terça-feira, 18 de outubro de 2022

Livros (2º) sobre Sonhos. PSICOLOGIA DO SONHO, 2ª parte, de Teobaldo Miranda Santos. Bibliografia em português, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

Ao iniciar a Natureza do Sonho, 2º capítulo ou parte da sua obra Psicologia da Alma, o notável pedagogo brasileiro Teobaldo Miranda Santos dá-nos uma visão algo assustada do inconsciente, talvez  influenciado por sua formação cristã metodista, pois afirma a passagem da etapa oscilante e espectacular do estado hipnagógico, com imagens isoladas, independentes e caleidoscopias, para um encadeamento das «cenas do romance onírico. A desintegração mental produzida  pelo relaxamento progressivo do sono, torna o espírito [a alma semi-consciente] escravo [!!] das imagens, que ele mesmo cria [!!], e fá-lo regredir a formas psíquicas primitivas e tumultuárias onde dominam, omnipotentes, o inconsciente e o instinto. Quase todas as funções mentais, que asseguravam o equilíbrio da consciência e da personalidade e permitiam a sua adaptação ao mundo das realidades e dos valores se desarticulam, se fragmentam se dissolvem, de modo mais ou menos completo, conforme a curva do sono.» 

E sobretudo, acrescentaremos, conforme o grau evolutivo ou a auto-consciência das pessoas. Basta pensar se há pessoas em que os sonhos são um afogamento interior, para outras eles são sonhados mais ou menos racionalmente ou mesmo como sonhos lúcidos ou dirigidos voluntariamente. Ora a visão negativizante e  diminuidora do eu ou espírito que se conserva durante os sonhos vai ser ainda mais dramaticamente pintada por Teobaldo Miranda Santos: 

«Sem o apoio da síntese mental, sem o auxilio da massa organizada dos conhecimentos, o espírito volta a estádios arcaicos, confusos e sincréticos do pensamento, e entra em acção uma consciência elementar, obscura e indiferenciada, jungida às pulsões grosseiras do instinto e inteiramente hipnotizada pela marcha alucinatória das imagens». 

Francisco Goya, pesadelos nos sonhos, ou os seres atemorizadores ou "monstruosos" que karmicamente atraímos ou geramos....

Que visão mais negativa dos sonhos, diremos, que erro em não distinguir o nível psíquico integrado ou individuado de uma pessoa, pelo que se torna impossível aplicar a descrição anterior a seres que tem uma vida já controlada ou integrada quanto às suas pulsões básicas e que portanto não regridem para uma consciência elementar, presa a pulsões grosseiras e hipnotizada pelas imagens. E discordamos também que seja uma marcha alucinatória de imagens, antes a vendo eu como um desenrolar de uma vivência interior convocada ou gerada de diversas influências a qual o eu onírico observa e vivencia com certa lucidez, consciência e contextualização ambiental.

E toca de citar em confirmação Henri Ey, Études Psychiatriques, algo diminuidor das capacidades humanas nos sonhos, pois vê no sonho apenas uma redução das estruturas racionais do eu, quando elas são apenas vivenciadas com outra fluidez e menos dependência dos quadros sensoriais do espaço e do tempo que nos conformam na vigília quotidiana: «O sonho exige como condição mesma da sua produção, a abolição da reflexão [algo absurdo, pois muitas vezes nos sonhos reflectimos], dos esquemas temporo-espaciais, da previsão, da crítica [tantas vezes que ela se exerce no sonho], isto é, de todas as operações que situam a nossa vida psíquica numa perspectiva, numa ordem de subordinação, que faz de cada instante uma fase de um processo contínuo em sua intencionalidade». Mais à frente, com uma citação de Freud, auto-arrasa esta visão limitadora do sonho e do inconsciente.

E continuando numa visão algo limitadora dos conteúdos e capacidades, e por vezes até contraditória, já que não aponta os diálogos e os actos valiosos que realizamos,  as belezas que se conjuram, contemplam ou mesmo fotografam, afirma que, em resultado das forças reprimidas soltas e que passam a dominar o cenário mental, o «mundo do sonho é o próprio mundo do inconsciente, mundo lúdico, mágico e primitivo, com suas pulsões violentas e irracionais, com suas emoções desordenadas e alógicas, com as suas formas de expressão simbólicas e fantásticas.» E aqui sentimos que lhe faltou mais leitura de Jung (ainda assim citado por um livro na bibliografia final), com o inconsciente colectivo, linguagem alquímica e arquétipa dos sonhos, ou das tradições indianas e persas, com os seus níveis subtis e espirituais da super-consciência, tal como mais modernamente Sri Ramakrishna, Guru Ranade, Shudhananda Bharati vivenciaram, entre tantos outros mestres, ou Sri Aurobindo profetizou e teorizou.


Heinrich Khunrath (1560-1605), o Alquimista no seu laboratório: Ora et Labora.

Já na influência das memórias, também parece limitada a sua asserção de que «quando não conseguimos relacionar os quadros oníricos com os fatos de vigília» e cremos então que está «o sonho dotado de uma capacidade criadora excepcional», estamos simplesmente a não discernir que se trata de se estar a «reviver lembranças completamente esquecidas pela memória da vigília,» o denominado "poder hipermnésico", que certamente existe e se comprova muitas vezes mas que de modo algum esgota a génese psíquica onírica.

