domingo, 17 de agosto de 2025

George Roerich: Shambhala. Contextualização e extracto do seu diário da expedição à Asia Central de 1925 a 1928, da família Roerich, "Trails to inmost Asia"

Yuri ou George Roerich (1902-1960, e ver neste blogue a sua biografia) transmite o que ouviu e soube durante a sua expedição, com o pai e a corajosa e resistente mãe, à Ásia Central, sobre Shambala, o rei do Mundo, Rygden Jyepo, e a vinda de Maitreya, o novo Budha...

                                       
Em 1925, após alguns meses na Índia e no Sikim,  Nicholai e Helena Roerich e o seu filho Yuri Nikolaevic,  e com alguns ajudantes, começam a pioneira expedição de Srinagar a Darjeeling através da Ásia Central, percorrendo 25.000 quilómetros pela China, Rússia, Sibéria, Mongólia e Índia que durará cerca de quatro anos (finda em Maio de 1928) e recolherá muita informação, livros (500 da religião Bo) peças e documentos pioneiros de arte, história, etnografia e arqueologia, linguística, religião, magia e ciência botânica. 

  Yuri ou George, Roerich destacar-se-á tanto pelos seus conhecimentos linguísticos e era o intérprete ideal ao saber pali, sânscrito, chinês, tibetano e mongol, como pelos militares, e por isso foi o encarregado da segurança de expedição por vezes bem complexa: quarenta e quatro camelos (e só chegarão dois) com as pessoas e coisas, exploração perigosa face aos confrontos que houve, mas que Yuri, um ser de grande capacidade de síntese e de clarividência, conseguiu controlar e ajudar a superar, e talvez destas experiências se formasse o seu conselho, mais tarde frequente, de que devemos ver qualquer assunto a partir das mais diferentes perspectivas ou fontes.

                                                 
 George transcreveu o diário que foi escrevendo com científica objectividade durante a expedição, documentou-o com boas fotografias, enriqueceu-o com equilibrada e ajustada erudição histórica, etnográfica e religiosa, e seu livro Trails to inmost Asia sai em 1930, com tradução francesa três anos depois prefaciada por Louis Marin, Sur Les Pistes de l'Asie Centrale, tornando-se um marco no conhecimento da Ásia Central, até então pouco conhecida cientificamente. O pai realizou 500 pinturas durante a expedição, das quias 350 Yuri oferecerá a dois museus russas, as outras hoje espalhadas pelo planeta...

                                                                   
Deste seu livro, já que Yuri publicara antes um Tibetan Paintings com muita informação pioneira, Trails to inmost Asia, resolvemos traduzir duas páginas  em que trata de Shambhala, a misteriosa dimensão espiritual mais elevada da Terra, situada seja no Pamir, Turquestão ou deserto central do Gobi e cujo rei ou hierarca supremo é Rig-den Jye-po, que se crê sempre estar para voltar à Terra com o seu exército para vencer as hordas do mal e iniciar um novo ciclo de luz. A iconografia dele e de Shambhala é muito rica e George Roerich estudou-a bastante, para além do seu pai também a ter descrito e a ter enriquecido com várias pinturas, algumas delas muito famosas de Rig-den Jye-po flamejante, e vários textos flamejantes.

Tanka, ou bandeira-pintura de Rigden Jyepo, por Nicholai Roerich

 Enquanto o seu pai e Helena escreveram ora como historiadores e  etnógrafos, ora como pedagogos e crentes entusiastas na sua vinda, ora como mestres espirituais e iniciados no ensinamento do Agni Yoga de mestre Morya, valorizando muito tal vinda, dimensão e reino, e logo após a viagem Nicholai utilizou muita da informação recolhida nos seus livros Altay Himalayas e, sobretudo quanto a Shambhala, no Heart of Asia, dado à luz em Nova Iorque, em 1929, George, mais cientista, mas também bom conhecedor e vivenciador das práticas e realidades espirituais, opta no seu livro publicado em 1931 apenas por referir a história e as tradições ou crenças que ouviu e, sem as validar já, prefere reservar a sua opinião para quando todo o corpo documental estiver pronto, num posicionamento crente e admirador mas menos entusiasta que os seus pais que pensavam, vendo e ouvindo tantos sinais durante o longo percurso, que Maitreya estaria mesmo para vir, ou avatarizar, brevemente... 

Uma das esculturas de Maitreya, o futuro Budha, fotografada por George Roerich
 Já antes o imaginativo Saint-Yves d'Alveydre, o viajado Ossendovsky  ou mesmo René Guénon (em 1927 com o seu tão esquemático Rei do Mundo),  e depois outros. escreveram ora mais acertadamente ora mais mistificadoramente sobre Shambhala, Kalapa,  Agartha ou Himavat, referida de facto em várias tradições e por várias designações, mas só poucos seguiram e trabalharam, ou trabalham, os ensinamentos e práticas iluminantes e libertadores, ligados ao Kalachakra de Shambhala, à tradição tibetana, tântrica, yoguica e mântrica, ou à Tradicão Espiritual perene e universal, conseguindo então sentir, ver ou ligar-se aos grandes seres e mestres e sobretudo realizar os estados conscienciais ligados aos níveis internos e elevado do mundo espiritual na Terra, no fundo, a pureza da psique, a presença viva do espírito, a primordial natureza de Buda, o reino de Deus ou do espírito no coração.  
Oiçamos então o que Yuri ou George Roerich prudentemente e sem confirmar revelações e clarividências, sem se entusiasmar com profecias e sinais, algo que talvez possamos discernir no casal Roerich, espectadores sofridos do drama das duas grandes guerras, nos  narra no seu livro, Trails to inmost Asia, a partir da página 155:

«O Tsurkha-yin-siima, ou o Templo da Astrologia, é uma importante instituição erudita na capital mongol. Foi construído em 1798 d. C. durante a vida da Quarta Incarnação de Je-tsiin tam-pa Hutukhtu. É considerado de grande santidade e os visitantes geralmente não são autorizados a entrar. É necessária uma autorização especial para ver o edifício e as imagens dentro dele.
Um corpo especial de lamas oficia no templo e uma preparação especial é exigida aos que pretendem entrar no templo. Cada aspirante deve passar por vários exames em astronomia lamaísta e disciplinas relacionadas para se qualificar como estudante ou membro do Templo de Astrologia. 

