sábado, 7 de maio de 2022

Sri Anirvan, 1896-1978, um sábio mestre bengali, hoje do Bangla Desh. Biografia e obra. Com video de nuvens no vasto céu divino, em dia de Sri Anirvan. 7/05/2022.

Sri Anirvan foi um dos sábios do séc. XX da Índia, vivendo 82 anos de grande qualidade e criatividade. Nasceu a 8 de Julho de 1896, na pequena aldeia de Mymensingh, hoje Bangla Desh, de pai médico e de mãe  terna e religiosa, recebendo o nome Narendrachandra Dhar e tendo uma infância feliz e em contacto com Natureza, manifestando desde cedo tendências espirituais e mnemónicas, pois aprendeu de cor o tratado linguístico sobre o sânscrito de Panini, o Astadhyayi  (do que lhe resultará grande capacidade de memória e análise gramatical e védica), e a mais famosa obra místico-espiritual indiana, a Bhagavad Gita.
Uma das suas primeiras experiências espirituais foi a de ter visto aos sete anos uma jovem de  beleza fabulosa que o deixou siderado, sem saber se era visão física ou visão espiritual, tornando-se-lhe um sinal do mistério da vida e da sua sublimidade, e uma influência benigna,  como se ela se tivesse tornado a sua musa ou guia no caminho. Chegará a dizer que «a sua graça foi a luz da minha vida durante muitos anos». Anos mais tarde considerará ter sido a Mãe Divina, nascida da perfeita sabedoria, Uma Haimavati, descrita na Kenopanishad, ou ainda, ou por, Prajna e Atman, a visão intuitiva e do espírito. 

                                                       Nenhuma descrição de foto disponível.

Poucos anos depois teve outra visão, que alguns de nós também já tiveram de um ou outro modo: a contemplação da imensidade do céu e uma expansão da consciência, com o céu e as estrelas entrando dentro de si, ou vendo-os em si, no seu interior, quase que desmaiando, e segundo um dos seus biógrafos, Ram Swarup, «esta experiência persistiu através de toda a sua vida, e Sri Anirvan tornou-se um sadhaka [praticante espiritual] do vazio, da liberdade, do desapego, tudo simbolizado pelo céu», acrescentando que na mesma veia ou linha de força, «um dia veio-lhe um pensamento com a força e o inesperado da realização espiritual, o de que ele estava livre das restrições de castas e credos, livre na alma, "livre como o faquir Chand", um baul (místico poeta itinerante).»
Aos 16 anos decidiu abandonar a vida na família e no liceu e ir
ter com o que ele sentia ser o seu guru Swami Nigamananda saraswati (1880-1935), que já o era dos seus pais, mas este embora recebendo-o muito afavelmente mandou-o de volta para completar os seus estudos, pois precisaria um dia de um scholar, um erudito, com ele. E assim Anirvan teve de estudar mais seis anos, obtendo excelentes resultados, só satisfazendo a sua sede de amor, conhecimento  felicidade, nos meses das férias, junto ao
seu mestre, de facto um grande realizado em várias linhas ou tradições yogis, conhecido como Paramahansa  Swami Nigamananda Saraswati Deva, já que em 1904 recebera esse 1º nome e título de "grande cisne", ao ser reconhecida a sua iluminação, pelo Shankaracharya do Sringeri Math, na kumbh mela de Allabhad, num diálogo histórico diante de mais de cem monges. Ei-lo numa imagem da época.

Completada a sua formação, em sânscrito e filosofia, nas Universidades de Dacca e de Calcuta, Anirvan pode entrar ao serviço do seu mestre  durante doze anos, vivendo no Assam Bangiya Saraswata Math, na base da educação tradicional indiana mas com uma linha activa de serviço (seva), sobretudo agrícola e de construções, crescendo muito tal comunidade ou ashram em pouco tempo de 5 para 50 discípulos, produzindo a sua comida, com farmácia, escola e jornal, o Aryadarpana, que Anirvan dirigiu. Passou então de bramacharya (estudante casto) para monje renunciante, sanyasin,  recebendo o seu nome de Nirvananda Saraswati, com o seu guru Niganananda a querê-lo como  sucessor. Mas poucos anos depois, em 1930, quando o que se tornaria o sucessor, Durga Charan Mohanty, encontrou swami Niganannada, o seu próprio génio impulsionou-o a deixar aquela vida colectiva e com demasiados ónus administrativos, partindo para uma itinerância típica da Índia dos sadhus, com estadias em casas dum amigo em Allabhad e Lucknow e num ashram que estabeleceu em Kamakhya, perto de Guhati;  e sobretudo em Ranchi, onde encontrou uma discípula, Tapas Chattopadhyaya, que se lhe dedicou completamente durante os seis anos que viveu em Lohagat, nas montanhas de Almora, onde alguns anos depois viveram Sri Krisna Prem e Sri Madhava Ashih e onde estive alguns dias em animados diálogos e boas meditações com Sri Madhava. Pois foi aqui mesmo em Lohagat, Almora que também a indóloga Lizeele Reymond encontrou Sri Anirvan e  acompanhou-o como mestre cinco anos, depois mantendo-se em correspondência com ele  e deixando-nos tanto o principal da sua biografia como dos seus ensinamentos em dois livros valiosos. 