A ideia  que aceita de que «não são os acontecimentos mais importantes da nossa vida que merecem a preferência da memória onírica mas sim os factos mais insignificantes, os pormenores mais banais da nossa existência diárias», e que me parece errada, leva-o a apoiar-se numa explicação rebuscada mas valiosa, embora condicionada pelos hipotéticos traumas de infância, do psiquiatra de Viena: «Para Freud, esse tropismo da memória onírica para os fatos sem importância da vida diária é condicionado por processos inconscientes.Os complexos psíquicos da origem infantil, recalcados no inconsciente, utilizariam esses pormenores insignificantes da vigília para, com eles, iludir a acção repressora da "Censura", enfraquecida pelo sono, e atingir o plano da consciência, visando a sua realização alucinatória. Essa capacidade de disfarce e que faz do inconsciente uma entidade lúcida e genial, dotada de mil recursos, é um dos postulados mais desconcertantes da doutrina do mestre de Viena (*).»

Depois de confessar o desconcerto da sua compreensão limitada do inconsciente tosco e primitivo  face à visão muito mais experiente de Freud que lhe reconhece lucidez e genialidade,Teobaldo Miranda  remete para nota de rodapé uma valiosa compreensão de Freud: «O sonho, diz Freud, não é um caso de sons discordantes, não é desprovido de sentido, não é absurdo; não é necessário, para explicá-lo, supor o adormecimento de uma parte de nossas representações e o despertar de uma outra. É um fenómeno psíquico em toda a acepção do termo, é a realização de um desejo. Deve ser situado na sequência intelegível das acções psíquicas da vigília: a actividade intelectual que o constrói é uma actividade elevada e complicada» (Sigmund Freud, Die Traumdentung, Leipzig, 1900, p.  113).

Mais valiosa que a mera insignificância dos acontecimentos a que não ligamos em vigília, encontramos em Robert a tese catártica, de «que os estímulos dos nossos sonhos não são nunca os factos sobre os quais reflectimos demoradamente, mas somente os que ficaram inacabados em nosso espírito ou os que foram pensados fugazmente», e em geral do dia precedentes, concebendo assim o sonho como um processo de eliminação dos pensamentos [ou de transmutação energética de pensamentos e emoções] que são inibidos ou recalcados ao se formarem».

Quanto à génese psíquica onírica cita ainda  com interesse Yves Delage, para quem «as ideias possuem um coeficiente de energia psíquica que tende a ser despendido. Se esse coeficiente de energia não é totalmente despendido no trabalho mental pela inibição produzida pela interferência de outras ideias, permanece uma energia residual potencial, que determina o reaparecimento da ideia no sonho.» Esta observação é muito certeira e o mestre espiritual Bô Yin Râ estendeu-a para a vida depois da morte: as impulsões anímicas que geramos ou iniciamos em nós e que não realizamos em vida e na terra, continuarão a tentar realizar-se na terra por outros seres que poderão receber ou sentir tais impulsões, e só quando elas estiverem realizadas, é que nós próprios enquanto almas espirituais e no além, nos sentiremos mais livres.

Yves Delage, 1854-1920.

E continuando a resumir o notável biólogo e zoologista, um dos pioneiros da autenticidade do santo sudário, escreve com valor: «Partidário da psicologia mecanicista, Delage acha que a imagem inicial do sonho é produzida por modificações químicas do sono ou por certos movimentos vibratórios dos neurónios que, inibidos, na vigília, pela vibração de outros neurónios, não despenderam toda a sua carga energética.»

Nesta linha  apresenta ainda as ideias de Michel Foulcaut: as imagens mentais tem uma capacidade de evolução espontânea, que lhe é própria, e que ele denomina «de força evolutiva», sendo tal carga energética mais forte, e logo com reaparecimento onírico,  nas imagens mais recentes, nas percepções que nos impressionaram de maneira pouco viva ou que a atenção não se exerceu, ou finalmente «as imagens provenientes de percepções antigas, evocadas pela consciência, durante a vigília, [que] adquirem com isso, uma força nova, como que um rejuvenescimento, que as torna mais aptas para reaparecer no sonho».

Esta realização de que as ideias possuem um "coeficiente energético", ou uma "energia residual potencial" ou uma "força evolutiva", tudo caracterizações da energia psíquica, será ainda aproximada em termos animistas dos objectos e imagens, por Anatole France no seu romance Le Lys Rouge: «O que nós vemos de noite, é o que negligenciamos na vigília. O sonho é frequentemente a vingança das coisas que desprezamos ou dos seres abandonados», mas, cremos, com algum exagero, pois mais do que vinganças há equilíbrios homeostáticos regulados seja pelo inconsciente, seja pelo eu ou o espírito, que regem o cérebro e a psique, seja pela Ordem do Universo ou Providência divina. E tendo tais sonhos  intencionalidades catárticas, harmonizadoras ou mesmo aperfeiçoadoras.

