quais não se sabiam as consequências, eventualmente daninhas ou nocivas.
Com efeito, o facto de deixarmos alguém adormecer o nosso eu consciente e substituí-lo pelo do hipnotizador ou pô-lo de lado e deixar alguém sugestionar-nos e dirigir-nos à vontade, cria vários perigos:
1º enfraquecimento do eu de uma pessoa, já que aceitou que outro eu o substituísse no seu foro íntimo.
2º enfraquecimento das defesas de uma pessoa contra todo o tipo de influências que cada vez mais na sociedade moderna tentam manipular as pessoas, em especial para consumir ou pensar de determinados modos.
3º possibilidade do hipnotizador influenciar a pessoa, posteriormente à sessão hipnótica, voluntária ou involuntariamente, já que algum tipo de impressão e de ligação facilitadora de tal se criou entre os dois.
4º possibilidade de a tessitura energética subtil da alma ser modificada e ferida, ou rompida, ao ser penetrada e alterada, permitindo doravante a entrada mais fácil de forças exteriores, tanto positivas como negativas.
Certamente que face a uma fobia doentia e muito perturbadora que não se consegue curar de outros modos até poderá equacionar-se alguma sessão de hipnose, embora se deva realçar que o ideal será sempre a pessoa conseguir resolver por si mesma e a partir da utilização do seu próprio eu e das suas forças psíquicas, certamente em geral ajudada por outras pessoas ou terapeutas.
Entre nós, e entre outros, abordou estas questões em artigos sucessivos do Jornal da Madeira, João Reis Gomes, da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1925, deu-os à luz no ensaio filosófico Forças Psíquicas, impresso no Funchal mas sob a chancela da lisboeta Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, editora na época de várias colecções de obras acerca das ciências ocultas, sob a direcção de João Antunes, algumas das quais traduzidas por Fernando Pessoa.
A obra, completamente ignorada nos nossos dias, bem merecia ser lida e debatida, pois dividida em três partes faz um balanço das várias investigações psíquicas em curso e suas hipóteses explicativas, baseando-se e citando sobretudo Flammarion, Richet, Gabriel Delanne, Geley, William James, Hodgson, Branly, barão de Richenbach, Carl du Prel e finalmente Maurice Materlink, a este para o rebater em vários aspectos.
Na segunda parte, intitulada No Subconsciente, (e a palavra tem a ampla significação de um ser e corpo psíquico que somos e temos), dividida em três capítulos: "o psiquismo oculto, forças inteligentes e os eflúvios ódicos", aborda a hipnose e equaciona a sua inserção na multidimensionalidade humana: «E se pensarmos que na hipnose o magnetizador pode ainda, por uma simples sugestão, alcançar do paciente quanto queira, moldando-se à vontade o seu subconsciente, mais nos persuadiremos de que este não constitui, ao menos de per si só, a alma humana, essa divina centelha, posta assim ao alcance è a disposição de qualquer mortal».
Embora confundindo realidades diferentes, tais como a alma humana e a "divina centelha", esta sendo mais propriamente o espírito, João Reis Gomes vê bem: o subconsciente é apenas uma parte da alma humana e se de facto é manipulado pelo hipnotizador o mesmo não se passará com o espírito, crendo numa providência (divina) que não permitiria tal facilidade atentória da integridade e inviolabilidade do cerne da consciência e do ser humano.
Nessa mesma obra, abordando o espiritismo, colige bastantes provas de que os principais médiuns foram embusteiros ou fraudulentos, e afirma que se deve atribuir ao subconsciente e à transmissão de energias psíquicas (que considera «uma forma de energia eléctrica», a que corresponderiam ondas electromagnéticas do cérebro) entre os seres humanos o que se atribuía a espíritos desencarnados, tanto mais que «analisando as revelações de cada hora atribuídas aos "espíritos"» verificamos que estes, nas sua longas e fastidiosas palestras, ficam sempre muito aquém da mentalidade que demonstraram na vida», dando até como prova a comparação de duas mensagens dadas na mesma sessão pelo famoso médium lisboeta Fernando Lacerda e atribuídas a Hintze Ribeiro e a Gomes Coelho, publicadas na Ilustração Portuguesa de Setembro de 1908 e que analisadas mostram ser praticamente o mesmo pensamento, com as mesmas palavras, provindas do subconsciente de Lacerda. Também eu, lendo o que Fernando Lacerda atribuiu a Antero de Quental ponho muito em causa tal autoria.
