segunda-feira, 20 de novembro de 2023

"Angelis". Exposição de pintura de Maria De Fátima Silva, com texto meu, na galeria municipal da Ericeira. Imagens da inauguração.

                               Dos Anjos nos dias de hoje....
Quem contemplar com olhos curiosos, indagadores, as pinturas de Maria De Fátima Silva não pode deixar de reconhecer a sua destreza artística em chamar e harmonizar nas telas tão criativa e admiravelmente a pluridimensionalidade e interelacionalidade dos elementos e seres da vasta Natureza, que se alonga desde o reino mineral e animal até ao angélico e ao divino.
   Face à crescente artificialidade e materialismo do transhumanismo-infrahumanismo que vai tentando reger opressivamente as almas humanas, negando-lhe as suas raízes naturais e espirituais, são muito
importantes os criadores que evocam nas suas obras tais seres e forças subtis e espirituais, como é o caso de Maria De Fátima Silva que, na sua carreira ou senda, vai prosseguindo no desbravamento das brumas misteriosas do passado, do presente e do futuro e perseverando na aproximação e desvendação da riqueza pluridimensional do ser humano e do angélico.
   Embora já nas suas exposições, Mitos e Lendas (2008, 2009), Atlantis (2012, 2014, 2015, 2016) e Inês e Pedro (2016, 2018, 2019), o Anjo surgisse ocasionalmente, foi a partir da sua recente residência artística em 2020 durante dois meses em revisitação trisemanal da igreja de Fandega da Fé, em Safaruxo, Encarnação, próxima da sua casa e a 14 km da Ericeira, e onde houve outrora uma evocação e irmandade de S. Miguel e as Almas, que ela se dedicou mais artistica e animicanente aos Anjos e à sua presença na história de Portugal e seus monumentos e na nossa vida, locais de trabalho, questões de saúde, família, educação, práticas de yoga, comunhão com a Natureza, peregrinações, amores, etc. E em 2021, no Porto, realizou  uma primeira exposição sob o tema Angelis, e com os primeiros trabalhos.
    Embora a generalidade dos portugueses ao longo dos séculos tenha acreditado na existência dos Anjos, poucos os têm conseguido ver na sua visão espiritual pelo que a necessidade de pinturas e gravuras sempre foi sentida e deu origem a muitas obras belas ou inspiradoras, sobretudo desde o século XVI, nomeadamente em esculturas, pinturas e gravuras dos Anjos na vida de Jesus, do Arcanjo de Portugal, dos Arcanjos S. Miguel, Gabriel e Rafael, e ainda do Anjo da Guarda, devoção esta acelerada após o Concílio de Trento, no movimento de Contra Reforma, já que a Reforma protestante abolira a reverência ou culto dos Anjos, de Nossa Senhora, dos santos e santas, e em especial da suas belas imagens, por se tornarem ídolos, algo que o mais destacado dos Humanistas na Europa no começo do séc. XVI, Erasmo, embora crítico das superstições, lamentou quando consequentemente foram queimadas pelos protestantes dezenas e dezenas delas em 1529 em Basileia, além de se proibir a missa, forçando-o a trocar tal cidade pela católica Friburgo.
Foram pois os católicos que conservaram tal culto icónico intercessório através de pinturas, gravuras, ou dos registos emoldurados artisticamente nas paredes ou oratórios das casas, mas
será já só no século XIX que a posse individual de imagens, ditas santinhos, com os Anjos se vai democratizar extraordinariamente e
assim muitas das crianças para a 1ª comunhão recebiam santinhos, com a representação de Jesus, a Eucaristia, o Anjo da Guarda, aprendendo ainda desde tenra idade, e assim se tornando uma de cor,
ou de coração, sempre pronta a brotar em nós, a oração típica em quadra popular, com variantes: "Anjo da Guarda, minha doce companhia, guardai (ou inspirai) a minha alma de noite e de dia".
Nos nossos tempos de muito maior número de imagens acessíveis, infinitas mesmo pelos meios digitais, e numa época em que a Humanidade na sua evolução cada vez mais pode compreender, se não se distrair e alienar, a interioridade, imensidade e pluridimensionalidade do universo e dos seres, é importante realçar
que os Anjos não foram desmistificados ou mortos (tal como queriam e querem em relação à divindade) pelos positivismos, materialismos, cepticismos, post-modernismos e novas ideologias transhumanistas-infrahumanistas, mas continuam a inspirar, motivar ou impulsionar nas pessoas uma busca, uma aspiração, uma devoção, uma comunhão amorosa que justificam o aparecimento de tantos testemunho,  livros obras e de arte que deles se tentam mais acercar, intuir, conhecer, recriar, evocar, para melhorarmos as nossas vidas, intuições e religações à Divindade.
                                     
Maria de Fátima Silva, preparada pelas suas investigações no mundo da arqueologia e da história da arte, pela sua proximidade e peregrinação de locais sagrados ou angelizados, pela sua espiritualidade interior, pelo seu incessante e quase omnipresente amor a Inês e de Pedro e pelos seus dotes artísticos seria naturalmente levada a sondar e alargar os mistérios do relacionamento dos espíritos celestiais com os humanos através da sua criatividade e assim oferece-nos esta série de visões e recriações dos Anjos na história, no amor, no dia a dia humano, proporcionando aos que os admirarem alguns eflúvios da sua elevada ou alada essência, bem como da subtil dimensão em que vivem e em que nos envolvem ou mesmo transfiguram, já que todos estamos entretecidos no infinito campo de consciência, energia e informação cósmica, e todos temos, nos corpos, almas e espíritos de luz e amor e que assim se podem transfigurar, angelizar...
                                       