O ilustre pedagogo Teobaldo Miranda Santos vai fechar este 1º subcapítulo da 2ª parte, com alguns exageros dessa capacidade de lembranças, ou hipermnésica do sonho, citando duas atribuições causais a um sonho que todos já tivemos, com mais ou menos regularidade, e que tem recebido numerosas interpretações: «Stantley Hall chega ao absurdo de considerar o sonho de voar como uma reminiscência ancestral da época pré-histórica, em que o mar cobria a maior parte da Terra. [O contemporâneo de Wenceslau de Morais, e como ele japonizado, Lafcadio] Hearn vai mais longe. Para este campeão da fantasia, o sonho de voar representaria a lembrança ontogênica da vida nos planetas de fraca gravitação». 

É pena que não apresente a sua hipótese explicativa, quiçá a de vermos aves e aviões, paraquedistas e parapentes, antes de adormecermos. Ou será que deveremos antes admitir que ela assinala uma estação na nossa vida em que estamos a controlar bem as pulsões mais terrenas, instintivas, egoístas, materialistas e conseguimos que a nossa alma, também fortificada pela meditação expansiva, se desprenda dos extractos mais densos do planeta quando dorme e assim, mais leve e eterizada, sonhe, se sinta a voar e a elevar-se no seu corpo energético-psíquico e espiritual?

Cara alma leitora, reflicta, medite, investigue, sonhe ou contemple e evolua ou realize-se mais... Aum, Amen, Amin...

Pintura de Bô Yin Râ...

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Livros (2º) sobre Sonhos. PSICOLOGIA DO SONHO, 1ª parte, de Teobaldo Miranda Santos. Bibliografia em português, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

SANTOS, Teobaldo Miranda. PSICOLOGIA DO SONHO. Génese, Natureza e Função dos Processos Oníricos. S. Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957. In-8º de 190 p. Br. 

                                  

Teobaldo Augusto Miranda Santos (22-VI-1904 - 21-III-1971) foi um notável pensador, professor universitário e investigador de ciência, psicologia, filosofia, pedagogia, mitologia e um fértil escritor, sobretudo para o ensino, com cerca de 150 livros publicados. A sua obra no campo da Filosofia da Educação é ainda hoje bastante estudada e valorizada. 

Este seu livro sobre os sonhos demonstra uma grande leitura do principais psicólogos, filósofos  e cientistas  que escreveram  sobre os sonhos,  citando-os metódica e constantemente, enquadrados nas suas posições ou doutrinas sobre a génese, a natureza e a função do sonho. Ao mesmo tempo comenta-os, toma posição e aduz casos pessoais que o inclinam a aceitar ou apoiar mais esta ou aquela doutrina explicativa.

                                 

Do 1º capítulo,  Génese do Sonho, destacamos o seu realçar da existência no ser humano de uma intrínseca atitude interrogativa, de interesse pela realidade, geradora duma tensão psíquica que vela constantemente sobre o que nos envolve, tendo tal tensão de vigília  a função de «manter sempre, latente e actual, em nosso espírito, o sistema organizado de nossos conhecimentos, resultante da estratificação de todas as nossas experiências anteriores», anotando a distinção de Albert Kaploum, no fenómeno da memória, da conservação de representações e a conservação de conhecimentos. Acrescentará,  citando Henry Ey, que certos problemas mentais são o efeito de um deficit energético, uma falta da tensão psicológica necessária para manter o equilíbrio dos instintos e a eficácia de actos e pensamentos. Ora no adormecimento [causado em especial pela secreção da melatonina, pela pineal, e do químico Gaba, pelo hipotálamo e o tronco cerebral] e sonho dá-se a queda de tal tensão e já «não conseguimos emprestar às imagens que desenrolam na nossa mente a sua justa valorização lógica e afectiva.»

O principio que para ele constitui a a base de aceitarmos sem relutância as produções da imaginação onírica é o de que «toda a proposição que não encontrar ideias antagónicas ser firmada como verdadeira» Ora este princípio, que ele considera em vigor nas crianças, tem no nos nossos dias adquirido uma extensão muito mais ampla, abrangendo jovens e adultos, e referimo-nos às narrativas oficiais obrigatórias únicas, seja de vírus e vacinas, seja de acontecimentos e conflitos e que não admitem antagonismo ou contraditório e o bloqueiam, perseguem e eliminam. Nas redes sociais tal tornou-se uma praga, com os pulhígrafos esvoaçando e bloqueando o livre pensamento, mas também nas leis da União Europeia cada vez mais se acentuam sinais da deriva autoritária do neo-liberalismo em crise, sobretudo derivada da sua oposição arrogante à multipolaridade emergente mundial.

Passando a referir e a analisar a teoria orgânica da génese do sonho, ou seja, que são sensações internas ou externas que geram as múltiplas imagens dos sonhos, Teobaldo põe tal em causa  porque há sempre imagens-lembranças antigas que se associam, e que não há um nexo tão directo entre sensações e sonho. 