Mandala do Kalachakra, ou Roda do Tempo, com uma complexa doutrina ligada a toda a simbologia desenhada e colorida, e que ainda hoje está viva nos mosteiros tibetanos, por vezes até apenas como arte efémera realizada por uns dias sobre areia colorida.

 No templo encontram-se pinturas ou pergaminhos pintados representando o mandala ou a esfera mística de influência do sistema Kalachakra ou a Roda do Tempo. Um conhecimento profundo de kar-tsi ou astronomia é essencial para uma compreensão correta da doutrina. Esta doutrina mística foi introduzida no Tibete pelo grande Dipankara Shri-jnana ou Atisha, um famoso mestre do convento indiano de Vikramashila, no século XI. A doutrina, que provavelmente apareceu na Índia por volta do final do século X, originou-se contudo no Reino de Shambhala, uma região situada ao norte do Tibete propriamente dito. 
Entrada para o mosteiro Tashi-lhun-po, em Shigatse, na actualidade. Nele estive e fui convidado a assistir semi-secretamente a uma cerimónia demorada ao lado do abade do mosteiro.

O centro da doutrina Kalacakra era o mosteiro Tashi-lhun-po. Um dos colégios monásticos de Tashi-lhun-po foi consagrado ao estudo do Kalacakra e é conhecido pelo nome de Diin-khor-gyi da-tshang (Tib. Dus-’khor-gyi gra-tshang) ou colégio de Kalacakra.
Este colégio foi por muito tempo a principal sede de aprendizagem, onde os alunos especialmente aprovados podiam dedicar o seu tempo ao estudo dos complexos tratados sobre a doutrina. Os livros acerca da doutrina Kalacakra são dados apenas a alunos de confiança, e um estrangeiro pode obter tais livros somente depois de ter obtido uma autorização especial para fazê-lo do Dalai Lama ou das autoridades clericais do Tibete. Estes livros são raramente impressos e as impressões em bloco de madeira são preservadas em grandes oficinas monásticas. Quando uma pessoa recebe a autorização necessária, o livro é impresso em papel fornecido pelo solicitante, sem que seja cobrada qualquer preço pela impressão.
O Grande Lama de Tashi-lhun-po foi na sua Segunda Incarnação, Rig-den jam-pe dak-pa (Tib. Rigs-Idan ’"jam-dpal grags-pa), um dos governantes de Shambhala, que se diz que governam o reino por cem anos. Em sua futura reencarnação, Sua Santidade o Tashi Lama renascerá como Rigden Jye-po, o futuro governante de Shambhala, cujo destino é conquistar os seguidores do mal e estabelecer o reino de Maitreya, o futuro Budha. A doutrina de Shambhala é a doutrina oculta do Tibete e da Mongólia, e Sua Santidade o Tashi Lama é considerado o principal expositor da doutrina neste mundo. 

O nono Panchem Lama, ou Tashi Lama (por ser de Tashi-lhun-po), numa fotografia de Sven Hendi, em 1907, quando tinha 24 anos. Em exilio na China  de  1923 a 1937 quando desincarna. Yuri elogia-o pela sua devoção a Maitreya e viu a estátua de 26 metros de altura construída por ordem dele entre 1915 e 1919.

Desde a partida do actual Tashi Lama em 1923 [de Tashilhunpo e Shigatse para a China devido aos impostos do Dalai Lama, de Lhasa] a doutrina recebeu um poderoso  impulso novo, e numerosos colégios Kalacakra foram estabelecidos pelo próprio Sua Santidade na Mongólia Interior e na China Budista [para onde se exilara]. Até mesmo na distante Buriácia pode-se observar o mesmo movimento. A maioria dos mosteiros estabelece colégios especiais de Kalacakra com um corpo especial de lamas para oficiar neles. 

O Rei de Shambhala ou Rig-den Jye-po, pintura de Nikolai Konstantinovich Roerich.

Shambhala não é apenas considerada como a abóbada da aprendizagem oculta do Budismo,  é o princípio guia da próxima kalpa ou era cósmica. Diz-se que eruditos abades e lamas meditativos estão em constante comunicação com esta mística fraternidade que guia os destinos do mundo budista.  Um observador ocidental tende a menosprezar a importância desse nome ou a relegar a volumosa literatura sobre Shambhala e a ainda mais vasta tradição oral à classe de folclore ou mitologia; mas os que estudaram tanto o budismo literário quanto o popular sabem da força terrífica que esse nome possui entre as massas de budistas da Ásia Alta. Pois ao longo da história não só inspirou movimentos religiosos mas até mesmo moveu exércitos, cujo grito de guerra era o nome de Shambhala. As tropas mongóis de Sukhe Bator, que libertaram a Mongólia das tropas do General Hsii, compuseram por eles próprios uma canção de marcha, que ainda é cantada pela cavalaria mongol. A canção começa com as palavras Jang Shambal-in dayin ou "A Guerra do norte de Shambhala" e convoca os guerreiros da Mongólia a erguerem-se para a Guerra Santa de libertação do país dos inimigos opressores. "Que todos nós morramos nesta guerra e renasçamos como guerreiros de Shambal-in Khan," diz a canção.
No passado, grandes nomes da hierarquia budista da Mongólia e do Tibete dedicaram volumes inteiros à doutrina de Kalacakra e Shambhala. Entre eles, os nomes de Atisha e Brom-ston, Khe-dup-je, o terceiro Tashi Lama Pal-den ye-she (Tib. dPal-Idan ye-shes) e  Je-tstin Taranatha destacam-se. 

Nos dias de hoje, uma vasta literatura oral, que às vezes assume a forma de profecias, canções, nam-thar ou lendas, e lam-yig ou itinerários, vem à tona, e numerosos bardos cantam a balada da futura guerra de Shambhala, que marcará a queda do mal. Não diminuamos a importância desta força de despertar, que é amada ou valorizada nas tendas dos nómadas e nos numerosos mosteiros do centro da Ásia lamaísta.
Reservemos a nossa opinião até ao momento em que toda a vasta literatura do Kalacakra for traduzida e adequadamente comentada e a vasta tradição oral do Budismo for estudada e rastreada até suas fontes. Espero, num futuro volume, traçar o desenvolvimento da doutrina e literatura Kalacakra e estudar em detalhe a sua influência sobre as massas da Ásia Central
Budista. 