Ao não se deixar prender nos modelos correntes das representações e
tipificações dos Anjos, e antes manifestar uma tão criativa diversidade de perspectivas e aproximações aos Anjos e Arcanjos e às pessoas, símbolos, seres e monumentos a que ela os vê associados ou criativamente interelaciona em formas e cores tão belas, resulta um vasto horizonte de potenciais reacções, percepções, leituras e hermenêuticas das suas pinturas e consequentemente uma intensificação da presença angélica e da beleza divina pelos sentidos
nas nossas mentes-almas e logo uma expansão de consciência dos Anjos e da nossa natureza angélica e divina, a qual pode então ser mais sentida permeando e penetrando os corpos, as pedras, as aves, os burricos, o espaço, a história, a humanidade em diálogos infinitos...
   Este alargamento consciencial é obtido pela Fátima na sua arte sem ter de estudar e seguir doutrinas ou dogmas sobre o mundo angélico,
embora seja conhecedora dos textos sagrados ou históricos em que entram, mas apenas sentindo ou discernindo nos locais, nas pessoas e
nos acontecimentos a presença subtil ou possível deles e intuindo as
representações ou materializações plasmáveis, que depois vêm fixar-se impressivamente nas telas graças à sua boa destreza manual e excelente domínio das cores, sombras, formas, texturas, estruturas,
planos, movimentos, perspectivas.
   Maria da Fátima da Silva oferece-nos então nesta exposição Angelis, Para os Anjos, à contemplação dezassete ícones grandes e quatorze pequenos invocadores e evocadores dos Anjos e Arcanjos, e da dimensão angélica humana e do Amor, apresentando-os sob diferentes identidades, ângulos, regiões, dimensões, uniões e momentos históricos, e cada um de nós que os admirar, apenas na exposição, no blogue ou ao adquirir algum, para quando quiser nele se poder harmonizar ou inspirar, participa com ela nesta dinâmica humanista e espiritual da Humanidade que não quer ser reduzida a uma dimensão animal e quantitativa e opta com o seu livre arbítrio por cultivar os elos intermediários da ligação com o mundo espiritual e com o mistério supremo e íntimo da Divindade que são tanto os Anjos e Arcanjos, como os santos e santas e as grandes e humildes almas.
  E que na Ericeira e em Portugal sempre houve e sempre foram acolhidos com amor e que agora graças à Fátima são reactualizados com o grande dinamismo e profundidade, alegria e impacto com que ela os consegue assimilar e transmitir humanamente, e na actualidade do aqui e agora mais luminoso e transparente, poderoso e pacificado, unificado e universalizado....
                                             Pax Angelis!
       Imagens da inauguração, a18-XI-2023. A exposição na Galeria Municipal Orlando Morais e casa da Cultura Jaime Lobo e Silva encerra a 10-XII.
O Presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hélder de Sousa Silva (e que homenageou o seu homónimo galerista Hélio Alfaiate, recentemente falecido)  e o vereador do Turismo, Pedro de Carmo Silva, vieram acalentar a Cultura, já que acreditam que é por ela que avançamos, que melhoramos...
Margarida Marcelino, com a sua autêntica lira grega, a pedido do presidente da Câmara, tocou para toda a gente em silêncio uma música que angelizou ainda mais as almas por momentos....

Uma instalação feita pelo Nuno e o Simão, marido e filho da Fátima.
Saudemos e demos graças, com muito amor, aos Anjos e Arcanjos, em especial aos nossos!

sábado, 18 de novembro de 2023

Daria Platonova Dugina: resistir e avançar no Optimismo Escatológico, face às opressões modernas. Um excerto, bilingue, do seu livro "Optimismo Escatológico"

                             

Um valioso excerto do recente livro Optimismo Escatológico, infelizmente póstumo, por ter sido assassinada a sua brilhante e tão esperançosa autora Daria  Platonova Dugina, aos 30 anos, filha do famoso ideólogo tradicionalista da Eurásia e da Filosofia Perene, Aleksandr Dugin, e da professora Natalia Melentyeva.

Daria  Platonova Dugina, em poucas linhas, aborda duas das raízes filosóficas, Bergson e sobretudo Popper,  da triunfante ideologia do liberalismo transhumanista ou, mais exacta, infrahumanista, tão dinamizado e globalizado pelo Fórum Económico Mundial, de Klaus Schwab, e pela Sociedade Aberta, de George Soros, grupos de pressão insidiosos que influenciam a maioria dos governos e políticos ocidentais, ou do eixo do mal imperial norte-americano e da sua escravizada União Europeia, desgovernada por Ursula von Pfizer... 

Estamos muito orgulhosos de termos penetrado (ou corrompido) em quase todos os gabinetes politicos mundiais, e em especial na escravizada União Europeia

Desmascara também a opressão a que tal aparente abertura liberal conduz, pois é só para os que aceitam as suas ideologias desequilibradas, e que tendem a massificar-se pelo controle que elite financeira exerce sobre quase toda a comunicação social, e de muito da ciência, cultura, filosofia e religião. Tal liberdade condicionada e manipulada, que tem exemplos no passaporte digital e vacinal universal da Organização Mundial de Saúde (graças a Deus não aprovado nas Nações Unidas), nas censuras e bloqueios nas redes sociais das vozes dissidentes, e nas Cidades de 15 minutos, uma Disneylandia de cores do arco-íris, graças ao Logos, ou Inteligência-Razão-Amor substancial, está a ser posta em causa fortemente pela Rússia e outros países que defendem um mundo multipolar e não corrompido e oprimido pela oligarquia possuidora do dólar infinitamente impresso...

                                 

Não se pode deixar de referir as discricionariedades que alguns governos (neles se destacando os ingleses e autralianos)  exerceram ou desejaram aquando da pandemia, tais os campos de concentração para os não vacinados, nem os constantes bloqueios do Facebook, Meta, Youtube, Instagram e Twitter-X aos que não seguem as suas directrizes farmacêuticas, ou de géneros, ou as anti-russas e anti-palestinianas, ou aos que querem discutir abertamente tudo o que interesse ao bem do género humano.  Oiçamos então Daria Platonova Dugina :

Resistir, lutar, meditar, confiar, vencer!