Estuda também demoradamente as teorias acerca das imagens hipnagógicas que acontecem na entrada do sono, e que surgem como formas mais ou menos definidas de objectos, figuras, cenas, pontos, manchas linhas sombreadas ou coloridas, considerando-as uma fase  pré-onírica ("um prelúdio"),  em grande parte gerada do que foi visto ou vivido antes de se adormecer, ou durante esse dia. E sem dúvida podemos observar algo disso quando guiamos uma viatura durante várias horas antes de nos deitarmos, e vemos então imagens da estrada a abrir-se diante do nosso olhar interior e irmos avançando. Embora seja clara a sua afirmação que «as alucinações hipnagógicas não são produzidas por luzes entóticas, por fosfenos ou por imagens secundarias», É discutível porém o seu entendimento de que as visões hipnagógicas representam apenas «as primeiras imagens oníricas procurando impor-se sobre os dados da percepção externa», baseando-se na teoria da metamorfose da consciência em consciência "imageante" de Henry Ey, já que podem provir de um outro nível do ser e não serem tanto imagens oníricas provindas do inconsciente e que fascinam e estilhaçam a consciência, mas antes vislumbres dos níveis subtis e estruturais da manifestação A distinção entre visões e alucinações escapa-lhe também, pois não afirma ou reconhece a visão subtil e espiritual, a do 3º olho, que pode estar a ser activada em tais momentos.

Talvez por não ser um praticante da meditação, não refere as imagens que podem ser vistas de manhã,  logo ao acordarmos, e que em formas de raios, formas geométricas, arcos, estilizações de árvores, braços e com cores, em gera quentes, poderão ser uma preparação para o novo dia, após o trabalho nocturno dos sonhos e das eventuais meditações que fizermos, e certamente se o merecermos. Creio ser este um contributo algo inédito meu.

Outro dos factores de natureza orgânica da génese do sonhos, as sensações internas ou sensações cenestésicas, é por ele abordado, com citações valiosas, tais os que consideram que os sonhos dos cardíacos são em geral «curtos e terminam de uma maneira angustiosa. Os doente dos pulmões sonham, quase sempre, com asfixia. Nas perturbações digestivas, os sonhos contém representações de carácter gustativo». Do autor francês Allendy (1930) cita que segundo os indo-chineses as moléstias do coração eram anunciadas por visões oníricas angustiantes, onde predominava a luz rubra do fogo ou dos incêndios; as afecções renais revelavam-se por sonhos de sensação penosa na região lombar ou de natação difícil; as afeições esplénicas, por cantos, músicas, disputas e refeições; as afecções hepáticas, por montanhas íngremes, florestas impenetráveis, árvore, regatos, relva.  

De Henry Ey retira a ideia de que os sonhos angustiosos resultam em geral de desordens funcionais neuro-vegetativas, e do "grande onirólogo inglês Havelock Ellis" que as sensações orgânicas, pela inibição da actividade motora, transformam-se em ondas de emoção, e assim «o conteúdo alucinatório do sonho resulta da actividade racional do espírito [ou alma, ou do eu no sonho] que procura explicar, com representação, as emoções resultantes da inibição das excitações sensoriais.» 

Também valiosa é a explicação de Kraus: a sensação interior evoca uma representação e formam um conjunto, mas o eu vai voltar-se apenas para a representação, dando-se como que uma transubstanciação da sensação em imagem do sonho. Interessante ainda foi o entendimento de Scherner na sua obra A Vida dos Sonhos: «o sonho procura antes de tudo, representar o órgão de onde provém a excitação, com imagens que guardam com o mesmo uma certa semelhança», mas que Teobaldo não aprova. De Freud lembrará como para ele o «sonho seria uma realização disfarçada de desejos inconscientes de origem infantil», ou seja, as excitações orgânicas não determinam o conteúdo dos sonhos «mas fornecem elementos que são utilizados pelo inconsciente para formar representações simbólicas que mascarem a realização do desejos». E concluirá o capítulo escrevendo que embora se tenha  de reconhecer a importância dos factores fisiológicos na génese dos sonhos, ou seja, a teoria organogenética,  ela não explica a «riqueza, liberdade e a dramatização das imagens dos sonhos». Há pois que acrescentar a acção das influências  psíquicas, o que abordará, e nós abordaremos, numa segunda parte.

Pintura dos mundos espirituais pelo mestre  Bô Yin Râ

domingo, 16 de outubro de 2022

Livros (1º) sobre Sonhos. LIVRO COMPLETO DOS SONHOS. Lista de livros em português, anotada ou comentada por Pedro Teixeira da Mota

 Porque se geram milhares de sonhos na nossa vida e das suas causas e motivos sabemos tão pouco, e porque sonhando bastante tenho ao longo dos anos registado muitos e ajuntado livros sobre eles, eis uma pequena primícia. Que ela possa gerar melhores sonhos e frutos na nossa alma....