Cita mesmo Camilo Flammarion, afirmando nas suas Forces Naturelles Inconnues, que dos médiuns que conhecera "a quase todos surpreendera aldrabando", e «eu fui médium, e Allan Kardec publicou num seu livro as dissertações que eu escrevia assinadas Galileu. Essas dissertações são, bem evidentemente, o reflexo do que eu sabia, do que nós pensavamos nessa época sobre os planetas, sobre as estrelas, sobre a cosmogonia. Nada aprendi com elas». ou ainda Charles Richet: «Não, eu não creio em nenhum fenómeno espírita. E, pelo contrário, acredito na maior parte dos fenómenos psíquicos».
João Reis Gomes, que estava muito bem actualizado, citando mesmo Tesla, Lazareff, Kilner e o Padre Mainage (e a sua aceitação de uma memória cósmica), refere ainda o «Coronel de Rochas sobre o fenómeno de vidas anteriores, por ele observado e estudado: - "Estas revelações, quando as podemos verificar, não correspondem geralmente à realidade" ... "o médium criou, portanto, um Belzunce imaginário, segundo uma biografia sumária de que teve conhecimento"».
O mesmo se passa hoje com tanta regressão, por sugestão, meditação guiada e hipnose que desemboca em vidas passadas mais ou menos mirabolantes, cuja origem se deve atribuir a conhecimentos, desejos e intencionalidades do terapeuta e do paciente, embora também se deva considerar a possibilidade de haver algumas energias anímicas numa pessoa que já estiveram em acção noutros tempos e vidas, neste caso tomando-se a parte pelo todo ao acreditar-se, por exemplo, que já se foi um romano ou um grego.
João Reis Gomes apontará outra característica perturbadora ou mesmo perigosa na hipnose e no espiritismo, segundo ele já estabelecida pela ciência: as mudanças de personalidade nos hipnotizados e nos médiuns em transe.
Em sintonia com Georges de Dubor, autor dos Mystéres de l' Hypnose, e que escrevera numa carta para a obra Les Morts vivent-ils: «a maior parte dos fenómenos espíritas pertencem ao domínio da hipnose e não são mais do que factos físicos de materialização», João Reis Gomes tentará justificar as materializações de ectoplasma que ocorrem algumas sessões espíritas, afastando a acção dos mortos, dizendo: «a carne que, sob o império duma sugestão, só pelo inconsciente do hipnotizado, se infla, incha, entumesce, bolsa serosidades, pús e vem a furo – apenas porque o paciente crê que uma simples estampilha de correio é um verdadeiro caustico farmacêutico – também poderá sofrer outras transformações de ordem física ou biológica, sob a influência do mesmo inconsciente (...) apenas se dá conta dum sensitivo em estado de transe ou de hipnose, com o seu subconsciente livre ou sob o pensamento de experimentadores dispostos para um fenómeno que, intensa e insistentemente, pretendem ver realizado». 
Sensivelmente nesta época, mais precisamente em 1923, um autor e pintor alemão, Bô Yin Râ, publicava uma obra intitulada Okkulte Rätzel, Enigmas Ocultos, onde se debruça sobre as artes mânticas ou adivinhatórias, com um capítulo dedicado à hipnose, no qual adverte dos perigos a que se encontra sujeita quem hipnotiza e quem é hipnotizado, descrevendo alguns aspectos subtis desse estado anormal da consciência e dando outra luz, outro ângulo de visão, bem complementar para a elucidação da questão.
A maior originalidade do contributo de Bô Yin Râ é considerar que não é sobretudo uma vontade a influenciar outra vontade e consciência mas o facto de ocorrer um corte ou diminuição entre a vontade cerebral do hipnotizado e o seu corpo, havendo como que uma anestesia dos impulsos da vontade do cérebro para o corpo, tornando-se o hipnotizado como um médium e logo sendo influenciável por subtis entidades eterico-astrais de todo o tipo.
