sexta-feira, 19 de maio de 2023

Os Homens (e Mulheres) de Fogo.... Texto escrito já há bastante tempo, mas perene...

  De Nicholas Roerich, 1932: Hagia Sophia... A santa Sabedoria Divina, flamejante...

 Continuando a transcrever de diários antigos, eis o segundo, com leves acrescentos, de uma série de nove textos, intitulados então: O Dharma, Os Homens de Fogo, A Aura Portuguesa, Da Trindade Santíssima, Da Meditação, A Meditação como actividade interna, Portugal e a Demanda do Graal, Meditação supramental, Escrito para a revista Nova Era.  Acabara de fazer trinta anos de idade, e escrevi-os num caderno de papel reciclado.

                                 Os Homens (e Mulheres) de Fogo.


Há seres que são portadores da criatividade ígnea do Sol. Aonde pousam os olhos, aonde comunicam a voz, aonde se encontram, transmitem uma presença ardente, aspirante, ascensional, como uma chama,
São como velas acessas, sempre a dispersar as trevas e, se pagadas, logo de imediato se acenderão, como torrente impetuosa aparecendo sempre tão forte e clamorosa no seu caminho.
Homens do fogo primordial. Capazes de despertar o fogo interior de cada ser, a aspiração ao belo, ao sublime, ao amor e que jaz adormecido e ignorado, como leito da corrente turva da vida que contém contudo em si grãos de ouro, potenciais anímicos, prontos a serem fundidos na forja quente do amor vivificador.
Homens de fogo sempre os houve nos povos. E suas mensagens e exemplos atravessam a escuridão da noite dos tempos, da memória histórica perdida na névoa das lendas e dos contos, para se erguerem aos olhos clarividentes como assunções dramáticas de luta pela perfeição e de vitória do Espírito sobre o caos elementar.
São os criadores das harmonias teodiceicas e das empresas ardorosas, os buriladores da matéria,  os tribunos da Verdade, as almas piedosas e cheias de uma Unidade Amorosa, que vão semeando seus grãos, suas ideias, seus impulsos ígneos nas pessoas e ambientes que os contactam ou acolhem.
É como uma fraternidade de corações ardentes da Radiação Sublime que se vai construindo acima das divisões, separações, dores, quedas e que aponta sempre o caminho da montanha, a subida rumo ao Todo e à sua fonte que é a Divindade.
São assim almas a tomarem consciência de si própria, envoltas nas vestes de puro fogo e que através  das suas eçtéricas radiações, pressentidas por uns poucos mais sensitivos, aquecem e iluminam telepaticamente e à distância suas épocas.
São clarões fugazes da intensidade do Espírito criador lançando do nada potencial as bases de vindouras revelações de futuros templos ou lares onde nasçam nos corações as aspirações e realizações ígneas do Cristo, da consciência Divina na matéria, essa Alma espiritual Omnipresente em que temos o nosso ser e que nos faz aspirar e exclamar, por maiores que sejam os sofrimentos, "Eu e o Pai somos um".
Possamos nós, qualquer que seja o nosso posicionamento religioso, auto-conhecer-nos interior e profundamente e, desta nossa sagrada imanência ígnea, através das nossas afinidades ou opções de acção, expressão ou palavra, partilharmos e comungarmos com os outros seres espirituais e a Divindade...

terça-feira, 16 de maio de 2023

"ARTE. Da Índia e do Eterno Oriente". Texto para a revista Arteopinião, da Escola de Belas Artes de Lisboa. 1981.


Ordenando papéis, diários e revistas, reencontrei numa delas o texto publicado para o nº 16 da Arteopinião, Revista da Associação de Estudantes de Artes Plásticas e Design da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1981, quando era dirigida e co-coordenada por dois amigos e companheiros de estudos liceais e universitário, o Filipe Rocha da Silva e o meu irmão Francisco, e escrito quando chegara há pouco de peregrinações no Oriente e na Índia, onde estivera, por exemplo, e porque refiro no texto, a meditar em cima da cabeça de uma das famosas estátuas gigantes (então em reparações) de Budha em Bamyan no Afeganistão, como sabemos lastimavelmente destruída em Março de 2001 pelo fanatismo de alguns talibans (ditos estudantes...) mais ignorantes, insensíveis e iconoclastas. Uma tragédia para o património cultural da Humanidade mas que tornamos a sofrer no Iraque e na Síria mais recentemente. A falta de uma boa educação e com uma vertente ecuménica...
                                         