LIVRO COMPLETO DOS SONHOS. O Verdadeiro Oráculo da Noite. Explicação dos Sonhos e Visões Nocturnas, compreensíveis a todos, segundo os cabalistas mais notáveis da antiguidade e seguido de Cartomância ou Arte de Ler o futuro nas cartas. 4ª edição. Lisboa, Guimarães Editora, s/d (habitual nas edições da Guimarães, por causa dos impostos). In-8º de 112 págs. Br. Nota de posse de 1958. Embora o dicionário dos sonhos seja fraquinho, e as treze finais de cartomancia e astrologia fraquíssimas, o prefácio é curioso e mostra algo do anónimo autor-compilador: «Desde a mais remota antiguidade que os sábios tem pretendido saber a verdadeira significação dos sonhos. Neste ramo de ciência, como muitos outros, notabilizaram-se os antigos egípcios, cujos cabalistas acreditaram ter descoberto o segredo da interpretação dos sonhos e visões nocturnas. Dos trabalhos que até nos chegaram  desses cabalistas, compilámos o nosso livro, não sem o modernizar nalguns pontos, de conformidade com as últimas descobertas científicas. Não deixará de haver quem duvide que os sonhos sejam o aviso misterioso, o sinal de que está para suceder num futuro mais ou menos próximo; mas esses, que querem negar à espécie humana a vida do espírito, a emanação do poder divino, equiparando-nos aos irracionais, esses mesmo terão que render-se à evidência, se dedicarem a estes estudos a atenção que eles já merecem às pessoas mais cultas e ilustradas de todos os países»

Depois desta apresentação optimista quanto ao interesse moderno pelos sonhos, e valorizadora da tradição egípcia, que de facto já em 1350 a. C. compilara num papiro denominado Chester Beatty uma série de sonhos, imagens e suas interpretações, o que de facto encontramos neste livro são mais as linhas vulgarizadoras europeias, pelo que certamente  o "modernizar"  por causa de "últimas descobertas científicas" terá sido apenas corrigir  pelo bom senso do séc. XXI. Mais valiosa e certeira é a sua defesa ou afirmação do ser humano ter ou ser um espírito, ou uma "vida de espírito", o qual é uma "emanação do poder divino". Enuncia por fim antes das suas entradas de dicionário, a sua [ou extraída de quem?] visão quadrupla dos sonhos: que propriamente o «Sonho é aquele que debaixo de certas figuras nos representa a verdade, e no qual a pessoa que sonha toma parte mais ou menos importante. A Visão é uma espécie de relação, que durante o sono nos é feita, quadros animados que simbolicamnte nos apresentam futuros acontecimentos. O Pesadelo é causado por comoções violentas que atacam o cérebro quando dormimos, e encontram o espírito vigilante. Então o que nos aconteceu durante o dia ocupa-no igualmente de noite; quem se receia de algum mau encontro, sonho que ele se verifica; o que teve alguma discussão acalorada, questiona ainda, dormindo; o avarento sonha com o seu tesouro; e o que ceou reguladamente, sonha com os prazeres da mesa. [Mais fraca é a sua visão d'] A Aparição não é mais do que um fantasma que se afigura aos espíritos fracos [ou sensíveis] geralmente criado pela imaginação [ou clarividência] dos velhos e da crianças.»  Só os dois primeiros deveriam ser tomados em consideração, os que não são relembrados é porque não tem valor, e só aqueles que ocorrem depois da meia noite devem ser interpretados, já que «até essa hora [variáve], todos os nossos sentidos estão executados com o trabalho da digestão.»

Do dicionário, uma das entradas, sempre esquemáticas e limitadas: «MAR:recebereis notícias que já não esperáveis com respeito a uma rica herança. - Tranquilo: auxílio de parentes ou de amigos. - Agitado: perigo, aprendei a orar. - Claro: não enriquecereis. - Transparentes: achareis objectos perdidos. - Furioso: cólera fatal. - Cair ao mar: acidente terrível.»

Bons sonhos e visões!

Visão dos mundos espirituais, por Bô Yin Râ, desperto! 

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Who are the terrorists in Europe and in the world? The Council of Europe (PACE) says: Russia. But, in facts, the true ones are USA, NATO and now EU.

                                        

«The move has been cheered by top Ukrainian officials as a “powerful signal” to the world. The Parliamentary Assembly of the Council of Europe (PACE) adopted a resolution on Thursday, urging its member states to “declare the current Russian regime as a terrorist one.”......... No big deal. In the US, Pro-lifers and political dissenters are being hauled off to jail and labeled as domestic terrorists. If everyone is a terrorist, then nobody is. Sadly, these pathetic hypocrites lacked the same distaste for war when the US and its NATO lackeys were up to their knees in blood and still are, as it was they who threw the Ukrainian people into the fire.

                                             

But not the UK, US and Ukraine. Not Germany, not France (Rainbow warrior-New Caledonia-African coups and Libya). Oh, good one. We now know the colors of Europe and its legitimization of terrorism when conducted in the name of their states. What a surprise, the side fighting against Russia wants to call them terrorists. Coke snorting Zelensky had to let his stupidity show once more, saying it's a Powerful signal to the western world.

But the West is not the World, tell these people if they do not know already that many in this same world do not care about what they say and decide and therefore do not feel concerned at all. Stop speaking for the entire World, you fascist globalist puppet. PACE selling out to the US globalist elite is a harbinger of the EU's collapse. What a bunch of hypocrites these people are. It really doesn't get any more delusional than this.