 Existem várias representações iconográficas de Shambhala e do Kalacakra. O Rei de Shambhala ou Rig-den Jye-po é geralmente representado sentado num trono coberto por uma almofada. Com a mão esquerda colocada no seu colo, ele sustenta a Roda da Lei; a sua mão direita faz o sinal da caridade (vara-mudra), ou às vezes é vista segurando o caule de uma flor de lótus que sustenta o livro e a espada—símbolos de Manjushri, o Príncipe do Conhecimento. Em algumas pinturas antigas, o Rei é visto vestido com uma armadura de peitoral e usando um capacete pontudo. Em imagens mais modernas, ele é visto vestido com vestes fluídas ornamentadas com ricos desenhos dourados. À volta do seu trono sentam-se os seus pais, designados pelo nome de Rig-den Jye-po ’i yab-yum, ou, às vezes, em vez deles, Rig-den pema karpo, o primeiro expositor da doutrina Kalacakra na Índia, e o Bodhisattva Padmapani.

No canto inferior, às vezes vemos representado Atisha Shrijnana, o introdutor do Kalacakra no Tibete.
Em algumas pinturas debaixo do trono do Rei de Shambhala, está retratada a guerra iminente de Shambhala contra o Lalo’i jye-po, o Rei dos seres do Mal (Evil ones). Nela vemos o Rei de Shambhala montado em um corcel negro derrotando o Rei dos La-los. Os detalhes são interessantes porque nos mostram todos os apetrechos dos antigos guerreiros tibetanos—armaduras de peitoral, capacetes com pequenas bandeiras, espadas pesadas, arcabuzes, arcos e flechas, e até mesmo armas de bambu colocadas em estranhas carroças.
Outras imagens representam a mandala de Shambhala. O Rei de Shambhala é representado sentado em frente a uma das torres de seu palácio. O palácio, uma grande estrutura no estilo Sino-Tibetano, é cercado por um círculo de altas montanhas nevadas, pois diz-se no lam-yig de Shambhala ou Itinerário de Shambhala que o Reino de Shambhala está situado em uma região montanhosa abrigada de todos os lados por altas cadeias nevadas. 
Caminho para Shambhala, Path to Shambhala, 1928, Nicholai Roerich

 No canto superior de tais pinturas, vemos a representação de Pal-den ye-she, o terceiro Tashi Lama, segurando a malga monástica e a forma de uma cabeça do yi-dam de Kalacakra (Tib. dPal-dus-kys ’khor-lo yab-yum). Muito frequentemente, o yi-dam é representado com quatro cabeças e doze ou vinte e quatro braços. A cor de seu corpo é invariavelmente azul; sua shakti ou yum é de um amarelo-laranja escuro ou às vezes vermelho. O ydam de Kalacakra é frequentemente representado como um bodhisattva. Quando representado como tal, ele veste o traje de bodhisattva e segura em suas mãos unidas a Roda da Lei ou Dharmacakra. Nesta forma, a cor de seu corpo é ocre amarelo. O yi-dam de Kalacakra tem sido frequentemente mal interpretado na literatura ocidental sobre o assunto como um deus Kalacakra. Na realidade, o yi-dam de Kalacakra simboliza a força mística do sistema e nunca é considerado um ser divino.
No Templo da Astrologia em Urga, os estudantes lamas são primeiro treinados na astronomia e astrologia e depois iniciados nos segredos de Kalacakra. Existe uma ordem prescrita de assuntos na qual o estudo do Kalacakra deve ser abordado; mas como isso requereria uma longa descrição longa dos sistemas tântricos aliados, teremos de a omitir aqui.
Em Urga, o templo dedicado a Maitreya, o próximo Budha, aquele que está para vir, mas inegavelmente sem condições actuais no mundo exterior, por muito que se deseje e se afirme a sua vinda em várias tradições e grupos...

O melhor templo no küren [em Urga] está dedicado a Maitreya. A enorme estátua do Budha vindouro foi executada por artesãos chineses em Dolon-nor. O primeiro templo a abrigar a estátua foi construído durante a vida da Quinta Incarnação do Bogdo Gegen, mas como logo desabou  foram enviados e representantes ao Tashi Lama no Tibete para investigar a razão de tal calamidade. O Tashi Lama deu a explicação de que a imagem do futuro Buda preferia um templo de arquitetura tibetana, e diz-se que ele mesmo contribuiu com um plano geral para o novo templo.
 O templo actual foi construído durante a vida da Sétima Incarnação de Je-tsün tam-pa Hutukhtu. É um edifício quadrado de madeira com uma cúpula no meio do telhado, coroada com um gañjira, e as bandeiras tradicionais ou jyal-tsen nos cantos. A colossal imagem de Maitreya, com cerca de quinze metros de altura, fica no meio do templo. Atrás da figura na parede norte, estão cinco enormes figuras de bodhisattvas acompanhantes. As outras paredes estão cobertas com vitrines contendo imagens de bronze dos mil Tathagatas.[seres que se foram. que já atingiram a libertação.]
Em frente à imagem de Maitreya, há uma mesa de altar com as lâmpadas de oferenda habituais, os oito símbolos auspicioso e grandes potes de incenso. No meio do altar está colocada uma representação emoldurada da Samsaracakra ou da Roda da Vida.  Colunas 
maciças de madeira pintadas em cores brilhantes sustentam uma galeria na qual são colocadas prateleiras ou kün-ra, contendo dois conjuntos completos do Känjür e Tänjür. Fora do templo, há numerosas rodas de oração, e os peregrinos geralmente caminham ao redor do templo e colocam as rodas em movimento.»
Os oito símbolos auspiciosos da tradição himalaica, bem redesenhados por Nicholai Roerich. Que eles nos inspirem e abençoem  a realizar mais os níveis espirituais e a sermos mais lúcidos, corajosos, criativos, multipolares, fraternos. Aum Hah Hum...

sábado, 16 de agosto de 2025

Aniversário de George Roerich, orientalista, etnógrafo e filho de Nicholai e Helena Roerich: sua vida e obra.

                                         
                   Nicholai, Helena, George e Svetoslav, em Nagar, Kullu Valley, Índia.

