Cada gravura emblemática de Otto Vaenius é uma fonte pluridimensional de sabedoria para quem a sabe ver, sentir e contemplar, a que as palavras ou versos provindos da sabedoria greco-romana e medieval (tais Ovídio, Horácio, Séneca e Petrarca) acrescentam valiosas ideias-forças na nossa compreensão, meditação e assimilação do Amor, entrando no nosso vasto teatro de memória semi-consciente mas bem actuante nas nossas relações humanas mais ou menos amorosas e felizes. No fundo era uma angelizada arte amatória psicológica, moral e social a fornecida aos jovens europeus dos belos tempos do séc. XVII.

Em 1608 publica a obra que se tornará paradigmática deste tipo de livros filosóficos-morais-devocionais-amorosos com o anjo-cupido, os Emblemas do Amor, ou Amorum emblemata, figuris aeneis incisa, com dez textos ou poemas valiosos introdutórios e laudatórios, e com 124 emblemas em forma de oval, simbolizando o Amor e seus poderes e provações, desenhados e abertos por ele em cobre, com divisa ou título inicial seguindo-se uma mesma quadra em latim, holandês e francês, como se verá em breve. A versão da quadra em latim é porém mais erudita, compreensivelmente, face à das línguas vernáculas mais simples. O sucesso foi tão grande na apresentação tão artística duma arte amatória, ou aprendizagem do amor, concebido como sagrado, criativo, aperfeiçoador e destinado a todos, que outras edições se sucederam e nas quais ao texto em latim, holandês e em francês se juntaram alternadamente as línguas italianas e inglesas.
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| Edição de 1608, de Antuérpia, mais perfeita. |
AMOR ADDIT INERTIBVS ALAS.
Nemo adeo est stupide, natura mentis asellus,
Cui cor et ingenium haud indere possit Amor.
Pegaseas pecori Arcadico ille accommodat alas:
Mopsum hebetem in blandum format et arte procum.
[Trad: O Amor adiciona asas aos fracos [ou inertes].
Ninguém com mente de burrinho é tão estúpido,
que o Amor não possa introduzir coração e engenho.
Ele acomoda ao rebanho da Arcádia as asas de Pégaso:
o pesado Mopsus modela com arte num jovem atraente.
Amour change nature.
«Il n'y a parmy nous de chair masse si lourde,
A qui ne puisse Amour ses aislerons donner,
Il peut aux grands esprits l'asne páragonner,
Et au plus gros rustau esueiller l'ame gourde. »
«Trad: O Amor muda a Natureza Não há entre nós corpo de carne tão pesado,
A quem não possa o Amor as suas asas dar
Ele pode aos grandes espíritos o asno elevar,
E ao maior rústico a alma adormecida despertar.»
| A edição francesa, c. 1620, as gravuras com leves diferenças da original de 1608, sobretudo nos cenários. |
«Il n'y a parmy nous nature si grossiere,
A qui ne puisse Amour ses aislerons donner,
Il peut aux beaux esprits le plus asne egaller,
Et le rendre bien tost a lui meme contraire.»
Trad. Entre nós não há natureza tão grosseira,
A quem não possa o Amor suas asas dar,
Ele pode aos belos espíritos o mais asno igualar,
E torná-lo rapidamente o contrário de si mesmo.
Trad. Among us there is no nature so coarse,
To whom Love cannot give its wings,
It can equal the most dizzy to the beautiful minds,
And turn him very quickly the opposite of himself.
Hermenêutica: um dos ensinamentos que podemos extrair ainda desta valorização do fogo do amor intensificando o coração e alma e aperfeiçoando as pessoas é entendermos que o burro ou animalzinho somos nós próprios ou, melhor ainda, a nossa natureza animal, instintiva e mais ou menos rude. É sobre ela, nela, que o anjo, o mestre, o espírito, o eu superior em nós, põe cuidadosamente as asas. E que asas são estas? As irradiações do amor, da devoção, da aspiração, da compaixão, da abnegação que brotam de nós...
E quando são postas ou manifestam-se em nós? Quando conseguimos vibrar nesses actos de amor, de aspiração, de comunhão, ou de abnegação a qualquer momento, em qualquer situação, seja pelo amor à amada, ao próximo, ao Bem, à Divindade.
São postas sobre nós ou crescem em nós, e o Anjo é tanto ele como a nossa consciência alcançando a subtileza da alma e a existência de asas nela, asas que são raios de energia ígnea, psíquica, que brotam do coração, e do espírito e que irradiam como asas seja para vencer obstáculo, preguiças, egoísmos, seja para nos elevarem ao alto, cósmico e divino, ou ainda ao bem da família, ao bem comum, à multipolaridade equitativa mundial.
O que é que este emblema nos pode dizer mais em hermenêutica espiritual? É que para as asas crescerem e nos elevarmos, o burro ou asno, mente limitada, o eu-ego, tem de se curvar, silenciar, e depois deixar que do seu interior e do Cosmos as energias aladas brotem, manifestem-se mais.
O burro, isto é, a mente ou personalidade limitada, aquiesceu, baixou as orelhas, e está agora pronto a sentir as energias espirituais elevativas que o Amor em si faz nascer ou intensifica. As asas não se erguem na cabeça mas do peito, do costado, da zona cardíaca e respiratória...
Silenciar, aquiescer, não ouvir nem se deixar envolver tanto com a conflituosidade competitiva e egóica das pessoas, ideologias, partidos, governos e sobretudo meios de informação manipuladores é fundamental para aprofundar o sentir o amor, o consagrar-nos mais consciente e perseverantemente a estar em Amor: - Ama e Adora. E age no amor, criativamente, solidariamente, na equidade multipolar e harmonizadora do mundo.
O autor francês, nas suas interpretações morais a este emblema, desvanecido pelo tempo no exemplar que consultámos, realça os efeitos benéficos de perfectibilidade e sociabilidade que o Amor causa em quem o sente, sofre ou acende e conclui até nas duas linhas finais em latim com a capacidade de o amor tornar doce ou mel o que é amargo, ou o que é triste em alegre e lépido, lembrando-nos que quando estamos em situações difíceis ainda o melhor vector transformador é o Amor, a aspiração à unidade, a vivência da energia psíquica amorosa para o amado ou a amada, o outro, o bem comum, a harmonia divina dos mundos, em sintonia com o Anjo ou a natureza angélica. Saibamos pois invocá-lo, assumi-lo e irradia-lo mais clara, corajosa e perseverantemente....
| "L'Amour n'a peur"." O Amor não tem medo", é corajoso e imortal... |



2 comentários:
SANTAS palavras, a minha alma acredita .
Graças muitas. E boas realizações.
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