A mesma revista contém uma notável entrevista de Afonso Cautela, pelo António Correia Teles e o Francisco Teixeira da Mota, e inclui  uma bela fotografia do Afonso Cautela, com 50 anos, e que já inseri na biografia que o homenageia neste blogue: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2018/07/afonso-cautela-vida-e-obra-com-um-video.html... Muita luz e amor na sua alma!
O meu texto sobre a Índia é mais aforístico, ou de pensamentos ígneos ou espirituais, e levou agora uns leves acrescentos, que poderá até comparar se quiser.
A imagem muito bela e ondulante do deus Shiva, patrono dos Yogis, foi a escolhida, pois foi nessa qualidade que peregrinei e vivi na Índia e ensinei depois Agni Raj Yoga em Portugal por uma dúzia e pouco de anos. 
Boas inspirações e realizações na religação ou yoga com a Natureza e a Anima Mundi, com o Espírito e a Divindade, para que a sabedoria, a ecologia (do nosso grande amigo Afonso...), o amor, a verdade e a Divindade vivam cada vez mais em muitos...
 
.....
                                                        ARTE

                           DA ÍNDIA, DO ETERNO ORIENTE..
"As cores desgastadas pelo tempo conseguem ainda, na geometria do seu desenho, estabilizar a nossa alma e lançá-la no horizonte mais vasto da própria Natureza, Mãe primordial de toda a arte".

Comentário: Por detrás de forma que o artista modela encontra-se a vida que sustenta todo o seu processo criativo. Fazer da obra um reencontro possível a qualquer momento da história com a Realidade é uma das visões e intenções do autor ou do futuro espectador desta recriação ecológica e anímica que é criar e contemplar a arte.

"Tão alto como o cimo da cabeça em pirâmide de Buda, pináculo da natureza humana, ou como as montanhas geladas de Bamyan, onde por entre grutas inumeráveis as mais altas estátuas cavadas na rocha se erguem imponentes, num desafio ao poder do tempo e à fragilidade dos corpos, está a obra de arte no que ela é de eterno, de plasmação no sensível das harmonias subtis intuídas ou desvendadas".

Como o corredor que nos leva ao tholos das nossas antas já cobertas, ou aquele que mais profundo faz-nos penetrar no interior da terra ou do coração, para reinvenção das ocultas lápides descobertas, assim a arte existe como raiz do passado, tronco do presente e certeza desabrochante do futuro.

A arte, o meio vindouro da paz, o abraço da fraternidade lançado pelos artistas na sua entrega ao que é condição humana, terrestre e cósmica, representa-se numa progressão sem limites de cores, materiais, técnicas, significados e propósitos até à grande síntese do concreto e do abstracto, do racional e do irracional, do demoníaco e do angélico, do ser humano e o seu ambiente, até às intuições do divino.
Desafio perene a todos os criadores de harmonias figuradas, para  saberem desempenhar bem o seu papel de descobridores da beleza e reveladores dos acordes perdidos de momentos conscienciais claros, intuitivos e unitivos. Como nas cores do nascer e do pôr do sol, ou no ritmo das estações naturais, ou mesmo dos comboios do metropolitano numa urbe, a mesma constante: sempre o movimento, o ritmo e a unidade subjacente...
E na base de tudo o desejo, quase sempre alimentado do egoísmo, apegando-o aos corpos, às posses, aos prazeres, às ideias e criando obstruções ao livre fluxo de energias, donde as doenças e desequilíbrios - expoente máximo: o ódio e a guerra.

Arte - reorientação, - flecha de paz que acerta no alvo do nosso coração, abrindo a flor que jaz em cada ser à espera do ser encantado cujo beijo a fará despertar.

  Arte:
          - Uma janela ou estrada aberta sobre a eternidade
          - As asas bem abertas na inspiração
          - O círculo traçado, mesmo quadrado
          - O raio da harmonia... »

Pedro T. Mota

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Leonel Costa, " Introdução à Numerologia", manuscrito inédito dum astrólogo e numerólogo do Bairro Alto. Com acrescento sobre Subud e Reiki.

                                                                                     Creio ter conhecido o Leonel Costa em alguma conferência que proferi ou a que assisti, ou quando trabalhava na livraria antiquária do Calhariz, no Bairro Alto lisboeta, onde ele costumava aparecer. Como tínhamos amigos e interesses comuns dialogámos, por vezes enquanto eu descrevia alguma raridade bibliográfica ou decifrava um manuscrito, o que o dono da livraria, o Zé Manuel Rodrigues, não apreciava tanto. O Ocultismo e o Esoterismo, Fernando Pessoa, a Espiritualidade, as fraudes da nova Era, eram os temas, já que ele era grande leitor, além de sensitivo, embora sendo discreto era eu que fazia as perguntas. O que o Leonel conhecia mais era porém a astrologia e embora só o conhecesse provavelmente no final de 80, ele já era  astrólogo desde os meados da década de 70, dando consultas para ajudar pessoas e talvez ainda porque o que ganhava como funcionário administrativo, e depois reformado, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não fosse tanto como necessitaria para comprar constantemente livros para si ou para quem oferecia, já que era bastante abnegado e divulgador.