                                           

For centuries, the Western European Christians have been terrorizing the people of all continents from Africa, to Asia, to South America. It takes a great deal of historical ignorance for them to feel they have any legitimacy to point the finger at Russia as a 'terrorist regime'. The UK and US, Canada —--bombed destroyed —---> Libya, Syria, Iraq, Afghanistan, Kosovo, South America, Africa. Iraq the WAR where George Bush and Tony Blair were convicted for WAR CRIMES, where is justice for these criminals? Where is justice for the Anglo criminals NATO and the US are the real terrorist states.

                                              

Let me get this straight. The 2014 Nazi coup in Kiev orchestrated by Obama, Biden and the EU and the murder of thousands of Russians in the Donbas, continued By Trump and Brussels, the last eight years is finally being put to an end by Russia and THEY are the terrorists ? The good news is the degenerate West is committing suicide in real time with the continuing support for Nazi infested Ukraine and the sanctions on Russia. The world rejoices.

Yet not Ukraine!!!! Amazing, simply amazing, even after bombing and shelling the Innocent people for 8 years in Donbas and Luhansk. I can only conclude Ukraine has threatened the EU with dire consequences, too. This is why every Western institution seems to be already corrupt, or corruptible under pressure from the US. In other words, they may as well all be ignored by the rest of the World. Europe is fast sinking into total insignificance as far as world geopolitics are concerned. It will soon be just a backwater recipient of US welfare. It will be very funny to watch when these overpaid, arrogant bastards beg this "terrorist regime" next spring to sell them gas.»



                                                              PEACE... JUSTICE...

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Um poema na tradição espiritual de Hafiz e da Pérsia, por Pedro Teixeira da Mota, nas vésperas da peregrinação ao Irão em 2013.

Hafiz de Shiraz, 1315-1390

Um poema na linha da tradição persa ou iraniana do Amor e de Hafiz, escrito na preparação para a peregrinação ao Irão, em Abril de 2013.

Fotografia obtida na lápide de Hafiz, no seu mausoléu em Shiraz, em 2013.

Esta tradição do Amor intenso,

que circula discreta e sem rubor,

chama-nos de dentro do coração

a entrar e a cantar a comunhão.


Sermos artesões criativos do Destino

que liga, harmoniza e une terra e céus,

erguendo-nos para além das dúvidas e trevas,

eis a sorte de participarmos nas mil aventuras

da criação amorosa-sábia que em nós se zela.


Hafiz bebeu o vinho do Amor eterno

e extasiou-se na Natureza e na Mulher.

800 anos depois continuamos peregrinos

amando a Natureza Divina, a Mulher e o Amor.


Ergo o meu coração, semi-cerro o olhos,

invoco a Divindade, lanço a oração

que cruza os ares, as horas e cansaços

e entro firme na divina contemplação,

aquela que nos traz a plena satisfação

de sentir bem a Fonte do Amor no coração.


Antero de Quental e o casamento como via de superação e iluminação. A carta a Jaime de Magalhães Lima, de Maio de 1889.

O mistério perene das potencialidades da união entre o homem e a mulher foi por Antero de Quental sentido mais romanticamente enquanto jovem, e vários poemas, em especial dos coligidos nas Primaveras Romântica, ecoam as emanações  ígneas e esperançosas do Amor pelo seu coração e ser. Temos além disso duas indicações substanciais na sua valiosíssima correspondência sobre o que ele pensou sobre o tema.   

 Numa carta escrita em 1868 de Ponte Delgada para Alberto Sampaio, Antero de Quental manifestou desassombradamente nos seus 26 anos de idade, as reservas que sentia perante a instituição do casamento, ou como ele designa, influenciado pelos seus estudos de Direito, o artigo do matrimónio. 

                                                          
                                                        Alberto Sampaio (1841-1908)

Mas vinte anos mais tarde a sua visão mostra-se bem mais profunda, como veremos. Oiçamos então primeiro Antero em 1868 confessando o que sentia, já licenciado e após a Questão do Bom Senso e do Bom Gosto, o trabalho em Paris como tipógrafo, e  as estadias em Lisboa e Ponta Delgada,  escrevendo com alguma ironia para Alberto Sampaio : «Os nossos amigos estão implacáveis no artigo do Matrimónio. Já deves saber do casamento do Eduardo [de Almeida Andrade] que me enviou dois bilhetes artisticamente unidos por um fio de retrós azul-celeste, cor de esperança, como sabes. O João Machado [Faria e Maia] casa dentro em uma semana, com uma rapariga de muito notável espírito, que ainda assim não é o esprit dos romances ou dos folhetins, mas posto modestamente ao serviço duma natureza extremamente amável e boa. Pasmo sempre com estas coisas, porque não sei como ainda se acha no mundo quem disponha de seriedade suficiente, a ponto de casar para valer e por conseguinte, para valer tomar a vida e todas as ocas coisas dela. O casamento é uma bela coisa (conquanto não tão bela como a têm feito nestes nossos tempos alguns filósofos bem casados de mais para filosofarem com sangue frio) mas é uma bela coisa em tese, como se diz em Coimbra. Mas hoje e para quem conhece o mundo actual parece-me que só como coroa de um largo e tolerantíssimo humorismo se pode admitir. O casamento sem reserva, sem restrição mental, acho-o uma monstruosidade de boa fé.»

