segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Os Bonzos do Milhão: uma crítica aos norte-americanos, por Gomes dos Santos, no "Espelho Encantado", edições da "Renascença Portuguesa, 1917. Uma visão psicológica clarividente dos USA.

Liberdade e honra para o mártir da justiça e da verdade Julian Assange,...

Gomes dos Santos foi um dos homens que fez parte do glorioso movimento emancipador do início do século XX, denominado Renascença Portuguesa, e que, sediado no Porto, com as suas edições de livros, boletins e da revista Águia, e numerosas intervenções, conferências e fundações, liderou a cultura portuguesa até meados dos anos 20, uma das épocas mais ricas do pensamento e do diálogo livre em Portugal, já que em breve com o Estado Novo de Salazar muito se iria perder. Hoje, não estamos muito melhor mundialmente, nomeadamente com o controle dos principais meios de comunicação pela elite financeira, ou as censuras nas redes sociais ou ainda tanta morte de jornalistas   e a prisão injusta do mártir Julian Assange, um dos exemplos maisparadigmáticos da arbitrariedade opressiva do Império anglo-saxónico, por ele tão desmascarada ou dada a conhecer.

                                                     

Em 1917 publicou o seu livro de ensaios Espelho Encantado,  o quase centésimo livro da Renascença Portuguesa, num in-8º de 198 páginas, contendo trinta textos muito lúcidos, críticos, irónicos do que via e se passava, do que meditava e se discutia, partilhando a sua profunda sensibilidade sobre a Europa das grandes personagens e das filosofias e políticas, tendências e modas, tal a crescente valorização da mulher e do socialismo verdadeiros, mas também a I grande guerra, o Egipto eterno, a Rússia misteriosa, Rochefort, e a literatura da época. 

                                 

Sobre os Estados Unidos da América há quatro textos valiosos e além do que transcrevemos realçaremos outro bem irónico sobre uma tentativa de eugenia em Michigan, falhada: A fábrica de fazer monstros. Embora vistos em 1917, e logo  datados em certos aspectos críticos (e ainda bem, diremos, por ter havido melhorias), noutros foram proféticos ou continuam actuais e ajudam assim os que tentam compreender tal país e as suas tendências brutais, dominadoras ou imperialistas, bem como as grandes lutas contemporâneas rumo à desejada multipolaridade livre e fraterna, à qual o excepcionalismo norte-americano, na sua hubris ou desmesura opressiva e pelo dólar infinito corruptora, se opõe.


Resolvemos assim transcrever, sublinhando as partes mais valiosas, e partilhar no blogue, um desses quatro capítulos sobre os norte-americanos, Os Bonzos do Milhão, tanto com a esperança que vão surgindo dados biográficos deste lúcido observador psicológico e sociológico do seu tempo,  Gomes dos Santos, como a mais premente: que os USA abandonem o seu imperialismo, as suas guerras, ocupações e sanções constantes e se tornem um de país de cultura, de paz, de justiça, de solidariedade, de fraternidade...

                               OS BONZOS DO MILHÃO.

«Os que regressam do continente novo, trazem da América do Norte uma impressão de assombro e de desvairamento. Não é só o espectáculo duma imensa actividade material que lhes fere a retina, amoldada atavicamente às preguiças da nossa raça. É a visão deslumbrante, feérica, inexprimível, do imenso caudal de ouro que os bancos canalizam, que corre e serpenteia entre as mais audaciosas empresas, que desagua por mil filões na indústria e no comércio. Desse áureo banho, que irriga um povo poderosa de cem milhões de prováveis almas, ficam, nos cofres e na fisionomias, nas bolsas e nos costumes, uns reflexos amareladas e brilhantes, como uma galvanoplastia que ofusca e oculta as rugosidades das superfícies.