A 16 de Agosto de 1902
nasce em Okulovka, Novogorod, Rússia, George (ou Yuri) Roerich, filho do notável pintor Nicholai Roerich e de Helena Roerich. Em 1904 será o seu irmão e companheiro, Svetoslav, a vir à luz e destacar-se-á como pintor, casando-se em 1945 com Devika Rani, uma famosa actriz de cinema e viverão e desencarnarão em Bangalore, em 1993. Ainda me correspondi com ele, mas convidado a visitá-los não pude. 
 Desde cedo mostrou facilidade na aprendizagem de línguas, aos 15 anos estudando o egípcio e o mongol na Rússia, e desde os 17, em Londres, o sânscrito e o pali. De 1920 a 1922 está nos USA com os pais e aprofunda na universidade de Harvard  o sânscrito e os estudos de arte ornamental e simbólica, bem como o chinês. Em 1922-23 estuda em Paris, colabora com vários sábios e aprofunda sânscrito, persa, mongol, chinês e tibetano, doutorando-se em Filologia Indiana em 1923. Chega no fim do ano aos sonhados Himalaias, onde aprofunda os estudos de tibetano e de arte, descobrindo ligações entre a Rússia e o Tibete, publicando o livro pioneiro Tibete Paintings.
Em 6 de Março de 1925, após uns meses de visita da Índia e do Sikkim,  começa a expedição da Ásia Central com os pais, e alguns ajudantes, que os leva de Srinagar até Darjeeling através do interior da Ásia central (Turquistão chinês, Rússia, Tibete, Mongólia) durante mais de quatro anos (fim, em Maio de 1928), 25.000 quilómetros, e recolherá muita informação, peças e documentos pioneiros de arte, história e arqueologia (nomeadamente dolmens e cairns ou pirâmides de pedras), religião, magia e ciência botânica, destacando-se ainda pelos seus conhecimentos militares, e por isso foi o encarregado da segurança de expedição (por vezes bem complexa, pois iam 44 camelos com pessoas e coisas, e perigosa) e linguísticos pois era o intérprete ideal ao saber hindi, sânscrito, tibetano e mongol. Dotado de grande sensibilidade, clarividência e capacidade de síntese, conseguiu controlar e ajudar a superar as dificuldades, e talvez destas experiências se formasse o seu conselho, mais tarde frequente, de que deveremos ver qualquer assunto a partir das mais diferentes perspectivas ou fontes, se queremos chegar à verdade, curiosamente algo hoje negado e perseguido pelas narrativas oficiais dos governos e meios de comunicação ocidentais.
Instalam-se em Darjeeling , no Talai-Pho Brang, onde fundam a 24 de Julho de 1928 o Instituto Urusvati, de Investigação Himalaica, para ordenarem, preservarem, estudarem e divulgarem o extenso material recolhido, e recebem e dialogam com alguns visitantes tibetanos especiais, tal o Geshe Rimpoche do mosteiro em Chumbi, bom conhecedor dos ensinamento do Kalachakra, de Shambhala e de Rigden Jyepo, e dinamizador de tal corrente espiritual na arte e no culto.
  Mudam-se uns meses depois para Naggar, em Kullu Valley, onde estabilizarão, e ele dirigirá durante dez anos o Instituto, com várias publicações valiosas a serem dadas à luz. Embora um erudito e intelectual, era sobretudo um espiritual e constantemente advertiu do perigo do intelectualismo, pois o sentir, o sentimento, a simpatia, a aspiração e o amor são essenciais na progressão no caminho da realização espiritual, da beleza, da ética. Toda a família trabalhava espiritualmente no aprofundamento da energia psíquica, dos raios cósmicos, da ligação ao mestre.
 George transcreveu o diário que foi escrevendo durante a expedição, documenta com boas fotografias, enriqueceu-o com equilibrada e ajustada erudição histórica, etnográfica e religiosa, e  seu livro Trails to inemost Asia sai em 1930, com tradução francesa três anos depois prefaciada por Louis Marin, Sur Les Pistes de l'Asie Centrale, tornando-se um marco no conhecimento da Ásia Central, até então pouco conhecida cientificamente. O pai realizou 500 pinturas durante a expedição, hoje espalhadas por todo o planeta...
                          Entre 1934 e 1935 participa  com o pai numa nova expedição à Mongólia e à Manchúria, China e Japão, desta vez já não financiada pelo governo russo de Estaline mas pelo discípulo de Nicholas Roerich e secretário do Departamento da Agricultura dos USA, Henry Wallace, para colherem sementes e plantas. Regressam a Naggar em Outubro de 1935,  e estabilizam finalmente no Centro, que irá recebendo ilustres visitantes e investigadores. Eu próprio passados muitos anos também o peregrinei por duas vezes... 
A 2ª grande Guerra é pois passada em Naggar, com o pai tentando movimentações para a Paz, e a restante família investigando, escrevendo, meditando. Com a morte dele 1947, George e a mãe Helena mudam-se para Deli, onde a mãe não se dá bem com o calor,  Khandala e por fim a fresca himalaica de Kalimpong onde já ensinava chinês e tibetano, e história budista: com as autoridades soviéticas a demorarem a autorização do repatriamento de Helena, a mãe desincarnará na Índia, na terra do Sanata Dharma, em 1955.
 Só em 1956, após o encontro com a delegação soviética que foi a Índia,e em particular com Nikita Kruchev , é que George será convidado a regressar à Rússia como membro do Instituto de Estudos Orientais, da Academia das Ciências da URSS, onde dirige e dinamizará partir de Agosto 1957 a secção de Filosofia e História das Religiões da Índia, que alarga em Tibetologia e Nomadismo, escrevendo dezenas de artigos, começando um Dicionário de Russo, Tibetano e inglês, com correspondências em sanscrito, e uma História da Ásia Central, e ensinando sânscrito. 
Divulgou ainda, além das pinturas do seu pai,  os ensinamentos espirituais da Ética viva, dados pelos pais nos livros do Agni Yoga, o que foi um feito na época de forte materialismo e ateísmo de Nikita Krushchov. E quando lhe perguntaram sobre o que  fazer face a tais situações, Yuri respondeu: "Considerando as condições e as possibilidades actuais, devemos esforçar-nos por falar numa linguagem que seja compreendida e, através da arte, da ciência e da moralidade, influenciar os  nossos ambientes e elevar o entusiasmo e o heroísmo, que estejam ou sejam direcionados para o bem comum."  E de facto o brilho do seu génio, o amor da sua alma, a realização espiritual e divina que tinha, estimulavam beneficamente todos os que entravam em contacto com ele.
 Infelizmente em 1960, com 58 anos, talvez pelo excesso de trabalho, um ataque de coração fê-lo deixar a Terra quando tanto ainda se esperava dele... Gate, gate paragate, parasamgate, bodhi svaha!
Do seu livro Trails to inmost of Asia, ou do título em francês Sobre  os trilhos ou pistas da Ásia Central, resolvemos traduzir duas páginas (que encontrará destacadas no blogue no dia 17) em que trata de Shambhala, a misteriosa dimensão espiritual mais elevada da Terra, situada seja no Pamir, Turquestão ou deserto central do Gobi e cujo rei ou hierarca supremo é  Rig-den Jye-po, que se crê sempre estar para voltar à Terra com o seu exército  para vencer as hordas do mal e iniciar um novo ciclo de luz. A iconografia dele e de Shambhala é muito rica e George Roerich estudou-a bastante, para além do seu pai também a ter descrito e a ter enriquecido com algumas pinturas, uma delas  muita famosa de Rig-den Jye-po flamejante, em Agni....
 Enquanto o seu pai e Helena escreveram ora como etnógrafos, pedagogos e crentes entusiastas, ora como  inspirados, nomeadamente no ensinamento do Agni Yoga de mestre Morya,  sobre tal dimensão e reino, George, mais cientista, embora bom conhecedor e vivenciador das práticas espirituais, opta apenas por referir a história e as tradições ou crenças e, sem as validar já, prefere reservar a sua opinião para quando todo o corpo documental estiver pronto. Já antes, tal o imaginativo St. Yves de Alveydre, ou sobretudo nas décadas seguintes muitos  escreveram, mais ou menos miticamente sobre Shambhala, enquanto outros seguiram mais o conhecer e praticar a tradição tibetana, tântrica e mântrica ligada ao ensinamento de Kalachara e de Shambala. 
 Os Anais Azuis, Deb-snon, uma volumosa crónica do budismo no Tibete, composta entre 1476 e 1478 por Gos lo-tsa-ba gZon-nu-dpal, e dividida em 15 skabs períodos e onde perpassam os grande e seus ensinamentos e escolas, foi outro dos livros muito valiosos que George Roerich nos deixou, neste caso uma tradução gigantesca de mais mil páginas dada à luz em 1949,  e encontrando-se hoje acessível no Internet Archive...
Em 2002 publicaram-se os dois volumes grandes da sua correspondência, que se encontra online, em russo, e a sua História da Ásia Central está a ser também publicada, havendo vários centros dedicado às vidas e obras de Yuri, Nicholai, Helena e Svetoslav Roerich, dem dúvida génios, heróis ou mestres da Rússia e da Humanidade. 
 