 «Na crítica ao historicismo e ao cientismo, na compreensão-visão da sociedade de Popper, podemos ver um apelo à mesma abertura que encontrámos em Bergson. Nisto reside a identidade das teses de ambos os filósofos sobre a "sociedade aberta". Mas há nelas uma diferença importante.
Na sua abordagem à ciência, Popper defende algo bastante análogo ao "impulso da vida" e rejeita dogmas prescritivos. Neste aspecto, é coerente. Mas, ao transferir este princípio para a sociedade e ao formular a ideologia liberal, depara-se com um paradoxo: a recusa de prescrever qualquer proibição ou restrição a determinados pontos de vista, em que consiste a essência do liberalismo clássico, transforma-se imperceptivelmente, para Popper, em medidas proibitivas contra os que classifica como "inimigos da sociedade aberta". 

Acontece que para ele só pode ser livre quem concordar com os princípios básicos do liberalismo, ou seja, com a sua interpretação muito específica ou definida da liberdade. Quem pensa de modo diferente é deliberadamente colocado na categoria dos privados de quaisquer direitos. Assim, o protesto contra qualquer prescritividade e qualquer historicismo termina na dura diretiva de ter de se seguir as normas da ideologia liberal, já que esta é vista como a coroa do progresso e desenvolvimento históricos.»

   Saibamos pois não nos deixar silenciar pelos bloqueios e  censuras, nem iludir por falsas promessas, e perseveremos no culto das tradições valiosas locais, familiares e nacionais, da harmonia com a Natureza, da alimentação natural e de preferência de agricultura biológica, da solidariedade, da Ética viva, das vias de arte e cultura, religiosidade e espiritualidade, nomeadamente da auto-consciente religação ao espírito individual e imortal, aos Anjos e Mestres, ao Bem, à Verdade e à Divindade e, sobretudo nestes tempos de manipulações e conflitos ferozes, lutando pela justiça e a liberdade fraterna e luminosa...

Original in english, translated from the russian, via Pravda Editions and VK.com: «In the critique of historicism and scientism in Popper’s understanding of society, we can see a call for the very same openness that we found in Bergson. In this lies the identity of both philosophers’ theses on the “open society.” But there is an important difference here.

In his approach to science, Popper defends something quite analogous to the “life impulse,” and he rejects prescriptive dogma. On this count, he is consistent. But by transferring this principle onto society and formulating liberal ideology, he runs into a paradox: the refusal to prescribe any ban or restrictions on certain views, of which the essence of classical liberalism consists, imperceptibly turns with Popper into prohibitive measures against those whom he classifies as “enemies of the open society.” It turns out that only he who agrees with the basic principles of liberalism, that is, with its very definite interpretation of freedom, can be free. Whoever thinks otherwise is deliberately placed into the category of those deprived of any rights. Thus, protest against any prescriptiveness and any historicism ends in the harsh directive to follow the norms of liberal ideology, for the latter is seen as the crown of historical progress and development.»

Muita Luz, Força e Amor divinos em Daria Dugina, e em nós!

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Anotações à contemplação (2ª p.) da pintura "Encontro na Luz", do mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943).

Quanto ao segundo livro, Aus meiner Malerwerkstat, Da minha oficina de Pintor, destaquemos das informações sobre a sua obra de pintor, sucintamente e numa tradução rápida, que «vejo-me na obrigação de dizer de uma vez por todas que nenhuma dessas pinturas "místicas" tem algo a ver com "misticismo" ou  a "aparência" corretamente designada como "mística", e que todas, sem excepção, foram criados da maneira perfeitamente normal em que toda verdadeira obra de arte é criada, ou seja, com base na habilidade adquirida honestamente através de incontáveis ​​estudos preliminares e experimentações e numa luta artística árdua.»
Diz-nos Bô Yin Râ ainda que «essas composições de cores dinâmic
as, que crescem a partir de estruturas lineares, são algo semelhantes, como designs artísticos baseados nessas formas e cores que - em termos comparativos - às vezes se tornam visíveis sob o microscópio em espécimes vivos, ou, talvez mais corretamente, representações de estruturas de formas e cores que, devido à sua natureza dinâmica, podem ser comparadas de acordo com as "figuras sonoras chladnianas" [formas ressonâncias sonoras em cordas ou areia) - embora tenham sido criadas num nível incomensuravelmente superior, já que são a representação de eventos espirituais eternos e substanciais». 
Comparará o seu tipo de experiência e busca de cores à de Johann Bach com os sons na música e pensa que Goethe teve a mesma capacidade de experiência que ele face à Natureza.
«De todos os nomes que poderiam ser dados à minha produção artística, que foi fundada na experiência puramente espiritual e apenas fertilizada por ela, a designação de pinturas "espirituais" parece-me a menos enganosa.
Mas nesses painéis não mostro nada para além do que experimento conscientemente como resultado do meu desenvolvimento espiritual substancial da consciência em regiões que são acessíveis apenas internamente e que penetram todos os mundos dos fenómenos.
Além disso, no entanto, as regiões de onde vêm os modelos para as formações de minhas pinturas espirituais não só conhecem as nossas três dimensões externas e terrenas, que são universalmente válidas, mas também uma tal multiplicidade de dimensões que o olhar terrestre só experimentaria confusão se quisesse ver esses mundos multidimensionais por conta própria, tentando entender da maneira habitual.»
Das suas batalhas demoradas para conseguir traduzir em forma e cor a multidimensionalidade dos eventos representados, confidencia-nos: «Entre os milhares de observadores das minhas imagens espirituais, haverá muito poucos que serão capazes de formar uma ideia de quanta agonia e tormento, quanta luta e ansiedade, quanta felicidade e decepção, quanta segurança e entrega repentina são exigidas, tal como o esforço num jogo difícil, e cuja vitória finalmente  essa imagem representa.
Não se trata da reprodução de "aparições" e "visões", mas sim da representação de um evento no qual se está no meio, e que não é de forma alguma registrado de forma análoga à visão através do olho físico, mas no organismo substancial espiritual e que é vivenciado de acordo com todas as sensações, acrescentando ainda que no seu livro Welten, Mundos dá informações mais detalhadas sobre esta forma de experiência.
E dir-nos-á então que «forma de linha, cor e tom são apenas os valores expressivos de tensões internas, esforços, ameaças que podem ser vivenciados substancial e espiritualmente». Ou, criticando as hermenêuticas estruturalistas, que «qualquer tentativa de esclarecer intelectualmente o que está representado é errado e será absurdo, por exemplo, assumir que qualquer forma significa algo e que toda a pintura pode ser "explicada", se apenas se souber o "significado" de todas as formas e cores que ela contém.
Uma pessoa só pode “explicar” algo que ainda não está claro ou foi escurecido, ou seja, tornou-se obscuro. Mas o que se apresenta nestas, minhas imagens espirituais, é em si mesmo clareza original, porque é a matriz de todas as aparências: - o evento original, como ocorre como a causa de todos os eventos em todas as áreas cósmicas, de eternidade em eternidade.
Para comunicar, não
 é necessário avaliar-medir uma capacidade artística completamente incomensurável, mas apenas reconhecer que as minhas pinturas encontram o que existe na alma, do mesmo modo que uma fuga de Bach, que também conta coisas que só a alma conhece.
Qualquer pessoa que alguma vez já se familiarizou com a ideia da situação em que as minhas imagens espirituais são criadas, certamente não se deve  surpreender-se que continuem a emanar dos desenhos e suas cores vibrações semelhantes às das estruturas espirituais primordiais na representação escolhida, vivenciada num momento de tendência criativa e assim finalizada.
Basicamente, as transmissões vibratórias possibilitadas pela representação artística dos efeitos coloridos e lineares de forças espirituais primordiais substanciais são nada mais nem menos do que a "magia dos signos" conhecida desde os tempos pré-históricos - e estes melhores do que hoje -, mesmo que nas minhas imagens espirituais os "signos" não estejam isolados no que significam pois há um efeito no seu contexto "orgânico" de ser.» 