E como os desejos conscientes ou inconscientes dos dois interventores se tornam centros energetizáveis por tais entidades, tudo pode acontecer de mensagens, visões e fantasiosas vidas passadas, tão bem imaginadas que acabam por serem creditadas como provindas de um nível transpessoal ou espiritual.
Mas o problema maior será que tais entidades subtis passam a explorar as energias tanto do hipnotizado como do hipnotizador, sobretudo quanto mais é praticada a hipnose e quanto mais se acentua o laço que liga ou prende o hipnotizador e o hipnotizado e afecta ambos reciprocamente.
Algo disto se passa em certos grupos ocultistas, de yoga ou de nova Era, em que os mestres ou professores «instruem as suas vítimas em sessões que na realidade não são mais do que uma série de mais ou menos disfarçadas anestesias hipnóticas, gradualmente enlaçando as vítimas de tal modo que ficam praticamente sem o poder da sua própria vontade».
Contudo para Bô Yin Râ o pior está no facto que com cada sessão de anestesia hipnótica mais separação há entre a vontade e o cérebro da pessoa hipnotizada, pelo que esta vai ficando cada vez mais permeável a todo o tipo de influências e perdendo o controlo do seu cérebro.
Também terapeuticamente os eventuais defeitos de personalidade, que se tentam tratar pela hipnose e que deveriam ser trabalhados pelo esforço da pessoa, e assim fazê-la desenvolver a sua alma, acabam por não ser alterados pela acção do substracto interior voluntarioso e antes diminui-se o poder da vontade própria e do eu no controle do cérebro e do corpo.
Concluamos este texto, já algo longo para a média de leitura actual, alertando para se ter muito cuidado com a hipnose, não se recomendando praticamente a ninguém e muito menos por curiosidade e pelas miragens das regressões e das fantasiosas vidas passadas.
E cuidado redobrado com os vários gurus e pastores de seitas que manipulam ou tentam hipnotizar os devotos e fiéis explorando-os por vários modos e acabando por ficarem todos sob influências invisíveis de egrégoras e entidades bem mais negativas do que as aparentes palavras, sermões e "satsangas" de amor deixariam suspeitar...
Saibamos aspirar à verdade, e discernir e trilhar bem os caminhos de luz, e não abdiquemos da nossa individualidade e livre arbítrio...
                                        Pintura de Bô Yin Râ, no livro Welten, Mundos.

domingo, 1 de setembro de 2019

Alcobaça sagrada. O Amor em Inês e D. Pedro e nos Anjos. 2ª parte.

Quando um grande amor é cortado  precocemente na terra é oportuna a intervenção angélica para apaziguar as almas feridas e separadas e muitos  ritos religiosos inserem-se nessa tentativa de serenarem-nas e orientarem-nas para estados conscienciais menos emotivos e mais lúcidos e universais, caracteristicamente vividos pelos Anjos e grandes Seres...
Os escultores de Alcobaça dos túmulos de Inês e de Pedro conseguiram cumprir essa tarefa exemplarmente e poderemos crer que com a sua materialização no calcário moldável do amor imutável, Inês (1355) e Pedro (1367) avançaram nos mundo espirituais mais harmonizados, menos revoltados  e calmos e clarividentes com os Anjos,  celebrados e esculpidos como os que os acompanharam mais de perto  para além do mundo físico e da morte trágica e traiçoeira, guiando-os  para a reunião e rumo à Fonte de Luz e Amor divinos.
Pedro testemunha o seu amor intenso, Inês responde que viverão em amor perenemente e os anjos abrem as pregas do seu manto azul celestial de rainha para que a sua alma espiritual divina brilhe assim na terra como no céu...
 É como numa barca, de Ísis ou da Senhora da Boa morte, que Inês navega da terra e se interna nesse além oceano misterioso e ao princípio tenebroso mas que a breve trecho dá lugar à Luz e à Paz que a companhia dos Anjos mais intensifica.