 Pintura final de Nicholai Roerich:  Aum Mani Padme Hum, avistado pela família Roerich na sua expedição. E com eles e os peregrinos, e o P. António de Andrade nosso missionário de Oleiros que pioneiramente o traduziu cristãmente,  também nós repetimos: - Oh joia da consciência espiritual, brilha no nosso ser, chakras, actos...
 


sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O encontro no Alasca de Vladimir Putin e de Donald Trump. Potencialidades, realidades e desafios.

Uma fotografia do último encontro há sete anos. Como evoluíram as mentes e almas de cada um? Quem estará a lutar mais pelo seu ego, pelos interesses do seu país e alianças, ou mesmo pela Justiça e o Bem da Humanidade? Haverá uma simpatia anímica e quem sabe de missão entre os dois que frutificará?

Nestas horas que antecedem o encontro em Anchorage, no Alaska gelado, entre os representantes das duas super potências USA e Rússia para discutirem os diferendos que existem entre elas e particularmente o conflito na Ucrânia e as relações económicas e políticas entre os dois e a China, a Índia, o Irão (e Israel, muito enfraquecido após o falhanço do golpe traiçoeiro e a consequente guerra dos 12 dias), a Turquia, os BRICS,  haverá milhares de previsões e expectativas a serem formuladas pelos mais diferentes tipos de comentadores, e na imagem vemos alguns dos melhores...

 Talvez possamos imaginar com acurácia algumas das direcções e resultados do encontro, se reflectirmos um pouco sobre alguns dos aspectos que subjazem tal teatro, talvez mais político e mediático que diplomático dada a natureza do Ocidente político e particularmente de Donald Trump, um grande ego, com pouca cultura e profundidade de conhecimento e de decisões, pior ou melhor informado ou desinformado pelos conselheiros, pelo que sinceramente nunca se pode ter a certeza que o encontro, de certo modo de xadrez, vai correr bem pois na sua impulsividade de jogador de luta livre vem duma série de encontros políticos em que esmagou ou escravizou os seus dialogantes, os casos mais evidentes foram os da sabujice de Ursula e de Rutte.

Todavia certamente tal visibilidade do encontro e confronto entre os dois jogadores ou lutadores, não deve ser mais do que uns minutos iniciais e finais, dando-se depois início a uma complexa exposição das posições de ambas as partes, em que tudo pode acontecer, apesar da diplomacia cordata que exibirão e provavelmente o encontro de algumas almas inteligentes e com sensibilidade ao coração delas, da Humanidade e da Divindade.

 Justificadamente,  face à incerteza dos resultados deste 1º encontro, os norte-americanos, ou melhor Trump, já afirmou e insiste que o mais importante será um segundo, com Zelensky, e até, admitiu reluntantemente, forçadamente mesmo, com um ou dois dos representantes da União Europeu, que ele despreza ou menospreza e com razões, num encontro em que o cenário psíquico será certamente de grande imprevisibilidade e risco.

Detenhamo-nos nele: Putin e Trump, e agora Zelensky. Ora como é que o megalómano e irascível Zelensky se vai comportar? Como é que Putin conseguirá não se sentir mal face à obrigação de dialogar com um homem sem palavra, traiçoeiro e cheio de ódio à Rússia, que se pudesse assassinar Putin, como já tentou, o faria de novo? Que vibrações estarão no ambiente de tal encontro? 

Ultrapassemos essa tempestade ou trovoada no ar, e viremo-nos para os misteriosos, neste momento, representantes não da Europa que essa está oprimida e silenciada, mas da desgraçada da União Europeia ? Quem poderão ser os mais suportáveis ou engolíveis? Ou quem é que serão os que o dito Estado sombra, ou deep State, vai escolher, provavelmente por indicação dos infiltrados (que há em todos os governos e instituições) do W.E.F., da Open Society, da alta finança internacional? Macron é provavelmente o mais esperto desses avençados, e depois quem mais? A histérica e fanática anti-russa Kaja Kallas certamente não, o semi-nazi Merz também não. Ursula cada vez mais exposta como corrupta e sabuja? Starmer, o Sir sem espinha, sionista, representante da alta finança e do antigo imperialismo, talvez? Finalmente, o moço de fretes português, António Costa, talvez possa ser, provavelmente pela aparência multipolar, pois na essência é um já avençado à oligarquia infrahumanista a que obedece.

