Em 1925, após alguns meses na Índia e no Sikim, Nicholai e Helena Roerich e o seu filho Yuri Nikolaevic, e com alguns ajudantes, começam a pioneira expedição de Srinagar a Darjeeling através da Ásia Central, percorrendo 25.000 quilómetros pela China, Rússia, Sibéria, Mongólia e Índia que durará cerca de quatro anos (finda em Maio de 1928) e recolherá muita informação, livros (500 da religião Bo) peças e documentos pioneiros de arte, história, etnografia e arqueologia, linguística, religião, magia e ciência botânica.

George transcreveu o diário que foi escrevendo com científica objectividade durante a expedição, documentou-o com boas fotografias, enriqueceu-o com equilibrada e ajustada erudição histórica, etnográfica e religiosa, e seu livro Trails to inmost Asia sai em 1930, com tradução francesa três anos depois prefaciada por Louis Marin, Sur Les Pistes de l'Asie Centrale, tornando-se um marco no conhecimento da Ásia Central, até então pouco conhecida cientificamente. O pai realizou 500 pinturas durante a expedição, das quias 350 Yuri oferecerá a dois museus russas, as outras hoje espalhadas pelo planeta...
Deste seu livro, já que Yuri publicara antes um Tibetan Paintings com muita informação pioneira, Trails to inmost Asia, resolvemos traduzir duas páginas em que trata de Shambhala, a misteriosa dimensão espiritual mais elevada da Terra, situada seja no Pamir, Turquestão ou deserto central do Gobi e cujo rei ou hierarca supremo é Rig-den Jye-po, que se crê sempre estar para voltar à Terra com o seu exército para vencer as hordas do mal e iniciar um novo ciclo de luz. A iconografia dele e de Shambhala é muito rica e George Roerich estudou-a bastante, para além do seu pai também a ter descrito e a ter enriquecido com várias pinturas, algumas delas muito famosas de Rig-den Jye-po flamejante, e vários textos flamejantes.
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| Tanka, ou bandeira-pintura de Rigden Jyepo, por Nicholai Roerich |
Enquanto o seu pai e Helena escreveram ora como historiadores e etnógrafos, ora como pedagogos e crentes entusiastas na sua vinda, ora como mestres espirituais e iniciados no ensinamento do Agni Yoga de mestre Morya, valorizando muito tal vinda, dimensão e reino, e logo após a viagem Nicholai utilizou muita da informação recolhida nos seus livros Altay Himalayas e, sobretudo quanto a Shambhala, no Heart of Asia, dado à luz em Nova Iorque, em 1929, George, mais cientista, mas também bom conhecedor e vivenciador das práticas e realidades espirituais, opta no seu livro publicado em 1931 apenas por referir a história e as tradições ou crenças que ouviu e, sem as validar já, prefere reservar a sua opinião para quando todo o corpo documental estiver pronto, num posicionamento crente e admirador mas menos entusiasta que os seus pais que pensavam, vendo e ouvindo tantos sinais durante o longo percurso, que Maitreya estaria mesmo para vir, ou avatarizar, brevemente...
| Uma das esculturas de Maitreya, o futuro Budha, fotografada por George Roerich |
«O Tsurkha-yin-siima, ou o Templo da Astrologia, é uma importante instituição erudita na capital mongol. Foi construído em 1798 d. C. durante a vida da Quarta Incarnação de Je-tsiin tam-pa Hutukhtu. É considerado de grande santidade e os visitantes geralmente não são autorizados a entrar. É necessária uma autorização especial para ver o edifício e as imagens dentro dele.
Um corpo especial de lamas oficia no templo e uma preparação especial é exigida aos que pretendem entrar no templo. Cada aspirante deve passar por vários exames em astronomia lamaísta e disciplinas relacionadas para se qualificar como estudante ou membro do Templo de Astrologia.
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| Entrada para o mosteiro Tashi-lhun-po, em Shigatse, na actualidade. Nele estive e fui convidado a assistir semi-secretamente a uma cerimónia demorada ao lado do abade do mosteiro. |
Desde a partida do actual Tashi Lama em 1923 [de Tashilhunpo e Shigatse para a China devido aos impostos do Dalai Lama, de Lhasa] a doutrina recebeu um poderoso impulso novo, e numerosos colégios Kalacakra foram estabelecidos pelo próprio Sua Santidade na Mongólia Interior e na China Budista [para onde se exilara]. Até mesmo na distante Buriácia pode-se observar o mesmo movimento. A maioria dos mosteiros estabelece colégios especiais de Kalacakra com um corpo especial de lamas para oficiar neles.