O reverso da medalha era ele, volta e meia, aparecer para vender livros da sua grande biblioteca de astrologia, numerologia, ocultismo, teosofia, religiões, auto-ajuda, nova Era, os quais não sendo apreciados pelo livreiro alfarrabista, acabavam alguns por ser adquiridos por mim, a um preço equilibrado. Vivia num andar muito pequeno típico do Bairro Alto, na rua Luz Soriano, a que se acedia por umas escadas de madeira muito empinadas e apertadas e onde nada mais podia ter do que a sua mãe e muitos, muitos livros que ocupavam quase tudo. Foi amigo de algumas pessoas, como a Maria Ferreira da Silva, o meu irmão João que trabalhou no mesmo Ministério, e que ainda o consultou por indicação da comum amiga Vera Fuscher Pereira que morava também no Bairro Alto, para lhe fazer o horóscopo, tendo-lhe então dito que a interpretação do horóscopo era como uma poalha subtil que lançava na sua alma para ele ir depois desenvolvendo. No seu caminho espiritual deverá ter ido à Sociedade Teosófica algumas vezes e entrou na Subud, nas fases iniciais deste movimento do mestre Bapak ou Pak Subuh [1901-1987] em Portugal, onde recebeu o nome de Ricardo e se destacou pela sua solidariedade dinâmica.
Encontrávamo-nos como já disse na livraria do largo do Calhariz, mas também na galeria Matos Ferreira, na sua rua, onde fiz algumas conferências, outras vezes ao acaso na zona e creio que duas ou três vezes em sua casa onde fui ver os livros que ele bem amava e onde, curiosamente, inseria no interior  folhas brancas quase transparentes. Um dia desafiei-o a escrever um pequeno texto sobre a astrologia, numerologia, os fenómenos psíquicos, a espiritualidade, o que quisesse, para eu vir a publicar mais tarde. Algum tempo depois, entrou na livraria, com aquele seu andar discreto e rápido e o olhar de quem está semi-fora da visualidade física, e passou-me o texto seguinte, desculpando-se de ser apenas uma introdução leve. Mas fica na sua modéstia como um testemunho da passagem pela Terra e das suas leituras e reflexões, crenças e visões, já que era um sensitivo, com intuições ocasionais. Quando partiu do corpo e plano físico, não sei bem (embora possa vir a saber por alguma anotação num diário, onde pelo menos no de Abril de 2006 registo um duplo encontro em três dias), mas certamente desejamos-lhe muita luz, amor e sabedoria na sua alma espiritual onde quer que esteja, quem sabe se nas vizinhanças da estrela super-gigante branca Deneb, na constelação Cisne, e a 19º mais brilhante do céu, já que assinou com tal nome cósmico...  
Post-scriptum. Anos mais tarde, deste artigo em sua homenagem, em  8/9/25 encontrei num diário uma referência maior a ele. Ei-la: & de Fevereiro de 1999. «10 e 10 da noite. Conversa com Leonel astrólogo, quase duas horas, da sua vida, relação de amizade com Maria, o Subud e o Reiki, tendo iniciado Maria no Subud. Admirando a Flávia Monsaraz na astrologia  foi-lhe pedir agora a 3 iniciação do Reiki e esta quis que a andasse a servir. Acha que o amor dela não vem do eu, que o seu comportamento é a partir duma imagem ideal e não dela própria. Considera ambos os movimentos, Subud e Reiki, como vindos de grandes devas em planos superiores, passando por guias e por fim nos humanos, melhores ou piores.» Passemos ao texto de numerologia:
                                                       