 Neste primeiro encontro, tão desejado sobretudo por Donald Trump (e que Putin de certo modo aceitou para o ajudar...) para fazer esquecer o caso Epstein que tanta o ensombrece, bem como a derrota da NATO e da União Europeia, cada vez mais evidente no campo de batalha da Ucrânia, e ainda para brilhar um pouco mais na sua capacidade de ser um duro e que cumpre as promessas, quem sabe desejoso na sua megalomania de ser Nobel da Paz (após Obama, o que vale, embora quem sabe se Trump sonha recebê-lo com Putin) certamente os aspectos económicos da cooperação entre os dois países bem como no quadro das relações internacionais vão ser importantes, quem sabe abrir realmente uma nova era de cooperação entre os dois gigantes (mesmo assim difícil face às oposições da oligarquia decadente ocidental), e poderão disfarçar o desentendimento quanto ao que se acordará ou concederá à Rússia quanto ao que está a vencer e iria vencer no terreno do conflito com a Ucrânia, e que, segundo os criadores exploradores móres da russofobia Ursula e Merz, CNN e SIC, Milhazes e Rogeiro (como destacou Herman José em vídeo memorável), querem chegar até ao fim de extremo da Europa, pondo em destaque as mitificantes profecias ou centúrias de Nostradamus...

Certamente o mais necessário e difícil será mesmo o acordo entre a Rússia como a Ucrânia dado as suas posições oficiais são incompatíveis, pelo que não poderemos esperar o aval da Rússia se não forem garantidos os objectivos da Operação Militar Especial, expressos desde o início: reintegração da zona de Donbass já de jure, ou pela Constituição, como Nova Rússia, na Federação Russa, garantias do mesmo para as zonas que faltam em Zaporizhia e Kherson. E garantias de segurança de não entrada na NATO, ou mesmo fim de tal aliança militar tão ameaçadoramente expansiva (e criminosa). Fim do armamento renovado maior, realização de eleições democráticas e  desnazificação da Ucrânia, bem complexa face a quantidade de amigos de Zelensky e de extremistas do Azov, bem como a adesão de uns 30% dos ucranianos (sobretudo do Oeste) à continuidade da guerra "vitoriosa", segundo os vários Milhazes, Rogeiros, Soleres e Isidoros contra a Rússia?  


 Creio assim que o encontro no Alasca, uma zona unificadora do Leste e do Oeste e tão rica de potencial económico e científico,  é altamente simbólico, e uma semente para um futuro entendimento mundial multipolar, e também um desafio aos warmongers anti-russos (que rodeiam porém Trump e o influenciam constantemente), é um desafio à democratização pacificadora da Ucrânia sem Zelensky nem extremistas nem mais NATO. Mas até que ponto é que os cães vão ladrar e morder e caravana da boa vontade passar não sabemos...

Na realidade, a expectativa mais elevada que se tem feito ouvir e se deseja realizar é estabelecer-se um cessar fogo imediato e incondicional, algo que o próprio algo cataventoso Trump tem repetido como jogador de poker, seja fazendo bluff, seja tentando em bravata ameaçar e enfraquecer a posição justa do Kremlin e dos russos. Ora tal parece claramente impossível, a menos que Vladimir Putin e Lavrov e os outros membros da comitiva, já tão enganados pelo Ocidente, nomeadamente o não haver expansão da NATO para o Leste, ou quanto ao cumprimento dos acordos de Minsk, e que levaram à Operação Militar Especial russa, fossem muito ingénuos e claudicassem perante as exigências destrutivas de grande parte do projecto libertador da Operação Especial e o momento vitorioso do exército russo, à custa de muito sacrifício, sangue, mártires, dos quais nomearemos para finalizar este pequeno texto a tão valiosa filósofa mártir Dara Dugina Platonova, filha do filósofo e geo-estratega Aleksander Dugin, saudando-a, invocando-a, relembrando a sua leitura. Lisboa, 19:31. 15 VIII 2025.

 

Sábia e heróica na Virtude, mas na Fortuna terrena leve...

 Breve aditamento às 13.49 de 18 VIII 2025: Após muitos comentórios a favor e contra o teor do encontro, distinguindo-se nisso mais violentamente vários políticos do Partido Democrático dos EUA, realiza-se hoje o tal 2º encontro e onde estarão afinal Macron, Merz, Meloni, Starmer e Ursula ao lado de Zelensky para chegarem a um acordo com Trump e as propostas bem justificadas e expressas, pela 1ª vez à população ocidental tão manipulada, de Vladimir Putin. Aceitá-las ou então recusá-las é pouco crível, pelo que tentarão apresentar contrapropostas e atemorizar Trump, considerando-o um fraco ou um traidor à causa do Ocidente oligárquico que eles defendem. Conseguirá Trump resistir, quantos conselheiros importantes o apoiam no sentido de que o melhor é a cedência dos terrenos do Leste ucraniano de maioria étnica russa e que já fazem parte da Nova Rússia, algo que Zelensky e UE não querem? 

Ou está ele algo isolado, e claudicará, e continuará a enviar armas para sustentar o moribundo regime banderita de Kiev e o seu megalómano tão adorado pela coligação dos cocainómanos e dispostos a lutar até ao último ucraniano alistado miseravelmente à força? 

  Fazendo votos para que finde o desnecessário conflito entre dois povos irmãos e amigos até à revolução de Maidan em 2013-2014 orquestrada pela CIA, e os dois fanático anti-russos Victoria Nulland e John McCain e os elementos neonazis ucranianos.  

Finalizemos com  imagem da jovem  mártir e mestra espiritual russa Daria Dugina


Como seres de amor e da verdade, trabalhemos e lutemos no Optimismo Escatológico, de Dara Dugina e da Tradição Perene!      

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Francisco Peixoto Bourbon, "Como eu vi o Poeta". Tentando descrever a figura ímpar de Fernando Pessoa. 1º contributo.