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| O Rei de Shambhala ou Rig-den Jye-po, pintura de Nikolai Konstantinovich Roerich. |
Shambhala não é apenas considerada como a abóbada da aprendizagem oculta do Budismo, é o princípio guia da próxima kalpa ou era cósmica. Diz-se que eruditos abades e lamas meditativos estão em constante comunicação com esta mística fraternidade que guia os destinos do mundo budista. Um observador ocidental tende a menosprezar a importância desse nome ou a relegar a volumosa literatura sobre Shambhala e a ainda mais vasta tradição oral à classe de folclore ou mitologia; mas os que estudaram tanto o budismo literário quanto o popular sabem da força terrífica que esse nome possui entre as massas de budistas da Ásia Alta. Pois ao longo da história não só inspirou movimentos religiosos mas até mesmo moveu exércitos, cujo grito de guerra era o nome de Shambhala. As tropas mongóis de Sukhe Bator, que libertaram a Mongólia das tropas do General Hsii, compuseram por eles próprios uma canção de marcha, que ainda é cantada pela cavalaria mongol. A canção começa com as palavras Jang Shambal-in dayin ou "A Guerra do norte de Shambhala" e convoca os guerreiros da Mongólia a erguerem-se para a Guerra Santa de libertação do país dos inimigos opressores. "Que todos nós morramos nesta guerra e renasçamos como guerreiros de Shambal-in Khan," diz a canção.
No passado, grandes nomes da hierarquia budista da Mongólia e do Tibete dedicaram volumes inteiros à doutrina de Kalacakra e Shambhala. Entre eles, os nomes de Atisha e Brom-ston, Khe-dup-je, o terceiro Tashi Lama Pal-den ye-she (Tib. dPal-Idan ye-shes) e Je-tstin Taranatha destacam-se.
Nos dias de hoje, uma vasta literatura oral, que às vezes assume a forma de profecias, canções, nam-thar ou lendas, e lam-yig ou itinerários, vem à tona, e numerosos bardos cantam a balada da futura guerra de Shambhala, que marcará a queda do mal. Não diminuamos a importância desta força de despertar, que é amada ou valorizada nas tendas dos nómadas e nos numerosos mosteiros do centro da Ásia lamaísta.
Reservemos a nossa opinião até ao momento em que toda a vasta literatura do Kalacakra for traduzida e adequadamente comentada e a vasta tradição oral do Budismo for estudada e rastreada até suas fontes. Espero, num futuro volume, traçar o desenvolvimento da doutrina e literatura Kalacakra e estudar em detalhe a sua influência sobre as massas da Ásia Central Budista.
Em algumas pinturas debaixo do trono do Rei de Shambhala, está retratada a guerra iminente de Shambhala contra o Lalo’i jye-po, o Rei dos seres do Mal (Evil ones). Nela vemos o Rei de Shambhala montado em um corcel negro derrotando o Rei dos La-los. Os detalhes são interessantes porque nos mostram todos os apetrechos dos antigos guerreiros tibetanos—armaduras de peitoral, capacetes com pequenas bandeiras, espadas pesadas, arcabuzes, arcos e flechas, e até mesmo armas de bambu colocadas em estranhas carroças.
Outras imagens representam a mandala de Shambhala. O Rei de Shambhala é representado sentado em frente a uma das torres de seu palácio. O palácio, uma grande estrutura no estilo Sino-Tibetano, é cercado por um círculo de altas montanhas nevadas, pois diz-se no lam-yig de Shambhala ou Itinerário de Shambhala que o Reino de Shambhala está situado em uma região montanhosa abrigada de todos os lados por altas cadeias nevadas.
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| Caminho para Shambhala, Path to Shambhala, 1928, Nicholai Roerich |
O melhor templo no küren [em Urga] está dedicado a Maitreya. A enorme estátua do Budha vindouro foi executada por artesãos chineses em Dolon-nor. O primeiro templo a abrigar a estátua foi construído durante a vida da Quinta Incarnação do Bogdo Gegen, mas como logo desabou foram enviados e representantes ao Tashi Lama no Tibete para investigar a razão de tal calamidade. O Tashi Lama deu a explicação de que a imagem do futuro Buda preferia um templo de arquitetura tibetana, e diz-se que ele mesmo contribuiu com um plano geral para o novo templo.
Em frente à imagem de Maitreya, há uma mesa de altar com as lâmpadas de oferenda habituais, os oito símbolos auspicioso e grandes potes de incenso. No meio do altar está colocada uma representação emoldurada da Samsaracakra ou da Roda da Vida. Colunas maciças de madeira pintadas em cores brilhantes sustentam uma galeria na qual são colocadas prateleiras ou kün-ra, contendo dois conjuntos completos do Känjür e Tänjür. Fora do templo, há numerosas rodas de oração, e os peregrinos geralmente caminham ao redor do templo e colocam as rodas em movimento.»



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