                                         Introdução à Numerologia
«Tudo indica que a Numerologia remonta à mais alta Antiguidade. Começando pela menção dos 7 dias da Criação nas Escrituras, havia um ditado antiquíssimo de que a Numerologia, “tinha começado quando o homem caminhava na companhia de Deus” - o que é um modo delicado de expressão, antes de adoptarmos o nosso horário moderno, extremamente comercial e tecnológico.
Não se conhece a origem exacta da Numerologia, existindo, no entanto, fortes indícios, acerca disso.
As escolas de numerologia mais usadas são a pitagórica e a caldaica. Esta última é mais antiga, sendo a pitagórica a mais usual.
Pitágoras foi um grande matemático. Nasceu na Grécia no sexto século A. C., demonstrando possuir um grande talento para os números, sendo conhecidos, pela maioria das pessoas, os seus teoremas de geometria.
É também considerado o pai da Numerologia moderna [ou uma das fontes mais consagradas a que se filiam os numerólogos, nomeadamente o irlandês Cheiro].
Existem registos de que passou [ou referências a ter passado] muito tempo no Egipto e noutras partes do mundo, aprendendo a antiga ciência dos números [entre outras], tendo levado mais tarde esse ensinamento para a Grécia onde ensinou durante cerca de quarenta anos [alguns anos apenas, já que emigrou por volta de 535 a.C., para Crotona, no sul da Itália, onde desenvolveu o seu ensinamento científico e espiritual], além de criar uma faculdade [escola] e uma filosofia dos números, que ficou com o seu nome até aos nossos dias [é completamente hipotética a origem nele de tais especulações ou doutrinas quanto às associações de números e letras do alfabeto para caracterização ou adivinhação, já que os números eram sobretudo princípios e símbolos]. 
                                                                 
Diz-se que Pitágoras ensinava secretamente. Que cada aluno, escolhido com cuidado, tinha que passar por um período de cinco anos de contemplação em total silêncio, para desenvolver uma fé profunda [ou ainda uma capacidade de escuta e compreensão, receptividade e intuição mais profunda].
Além disso, os discípulos tinham de decorar os seus ensinamentos, pois era proibido escrevê-los [ensinamento acromático, oral e esotérico, entre nós mencionado e de algum modo realizado por Sant'Anna Dionísio, discípulo de Leonardo Coimbra, conforme já escrevi neste blogue.] Somente depois da sua morte, por volta do ano 500 A. C., os seus fiéis seguidores romperam essa tradição. [Sabe-se que Platão (428-348) esteve em Crotona para comprar os manuscritos pitagóricos que Filolau (475-385) escrevera e passara a Dion.]
 O Sistema numérico Caldeu – mais conhecido como Numerologia Mística [designação arbitrária] – oferece uma pista, bastante interessante, para determinar a idade da Numerologia. 
A Astrologia, a Numerologia e outros estudos ocultos eram considerados como religião mas não de maneira como a consideramos actualmente. Muitos sacerdotes caldeus também foram astrólogos famosos. Acreditaram que todas as coisas faziam parte da Providência Divina e que todos os planetas eram simplesmente interpretes celestiais. Na época de Alexandre, o Grande, por volta de 356 A.C., os caldeus acreditavam que o seu conhecimento de Numerologia e Astrologia, já existia há pelo menos 473. 000 [datação proveniente da tradição indiana, de um tratado de astrologia solar, e que o Leonel deve ter recebido do astrólogo Cheiro]. Talvez não tenha sido por acaso que com o tempo os Caldeus e as ciências ocultas se tornaram sinónimos [e no Renascimento a publicação dos Oráculos Caldaicos, do II e III d.C. e constituídos de frases dos neoplatónicos, relançou-os]. Ainda se usa actualmente o sistema caldeu de numerologia.
Também existem outras escolas de numerologia, e todas reflectem seus locais de origem, assim como a aplicação. Existiram por exemplo os antigos bramânes na Índia. Cheiro [1866-1936, ocultista e teósofo irlandês, e que esteve na Índia], quiromante famoso, numerologista e estudante dos fenómenos psíquicos dessa época, atribui grande parte do que sabia a esses místicos do Oriente. 
 Havia no Japão antigo um sistema que se baseava em determinados padrões numéricos encontrados na data do nascimento das pessoas. Existe ainda o sistema sagrado de Numerologia hebraica, mais conhecido como cabala, que se fundamenta no significado das letras e sons. E há ainda outro sistema originário da África, que emprega os números na arte da adivinhação (lançar os búzios, ossos, etc.)
Não importa para que região voltemos a nossa atenção, lá existirá um sistema de Numerologia que teve a sua origem no início dos tempos [mais reflectivos ou intuitivos...]»
22:59 de 31/07/2001
             Deneb.... [
nome místico-astronómico escolhido por Leonel...]

A estrela super-gigante branca Deneb, na constelação Cisne, e a 19º mais brilhante do céu. Lux!

domingo, 14 de maio de 2023

"Talhas, uma aldeia transmontana medieval", de João de Deus Rodrigues. O prefácio, por Pedro Teixeira da Mota.

