segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Ensinamentos (1º) dos mestres da Tradição Espiritual Iraniana: Najm Al-Din Kubra. Com vídeo.

                                 
O ensinamento do mestre iraniano Najm al-din al-Kubra (1145-1221), que viajou e estudou com mestres na Pérsia, no Egipto e em Meca, baseia-se sobretudo na sua experiência e no Corão e, embora elogiando várias vezes o iman Ali, considerou que os Shiaas o tinham divinizado demais, e valoriza a linhagem sunita, podendo portanto considerar-se mais próximo dela ou, sobretudo, da espiritual pura que está acima e transcende as divisões e seitas humanas.
Foi divulgado no Ocidente principalmente por Henry Corbin, nomeadamente quanto ao seu contributo quanto à luz e às cores que se manifestam na meditação, por Fritz Meier e mais recentemente por Paul Ballanfat, sendo sem dúvida portador de grandes claridades e forças espirituais pelo que vamos tentar apresentá-lo um pouco:
A sua visão do ser humano, fruto de longas vigílias, meditações e iluminações, é a de que ele é ou tem, além do corpo físico, uma alma da cor do céu (e que surge como a água que brota duma fonte), uma inteligência, um espírito luminoso (no seu nível superior sendo já a consciência secreta), provenientes de Deus, e que o objectivo da nossa aspiração (muito importante, pois sendo um atributo de Deus é vivendo-a que a luz divina em nós cresce), procura ou viajem (para Kubrâ o ser humano é basicamente um viajante, sayyâr, tendo mesmo escrito um Tratado das Regras da Viajem), é Deus, do qual saímos na pré-eternidade, e num pacto primordial no qual coexistimos na Unidade Divina.
Como pode o nosso espírito luminoso unir-se com a Luz descendente divina é talvez a principal questão tratada nos seus escritos com grande sabedoria e concisão.