 Após esta manifestação de fortes reservas ao casamento, católico provavelmente pela sua indissolubilidade, que já no século XIX lhe parecia uma ingenuidade algo perigosa, provavelmente dadas as dificuldades de se encontrar a pessoa certa e conseguir manter a relação numa complexa sociedade, sobretudo para um filósofo peripatético, algo asceta e estóico, como em parte ele era.

Será já de 1889 que descobrimos uma mais original aproximação à união da mulher e do homem, ou seja ao casamento, como via de realização, elaborada por um Antero Quental  bem mais amadurecido, estabilizado pela experiência até da vivência quotidiana durante uns anos com a viúva de Germano Meireles e as duas filhas deles, em Vila de Conde, e que está transmitida nessa carta escrita em 28-V-1889, dois anos antes de morrer, para o tolstoiano e vegetariano Jaime de Magalhães Lima (já abordado neste blogue), dezassete anos mais novo e seu discípulo.

  Jaime de Magalhães de Lima, numa fotografia oferecida a Avelino de Almeida, e Antero.

 Nela se congratula com a nova fase na vida, pois ia casar-se, afirmando-lhe mesmo que «o dia do seu casamento será para mim uma verdadeira alegria», e dando-lhe em seguida um quase que sermão de iniciação na vida do amor a dois, ainda que mais na linha sacrificial do ego e no alcançar da impersonalidade do que na valorização dos estados unitivos e expandidos que os casais podem realizar se verdadeiramente se unem nos vários níveis dos seus seres com o máximo de amor e abertos à Divindade e à Unidade, algo que contudo Antero na sua vida de bacharel e celibatário pouco conseguira desenvolver, tanto mais como já vimos o seu receio e desconfiança expresso na carta a Alberto Sampaio, escrita há vinte e três anos.

 Como esta carta é muito valiosa e como ainda não está transcrita na web vale a pena fazê-lo em grande parte. Ora nela, Antero de Quental, depois de afirmar que há alguma razão  por detrás da declaração bíblica de que "não é bom que o homem esteja só", encara a valorização do matrimónio por uma via mais filosófico, moral e espiritual, e como natural na evolução, maturação ou individuação das pessoas, e fazendo-o a partir da sua própria experiência de vida, que contudo não lhe permitiu o enlace mais profundo ou duradouro com ninguém: «tomando a coisa por outro lado, dir-lhe-ei que só é verdadeiramente livre aquele que sabe limitar voluntariamente a própria liberdade.  A liberdade é um ideal, que, como todos, precisa ser corrigido pela realidade tem a sua pedra-toque. Os ideais da nossa mocidade, absolutos e no fundo muito egoístas, são fantásticos, e é por isso que nos atormentam tanto. E quando cerceamos, em proveito dos outros, uma parte dessas desmedidas ambições, reconhecemos então com pasmo que essa amputação, em vez de nos diminuir, nos engrandeceu. Parece-me dever concluir daqui que a nossa verdadeira grandeza é toda interior e subjectiva; o que somos e fazemos importa relativamente pouco; a relação da nossa vontade consigo mesmo é que é o essencial.

[Comentário: Eis uma importante valorização da força de vontade, unificando as nossas tendências divergentes, para os objectivos que consideramos mais elevados, o que constitui na realidade a base do caminho iniciático ou da unificação das nossas forças anímicas.]

Chegados a um certo estado de espírito, não de cepticismo ou de abatimento, mas de verdadeira compreensão da nossa natureza e do nosso fim (regnum meum non est hoc mundo, "o meu reino não é deste mundo"), aquelas imensas ambições da mocidade fazem-nos sorrir. Não compreendo pois porque emprega duas vezes a palavra resignação: quisera que a riscasse do vocabulário dos seus sentimentos.   

[Comentário: Ou será que o casamento não era sentido numa tão grande de unidade  de corpo, alma e espírito, entre Jaime e sua noiva Maria Cardal, filha do 1º conde de Condeixa?]  

A transição do egoísmo idealista e da falsa liberdade, para a realidade moral e a verdadeira liberdade, é um progresso e até, em meu conceito, o máximo progresso: não pode ser pois matéria de resignação; antes, de exultação. 

 [Comentário: Vemos assim Antero conceber o casamento no fundo como uma via de auto-domínio, de superação do egoísmo, de desenvolvimento de solidariedade e universalidade, de felicidade de se estar livre dos idealismos juvenis algo egóicos. Não há contudo uma valorização unitiva do casamento, seja numa linha de recuperação do estado de unidade com o seu ser polar ou complementar, seja numa linha tântrica (via indiana de união dos princípios masculinos e femininos da consciência e energia, pela meditação, o ritual e o acto sexual) em que os momentos mais intensos de união e fusão podem abrir e expandir a consciência dos níveis sensoriais e sociais para os espirituais ou mesmo divinos.]  

Mas talvez lhe esteja fazendo aqui uma chicana de palavras, por causa duma que provavelmente empregou num sentido diverso daquele em que eu o tomei. Por isso não insisto. Entrou meu caro amigo,  num caminho em que todos os dias irá sentindo o chão mais firme debaixo dos pés, mais lúcido o pensamento, mais serena a consciência.