 Tendo-me encontrado há  dias com João de Deus Rodrigues, amigo e escritor transmontano já com várias obras publicadas (e até prémio Nacional de Poesia Fernão de Magalhães Gonçalves em 2011), na calçada do Combro, em frente à Livraria Antiquária do Calhariz, onde muita vezes trabalhei (ou ainda ocasionalmente) na decifração de manuscritos ou na apreciação e descrição de livros estrangeiros ou mais invulgares,  estivemos a conversar, e com o José Manuel Rodrigues, transmontano e dono da livraria, outrora famosa pelos bons leilões, hoje sobrevivendo modestamente com um boletim trimestral e com as gravurinhas e desenhos que  vão vendendo aos turistas. E graças se dando pois, qualquer dia, para a Lisboa se tornar mesmo, merecida ou imerecidamente, apoiada ou não camarariamente, a cidade europeia com mais e melhores restaurantes e chefes, possivelmente  poucas das oito livrarias alfarrabistas existirão...  Soube porém na conversa que lhe foi diagnosticado um pequeno melanoma no nariz, a necessitar operação, aguardando que o Hospital Santa Maria lhe marque uma consulta. Se quiser recorrer a uma clínica privada os preços são altos.  Será talvez mais um caso para questionarmos se o dinheiro a rodos que a União Europeia recebe, cria e distribui para armamentos e vacinas (milhões a apodrecerem agora), ou aquele que o Estado português gasta mal em dezenas de instituições, parcerias público-privadas, obras, espectáculos, subsídios e fundações, não poderia ser aplicado melhor no apoio aos serviços hospitalares, centros de saúde e seus trabalhadores, e portanto fecundamente para bem estar dos cidadãos e da alma nacional? Será que assistimos ao crescimento do liberalismo selvagem, estilo norte-americano, e agora cada vez mais implementado na União Europeia por Macron (do Fórum Económico Mundial, com o seu infrahumanismo denominado transhumanismo), e outros, em que os serviços públicos vão sendo privatizados e encarecidos, ou será que felizmente além do super-lotado Hospital de Santa Maria, haverá ainda o muito estimado como salvífico Ega Moniz, ou outro? Fica o desabafo e os votos ou orações para que o João de Deus Rodrigues possa ser rapidamente operado e continuar a escrever livros e a manter a  sua convivência sã com a mulher, a filha Ana Sofia, reputada bióloga internacional, e os amigos e transmontanos. Segue, com leves modificações, o prefácio  (e ainda escrevi outros dois, tendo-o apresentado duas vezes na Casa de Trás-os-Montes), ao seu livro Talhas. Memórias de um aldeia medieval transmontana. 2005.
 
Badana do livro  Homenagem ao Rio Sabor, prémio nacional de poesia Fernão de Magalhães Gonçalves, em 2011, da editora Tartaruga, de Manuela Morais, que editou ainda as Histórias Maravilhosas da Terra Quente. 2007.