 As duas vias principais nas quais nos internamos quando mal ou bem procedemos foram alegorizadas neste painel facial como o caminho para o inferno e o caminho para o paraíso, aquele considerado como o local sem luz e sem ligação com Deus, este último como o da beatitude e da comunhão amorosa e luminosa entre os seres humanos e na sensação, presença ou contemplação de algo de Deus.
 Para os portugueses e ocidentais dos séculos XIV e XV certamente que as principais referências de vidas exemplares eram a vida de Jesus e as dos santos e santas, e assim se representavam nos frontais (laterais) do túmulo ou bombordo da embarcação mágica do final da vida tais exempla.
O cerne da viajem era contudo individual e interior e com que suavidade, amor e poder os Anjos afeiçoam a cabeça de Inês e lhe transmitem a vibração justa, orientando-a para a Luz Divina, de modo a que a sua alma espiritual consiga passar através dos remoinhos astrais e elevar-se nos planos subtis e espirituais, em perdão e em amor-paixão-adoração-união.
 No chakra da cabeça, o mais subtil e difícil de ser trabalhado, vemos traçado uma cruz templária, ou uma cruz e flor octogonal, de forma perfeita, assinalando até que ela foi um mártir, uma crucificada pelas razões do Estado e pelas forças e seres do anti-Amor...
 O ponto central do ser, da cabeça e do espírito irradia e comunga com o Cosmos pelos oito raios que fluem em oito míticas direcções do espaço, gerando bem-aventuranças por tais capacidades e qualidades sentidas e desenvolvidas. Os mestres escultores coroaram  o chakra superior da alma de Inês com todo este potencial e programa psico-mórfico e  certamente tanto na época como ainda hoje tal simbolismo opera, emana...
 A paixão de Jesus e de Madalena, além de Maria e João, está invocada na zona facial do túmulo provavelmente não só como invocação católica mas sobretudo abrindo uma espaço de tradição crística: Inês foi também um ser sacrificado e ungido, este ungimento feito primeiro pelo Amor que os uniu e depois pelo rei D. Pedro  no beija-mão real e coroamento e na encomenda final aos mestres canteiros de Alcobaça desta obra prima. E por todos os que têm vibrado ao longo dos séculos em empatia de amor com ela...
 Coroada pelo rei e a nação e sacralizada pelos espíritos celestiais que a acompanham, Inês é a alma transfigurada pelo Amor pleno...
Diz o Amor à Amada: Desta altura em que nos encontramos vejo que o rio chegou ao Oceano, e os nossos seres ao Ser...
                           
Santa, mil vezes santa é a alma que chegou ao fundo do seu coração e encontrou a fonte do amor borbulhante e nela se deixou arder e do seu Graal deu a beber o fogo do Espírito...
Eis a vera efígie de Inês...
"Dobrei a minha face com as mãos juntas nela e invoquei o Amor e a Divindade, ousando erguer a visão em adoração..."
A visão espiritual e a elevação da vibrações, a entrada no coração e a expansão da consciência são muito necessárias para a preservação do estado de amor e de unidade...
A disposição dos dois túmulos separados nos dois braços do transepto da igreja é discutível, tanto mais que inicialmente foram erigidos juntos, D. Pedro dando a direita a Inês, sua alma-gémea e sua reintegração na Unidade Divina. 
Embora com tal disposição separada se fortifique a polaridade, encarnando-a na própria igreja, podemos pensar que o Rei e o Amor se tinham querido mais juntos, embora certamente o verdadeiro Amor vença todas as distâncias, do espaço e do tempo...
 
A vasta nave que liga a terra e o céu e onde oramos diz-nos que a natureza aborrece o vazio e que no aparentemente nada existe todo um mundo de vibrações e energias, formas, cores e sons que celebram e comunicam o mistério do Amor e de Deus, e dos espíritos que comungam com eles,  como Pedro e Inês....
Gate, gate, paragate, parasamgate, bodhi swa, reza o mantra budista impulsionando no seu avanço para a Luz quem passou para além da ilusória vida e vive já mais no Amor, na Sabedoria e na Paz.
A fotografia mostra-nos como temos de concentrar-nos e de focarmos bem para sentirmos mais e comungarmos o Amor Divino e perene que nos percorre e anima...
Amor...