[Comentário: Mais forte o amor e a ligação espiritual e divina, teria sido bom se Antero tivesse também sentido e escrito]. 

Vivendo cada vez mais para os outros, sentindo morrer em cada dia dentro de si mais uma parcela do eu egoísta que tanto nos ilude, tanto nos faz sofrer e errar, irá entrando gradualmente naquela região da impersonalidade que é a verdadeira beatitude».

Reflexões finais: Este último parágrafo transcrito regista bem a elevada e tão  e difícil de se realizar visão anteriana da missão do ser humano, e como o caminho estreito para a verdadeira felicidade ou beatitude passa por vencermos o nosso eu egoísta, e irmos  entrando gradualmente naquela região da impersonalidade.  

Perguntaremos, conseguiu Antero de Quental entrar pouco, razoavelmente ou muito em tal região da impersonalidade?  Tinha consciência disso em alguns momentos da sua vida, tal como decisões, sacrifícios, escolhas de pensamentos ou mesmo de linhas de escrita ou de poesia?  

Dá-nos a entender que sim, pois teria sentido, ou aconselha teoricamente,  a prática diária da morte de uma parcela do eu egoísta. É uma linguagem forte, dura, ascética, que podemos quase conectar com a Arte de bem morrer que filósofos e religiosos ao longo dos séculos valorizaram e, na realidade, quando evitamos determinado acto que o nosso eu mais primário, instintivo e egoísta desejaria, nós estamos a fazê-lo morrer, ou melhor, a diminui-lo, controlá-lo, e assim fortalecendo o desprendimento recomendado para a morte como libertação do corpo e dos desejos da vida na Terra e logo o acesso a níveis mais luminosos e conscientes. 

Mas quando Antero de Quental se limita a afirmar a impersonalidade, esse não ser uma personalidade ou a personalidade, numa linha de origem nele algo budista ou advaitica vedanta, e da filosofia do inconsciente de Hartman, não acolhe nem ilumina contudo o ser substante identitário que tem de haver, pois a felicidade sentida implicaria uma consciência, um eu, certamente mais subtil ou profundo que escapa à maioria dos seres, e que alguns místicos ou iniciados conheceram.

Este ponte no caminho espiritual sentimos que não foi cruzada por Antero: a realização do espírito, como eu espiritual e núcleo central e imortal da sua alma, não foi alcançada, e assim pese a sua ascese, sofrimento, bondade, impersonalidade, que era também "impassibilidade estóica" que mais de uma vez referiu, ficou na sua sensibilidade tão imensa e facilmente perturbada pelos seus frágeis nervos e má e escassa alimentação (frequentemente um só vez por dia, em condições de difícil fortificação pelo amor, a paz, a harmonia para os embates, frustrações e desilusões da vida. Vendo  Jaime de Magalhães Lima, bem mais novo,  com 29 anos, mas já bem consciente e sapiente só lhe podia recomendar as linhas de força que ele aprofundara e desenvolvera com grande trabalho e dor nos Sonetos e na Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX : ir dominando o eu egoísta,  desenvolvendo a felicidade e a liberdade de ter menos ego, acolhendo o casamento como boa via para tal tarefa iniciática... 

E nós, já no séc. XXI, onde estamos nestas batalhas internas e externas?

Vencendo o eu instintivo ou egoísta, acolhendo e sentindo, e afirmando até mais o eu espiritual e a sua exaltação ou exultação no amor, na fraternidade, na sapiência e sobretudo até na aspiração à Verdade e à Justiça que tanto ardeu genialmente em Antero, apenas lhe faltando, como já mostramos, por via da influência do budismo, a consciencialização da centelha espiritual,  e por via da influência do cristianismo, a religação à Divindade que não já o Jeohova que tanto criticara e repudiara...

Possam a Luz e o Amor divinos brilharem nas almas de Antero de Quental, Alberto Sampaio e Jaime de Magalhães Lima! E nos que tentam aprofundar os mistérios do Ser e da união polar... Aum....

Pintura de Bô Yin Râ.... Mundos espirituais....

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Poesia espiritual: Dos mistérios e efeitos da poesia no coração. Por Pedro Teixeira da Mota...


O mistério da poesia está no imprevisto:

quando começamos pouco sabemos

do que dentro de nós se quer expressar

e rompendo o potencial-virtual se afirmar.


Há uma poesia de demanda espiritual

que busca desvendamento e intuição ,

que sintoniza com o  ser e o coração

e aspira à Divindade, amor e verdade.


Quem entra nesta correnteza arde e sente

no ouvido interior o crepitar da vibração,

  a chama flamejante no íntimo coração,

 a mente calma na consciência presente.


Se pela natureza, pessoas, livros e afectos

nos inspiramos e entusiasmamos com razão,

Se musa e mestre quase tudo é um pouco,

então desperta e intensifica mais o coração,

E vive mais em comunhão....

 

1ª imagem, pintura de Bô Yin Râ. O poema, já começado há algum tempo, finalizado hoje.