     «Nestes tempos de crescente seca e desertificação do interior é sempre bom que, por entre as brumas de passado, os gritos a rebate pela beleza e o valor da história das nossas aldeias se ergam refrescantes e gratos.
É o que nos oferece neste livro, numa linguagem simples e sem grandes erudições, o nosso amigo João de Deus Rodrigues, cooperante como eu na antiga Livraria Antiquária do Calhariz, em Lisboa, propriedade dum outro transmontano José Manuel Rodrigues, aí mesmo onde funcionou a famosa oficina Craesbeekiana no séc. XVI e XVII.
Não sendo um historiador, sem grandes capacidades para investigações mais exigentes ou dispendiosas, João de Deus procurou antes deixar vir ao de cima o que a sua alma continha de memórias, complementando-as com notas extraídas das obras dos grandes historiadores, enriquecendo ainda a monografia com poemas seus baseados nas vivências de infância, nas quais por vezes quase atinge aquele ritmo, sabor e ideologia do nosso cancioneiro tradicional.
Sim, porque João de Deus Rodrigues, apesar das sua limitações de estudos, conserva a alma de artista, nascida dos seus antepassados e do ambiente natural transmontano em que se embebeu desde que sua mãe, D. Ester Sobrêda Teiga, que uma fotografia da época nos mostra na sua beleza e nobreza, o gerou.
É este culto dos familiares e dos antepassados, que perdido em parte no atomismo das cidades, se conserva ainda quase como uma religião entre os nossos transmontanos e minhotos, para citar apenas as regiões em que por família e experiência melhor conheço, que se respira perfumadamente no livro.
A vida de Trás-os-Montes, das fragas e rios, da agricultura cerealífera, do linho e azeite, das artes e ofícios, tudo isso perpassa diante dos nosso olhar em momentos agradáveis e bem reconstituídos ou relembrados pelo autor, dando-nos ocasião de associá-los às memórias que, jazendo semi-adormecidas nas fímbrias da nossa alma e nas sinapses dos nossos neurónios, logo acordam e crescem, pelas comparações e analogias, as quais permitem ainda que o cérebro à medida que envelhece se mantenha em forma e não degenere, e ajudam-nos a formar o corpo espiritual, com que sobreviveremos à morte física.
Sim, como não relembrar outros sábios transmontanos, como os de Sirvozelo (ti Afonso, Domingos, Manuel Afonso), no Gerês (que conheci através do meu irmão Francisco, e que com eles se ligou indissoluvelmente), também possuidores desses saberes, forças adquiridas ao longo dos séculos no contacto com a natureza rica e difícil que os rodeava, apenas armados com a sua intuição, experiência e força de vontade mas que, acumulada ao longos dos séculos, qual a água de uma barragem, é capaz de se tornar luz mais quente que a eléctrica, e que aqui e acolá ainda embebe algum neto, ou gera diálogos com jovens não alienados pela sociedade superficial do consumo e nos quais a alma está ainda receptiva à sabedoria dos antigos.
Como não me lembrar das conversas com Sant’Anna Dionísio, o discípulo do prometaico Leonardo Coimbra, e que publicou na editora portuense Lello livros valiosos sobre Trás os Montes, o Minho, o Douro, além de ter sido o colaborador e continuador do pioneiro Guia de Portugal, de Raul Proença, ambos homens da Seara Nova? Ou dos encontros com as linhagens dos homens e mulheres das faldas do Marão, da Serra da Estrela, do Entre Douro e Minho, e de quem Miguel Torga foi ainda representante duplamente, assinalados no seu valor e destemor, homens duros como as fragas geladas, com a pele curtida pelas tarefas ao ar livre, mas com almas contendo tesouros imemoriais da sabedoria tradicional portuguesa?
Ora tudo isto renasce e se agiganta, se torna presença viva no coração, com uma história, uma recordação, uma poesia do João de Deus Rodrigues, que surge então quase como um mago, capaz de trazer ao de cima a vida que parecia estar já verdadeiramente sepultada e morta, num passado.
Não, desenganem-se, a invocação de S. Miguel não deixou ainda de vibrar algures na grande alma de Talhas, decerto invisivelmente, mas sem dúvida clamando hoje, como sempre, “Quem como Deus?”, e estimulando os habitantes de Talhas a erguerem-se acima dos medos e de subserviências, e a terem nas suas almas a invocação de Deus, a fonte mais profunda de amor e de verdade, e a vontade de lutarem pela preservação dos seus valores, exteriores e interiores.
Não, desenganem-se, de Luciano Amadeu Teiga, o avô do autor e seu primeiro iniciador, nunca mais se poderá dizer que está morto, pois da leitura destas páginas, e sobretudo dos poemas, nos quais nos surge como o mestre do jovenzinho curioso e inocente, ambos maravilhados perante a grandeza e os mistérios deste universo, ele ressurge. E, auxiliados pela bela fotografia da família, o que pode obstar a que entremos em relação espiritual com ele, onde quer que esteja nas muitas mansões ou talhas (divisões, níveis) do reino de Deus?
Instrutivo exemplo então para todos nós, a gratidão que escorre pelos lameiros deste livro e que alimenta os leitores como a desejada água a erva que os beiços doces das vacas de olhos inocentes continuam hoje como antigamente a comer.
Sim, é um toque a rebate aquele que João de Deus Rodrigues, qual criança empoleirada na torre, que como ele assinala está dedicada a Nossa Senhora, Nossa Dama, Alma Mundo, Princípio Feminino Divino, Santa Sophia, desfere tocando os sinos, não para umas das festas que tão saborosamente reconstitui, mas na urgência de que as pessoas lúcida e objectivamente vejam quais são necessidades mais prementes da sobrevivência humana e cultural das aldeias, e juntem esforços tanto para projectos comuns, como para que muito do dinheiro da União Europia não seja só comido pelas grandes estradas e pelas obras dos partidos políticos, e chegue a elas, nem que seja como numa noite de Inverno um fiozinho de azeite, que é luz e calor, alimento e amor.
Sim, o autor apela a que saibamos atirar para as casas um dos outros umas penicadas de nozes e figos, que saibamos subir ao mastro ensebado e partilhar o bacalhau, que saibamos ir trabalhar cooperativamente nas épocas das grandes lides agrícolas, ou nas obras de interesse comum da aldeia, da região. 
Que mais realçar na obra de João de Deus Rodrigues, ele que até agora trabalhava criativamente mais com a pintura, oferecendo-nos algumas exposições das suas obras, sempre de temática rural?
As descrições do ambiente e vida transmontana, e que até aos anos 60 ainda tinha muito de medieval, com as suas diferentes tarefas agrícolas e profissões típicas, valores, devoções (entre as quais se destacam as do Nosso Senhor dos Desamparados, como que acusando o poder central do desamparo), orações, costumes, folguedos, serões, etc. Tudo isto ergue-se em páginas por vezes capazes de nos tocar emotivamente, servindo para os mais jovens e as gerações futuras de Talhas, de Morais, de Izeda, saberem o valor das suas raízes, os veios que sustentaram uma vida dura mas integra e pura, com tantas tradições e laços à natureza e que, embora sepultados debaixo da vida consumista e americanizada que a televisão e a vida moderna despejam diariamente sobre todos, poderão outra vez vir ao de cima e de novo sustentar e alegrar as pessoas.
Sim, por toda a parte, começa a assistir-se já a uma revalorização do património ambiental, artesanal e cultural, e certamente que os habitantes de Talhas, descendentes daqueles que em tantas festas e costumes se uniam, saberão descobrir o que não se pode perder, lembrando eu, por exemplo, as festas do Espírito Santo, certamente um dos veios mais importantes da Tradição espiritual portuguesa, e que realizadas em Talhas no cimo dum monte apontam para essa Montanha Primordial, morada dos deuses, ou dos mestres e santos, ou seja, daqueles que da lei da morte se libertaram, daqueles que são portadores do cálice do Bem Comum, do santo Graal, da ligação ao Espírito e a Deus, e que constituem o corpo místico de Cristo e cujas bênçãos são a corrente do Espírito Santo, esta corrente que nos atrai e liga amorosamente e sabiamente. E que fazemos votos seja invocada e comungada para sempre nas festas do Espírito Santo, certamente na origem acompanhadas por momentos de encontros humanos livres e solidários e de um bodo gratuito e colectivo, de que já só restava recentemente o bacalhau e a aguardente da subida ao poste.
Como director do muito antigo e verdadeiro Almanaque Borda d’Água (donde fui despedido bastante ingratamente após três anos em que melhorei muito a iconologia, conteúdo e vendas) escolhi para 2006, o ano do centenário do nascimento de Agostinho da Silva, doze quadras suas para os doze meses e signos, interligando assim indissoluvelmente um mestre do Portugal do Espírito Santo com um almanaque que é [ou foi] um veio arquétipo da sua gente e saber.
Porque lembrar-me de Agostinho da Silva ao concluir este prefácio? Não só pela linha ou inspiração de Espírito Santo mas porque foi outro amante, como João de Deus Rodrigues, do mundo rural, ele que afirmou mesmo «o interesse fundamental que eu tenho no tal culto popular do Espírito Santo, de que sempre falo, é que ele é o projecto do povo português».
Que este livro de Talhas, com as suas valiosas histórias, poesias e memórias possa ser bem acolhido no interior das almas e aí floresça e frutifique para a eternidade, fortalecendo, pela memória, o amor e a vontade, os corpos espirituais dos mortos e vivos, que de algum modo entram ou entrarão (ao lerem-no) neste livro, destas aldeias de Talhas, Morais, Izeda e outras transmontanas, salpicos na terra do leito infinito da Via Láctea, e que, consciencializado e nele entrado, se revela como a Vida que é também Verdade e Caminho, e na qual somos todos peregrinos, irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai e Mãe Divino.