                                           
Dirá ainda quanto à composição das suas pinturas:
«O que experimentei no meu organismo espiritual-substancial e, como resultado de minha forma inata de apreensão, principalmente orientada opticamente, e baseada principalmente nos seus valores de cor, fornece apenas o material para a criação da imagem, a qual em toda a sua estrutura permanece também a minha composição, tal como toda a imagem de uma paisagem, a qual é determinada apenas pela experiência para a qual quero abrir o caminho para a alma de quem a vê.
Também tenho de usar os elementos da forma e cor da paisagem de maneiras muito diferentes, dependendo se a imagem deve transmitir paz e tranquilidade, ou uma ajuda encorajadora para o observador.
Os mesmos componentes objetivos de uma paisagem exigirão um tratamento significativamente diferente se eu quiser pintar um clima de tempestade forte do que se for uma questão de tornar tangível a sensação da manhã orvalhada.»

                      
Quanto aos títulos das suas pinturas, dirá, alertando-nos para não nos deixarmos influenciar por eles mas antes tentarmos sentir a verdade anímica deles em nós, já que em geral tais pinturas nos representam:
«Devo advertir contra a adição de um significado ao nome pelo qual torno as imagens identificáveis ​​para a linguagem!
Se um tipo diferente de designação me parecesse apropriado para as obras individuais, então eu certamente não lhes daria quaisquer “nomes” - ou apenas o consideraria necessário nos casos mais raros.
Tal imagem só pode ser "sentida" quando é experimentada pelo observador, e só pode ser experimentada pelo observador quando ele mergulha a sua própria consciência na pintura: - ele mesmo, nas formas e cores da imagem, encontra a sua própria alma, que está representada nela, como é geralmente o caso...»

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Teachings communed with Autumn and the trees. Traditions or superstitions, Nature spirits and the mission of each one. Translation from the portuguese original.

 Translation in english from my original in portuguese :  "Ensinamentos comungados do Outono e das árvores. Tradições ou superstições, espíritos da Natureza e a missão de cada um."

Autumn, Autumn, October, November and December, nights with noises, groans and prayers, in souls and houses, in fields and forests, between recurrent or unexpected downpours and blessed openings or calms.
After the walnut and hazelnut trees have been harvested, the last tree, and still organically grown, the chestnut tree, gives up its fruit, dropping it to animals and men, covered in the armour of a porcupine. On St Martin's Day, with the friendly fireplace, they will be consumed with the blood of wine in memory of fraternal self-denial, and they remind us how we must be protectors of nature, of human, animal and plant life, and how hard life is and how we must work and co-operate to reach the valuable fruits and break through the coverings that hide or imprison them.
The northerly or south-westerly breezes come in damp, cold and gather up the leaves and debris of the year in heaps that the whirlpools, those very special formations of the winds, make dance in ascending and descending spirals, causing us to sometimes sense the presence of playful spirits, or vague desires to leave, to dance, to rise in those subtle invisible currents..
People give thanks for the well-deserved end of an annual cycle, for what they have received from the harvest, or for the money, and, looking around, they see the slow internalisation of the winter that is beginning and which they must partly follow...