 

Conheci ainda Francisco Peixoto Bourbon (1908-1992), um dos admiradores e amigos de Fernando Pessoa que se reuniam no café lisboeta Montanha à volta do genial poeta nos últimos seis anos de sua vida terrena (1935). Natural de Celorico de Basto, engenheiro agrónomo, activo em alguns organismos oficiais e professor, muito culto e com boa biblioteca que já lhe vinha de família , era amigo, conterrâneo e ainda parente do meu pai, vivendo com a mulher e a filha no seu belíssimo e antigo solar ou Casa do Melhorado, junto a Fermil,  e onde me acolheu ainda nos anos 80/90 para animados diálogos, sobre os quais escrevi alguns registos, além de ter conservado cartas (50), fotocópias de artigos de jornais (acima de 40) e três folhas dactilografadas e corrigidas a tinta, enviando-lhe eu algumas fotocópias de documentos do espólio inéditos que lhe interessavam.

Neste dia seguinte ao do meu aniversário, sinónimo de aproximação da morte e logo de pensamentos ou até orações sobre  pessoas amigas que já partiram desta terra física, resolvi iniciar a transcrição de alguns  documentos da correspondência com uma alma valiosa e simpática, amiga de Fernando Pessoa, e que sobre ele transmitiu muita informação desconhecida. 

Anote-se que 66 artigos seus pessoanos, escritos entre 1972 e 1973 no Eco de Estremoz,  foram publicados em 2016 pela Câmara Municipal de Estremoz e a edições Colibri, com um prefácio do José Barreto, Evocando Fernando Pessoa. A sua filha Mafalda ofereceu-me  um exemplar num encontro de família em Frades em 2017, com uma dedicatória simples mas tocante: "Do Pai para o Pedro! Mafalda", o que me levou a ler o livro, e anotá-lo até bastante, e resumi-lo em:  https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2017/07/evocando-fernando-pessoa-francisco.html.

Como prometera à Mafalda tentar avançar com a decifração e publicação de algumas  das cartas, em homenagem ao pai, e como conversando com o José Barreto lamentámos os dois não ter havido  interacção com os escritos de Peixoto Bourbon que possuía, eis o início de uma lenta transcrição de alguns dos artigos e cartas, tanto mais que as informações publicadas no livro complementam-se com estas,  enriquecendo a valiosa compreensão do ambiente cultural duma época, dum grupo, de Portugal, e, claro, de Fernando Pessoa.

 Eis o 1º texto, dactilografado, que primeiro intitulara Tentando descrever a figura ímpar de Fernando Pessoa, e ao enviar-me substituiu a tinta por Como eu vi o Poeta, e que complementa até a visão dada no artigo nos Ecos de Estremoz, do dia de 9 de Dezembro de 1972,  partilha, como observador arguto e empático,  vários aspectos da personalidade e alma do poeta.

«Decorrido que são cinquenta anos sobre o falecimento do saudoso amigo conservo, bem viva, na memória e como se fosse ontem, a imagem de Fernando Pessoa. Era de mediania estatura, magro e mantendo sempre porte muito hirto e até quando andava, com os seus pequenos passos apressados, tinha tendência não a curvar-se mas projectar o tórax para trás.
De cor macilenta e pele fina era de notável parcimonicidade de gestos. Tinha testa muito alta e quando o conheci ainda tinha bastante cabelo, andando sempre irrepreensívelmente barbeado e penteado e usando risca do lado esquerdo, nada de risca ao meio do tempo da sua juventude e como foi retratado por certo pintor espanhol.
Mas ao longo dos seus últimos anos sofreu queda abundante de cabelo que deveras o contrariava pois, segundo dizia, o seu formato craneano não era dos mais favoráveis a suportar uma careca.
Mas o que mais impressionava em Pessoa era o olhar, apesar de andar sempre de óculos, género luneta, observava-se um olhar extraordinariamente vivo, directo e tão penetrante e profundo que chegava a quem não estivesse habituado à sua convivência, a incomodar. Mas aqueles olhos escuros e por vezes, maliciosos, emprestavam um ar aristocrático, que nãos e pode mais esquecer. Mas, não raro, e na intimidade, exprimiam uma doçura e nostalgia sobremodo comovente.
E nos dias em que declarava não estar cerebral mas medular, por virtude de noite mal passada, mais se vincava tal doçura e nostalgia. Mas mesmo quando havia nele expressão de melancolia, triste mas doce, o olhar era penetrante e revelando uma inteligência sem par.
Trajava sempre fatos de cor muito escura. O único fato claro que teria mandado executar, e que teria sido escolhido numa tarde de lusco-fusco jamais o vestiu, pois uma vez a obra acabada não se sentia à vontade com ele.
Mas o trajar, o olhar, a parcimónia de gesto, a forma de falar em tom baixo mas sempre sobremodo urbano imprimiam-lhe um ar tão aristocrático que, para a época, era já um anacronismo e que causavam respeito e admiração por parte de todos que dele se abeiravam e com ele conviviam.
E as suas mãos brancas que contratavam com a cor macilenta da face, eram quase diáfanas e acrescentando ainda uma nota favorável à sua grande elegância e maneiras, o 
que não passava desapercebida mesmo para quem não fosse dotado de espírito observador
E tudo tendo um ar tão natural e não pretensiosamente cultivado, diremos, antes, rebuscado.
Uma particularidade houve que então 
muito me chocou. 

Vinha do Norte onde são mais acentuados os rigores do clima que se torna, como é sabido, bem mais benigno em Lisboa graças às duas massas de água que são o Oceano e o rio Tejo.

Ora no Norte usávamos fatos de Inverno e de Verão, que se usavam ou punham de lado, quase por determinação do calendário.

Pois nunca vi Fernando Pessoa trajar um fato nitidamente de Inverno ou de Verão. Havia como que lançado a moda do fato da meia estação. Quando vinha o inverno envergava um sobretudo mas e apesar de ser um friorento, nos últimos anos como que pôs de parte o sobretudo envergando gabardine azul, mas de azul muito escuro. 

(...)» 

Continuarei a transcrever, em progresso....  

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Acerca do Amor e das suas características e missões actuais...

                                             

O Amor é uma energia, ou uma frequência vibratória da energia cósmica,  que nos atravessa e perpassa, ou que brota de nós ou em nós, e que pode ter muitas origens, ou ser gerado por diferentes causas, e se manifesta fundamentalmente tanto como um estado interior claro, forte, beatificante mesmo, como na vontade de sermos ao máximo prestáveis a, ou dar-nos ou unir-nos a alguém ou algo, seja pessoa, causa, família, grupo, ideal, terra, pátria, mátria, Humanidade, Cosmos ou mesmo  concepção Deus... 

