segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Livros (2º) sobre Sonhos. PSICOLOGIA DO SONHO, 1ª parte, de Teobaldo Miranda Santos. Bibliografia em português, comentada por Pedro Teixeira da Mota.

SANTOS, Teobaldo Miranda. PSICOLOGIA DO SONHO. Génese, Natureza e Função dos Processos Oníricos. S. Paulo, Companhia Editora Nacional, 1957. In-8º de 190 p. Br. 

                                  

Teobaldo Augusto Miranda Santos (22-VI-1904 - 21-III-1971) foi um notável pensador, professor universitário e investigador de ciência, psicologia, filosofia, pedagogia, mitologia e um fértil escritor, sobretudo para o ensino, com cerca de 150 livros publicados. A sua obra no campo da Filosofia da Educação é ainda hoje bastante estudada e valorizada. 

Este seu livro sobre os sonhos demonstra uma grande leitura do principais psicólogos, filósofos  e cientistas  que escreveram  sobre os sonhos,  citando-os metódica e constantemente, enquadrados nas suas posições ou doutrinas sobre a génese, a natureza e a função do sonho. Ao mesmo tempo comenta-os, toma posição e aduz casos pessoais que o inclinam a aceitar ou apoiar mais esta ou aquela doutrina explicativa.

                                 

Do 1º capítulo,  Génese do Sonho, destacamos o seu realçar da existência no ser humano de uma intrínseca atitude interrogativa, de interesse pela realidade, geradora duma tensão psíquica que vela constantemente sobre o que nos envolve, tendo tal tensão de vigília  a função de «manter sempre, latente e actual, em nosso espírito, o sistema organizado de nossos conhecimentos, resultante da estratificação de todas as nossas experiências anteriores», anotando a distinção de Albert Kaploum, no fenómeno da memória, da conservação de representações e a conservação de conhecimentos. Acrescentará,  citando Henry Ey, que certos problemas mentais são o efeito de um deficit energético, uma falta da tensão psicológica necessária para manter o equilíbrio dos instintos e a eficácia de actos e pensamentos. Ora no adormecimento [causado em especial pela secreção da melatonina, pela pineal, e do químico Gaba, pelo hipotálamo e o tronco cerebral] e sonho dá-se a queda de tal tensão e já «não conseguimos emprestar às imagens que desenrolam na nossa mente a sua justa valorização lógica e afectiva.»

O principio que para ele constitui a a base de aceitarmos sem relutância as produções da imaginação onírica é o de que «toda a proposição que não encontrar ideias antagónicas ser firmada como verdadeira» Ora este princípio, que ele considera em vigor nas crianças, tem no nos nossos dias adquirido uma extensão muito mais ampla, abrangendo jovens e adultos, e referimo-nos às narrativas oficiais obrigatórias únicas, seja de vírus e vacinas, seja de acontecimentos e conflitos e que não admitem antagonismo ou contraditório e o bloqueiam, perseguem e eliminam. Nas redes sociais tal tornou-se uma praga, com os pulhígrafos esvoaçando e bloqueando o livre pensamento, mas também nas leis da União Europeia cada vez mais se acentuam sinais da deriva autoritária do neo-liberalismo em crise, sobretudo derivada da sua oposição arrogante à multipolaridade emergente mundial.

Passando a referir e a analisar a teoria orgânica da génese do sonho, ou seja, que são sensações internas ou externas que geram as múltiplas imagens dos sonhos, Teobaldo põe tal em causa  porque há sempre imagens-lembranças antigas que se associam, e que não há um nexo tão directo entre sensações e sonho. 