On the longest nights, when the sun goes down, or sinks in the ocean, anyone who has to go or dares to cross the fields and hills, sometimes hears strange crackles or noises that may sound like footsteps, voices, groans, lamentations. Small animals, wild boars or foxes, trees that are about to die, spirits of the harvest that are disappearing, souls from the other world lamenting the evils that have been done or are being done here, or that are coming to haunt those who will soon be released from the earth, who can discern or have the right intuition about the origin of such sounds?
It is said, however, in some villages in the mountains, less influenced by modern communication, that just as certain animals hibernate, such as snakes, so certain spirits of nature, when they have to lose the vigorous forms that spring and summer have intensified, in order to become more entrenched in the earth and in the roots of the trees that they will now support in winter, lament themselves and may be audible to some of the most sensitive people. Are they complaining about not being able to see, except through the barrier of the earth that surrounds them, the fields and the sky, as well as human beings or even the heavenly devas?
It is also said of the trees cut down at Christmas to make a communal fire or to be sold in towns, that such a sacrifice serves to free some of nature's elementals who will be able to ascend to higher stages of their evolution, with some even believing that their souls can be incorporated into those of animals or even humans, but when asked how they know this, which is not unanimous, the villagers or shepherds who echo this old lore, reply that it comes from the wisdom of the ancients, who certainly sensed subtly much more than we do today the interior and soul of nature, in its many forms and beings...
"So do you think that trees and animals have souls like men?", I asked them. "Without doubts," they replied in unison. And one of them goes on to tell me how he saw the little ox crying before it went into the slaughterhouse, or the tears from the sap that the trees let fall to the ground when men cut them down, especially without telling them and thanking them before killing, or still the suffering of some animals when their owners are ill. And they tell me also stories of woodcutters who have died because they didn't respect centuries-old trees, which surely have a spirit of nature of their own.

Then I would set off up the mountain, alone, to commune with the trees, sometimes conveying my love to them, sometimes leaning my forehead against them and asking them to cleanse it, sometimes hugging them from the front or the back, sometimes tuning in through my hands to the powerful forces that they channel between heaven and earth, sometimes sipping the scents of the mosses. I even speak to them sometimes, addressing the spirit of nature that dwells in them deeply and subtly, and they seem happy that most people are unaware of them and don't disturb them premeditatedly.

I contemplate longer some trees and observe the rotations and spirals generated over the years, the subtle forms of the spirits of nature that have revealed themselves and I admire the perseverance with which they put down roots in the rockiest terrain and stand like true columns and axes between Earth and Heaven, accepting all natural difficulties with equanimity or indifference, or even the conversations and disharmonious vibrations of the humans who pass by them, blind to their beauty and strength.
But there are some that are true masters, such is their grandeur, beauty or suggestiveness, truly impressive, whether seen from afar, when you approach them and when you touch them and lean against them.

I've tried to sit next to them and meditate with them. Perhaps the most important thing I have felt, understood or intuited is still the powerful energy of Gaia, of the Earth that bursts green with them, the inspiring richness of their canopies, the geometry of their leaves and branches, and the exemplarity of their vertical, solitary and firm position, beaten by the winds and fogs. And, even though they're locked away in their mountain hermitages, crying out to the world:

"- Oh men and women of weak wills, when will you learn to persevere more in the connection between Earth and Heaven, the natural world and the divine world, your personality and the spiritual spark? Don't you see us here day and night connecting the distant worlds and the earthly depths, resistant to storms and adversity? And you, any wind or cold, nightmare or disappointment knocks you out of your creative love, and you no longer know your roots, essence and the fruit you must bear?"

One of the highest lessons that trees give us is to discern the seeds that we contain and should bear fruit. To do this, we need to water and strengthen them, and not allow ourselves to be distracted, alienated or discouraged from the tasks, duties or missions (the swadharma) that are the responsibility of every human being incarnate on the earth's crust and which are based on spiritual self-knowledge (we are spirit, with soul and body) and the fair use of abilities or gifts that are useful for the Common Good and the Truth, not for ego, pleasure, competition or vanity, but for the good, beauty and harmony of Humanity, the Mother Earth and Divinity.
" Thus, they encourage us to guess or discover the seeds, trunks and shoots that are potentially contained in us and in those around us, and which can become useful flowers and fruits, or which really want and long for us to realise these impulses and potentialities...
In order to do this, we have to get up early, weed, give water, feed and fortify, and not allow ourselves to be distracted, alienated or discouraged from the simple or complicated, banal or extraordinary work that we have to do in our uniqueness as spiritual beings incarnated on the earth's crust, so that from all this work opens the fruitful flower in which the Divine Spirit springs from itself and harmonises and strengthens, inspires, cheers and propels us towards the Light and the Source...
 So, in communion with Nature and its trees and beings, let's strive to know how to deserve the best realisations of love and beauty, health and peace, ecological and spiritual life...

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Anotações à contemplação (1ª p.) da pintura "Encontro na Luz", do mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943)

                                                    

 Bô Yin Râ é o nome espiritual do pintor alemão Joseph Anton Schneiderfranken, nascido a 25 de Novembro de 1876 em Ashendorf, e que, após os estudos secundários e o trabalho de sobrevivência, foi aluno de Hans Thoma (1839-1904), Fritz Boehle (1873-1916) e Max Klinger (1857-1920), formando-se no Städelsche Art Institute, de Frankfurt, em 1899, viajando depois por algumas cidades europeias em aprendizagens, até em 1912-13 residir na Grécia e, graças a uma iniciação espiritual, começar a partilhar as suas vivências e compreensões dos eventos arquétipos dos mundos espirituais em exposições e livros, destes surgindo o primeiro, Luz de Himavat, em 1919 e o trigésimo segundo, o Hortus Conclusus, Jardim Fechado, em 1936, o qual fecha o seu ensinamento, havendo ainda onze livros sobre arte, cultura e a sua missão, perfazendo os quarenta e três publicados, até deixar a Terra em Lugano, em 14 de Fevereiro de 1943.