A sua primeira obra em 3 volumes publicada, entre 1948 e 1951, foi Divya Jivana, uma tradução para bengali da  Vida Divina de Sri Aurobindo, autor que recentemente tem sido traduzido entre nós por Rui Fazenda, nos Montes Hermínios. Traduziu dele também a Vida Divina em 1961. Mas seus trabalhos principais foram comentários aos Vedas e Upanishads, bem como obras sobre Vedanta e Yoga.

Em 1954 voltou a Silligon no Assam, e em 1965 estabilizou finalmente em Calcuta, embora com regularidade fosse visitar amigo e discípulos que o convidavam e se regozijavam com os seus satsangas (sat -verdade, sanga - companhia ou grupo) e iluminantes respostas. Diz-nos Ram Swarup: «onde quer que estivesse chamava a esse local Haimavat, a Deusa da sua visão primordial. Era a analogia física da "gruta secreta do coração" das Upanishads, e na qual o Purusha é absorvido em si mesmo.»

                                  

Uma tuberculosa óssea e uma queda quando tinha 75 anos  enfraqueceram-no e imobilizaram-no mas continuou até aos últimos momentos com a magnífica memória, a mente e a alma ao serviço do esclarecimento dos outros, desincarnando a 31 de Maio de 1978.


Em 1983 saiu em inglês Budhi Yoga of the Gita and other essays,  constituído por oito ensaios publicados em revistas como o Prabuddha Bharata, do Advaita Ashrama Calcuta;  na Srinvantu, um artigo sobre Aurobindo, e do livro Cultural Heritage of India, vol. I, um ensaio acerca da exegese dos Vedas, agradecendo-se neste livro a permissão de se o publicar a Swami Lokeswarananda, o director do Institute of Culture, da Ramakrisna Mission, curiosamente que eu ainda conheci e a pedido do qual proferi uma palestra no mesmo Institute de Culture em 1995, sobre as relações culturais e espirituais entre a Índia e Portugal.  A última parte do livro contém poesia espiritual sua a partir de versos do Rig Veda, partilhados em sânscrito.

 Sri Anirvan foi um ser que viveu a vida como yajna, sacrifício ou invocação do espiritual ou do divino, qualquer que fosse a actividade em que estivesse envolvido, infundindo-a de uma consciência profunda e de perfeição, baseada na auto-consciência, na serenidade e numa capacidade de adaptação aos ambientes sob a luz do Purusa ou o eu divino interior, espiritual.

Quanto a Deus podemos discernir na sua posição e realização uma harmonia do nível não dual ou advaita, ou da Unidade Primordial, o Brahman, a Divindade infinita; e uma Deidade-alma (a ishta devata, ou o atman) manifestada sob  diversas em formas e nomes no interior ou coração de cada ser e de acordo com a fé, aspiração e purificação deles.
Valorizou muito também a vastidão, o espaço infinito sensível a uma
pessoa  que sabe esvaziar-se e morrer em vida,  e tornar-se akasavat, vasto como o akasa, e por isso praticava e recomendava  a contemplação amorosa do Sol, Lua, estrelas, estações do ano, árvores, nuvens, etc., de modo a que uma pessoa se embeba «da sua vastidão, pureza, luminosidade, ritmo, conteúdo espiritual. Fazia parte da sua sadhana tornar-se um com a vida cósmica, sentir a sua pulsação e acção na sua própria vida, pois isso ajuda a despir-nos da personalidade falsa.»
Terminemos esta apresentação de este valioso mestre transcrevendo o
que ele considerava serem  os valores principais das três tradições da cultura Arya, da antiga Índia: a Védica ou Bramânica, dos rishis ou videntes, a não vedica e pré-vedica, dos shramanas, ou munis, ascetas e silenciosos, e a da Samkya, não-teísta, que teria influenciado o Jainismo e o Budismo.  Esses valores seriam, e seguimos Ram Swarup, na sua introdução à obra: guiarem-se pela Luz, jyotiragrah, a intuição do  vasto, a ânsia do Além,  a aspiração à liberdade  do Infinito (anibadha ananta), a insistência na verdade como eterna (nitya) e a sua origem não histórica nem pessoal (apauruseya).
Possa Sri Anirvan inspirar-nos dos mundos espirituais em que vive e
brilha refulgente, para conseguirmos unir melhor em amor e sabedoria a Divindade transcendente na sua vastidão e a Divindade imanente na sua subtileza e intimidade, e assim vivermos mais harmoniosamente.