Como dar-nos ou ligar-nos, a quem, quando, para quê, são desafios que nos atravessam e perpassam mais ou menos consciente e constantemente ao longo dos dias e anos da nossa peregrinação ou travessia terrena.

Este dar-nos é multidimensional, abrange corpo, alma e espírito, o mundo visível e o invisível e pouca gente consegue intuir e realizar os aspectos e níveis tão subtis e variados do amor, e quais os mais próximos e necessários ou harmonizadores.

 Na pluridimensionalidade do amor o aspecto sexual é certamente importante, pois faz parte do nosso corpo físico e do seu instinto genético, e é em si uma pulsão energética de fogo e de água, de querer conhecer  e unir-se mais com outrem, e assim se harmonizarem e plenificarem, religando-se à Divindade.

Todo o amor ou acto amoroso visa ou deveria visar a harmonização, a plenificação do ser amado, mas também do amante e mesmo do aumento e irradiação do Amor para o ambiente e a Terra dilacerada. E se dois seres sabem conhecer-se, harmonizar-se, querer-se e interpenetrar-se de modo profundo e bastante pleno, seja na meditação, seja no estar, seja no se unir, podem alcançar estados expandidos de unidade, realizações do subtil anímico, do sagrado e do Divino e seu Amor nas suas consciências e vivências. 

O Amor é uma irradiação ora forte e dissipadora, ora serena, ora alegre do coração, simpatética, harmonizadora, transformadora  pois do coração espiritual e de partes do corpo e chakras partem raios de força amorosa para quem tentamos curar ou  gostamos e adoramos.

O Amor pode também caracterizar-se como um estado de paz, de unidade, de não conflito, de gratidão: o ser é luz e amor, está em amor, irradia amor, ama o amor e tenta identificar-se com o fogo ou calor do amor que sente dentro de si e que por vezes tenta fazer circular e irradiar por, ou através do, seu ser e corpo.

Nos níveis mais elevados e unitivos, o amor impulsiona-nos a reconhecer-nos como espíritos luminosos e, em tal identidade e em unidade com a Fonte e os seus espíritos celestiais e humanos afins, respiramos e emanamos mais o amor, chegando a tais seres, intensificando-se assim a harmonia cósmica, ao fazer-se descer mais luz e amor para a Terra, unindo-se portanto mais ou melhor o Céu e a terra, o mundo espiritual supra-consciente com o terreno ainda tão inconsciente, ou mesmo ignorante, grosseiro e violento como vemos em certos países e seres mais diabólicos, mais opostos à fraternidade de origem divina.

Ao sentirmos, estarmos, realizarmos e respirarmos em amor harmonizamos e subtilizamos os nossos seres e suas relações com os ambientes, os outros, o mundo, e ao meditarmos mais damo-nos  conta de como pode haver ora tensões e apreensões excessivas derivadas de problemas pessoais e dos conflitos mundiais e nacionais, a par dos estados de serenidade ou mesmo das intuições que querem chegar até nós subtilmente da anima mundi, do mundo espiritual...

Nestes estados mais internamente conscientes  do Amor, ele torna-se ou assume-se mais facilmente como oração e invocação, pois tanto se sente o valor de se orar pelos que já partiram como invocar os grandes seres e a Divindade para que façam descer ou subir mais amor e fazem-nos compreender a necessidade da nossa energia ígnea psíquica, que subjaz os pensamentos e sentimentos, ser bem trabalhada, controlada, fortificada, irradiada dissipando o mal, intensificando o bem. 

Por vezes, por graças subtis, o estado interior de uma pessoa é o de amor ou grande amor e nem é preciso orar, invocar, trabalhar. Basta fechar os olhos e sentir tal presença, a qual pode desabrochar no tão raro subtil e  sentir sagrado da paz profunda e que tende para uma religação maior com a Divindade em nós.

Harmonizar, religar e unir o interior e o superior, o profundo e o elevado, o som e o silêncio, a solidão e a comunhão, o que se ignorava com o que se passa a saber, faz parte da grande obra para qual o amor , tende naturalmente ou a que é chamado ser o dinamizador. Talvez por isso se dizia na Grécia que ele era um daimon, um espírito alado, que une os humanos entre si e com os mestres, deuses ou seres celestiais.

Não desperdicemos pois demasiado o tempo nem a nossa energia psíquica e afectiva, não a deixemos ser enfraquecida pelas classes políticas e jornalásticas na generalidade do Ocidente mentirosas e nocivas. Trabalhemos e desenvolvamos o amor-sabedoria o melhor possível com discernimento, enquanto estamos vivo, na vida activa, nos dialogos ou satsangas, na relação afectiva e amorosa com o nosso par, a família,  pessoas amigas, o próximo, os elementos e seres da Natureza, anjos e arcanjos e na adoração invocadora divina.

Quando estivermos mais solitários, harmoniosos e recolhidos, e se o amor foi  bem trabalhado e no coração  concentrado, sentiremos e exclamaremos: - Oh Divindade, vem nascer mais em nós, vem nascer mais em mim.

Saibamos pois vivenciar mais os níveis profundos, elevados ou dinâmicos do amor e sobretudo estabilizar no coração espiritual a nossa consciência, ora em aspiração, ora em contemplação ou comunhão, ora de braços abertos, ora abraçados, ora os dedos em mudras meditativos ora em gestos abençoadores.

Que no recolhimento, na paz e no silêncio, que o teu ser se sinta feliz e em paz, no amor e na unidade que sentires, ou conseguires despertar, conservar e irradiar para um mundo tão sujeito ao egoísmo e à crueldade e que exige de nós um esforço grande para não desanimarmos nem nos alienarmos, e antes lutarmos e vencermos: "Amor, o conquistador".

Possamos ser elos da cavalaria do Amor,  fiéis na sua demanda e partilha, qualquer que seja o vaso ou Graal onde para cada um de nós ele se acende e resplandece, e satisfaz, sacraliza e eleva.

Possam as nossas ideias e pensamentos, palavras e sentimentos, actos e partilhas serem fiéis ao Amor, à Verdade, à Justiça, à multipolaridade libertadora, tão atacados e oprimidos pelas forças da mentira e do mal da oligarquia, e vencermos na unidade do corpo místico ou espiritual da Humanidade, ligada à Divindade.  Aum, Amen, Hum...