quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Da morte santa da bem aventurada rainha D. Filipa de Lencastre e da iniciação cavaleiresca aos três filhos.

Desenho de Daniela Devi Pace.....
Reconstituição piedosa da morte santa da bem-aventurada rainha D. Filipa de Lencastre, em 1415, extraída da Histoire Générale de Portugal par M. de la Clede, 1735, numa versão portuguesa contida numa História de Portugal, de 1852. Transcrita a 2-X-2019 para a sessão da Codex: As Chaves da História. Filipa de Lencastre, princesa do santo Graal. Santa?
«Sentindo bem que se ia aproximar a hora extrema duma separação eterna, a rainha D. Filipa se voltou para o seu marido, com o fim de lhe rogar o haver de entregar, em sua presença, a cada um dos seus filhos, uma das três espadas ornadas de ouro e de pedras preciosas, que se tinham feito preparar para o serviço destes cavaleiros. Quando no dia seguinte todos se encontraram reunidos junto do leito da rainha, ao lado do qual já se encontravam dispostas as espadas aludidas, D. Filipa, vencendo todos os seus sofrimentos, e tomando um a apresenta ao mais velho de seus filhos, dirigindo-lhes estas palavras: - Meu filho, Deus que te há destinado para o sucessor de teu pai, quer também que governes o reino com equidade, por isso mesmo que, sem equidade, nem o reino, nem o o soberano, podem subsistir. Da mesma forma que aqueles edifícios a quem se arrebatam seus respectivos alicerces, eles logo caiem por terra, igualmente os estados mal regidos, e injustamente administrados, tombam, caindo em ruínas. Tomai pois esta espada, meu filho; e por ela seja sempre presente que foste nascido para ser rei de Portugal, para proteger todos os seus vassalos, não os devendo nunca tratar como teus escravos: - recorda bem que só deves proceder com justiça e equidade, castigando os crimes, unicamente segundo os preceitos da lei, a fim de a audácia dos criminosos ser reprimida, e repelida a prepotência dos grandes, contra os fracos, e que a todos se assegure o que devidamente lhe pertence.». D. Duarte, tomado de admiração, e penetrado de respeito, recebeu a espada da mão de sua mãe, prometendo-lhe o fazer, conforme coubesse nas suas forças, tudo quanto acabava de ser-lhe maternalmente determinado.
Seguidamente, D. Filipa, tomando outra espada e dirigindo-se ao infante D. Pedro, lhe falou por esta forma: - «Eu te confio esta espada, meu filho; a fim de que ela te possa servir para bem defenderes as donzelas, e viúvas, que tens constantemente protegido com tanto desvelado zelo, para que tenhas por elas todo o respeito que lhes é devido: - por quanto é um dos mais rigorosos deveres , um príncipe nobre, defender e honorificar as mulheres às quais a natureza recusou a força, e lhe outorgou em partilha um fraco vigor corporal.
A rainha, tomando a terceira e última espada, a apresenta ao infante D. Henrique, a quem dirigiu esta elocução: - Tende sempre coração bem disposto a servir de apoio àqueles que, pelo bem do Estado, expõem suas pessoas ao ferro e fogo dos adversários da sua pátria, não hesitando jamais preferir uma morte gloriosa a uma vida efeminada e cómoda. D. Henrique, de joelhos, promete solenemente cumprir todas as recomendações de sua mãe.
Com todas as forças que lhe prestava ainda o seu amor maternal, a rainha D. Filipa pediu ainda aos infantes D. Pedro e D. Henrique que honrassem e bem queressem a seu irmão D. Duarte, que depois da morte do rei seu esposo viria a herdar o reino e a coroa; devendo ser os primeiros que o reconhecessem por seu legítimo soberano, visto que segundo a vontade divina vira primeiro a luz do dia, e que era tão justo, tão doce e benévolo que os trataria constantemente como a seus melhores amigos, seus companheiros de vida. Eles assim o prometeram.
Continuou ela exortando-os para no futuro se conservarem aquele amor fraternal que se haviam até então mutuamente testemunhado e a jamais riscarem da sua lembrança que todos eles tinham sido procriados no mesmo seio materno, repousado em o mesmo berço, amamentado ao mesmo peito, e recebido sua educação e gozado de todas as delícias da infância no interior da mesma câmara e debaixo das mesmas vistas e insinuações da mesma preceptora. (...)
Desligando todos os seus pensamentos dos objectos terrenos, e dirigindo-os para a vida futura, a rainha em seus últimos dias , se entregou a piedosas meditações sobre o nada das coisas humanas; (...). Seu fim se aproximou. «Eu vos agradeço ó Virgem Santíssima, disse ela volvendo seus olhos para o céu, e tendo sua fronte animada com o mais doce sorriso, eu vos agradeço o ter-vos dignado visitar a vossa serva, ainda antes que ela se escapasse da prisão do mundo». Seguidamente, elevando ainda uma vez suas mãos para o céu, as deixou cair sobre o seu seio; e cruzando-as, deu a alma ao Criador».
Possamos nós receber a iniciação cavaleiresca e cívica da rainha D. Filipa, sermos portadores do mesmo Graal e vivermos uma vida tão luminosa que nos faça merecer o desabrochamento da visão espiritual e uma boa viagem no além...
                                          

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