A sua casa em Lugano, agora fundação-museu.
Um deles, Welten, isto é, Mundos, está constituído por um conjunto de vinte duas pinturas representando uma viajem ao Ser e mundo Divino e às suas manifestações, nomeadamente a emanação, queda e ascensão do ser humano, das quais oferece em palavras a correspondência espiritual pintada uma a uma,  mas da maioria das suas obras, excepto as contidas no Mundos, só deu uma indicação pelo título, não desejando provavelmente cercear por  explicações e interpretações intelectuais o sentir anímico unificante do contemplante.

Uma das pinturas não incluídas nesse livro, intitulada Begegung um Licht, Encontro na Luz, da qual tenho uma reprodução grande adquirida há muito na Librairie Médicis, em Paris, emoldurada, foi escolhida para ser contemplada com alguma regularidade durante algum tempo e anotadas as intuições, sensibilidades, pensamentos e reflexões, disso resultando um conglomerado de textos, de que partilho as primeiras partes.

Já depois de ter praticamente finalizadas as anotações, li na obra do seu amigo e biógrafo Rudolf Schott, Bô Yin Râ der Maler, publicada em 1927, que ele teria recomendado lerem-se os seus livros Gespent der Freiheit e Aus meiner Malerwerkstat, para melhor se compreenderem as suas pinturas. Na primeira, em português, O Fantasma da Liberdade, lemos indicações de carácter geral e que pouco têm a ver com a pintura, mas podemos transcrever resumidamente algumas ideias valiosas e bastante actuais devido ao seu incumprimento: - A Liberdade serve a Necessidade, o Todo Universal com a sua ordem, e ela não é irresponsabilidade nem incumprimento da nossa missão de nos darmos forma. A colectividade deveria tornar-se progressivamente Comunidade, de seres inteiros, íntegros e conscientes do seu valor posto ao serviço de todos. Já a autoridade que não dá garantias de que a liberdade individual será protegida está desequilibrada. Mas no capítulo sobre a Mentalidade partidária, a propósito de que uma verdadeira comunidade só poderá nascer do sentido espiritual de reunião, na verdadeira Liberdade que a Necessidade exige, diz: «toda a influência do Espírito supra-terrestre que a alma humana seja susceptível de captar aqui em baixo tem sempre por objectivo "reunir o que estava perdido"», e dará o exemplo dum caso extremo contrário, a loucura de se querer dissolver em ácido uma estátua sublime para fazer uma obra nova.

Valoriza também no capítulo Concorrência a busca do melhor e mais perfeito, tanto no produtor como no consumidor, estando tal sempre associado ao amor que se sente e à utilidade benéfica, e condena as cliques ou grupos de pressão que exploram e arruínam os outros e espalham impulsões funestas à humanidade, acrescentando mais à frente que os piores criminosos são os que tem os seus objectivos ou vistas orientados para as profundezas abismais da pré-humanidade terrestre, enquanto que nós devemos ter como visão o ser humano Espírito eterno e sermos os artesões conscientes do futuro, em especial no além ou vida depois da morte do corpo físico, para Bô Yin Râ muito importante de ser demandada na profundidade e elevação do nosso auto-conhecimento espiritual e vida criativa e fraterna.

Também no capítulo Religião, a propósito da representação do herói ou santo cultuado em capelas ou santuários, e que tanto o pode ser pelo que há de divino nele, ou por nele se honrar o Homem-Espírito, dirá em analogia quanto à erradicação de antiquadas ou supersticiosas formas: «Tal como uma pintura antiga, que o fumo e a poeira da igreja tornaram quase irreconhecível, só pode ser limpa pela mão de um perito para logo resplandecer no esplendor antigo, assim também é preciso mais do que uma necessidade de claridade racional para que a religião seja limpa da mancha que ameaça de destruir a sua face clara. Terá que se pagar muito caro a purificação do dogma se forem limpos demasiado depressa, por uma ignorância tola, os "sinais", que um dia será necessário reinserir trabalhosamente no quadro, para que ele possa falar ainda aos que o saberão interpretar de novo, o que não fora compreensível aos homens dum período intermediário.»

Tal como na sua obra escrita Bô Yin Râ fala dos sinais patentes nos seus quadros e que as pessoas deveriam sentir e intuir, esta pequena citação alerta-nos para estarmos atento a cada pintura, na sua totalidade e ambiente, mas também para os sinais inseridos e que serão correspondências das realidades dos mundos espirituais, estimulando-nos a religar-nos por esse meio a eles. 

Também no capítulo Ciência, alerta para a importância de sabermos interrogar a linguagem, pois mesmo a própria ciência toda ela se alimenta ou ergue da linguagem que «é a representação fonética da modelação interior da força de luz física transformada, e que por tal interrogação se desenvolve», lembrando que «mesmo quando pensamos ter relação com as coisas em si mesmas, elas não são mais que imagens interiores  correspondentes, criadas pela força da luz transformada, que nós dispomos como objectos de observação e cuja representação fonética é a linguagem (...) e que portanto, o nosso ver é apenas uma transformação concentrada das partículas de força luminosa em substância de forma, a partir da qual se constrói todo o nosso mundo interior, o único onde vivemos verdadeiramente, ainda que pensemos viver apenas no mundo exterior», e nisto está muito actual face às descobertas quânticas da física moderna e das neurociências quanto aos modos ou processos pelos quais vemos, recebemos, reagimos, transformamos, assimilamos.

Esta valorização de discernirmos melhor quanto nos apoiamos em partículas luminosas que transformamos interiormente em formas substanciais pode ajudar-nos a sentir mais intensa e pulsantemente como nós somos ou estamos constituídos animicamente, e o que nos rodeia e, graças às palavras e pensamentos que se geram a partir dessa auto-consciência mais profunda, intuirmos melhor os sentidos e o dinamismo dos seres e das formas que contemplamos ou com que interagimos.

(Continua...) 