sábado, 13 de maio de 2023

O Anjo como porta, vaso e asa ardente em nós. Poema espiritual.


An Angel is a door to heavens.
He says to us: - "Look at me,
Stop your thoughts and be one with me".

As asas do Anjo apontam para cima,
e dizem-nos: - Aspira à Divindade,
Ama a Divindade.

Quando contemplamos um Anjo numa imagem
e depois fechamos os olhos
o que somos é luz,
              espaço luminoso, estrada para os planos espirituais.
O Anjo é um vaso, uma porta, um canal.

****-****

Sempre que contemplamos uma imagem de um anjo
e particularmente daquele que assumimos mais
como fotografia, porta e janela de invocação,
recebemos uma mensagem, uma intuição,
uma sensação, uma energia, nova, diferente.

Certamente o nosso estado de alma também conta,
se chegamos gratos e em plenitude,
se exaustos, doentes, desiludidos.

Cada pormenor da sua face e do seu ser
é um estímulo a assumi-lo no nosso ser
até por fim estabilizarmos as asas
e recolher-nos no coração,
em profunda gratidão e oração.

Os Anjos são seres principalmente de paz,
aquietam as almas,
puxam-nos para um plano subtil de vida,
tornam-nos mais conscientes de nós próprios
e no fundo sorriem
   pois dão-nos o seu amor,
    que é o Amor Divino.