Estuda também demoradamente as teorias acerca das imagens hipnagógicas que acontecem na entrada do sono, e que surgem como formas mais ou menos definidas de objectos, figuras, cenas, pontos, manchas linhas sombreadas ou coloridas, considerando-as uma fase  pré-onírica ("um prelúdio"),  em grande parte gerada do que foi visto ou vivido antes de se adormecer, ou durante esse dia. E sem dúvida podemos observar algo disso quando guiamos uma viatura durante várias horas antes de nos deitarmos, e vemos então imagens da estrada a abrir-se diante do nosso olhar interior e irmos avançando. Embora seja clara a sua afirmação que «as alucinações hipnagógicas não são produzidas por luzes entóticas, por fosfenos ou por imagens secundarias», É discutível porém o seu entendimento de que as visões hipnagógicas representam apenas «as primeiras imagens oníricas procurando impor-se sobre os dados da percepção externa», baseando-se na teoria da metamorfose da consciência em consciência "imageante" de Henry Ey, já que podem provir de um outro nível do ser e não serem tanto imagens oníricas provindas do inconsciente e que fascinam e estilhaçam a consciência, mas antes vislumbres dos níveis subtis e estruturais da manifestação A distinção entre visões e alucinações escapa-lhe também, pois não afirma ou reconhece a visão subtil e espiritual, a do 3º olho, que pode estar a ser activada em tais momentos.

Talvez por não ser um praticante da meditação, não refere as imagens que podem ser vistas de manhã,  logo ao acordarmos, e que em formas de raios, formas geométricas, arcos, estilizações de árvores, braços e com cores, em gera quentes, poderão ser uma preparação para o novo dia, após o trabalho nocturno dos sonhos e das eventuais meditações que fizermos, e certamente se o merecermos. Creio ser este um contributo algo inédito meu.

Outro dos factores de natureza orgânica da génese do sonhos, as sensações internas ou sensações cenestésicas, é por ele abordado, com citações valiosas, tais os que consideram que os sonhos dos cardíacos são em geral «curtos e terminam de uma maneira angustiosa. Os doente dos pulmões sonham, quase sempre, com asfixia. Nas perturbações digestivas, os sonhos contém representações de carácter gustativo». Do autor francês Allendy (1930) cita que segundo os indo-chineses as moléstias do coração eram anunciadas por visões oníricas angustiantes, onde predominava a luz rubra do fogo ou dos incêndios; as afecções renais revelavam-se por sonhos de sensação penosa na região lombar ou de natação difícil; as afeições esplénicas, por cantos, músicas, disputas e refeições; as afecções hepáticas, por montanhas íngremes, florestas impenetráveis, árvore, regatos, relva.  

De Henry Ey retira a ideia de que os sonhos angustiosos resultam em geral de desordens funcionais neuro-vegetativas, e do "grande onirólogo inglês Havelock Ellis" que as sensações orgânicas, pela inibição da actividade motora, transformam-se em ondas de emoção, e assim «o conteúdo alucinatório do sonho resulta da actividade racional do espírito [ou alma, ou do eu no sonho] que procura explicar, com representação, as emoções resultantes da inibição das excitações sensoriais.» 

Também valiosa é a explicação de Kraus: a sensação interior evoca uma representação e formam um conjunto, mas o eu vai voltar-se apenas para a representação, dando-se como que uma transubstanciação da sensação em imagem do sonho. Interessante ainda foi o entendimento de Scherner na sua obra A Vida dos Sonhos: «o sonho procura antes de tudo, representar o órgão de onde provém a excitação, com imagens que guardam com o mesmo uma certa semelhança», mas que Teobaldo não aprova. De Freud lembrará como para ele o «sonho seria uma realização disfarçada de desejos inconscientes de origem infantil», ou seja, as excitações orgânicas não determinam o conteúdo dos sonhos «mas fornecem elementos que são utilizados pelo inconsciente para formar representações simbólicas que mascarem a realização do desejos». E concluirá o capítulo escrevendo que embora se tenha  de reconhecer a importância dos factores fisiológicos na génese dos sonhos, ou seja, a teoria organogenética,  ela não explica a «riqueza, liberdade e a dramatização das imagens dos sonhos». Há pois que acrescentar a acção das influências  psíquicas, o que abordará, e nós abordaremos, numa segunda parte.

Pintura dos mundos espirituais pelo mestre  Bô Yin Râ

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