Os Bonzos do Milhão: uma crítica aos norte-americanos, por Gomes dos Santos, no "Espelho Encantado", edições da "Renascença Portuguesa, 1917. Uma visão psicológica clarividente dos USA.

Liberdade e honra para o mártir da justiça e da verdade Julian Assange,...

Gomes dos Santos foi um dos homens que fez parte do glorioso movimento emancipador do início do século XX, denominado Renascença Portuguesa, e que, sediado no Porto, com as suas edições de livros, boletins e da revista Águia, e numerosas intervenções, conferências e fundações, liderou a cultura portuguesa até meados dos anos 20, uma das épocas mais ricas do pensamento e do diálogo livre em Portugal, já que em breve com o Estado Novo de Salazar muito se iria perder. Hoje, não estamos muito melhor mundialmente, nomeadamente com o controle dos principais meios de comunicação pela elite financeira, ou as censuras nas redes sociais ou ainda tanta morte de jornalistas   e a prisão injusta do mártir Julian Assange, um dos exemplos maisparadigmáticos da arbitrariedade opressiva do Império anglo-saxónico, por ele tão desmascarada ou dada a conhecer.

                                                     

Em 1917 publicou o seu livro de ensaios Espelho Encantado,  o quase centésimo livro da Renascença Portuguesa, num in-8º de 198 páginas, contendo trinta textos muito lúcidos, críticos, irónicos do que via e se passava, do que meditava e se discutia, partilhando a sua profunda sensibilidade sobre a Europa das grandes personagens e das filosofias e políticas, tendências e modas, tal a crescente valorização da mulher e do socialismo verdadeiros, mas também a I grande guerra, o Egipto eterno, a Rússia misteriosa, Rochefort, e a literatura da época. 

                                 

Sobre os Estados Unidos da América há quatro textos valiosos e além do que transcrevemos realçaremos outro bem irónico sobre uma tentativa de eugenia em Michigan, falhada: A fábrica de fazer monstros. Embora vistos em 1917, e logo  datados em certos aspectos críticos (e ainda bem, diremos, por ter havido melhorias), noutros foram proféticos ou continuam actuais e ajudam assim os que tentam compreender tal país e as suas tendências brutais, dominadoras ou imperialistas, bem como as grandes lutas contemporâneas rumo à desejada multipolaridade livre e fraterna, à qual o excepcionalismo norte-americano, na sua hubris ou desmesura opressiva e pelo dólar infinito corruptora, se opõe.


Resolvemos assim transcrever, sublinhando as partes mais valiosas, e partilhar no blogue, um desses quatro capítulos sobre os norte-americanos, Os Bonzos do Milhão, tanto com a esperança que vão surgindo dados biográficos deste lúcido observador psicológico e sociológico do seu tempo,  Gomes dos Santos, como a mais premente: que os USA abandonem o seu imperialismo, as suas guerras, ocupações e sanções constantes e se tornem um de país de cultura, de paz, de justiça, de solidariedade, de fraternidade...

                               OS BONZOS DO MILHÃO.

«Os que regressam do continente novo, trazem da América do Norte uma impressão de assombro e de desvairamento. Não é só o espectáculo duma imensa actividade material que lhes fere a retina, amoldada atavicamente às preguiças da nossa raça. É a visão deslumbrante, feérica, inexprimível, do imenso caudal de ouro que os bancos canalizam, que corre e serpenteia entre as mais audaciosas empresas, que desagua por mil filões na indústria e no comércio. Desse áureo banho, que irriga um povo poderosa de cem milhões de prováveis almas, ficam, nos cofres e na fisionomias, nas bolsas e nos costumes, uns reflexos amareladas e brilhantes, como uma galvanoplastia que ofusca e oculta as rugosidades das superfícies.

Sob o império deste ouro insolente e nulo, a civilização não progride. Os americanos do norte, activos obreiros de canais gigantescos, de torres duma altura desumana e de prédios mais trepadeiros que as grimpas dos Andes, nada produzem em matéria de sentimento e de arte. O imenso formigueiro humano, susceptível de multiplicar dólares, de elevá-los a altas potência aritméticas, é absolutamente incapaz de produzir uma canção, uma valsa ou uma aguarela. Todos os seus pensamentos, hábitos e tendências se inquinaram da peste dourada, da álgebra do interesse, da consideração estiolante do lucro. O dinheiro é o motor sagrado daquele opulento império, onde o individualismo, por excessivo e exagerado, ainda não permitiu que se fundasse uma pátria. A Norte América é, por enquanto, uma associação de interesses; tarde será – se for – uma colectividade unida por um comum ideal, onde no fundo de cada alma palpite o sentido de raça e de tradição.

Toda a vida yankee se ressente deste tácito e generalizado culto ao bezerro de ouro, ao Moloch a cujo templo cada qual vai depositar, como oferenda votiva, a renúncia aos idealismos e a abdicação da independência moral, isto é, o desprezo das virtudes que constituem as mais sólidas e preciosas forças humanas. Esta aurofilia esterilizou, tornou sáfaros [rudes, desconfiados] os corações. Entre os latinos, ainda as ambições são tocados de um grande idealismo, que absolve e desculpa a sua vastidão. Um moço da nossa raça, de certa cultura, aos vinte anos desejaria escrever um belo livro, amar uma rainha, ser um grande político. Um jovem yankee dessa mesma idade polariza as suas mais secretas ambições em ter os bícepes de qualquer reles campeão de boxe e em ser milionário aos trinta anos. Do que perfuma e embeleza a vida, seja sentimento ou seja pensamento, nada sabe nem quer saber. Não troca pelas especulações transcendentes, pelos prazeres da cultura, pelas angústias e alegrias da paixão, a posse dum caderno de cheques.

