Não é fácil e discernirmos claramente o projecto de vida de uma pessoa, com as suas sucessivas fases, objectivos, metas e que frequentemente são atacadas, abortadas, não alcançadas pois as pessoas podem não conseguir realizar várias hipóteses criativas que lhe eram possíveis e que seriam convenientes tanto para si ou como para o Todo, face aos ambientes e circunstancialidades adversas.
Outras pessoas conseguem viver muito longamente, ultrapassarem os 80 anos, por exemplo, e realizarem os seus projectos ou missões, ou mesmo a maior parte das suas potencialidades mais valiosas e úteis aos outros, conseguindo terminar até os últimos anos de vida com sabedoria e serenidade.
Sabermos então discernir em que ponto da nossa jornada estamos, quais os objectivos, metas ou frutificações mais adequados, é então fundamental mas respeitando-se de preferência sempre aquela obrigação de todo o ser praticar o auto-conhecimento e a religação espiritual ou mesmo divina.
Os seres que conseguem isto mais plenamente são poucos e naturalmente irradiam energias dinâmicas de maior completude e, além de poderem intensificar mais o desenvolvimento de relações e criatividades humanas benéficas e frutuosas, são o que se chamam polos, eixos, centros de ligação entre a terra e o céu, o mundo dos factos e o das ideias, entre a matéria e o espírito, entre a horizontalidade humana e a verticalidade supra-humana, a imanência e a transcendência e em algumas tradições reconhecidos como mestres espirituais, qutb, imam.
É natural que tais seres ao longo da sua vida desenvolvam ora estados interiores mais elevados, que ensinam ou transmitem a alguns discípulos, ou então, no mundo ocidental, onde gerem inúmeros alunos, diálogos, actos, publicações, criações luminosas, sendo reconhecidos e acolhidos no que de mais sábio e útil à humanidade têm e podem dar.

Todavia a sua visão de um movimento de harmonização e espiritualização das pessoas e da sociedade, num projecto de reactualização das festas e do culto do Espírito do Santo, iniciado no tempo de D. Dinis e da rainha Santa Isabel e que ele ainda encontrara sobrevivendo em alguns aspectos em núcleos de luso-descendentes ou em povos da língua portuguesa espalhados pelo mundo, não conseguiram ser implementados, não desabrocharam, goraram-se com o enfraquecimento da sua idade, pela dificuldade de juntar as pessoas mais afins e aderentes às suas ideias visionárias e de conseguir-se organizarem-se por assuntos ou departamentos e, sobretudo ainda, por obstáculos dos seus amigos políticos, nomeadamente Roberto Carneiro ao impedir que o dinheiro que Agostinho da Silva tinha numa conta bancária em nome do Fundo D. Dinis, chegasse a projectos alternativos, rurais e comunitários na linha do Espírito Santo.
Mas talvez devamos reconhecer que para várias dos seus amigos, e nelas me incluo, face a esses projectos mais utópicos, o mais valioso era ainda ele, no que era, sabia e propulsionava individualmente, numa teia de relações de amizade que nascia de pessoa para pessoa, assente ora de boca a ouvido, ora em cartas, ora em conversas que eram frequentemente socráticas, maiêuticas, tanto despertantes das nossas possibilidades e confiança como também clarificadoras de múltiplos aspectos do ser humano, da história, da espiritualidade, contemporaneidade e que se pragmatizavam ou enraizavam no real através das sugestões de autores e livros, de pessoas, de telefones e moradas, de relações, viagens, projectos, dinamismos...

Quando um tal ser parte da Terra (e muita luz e amor para ele, Maria Violante Vieira, sua vizinha e companheira, e Pedro Agostinho, seu filho), embora fiquem os livros, as gravações e as memórias, e se comemore a data da sua morte e nascimento, como hoje estou a fazer, muito da impulsão viva, da confiança e coragem clarificadora deixam de operar a partir dele diante de nós e, ou nós a conseguimos ressuscitar bem por meditação, leitura, reflexão, meditação e escrita ou então frequentemente as palestras em que se fala (e falou-se tanto...) dele ou dos seus ensinamentos acabam por enfastiar ou tornarem-se letra algo morta, sobretudo quando o orador, escritor ou palestrante não tem a sua identidade espiritual mais assumida, desperta e irradiante, se o seu fogo interior não foi acesso ou comungou no de Agostinho, se nada de original ou de aprofundamento nos pensamentos de Agostinhos realizaram, e assim quase que acabam por matar ou diminuir a potencialidade impactante e transformante do encontro das pessoas com as melhores ideias forças do seu magistério, amplo e tão variado, que exige ser bem investigado, para que encontramos o que nos diga mais, ou nos pareça o mais certeiro e elevado e não o sintamos demasiado no ar ou contraditório...
Este último aspecto é importante de se reflectir pois Agostinho da Silva tanto foi um ser que viajou, peregrinou, amadureceu, evoluindo portanto, como também foi e muito um ser de conversa, de diálogo a dois ou em pequenos grupos, o que levava que as suas palavras fossem frequentemente específicas para cada pessoa, momento ou situação, ainda que certamente o núcleo das suas ideias e valores pouco mudasse, formado na base provavelmente na infância junto ao rio Douro com pais sérios e abnegados e depois desenvolvido nos anos universitários na Faculdade de Letras do Porto, com professores ou mestres como Leonardo Coimbra, Teixeira Rego, Hernâni Cidade, os quais mais de uma vez elogiou e na companhia de amigos ou condiscípulos como Sant'Anna Dionísio, José Marinho, Delfim Santos, com quem coordenou até a revista portuense A Águia, seguindo-se depois a sua passagem pela revista Seara Nova, mais racionalista, de António Sérgio, Raul Proença, Câmara Reis, Aquilino Ribeiro mas também Sant'Anna Dionísio.
Serão estes núcleos que Agostinho da Silva potenciará com múltiplas aproximações e congregando no círculo das suas amizades e influências uma série de outros pensadores que vibravam nas mesmas linhas culturais-espirituais, mais velhos e mais novos e que entre si se encontraram, dialogaram e frutificaram e poderemos mencionar, depois da experiência longa de duas décadas no Brasil e onde conviveu com valiosos políticos e pensadores brasileiros, Dalila Pereira da Costa e Aldegice Machado de Rosa, António Quadros e Lima de Freitas, António Telmo e José Florido, Raul Traveira e muita gente nova, dos tais 500 e depois 700 que na décadas de 80 e 90 recebiam as suas cartas várias e folhinhas onde ia lançando as suas ideias e intuições, ora como reflexões, propostas, ora já como quadras aforísticas de alta condensação de sabedoria, na sua linha de valorização da liberdade, da criatividade, da fraternidade, da solidariedade e de uma espiritualidade universal que conseguisse abordar e mostrar o que de comum há entre as várias religiões e tradições, a física moderna e uma vida simples e natural.
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| Antero de Quental, um dos elos importantes para Leonardo Coimbra e em certos aspectos inspirador de Agostinho da Silva |

Já passando três décadas depois da sua morte, e parece que foi há tão pouco tempo dada a magnitude do que com ele sentimos ou ouvimos, ou mesmo dada a semi-abertura da porta do coração-memória, há que reconhecer que a luta continua, e que o seu ideário, enquanto veio de uma Tradição fraterna e espiritual universal continua vivo em numerosos seres, unidos sobretudo na lusofonia, os quais o vão ainda trabalhando, por diversos modos nos nossos dias, em certos casos aprofundando-o mesmo, e abrindo assim realizações


