O anjo é uma asa ardente em nós,
uma impulsão para o céu divino,
uma fonte de gratidão a jorrar no peito
   adoração da Presença Divina no coração.
 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Oração poesia divina e humana: "Noite silenciosa, chegas suave e imperceptível..." 9/11/09.

 

Noite silenciosa, chegas suave e imperceptível:
mas por fim a paz reina e estou só.
Deixo a minha alma erguer-se e soletrar sonhos,
permito o sorriso se espelhar na face
e abrir sulcos por onde escorrem aspirações e determinações.
 
Quereria passar toda a noite dialogando com as estrelas,
abrir o coração a que as tempestades cósmicas nele ecoassem,
sons das esferas, ritmos orgânicos, passar além das limitações
e comungar com a dimensão divina de todos os seres.
Mais do que isso, subir a montanha luminosa
e receber os raios do Espírito Divino
reverberando e fortificando os meus.

Assim ergui no coração um altar e nele adorei-te, ó Deus.
Teci  grinaldas para os Anjos, os mestres e antepassados,
mas ainda me sobraram algumas flores, rosas e aromas
que ao teu colo, no teu regaço, venho depositar.
Oh Amada, oh fruto dos ideais dos séculos,
Sê feliz, vibre entre nós a Presença Divina,
Sejamos a Unidade.
 

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Analogias da Natureza com o Caminho Espiritual, escritas no campo nos meus vinte e tal anos, e completadas hoje.

    
Gerês transmontano, barragem de Paradela, cujo leito fundo bem conheço...

                                                    

Nós somos como peregrinos, que se dirigem para Meca e se perderam no Caminho, e já não sabem sequer para onde vão, de tão distraídos do essencial eles estão.

Assim como as águas dum lago têm de estar paradas para se poder ver o fundo, assim os nossos pensamentos devem estar acalmados para podermos ver o nosso interior, nos seus vários níveis e até aos mais sublimes.

A nossa vida e evolução é como uma trepadeira que, ainda que se desvie, sobe sempre. Assim devemos manter uma profunda confiança em nós próprios, seres espirituais que aspiram à verdade e a Deus, trabalhando rumo a tal Sol.

Um terço dos nossos pensamentos são do passado. São como os remorsos de criminosos. Devemos esquecê-los, aprender de tais erros as lições para o futuro e estarmos mais conscientes da dimensão eterna que somos e que nos atravessa subtilmente, chamando-nos a estarmos mais religados amorosa, espiritual e divinamente.

Um terço das nossas flutuações internas são sobre o futuro. São como as preocupações do lavrador, se as sementes vão crescer ou não. Actuemos com firmeza e bem, na linha dos nossos deveres ou vocações, abandonemos a expectativa de resultados e do futuro e confiemos nas mãos da Providência divina, ou, se quisermos, dos seus subtis agentes e das afinidades e sincronicidades que interligam ou aproximam os seres.

Nós somos como peixes profundos. Para vermos a luz, temos de vir lentamente ao de cima, sem o que o nosso ser não a conseguiria receber. É toda a metodologia da meditação específica ou própria de cada um, uma arte de perseverança, de ora e labora, de lege et relege, de religião como religação pela consideração (cum siderus) bem feita, a aspiração persistente e a unificação.

Nós somos Filhos e Filhas de Deus. Ou seja, como as chamas das velas, brilhantes em cima, no apex e no centro, luz da Luz.

Assim como alguns animais hibernam no Inverno, assim também nós seja nessa época, seja de tempos a tempos ou quando mais sofremos, devemos procurar entrar na interioridade, recolher-nos o mais possível e assim podermos harmonizar-nos e sararmos em contacto com as energias subtis e as fontes íntimas e numinosas.

O Amor é como a temperatura do corpo. Se persistentemente estivermos radiantes, seremos como uma lareira para as pessoas. Daremos Luz e Calor a quem nos rodeia, visível e invisivelmente, na grande campo unificado de energia consciência e informação que a todos interliga.

                                       

Assim como as vacas e os burros ruminam os seus alimentos para serem fortes e calmos, assim nós também devemos mastigar lentamente, para assimilarmos melhor as energias e significados de cada alimento ou erva medicinal, ou ainda livro e pensamento, imagem, informação e mantra. Mas tal tarefa meditativa é bem difícil e desafiante hoje, com tanto excesso de informação e rapidez a circular por entre todos.

Assim como as plantas dão frutos nuns terrenos e noutros não, assim também devemos consciencializar-nos da receptividade dos ambientes e seres e estar firmemente decididos nos nossos sim, e nos nossos não, de forma a sermos verdadeiros e a elevar-nos integramente, fazendo resplandecer a estrela.