E, em suma, a satisfação deste ideal vale a tensão do espírito e dos músculos de toda uma vida? Suponho que não. Os modernos milionários, os reis do petróleo e os imperadores das linguiças de Chicago existem rodeados de uma bisbilhotice que interminavelmente tagarela sobre a sua estrutura física e psíquica nos jornais e revistas. Não há um único desses detentores do milhão, que não esteja desvendado, como um papiro do Egipto, à curiosidade dos contemporâneos. De resto, esses nababos da indústria ou do comércio não evitam a publicidade; antes a excitam e querem indiscreta e minuciosa, como fanfarra bélica que sopre sobre o mundo inteiro e mais partes dos construtores de fortuna.

A Plutocracia infiltrada na classe política: poucos são os governantes que defendem os interesses dos cidadãos e dos seus países.
A escravização e corrupção na classe política do eixo ocidental é assustadora e mesmo com as vacinas a própria presidente da União Europeia, através do contratos com a Pfizer a que o seu marido está ligada, procedeu muito mal.

Pois bem o que se sabe da generalidade desses insaciáveis gulosos do dividendo e do juro não é de molde a captar as simpatias dos que dão um sentido nobre à vida nem a provocar a emulação dos moços normalmente organizados. Fisicamente, são tarados incapazes de legar a vida a outros seres sem um imponente cortejo de dispepsias, de nervosismos, de lesões cardíacas, de bocejos de animal estúpido e farto. Moralmente, perderam todas as noções que regem a vida social e não sabem mais distinguir senão entre ricos e pobres, entre a omnipotência do dólar e a servidão dos que nada possuem. Intelectualmente, enfim, são incapazes de deleitar-se com as letras, de absorver-se em indagações científicas, de remontar, na escala dos valores reais, da subalternidade desprezível em que se encontram ao apogeu da cultura.

"Da omnipotência do dólar e a servidão dos que nada possuem"
Da destruição e envenenamento do Jugoslávia, Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão, Ucrânia, Palestina.

Certo, seria injusto recusar em bloco, a todos esses cultivadores da riqueza, determinadas qualidades cerebrais. Tiveram a lucidez dos bons negócios, o senso da oportunidade, a inquebrantável energia que as fadigas não levam ao soçobro, essa vontade férrea, esse "querer" omnipotente que acaba sempre por triunfar dos mais rudes obstáculos. Dignas de admiração seriam estas exigências se as norteasse um superior ideal, uma aspiração abebarada de nobrezas. Mas, dominando esse transumpto de trabalhos, essa árdua epopeia de lutas [infelizmente, com o genocídio de milhares de índios], sentimos, adivinhamos a espora da avidez incontentável, da ganância odiosa, do fito de reunir pequenos discos dourados e de entesourá-los em cofres astuciosos e bem defendidos. Após reunirem milhões, estes novos argonautas que demandaram na vida o velocino de ouro acham-se mais pobres do que nunca- pobres no sentido social e humano da palavra. São cifras vivas, signos de valores venais, expoentes inertes duma parte do numerário em circulação. Interessa tanto à humanidade como um relatório de finanças ou um balancete de banco.   

Um dos saqueadores das armas proibidas e da arca perdida de Saddam Husseim é hoje um Congressista.

A geração nova, para o nosso mal, começa a viver em extasiada admiração diante dos «milhões americanos». Eles surgem, no horizonte das nossas esperanças, envoltos numa falsa auréola e num ilusório prestígio. Se não me falecesse autoridade para tanto, cuidaria de pôr em guarda os contemporâneos contra a crescente invasão, na nossa vida intelectual e moral, do mal yankee. Acumular dinheiro não pode contentar os mais secretos anseios do nosso «eu», nem é um fidalgo objectivo  propor à nossa curta travessia pelo mundo dos vivos até chegar ao definitivo reino das sombras. A passagem do ser humano na existência assinala-se pelo bem que fez, pela excelência com que pensou - e nunca pelas ondas de metal cunhado que o revestiram e esmaltaram, convertendo-o num bonzo. A civilização vai subindo com as conquistas da inteligência e do coração; mas não adianta um passo, e na maioria dos casos retrogada, com a existência dos que tiram milhares de automóveis à maquina ou expedem para todo o mundo, com a etiqueta «ex pluribus unum», conservas podres e sabonetes mágicos.

Fiquemos fiéis ao génio latino, que mais se compraz no delicado culto das artes e dos sentimentos, que no fetichismo do «grande», na obsessão dos multi-milhões, no pesadelo das casas de trinta andares, dos trens que devoram o espaço e dos engenhos que absorvem de cada vez trinta mil porcos vivos para os restituir em salsichas coloridas pelas sínteses químicas, salsichas cujos efeitos mortíferos as nivelam aos produtos de cozinha dos Bórgias. Um país, como um indivíduo, não é grande pela sua riqueza material, mas pela contribuição de valores morais e intelectuais que deu ao progresso da humanidade.» 

 Desta mensagem tão profética quão actual destacaremos esta tão significativa passagem:  «Acumular dinheiro não pode contentar os mais secretos anseios do nosso «eu», nem é um fidalgo objectivo  propor à nossa curta travessia pelo mundo dos vivos até chegar ao definitivo reino das sombras. A passagem do ser humano na existência assinala-se pelo bem que fez, pela excelência com que pensou» e, acrescento, com a gnose e religação espiritual e divina que conseguiu, contentando ou realizando os anseios do eu espiritual, íntimo e profundo, e que pouquíssima gente conhece, de modo a que entrando no além não fique retido nos reinos das sombras mas se eleve aos planos espirituais, plenos de luz, amor, sabedoria, felicidade, Divindade....

De António Carneiro, o logotipo cogitante-meditante da "Renascença Portuguesa", de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Gomes dos Santos e tantas outras grandes almas, nomeadamente Agostinho da Silva e Sant'Anna Dionísio com quem ainda muito dialoguei. Luz e Amor neles!