Os principais meios para se chegar a esta união são a diminuição ou moderação do descanso e dos alimentos (sufismo é fome, fome...), a entrega a um mestre (com o qual se estabelece no coração um laço iniciático que permite a consulta ou comunicação tele-anímica a qualquer momento), uma vida ascética (pelo qual se transmuta o corpo grosseiro e se aprende a controlar a paixão, irmã gémea da alma, e a ouvir a inteligência superior, irmã gémea do coração íntimo, bem como a morrer para si próprio) e o desenvolvimento de certas qualidades como a paciência, a vigilância sobre si mesmo, o contentamento, a confiança e a atenção a Deus e, finalmente, a prática da invocação de Deus.
Kubra distingue três caminhos ou vias: a mais lenta da gente piedosa, religiosa, cumpridora dos seus deveres. Depois, a dos que lutam fortemente no seu interior, os justos, surgindo em seguida a via mais rápida da aspiração amorosa e da morte em Deus, na qual se viaja em estados de amor e de beatitude.
Este caminhar mais rápido será o seu e aquele que dinamizará nos seus discípulos, a via kubrawîe, a dos que voam para Deus.
Acerca do valor do desejo na via ou caminho, Najm al-din Kubra costumava contar a história metafórica do sheikh al-Kharaqâni, que tendo na meditação do meio-dia subido às alturas do trono do Deus e feito mil circunvalações, encontrou um grupo de seres espantados com a velocidade com que ele conseguia rodar à volta de Deus, tendo-lhes respondido que certamente derivava da sua natureza de fogo e de luz, movida pelo desejo.
Kubra valorizava muito a confiança pura em Deus, como a melhor forma de evitar os ataques de forças negativas, indicando mesmo como a oração mais própria para sermos libertados de forças negativas esta: Yâ ghiyaâth al-mustaghîtîn aghithnî, Oh Socorro daqueles que imploram o socorro, socorre-me.
Já para saber se devíamos fazer isto ou aquilo, ou se tal pensamento era ou não da alma, se era ou não de Deus, preconizava a consulta tele-anímica com o mestre e o desenvolvimento dum sentido de gosto espiritual, através do qual o sabor doce revelava o divino e o amargo o que não deveríamos assimilar.
Eis uma técnica raríssima entre os místicos e mestres e bem valiosa, pois estamos a trabalhar o gosto ao nível espiritual e como sabemos temos tal sentido no corpo espiritual. Por isso, mesmo ao alimentar-nos, devíamos estar mais atentos a um saborear de gratidão...
O caminho espiritual é no fundo uma via alquímica de extracção do ouro filosofal que é a visão espiritual, ou seja, o órgão de luz contemplativo que nos permite tanto ver a luz interior e a luz divina como as características subtis do estado ou estação do caminho da vida em que nos encontramos.
Kubra dá-nos vários exemplos da ultrapassagem das influências dos cinco elementos (terra, água, ar, fogo e éter) nos nossos sonhos ou visões, e realça que a visão do poço da alma que podemos obter nas nossas meditações surge ao princípio como algo que está em cima de nós, depois em frente e, por fim, ao fundo de nós próprios, e que se trata da abertura progressiva do coração para o mundo espiritual, em simultâneo com a clarificação da sua luz, até ela se revelar angélica, de amor e de cor verde, o que caracteriza a condição mais purificada, denominada senhorial.
Sobre as cores que se revelam no interior, nas meditações ou concentrações visionárias, ao princípio surge a cor amarela e cores obscurecidas e à medida que o discípulo se vai purificando e concentrando começa a ver o azul da alma viva, depois o vermelho do poder da concentração, e por fim o verde do coração espiritual. Mas nem só somos visitados pelas cores pois há outras importantes visitações, tal a dos anjos que entrando pelas costas descem no coração e derramam serenidade, com os nossos pensamentos permanecendo em Deus.
Kubra praticava sobretudo a invocação do santo nome de Deus, recomendada no Corão, II=152: «Invocai-me, Eu vos invocarei», ou ainda (XVIII=24) «Invoca o teu Senhor quando o esqueces», e chegava mesmo a ouvir anjos cantarem: «Em nome de Deus, tal como não há divindade senão Ele, o todo Compassivo, o muito Compassivo», (II=163), de tal modo que parecia que Deus descera das alturas para o céu que rodeia a Terra, visitação com que aliás estamos familiarizados com as legendas que se teceram à volta da mítica noite de Natal.
Kubra deixou-nos muitas páginas de ensinamentos sobre a invocação, zikr ou dikr, a sua importância (é ela que nos pode levar acima do tempo, ao nosso corpo espiritual e à existência divina), características, modos (por exemplo, ao pronunciá-la, simultaneamente ouvi-la), objectivos e resultados, pois é por ela sobretudo que o coração é iluminado e que a luz divina se une connosco, devendo ser verdadeiramente apreciada, amada, para que ela se revele na sua plenitude e nos segredos e poderes íntimos.
Invocação não só da língua, audível, mas sobretudo do coração e da consciência secreta, estes dando a energia e a capacidade ao invocando de se ligar ou mesmo tornar-se o Invocado, num processo gradual em que a repetição do nome de Deus, dirigido mesmo para o coração, purifica-o e torna-o habitação e por fim revelação e unicidade divina.
Encontramos estes ensinamentos nos místicos não advaiticos da Índia, sobretudo nos Shaivas, Shaktas e Vaishnavas onde o japa mantra (a repetição de nome divinos), e o kirtan, o canto devocional (Hari, Hare) são muito valorizados e praticados. 

O livro mais importante de Najm Al-Din Kubra é o Fawatih al-Jamal wa fawa'ih al Jalal, que se pode traduzir por As eclosões de Beleza e os perfumes da Majestade, tendo sido traduzido para alemão e para francês, e bem comentado, por Fritz Meier e Paul Ballanfat.
Há dois dias, de noite, resolvi ler e comentar o início da obra, que já leio e conheço há alguns anos, e gravei uns 12 minutos, agora disponíveis. Mas voltaremos à obra notável de Najm al-din Kubra, tanto mais que outro místico sincrético valioso do Islão o cita e que eu muito aprecio, Dara Shikoh, o príncipe mogol pioneiro dos estudos comparativos entre o Hinduísmo e o Islão e também conhecedor do Cristianismo, filho de Mumtaz Mahal e do quinto imperador mogol Shah Jahan, o construtor do imortal Taj Mahal... 

Que eles nos possam acompanhar e inspirar na Awliyaullah, ou companhia dos amigos de Deus...                                                                   

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