Sob o império deste ouro insolente e nulo, a civilização não progride. Os americanos do norte, activos obreiros de canais gigantescos, de torres duma altura desumana e de prédios mais trepadeiros que as grimpas dos Andes, nada produzem em matéria de sentimento e de arte. O imenso formigueiro humano, susceptível de multiplicar dólares, de elevá-los a altas potência aritméticas, é absolutamente incapaz de produzir uma canção, uma valsa ou uma aguarela. Todos os seus pensamentos, hábitos e tendências se inquinaram da peste dourada, da álgebra do interesse, da consideração estiolante do lucro. O dinheiro é o motor sagrado daquele opulento império, onde o individualismo, por excessivo e exagerado, ainda não permitiu que se fundasse uma pátria. A Norte América é, por enquanto, uma associação de interesses; tarde será – se for – uma colectividade unida por um comum ideal, onde no fundo de cada alma palpite o sentido de raça e de tradição.

Toda a vida yankee se ressente deste tácito e generalizado culto ao bezerro de ouro, ao Moloch a cujo templo cada qual vai depositar, como oferenda votiva, a renúncia aos idealismos e a abdicação da independência moral, isto é, o desprezo das virtudes que constituem as mais sólidas e preciosas forças humanas. Esta aurofilia esterilizou, tornou sáfaros [rudes, desconfiados] os corações. Entre os latinos, ainda as ambições são tocados de um grande idealismo, que absolve e desculpa a sua vastidão. Um moço da nossa raça, de certa cultura, aos vinte anos desejaria escrever um belo livro, amar uma rainha, ser um grande político. Um jovem yankee dessa mesma idade polariza as suas mais secretas ambições em ter os bícepes de qualquer reles campeão de boxe e em ser milionário aos trinta anos. Do que perfuma e embeleza a vida, seja sentimento ou seja pensamento, nada sabe nem quer saber. Não troca pelas especulações transcendentes, pelos prazeres da cultura, pelas angústias e alegrias da paixão, a posse dum caderno de cheques.

E, em suma, a satisfação deste ideal vale a tensão do espírito e dos músculos de toda uma vida? Suponho que não. Os modernos milionários, os reis do petróleo e os imperadores das linguiças de Chicago existem rodeados de uma bisbilhotice que interminavelmente tagarela sobre a sua estrutura física e psíquica nos jornais e revistas. Não há um único desses detentores do milhão, que não esteja desvendado, como um papiro do Egipto, à curiosidade dos contemporâneos. De resto, esses nababos da indústria ou do comércio não evitam a publicidade; antes a excitam e querem indiscreta e minuciosa, como fanfarra bélica que sopre sobre o mundo inteiro e mais partes dos construtores de fortuna.

A Plutocracia infiltrada na classe política: poucos são os governantes que defendem os interesses dos cidadãos e dos seus países.
A escravização e corrupção na classe política do eixo ocidental é assustadora e mesmo com as vacinas a própria presidente da União Europeia, através do contratos com a Pfizer a que o seu marido está ligada, procedeu muito mal.

Pois bem o que se sabe da generalidade desses insaciáveis gulosos do dividendo e do juro não é de molde a captar as simpatias dos que dão um sentido nobre à vida nem a provocar a emulação dos moços normalmente organizados. Fisicamente, são tarados incapazes de legar a vida a outros seres sem um imponente cortejo de dispepsias, de nervosismos, de lesões cardíacas, de bocejos de animal estúpido e farto. Moralmente, perderam todas as noções que regem a vida social e não sabem mais distinguir senão entre ricos e pobres, entre a omnipotência do dólar e a servidão dos que nada possuem. Intelectualmente, enfim, são incapazes de deleitar-se com as letras, de absorver-se em indagações científicas, de remontar, na escala dos valores reais, da subalternidade desprezível em que se encontram ao apogeu da cultura.

"Da omnipotência do dólar e a servidão dos que nada possuem"
Da destruição e envenenamento do Jugoslávia, Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão, Ucrânia, Palestina.

