segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Anotações à contemplação (1ª p.) da pintura "Encontro na Luz", do mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943)

                                                    

 Bô Yin Râ é o nome espiritual do pintor alemão Joseph Anton Schneiderfranken, nascido a 25 de Novembro de 1876 em Ashendorf, e que, após os estudos secundários e o trabalho de sobrevivência, foi aluno de Hans Thoma (1839-1904), Fritz Boehle (1873-1916) e Max Klinger (1857-1920), formando-se no Städelsche Art Institute, de Frankfurt, em 1899, viajando depois por algumas cidades europeias em aprendizagens, até em 1912-13 residir na Grécia e, graças a uma iniciação espiritual, começar a partilhar as suas vivências e compreensões dos eventos arquétipos dos mundos espirituais em exposições e livros, destes surgindo o primeiro, Luz de Himavat, em 1919 e o trigésimo segundo, o Hortus Conclusus, Jardim Fechado, em 1936, o qual fecha o seu ensinamento, havendo ainda onze livros sobre arte, cultura e a sua missão, perfazendo os quarenta e três publicados, até deixar a Terra em Lugano, em 14 de Fevereiro de 1943.

A sua casa em Lugano, agora fundação-museu.
Um deles, Welten, isto é, Mundos, está constituído por um conjunto de vinte duas pinturas representando uma viajem ao Ser e mundo Divino e às suas manifestações, nomeadamente a emanação, queda e ascensão do ser humano, das quais oferece em palavras a correspondência espiritual pintada uma a uma,  mas da maioria das suas obras, excepto as contidas no Mundos, só deu uma indicação pelo título, não desejando provavelmente cercear por  explicações e interpretações intelectuais o sentir anímico unificante do contemplante.

Uma das pinturas não incluídas nesse livro, intitulada Begegung um Licht, Encontro na Luz, da qual tenho uma reprodução grande adquirida há muito na Librairie Médicis, em Paris, emoldurada, foi escolhida para ser contemplada com alguma regularidade durante algum tempo e anotadas as intuições, sensibilidades, pensamentos e reflexões, disso resultando um conglomerado de textos, de que partilho as primeiras partes.

Já depois de ter praticamente finalizadas as anotações, li na obra do seu amigo e biógrafo Rudolf Schott, Bô Yin Râ der Maler, publicada em 1927, que ele teria recomendado lerem-se os seus livros Gespent der Freiheit e Aus meiner Malerwerkstat, para melhor se compreenderem as suas pinturas. Na primeira, em português, O Fantasma da Liberdade, lemos indicações de carácter geral e que pouco têm a ver com a pintura, mas podemos transcrever resumidamente algumas ideias valiosas e bastante actuais devido ao seu incumprimento: - A Liberdade serve a Necessidade, o Todo Universal com a sua ordem, e ela não é irresponsabilidade nem incumprimento da nossa missão de nos darmos forma. A colectividade deveria tornar-se progressivamente Comunidade, de seres inteiros, íntegros e conscientes do seu valor posto ao serviço de todos. Já a autoridade que não dá garantias de que a liberdade individual será protegida está desequilibrada. Mas no capítulo sobre a Mentalidade partidária, a propósito de que uma verdadeira comunidade só poderá nascer do sentido espiritual de reunião, na verdadeira Liberdade que a Necessidade exige, diz: «toda a influência do Espírito supra-terrestre que a alma humana seja susceptível de captar aqui em baixo tem sempre por objectivo "reunir o que estava perdido"», e dará o exemplo dum caso extremo contrário, a loucura de se querer dissolver em ácido uma estátua sublime para fazer uma obra nova.

Valoriza também no capítulo Concorrência a busca do melhor e mais perfeito, tanto no produtor como no consumidor, estando tal sempre associado ao amor que se sente e à utilidade benéfica, e condena as cliques ou grupos de pressão que exploram e arruínam os outros e espalham impulsões funestas à humanidade, acrescentando mais à frente que os piores criminosos são os que tem os seus objectivos ou vistas orientados para as profundezas abismais da pré-humanidade terrestre, enquanto que nós devemos ter como visão o ser humano Espírito eterno e sermos os artesões conscientes do futuro, em especial no além ou vida depois da morte do corpo físico, para Bô Yin Râ muito importante de ser demandada na profundidade e elevação do nosso auto-conhecimento espiritual e vida criativa e fraterna.

Também no capítulo Religião, a propósito da representação do herói ou santo cultuado em capelas ou santuários, e que tanto o pode ser pelo que há de divino nele, ou por nele se honrar o Homem-Espírito, dirá em analogia quanto à erradicação de antiquadas ou supersticiosas formas: «Tal como uma pintura antiga, que o fumo e a poeira da igreja tornaram quase irreconhecível, só pode ser limpa pela mão de um perito para logo resplandecer no esplendor antigo, assim também é preciso mais do que uma necessidade de claridade racional para que a religião seja limpa da mancha que ameaça de destruir a sua face clara. Terá que se pagar muito caro a purificação do dogma se forem limpos demasiado depressa, por uma ignorância tola, os "sinais", que um dia será necessário reinserir trabalhosamente no quadro, para que ele possa falar ainda aos que o saberão interpretar de novo, o que não fora compreensível aos homens dum período intermediário.»

Tal como na sua obra escrita Bô Yin Râ fala dos sinais patentes nos seus quadros e que as pessoas deveriam sentir e intuir, esta pequena citação alerta-nos para estarmos atento a cada pintura, na sua totalidade e ambiente, mas também para os sinais inseridos e que serão correspondências das realidades dos mundos espirituais, estimulando-nos a religar-nos por esse meio a eles. 

Também no capítulo Ciência, alerta para a importância de sabermos interrogar a linguagem, pois mesmo a própria ciência toda ela se alimenta ou ergue da linguagem que «é a representação fonética da modelação interior da força de luz física transformada, e que por tal interrogação se desenvolve», lembrando que «mesmo quando pensamos ter relação com as coisas em si mesmas, elas não são mais que imagens interiores  correspondentes, criadas pela força da luz transformada, que nós dispomos como objectos de observação e cuja representação fonética é a linguagem (...) e que portanto, o nosso ver é apenas uma transformação concentrada das partículas de força luminosa em substância de forma, a partir da qual se constrói todo o nosso mundo interior, o único onde vivemos verdadeiramente, ainda que pensemos viver apenas no mundo exterior», e nisto está muito actual face às descobertas quânticas da física moderna e das neurociências quanto aos modos ou processos pelos quais vemos, recebemos, reagimos, transformamos, assimilamos.

Esta valorização de discernirmos melhor quanto nos apoiamos em partículas luminosas que transformamos interiormente em formas substanciais pode ajudar-nos a sentir mais intensa e pulsantemente como nós somos ou estamos constituídos animicamente, e o que nos rodeia e, graças às palavras e pensamentos que se geram a partir dessa auto-consciência mais profunda, intuirmos melhor os sentidos e o dinamismo dos seres e das formas que contemplamos ou com que interagimos.

(Continua...) 

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