Certo, seria injusto recusar em bloco, a todos esses cultivadores da riqueza, determinadas qualidades cerebrais. Tiveram a lucidez dos bons negócios, o senso da oportunidade, a inquebrantável energia que as fadigas não levam ao soçobro, essa vontade férrea, esse "querer" omnipotente que acaba sempre por triunfar dos mais rudes obstáculos. Dignas de admiração seriam estas exigências se as norteasse um superior ideal, uma aspiração abebarada de nobrezas. Mas, dominando esse transumpto de trabalhos, essa árdua epopeia de lutas [infelizmente, com o genocídio de milhares de índios], sentimos, adivinhamos a espora da avidez incontentável, da ganância odiosa, do fito de reunir pequenos discos dourados e de entesourá-los em cofres astuciosos e bem defendidos. Após reunirem milhões, estes novos argonautas que demandaram na vida o velocino de ouro acham-se mais pobres do que nunca- pobres no sentido social e humano da palavra. São cifras vivas, signos de valores venais, expoentes inertes duma parte do numerário em circulação. Interessa tanto à humanidade como um relatório de finanças ou um balancete de banco.   

Um dos saqueadores das armas proibidas e da arca perdida de Saddam Husseim é hoje um Congressista.

A geração nova, para o nosso mal, começa a viver em extasiada admiração diante dos «milhões americanos». Eles surgem, no horizonte das nossas esperanças, envoltos numa falsa auréola e num ilusório prestígio. Se não me falecesse autoridade para tanto, cuidaria de pôr em guarda os contemporâneos contra a crescente invasão, na nossa vida intelectual e moral, do mal yankee. Acumular dinheiro não pode contentar os mais secretos anseios do nosso «eu», nem é um fidalgo objectivo  propor à nossa curta travessia pelo mundo dos vivos até chegar ao definitivo reino das sombras. A passagem do ser humano na existência assinala-se pelo bem que fez, pela excelência com que pensou - e nunca pelas ondas de metal cunhado que o revestiram e esmaltaram, convertendo-o num bonzo. A civilização vai subindo com as conquistas da inteligência e do coração; mas não adianta um passo, e na maioria dos casos retrogada, com a existência dos que tiram milhares de automóveis à maquina ou expedem para todo o mundo, com a etiqueta «ex pluribus unum», conservas podres e sabonetes mágicos.

Fiquemos fiéis ao génio latino, que mais se compraz no delicado culto das artes e dos sentimentos, que no fetichismo do «grande», na obsessão dos multi-milhões, no pesadelo das casas de trinta andares, dos trens que devoram o espaço e dos engenhos que absorvem de cada vez trinta mil porcos vivos para os restituir em salsichas coloridas pelas sínteses químicas, salsichas cujos efeitos mortíferos as nivelam aos produtos de cozinha dos Bórgias. Um país, como um indivíduo, não é grande pela sua riqueza material, mas pela contribuição de valores morais e intelectuais que deu ao progresso da humanidade.» 

 Desta mensagem tão profética quão actual destacaremos esta tão significativa passagem:  «Acumular dinheiro não pode contentar os mais secretos anseios do nosso «eu», nem é um fidalgo objectivo  propor à nossa curta travessia pelo mundo dos vivos até chegar ao definitivo reino das sombras. A passagem do ser humano na existência assinala-se pelo bem que fez, pela excelência com que pensou» e, acrescento, com a gnose e religação espiritual e divina que conseguiu, contentando ou realizando os anseios do eu espiritual, íntimo e profundo, e que pouquíssima gente conhece, de modo a que entrando no além não fique retido nos reinos das sombras mas se eleve aos planos espirituais, plenos de luz, amor, sabedoria, felicidade, Divindade....

De António Carneiro, o logotipo cogitante-meditante da "Renascença Portuguesa", de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Gomes dos Santos e tantas outras grandes almas, nomeadamente Agostinho da Silva e Sant'Anna Dionísio com quem ainda muito dialoguei. Luz e Amor neles!

2 comentários:

Anónimo disse...

Texto actual e que me surpreendeu pela infinidade de elementos que imediatamente no acorrem à memória. Pobres as minhas palavras para um escritor da sua craveira. Como sabe estou bloqueada pelo fb pelo que aproveito para agradecer a sua atenção ao partilhar comigo o seu blogue.

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças muitas, Maria Teresa, mas não sou escritor de craveira, antes um cavaleiro na demanda. Pois já fui ao seu mural verberar os pulhígrafos do facebook e animá-la. Abraço luminoso!