                           

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Concepções de Deus. No Shivaismo, com L. de Milloué. E Gaiea recitando o Shiva Sankalpa Suktam.

A demanda das melhores ou mais verídicas compreensões ou concepções da vida compete a cada época,  geração, grupo, individualidade pelo que as pessoas não podem contentar-se com as descobertas ou construções dos antepassados, devendo antes com coragem e criatividade avançar em novas descobertas, compreensões, vivências e sínteses, a partir de todos os conhecimentos e ensinamentos úteis a que tenham acesso ou sintam afinidade.
As concepções religiosas ou, se quisermos, filosóficas, são essenciais delas, e não podem ser deixadas fossilizarem-se já que as crenças antigas devem ser questionadas, meditadas e aprofundadas, para serem confirmadas e revivificadas pela nossa própria experiência ou vivência.
No cerne das religiões, que significa religar, estão a Divindade, o
Cosmos, o espírito individual e as personalidades que captaram ou receberam dados fundadores ou apoiadores de tal concepção e via Ora as pessoas que as seguem ou aderem,  embora aceitando certos dogmas ou relatos, necessariamente tem uma percepção da verdade religiosa e da Divindade sempre própria e única, já que é a sua personalidade e o seu espírito que discernem de um modo ou outro único um pouco que seja do mistério ou da inacessibilidade da Verdade, da Fonte, da Origem, do Absoluto ou da Divindade.
No Ocidente, após as épocas de concepções divinas múltiplas,
femininas e masculinas, do tempo do denominado politeísmo e paganismo, passou-se pelo cristianismo para uma concepção algo confusa de uma Divindade que tentou coordenar a herança do judaísmo, com o seu Deus exclusivista, Jehova, e a visão mais íntima, amorosa e gnóstica do Deus Pai, de Jesus. E para se conseguir apresentar ou aproximar melhor a riqueza e subtileza tão pouco alcançada do Ser Divino teve de criar-se na Igreja Cristã nascente uma Trindade, divinizando-se Jesus; e como ela era ainda bem incompreensível e até ineficaz, juntou-se adoração a Maria, como mãe de Deus, e depois a feita aos santos e santas, como intermediários entre Divino e o quotidiano pão sofrido nosso. Contudo Jesus ensinara a orar só ao Pai e nem sequer a ele, Jesus, o mestre, recomendara.
A adoração exterior assente numa concepção muita limitada de Deus
prevaleceu e se não fossem vários místicos e místicas a vivenciarem interiormente a Divindade, seja no Cristianismo seja no Islão, seríamos hoje bastante mais materialistas, já que tal entrou no inconsciente colectivo, ou na memória genética da humana, preservando-se  uma consciência de que houve alguns seres que conheceram mais directamente o sagrado e o divino.
Nestes tempos de crescente acesso a todo conhecimento da
humanidade e da fragilidade das concepções ocidentais da Divindade será bem importante de quando em quando debruçar-nos sobre outros povos, outras religiões, outras visões da Divindade e vamos então aproximar-nos um pouco de Shiva, uma da forma mais adoradas na Índia, pelo que de muito valioso nele se encontra.

                                                                Pasupati Seal (IVC) | # A seal found in the Indus Valley Civ… | Flickr

Para tal iremos apoiar-nos e transcrever da obra de um valioso orientalista do século XIX, o francês Milloué, algumas linhas valiosas, do seu estudo sobre as Religions de l'Inde, 1890, sobre o culto de Shiva, mencionando porém que mesmo antes dos Vedas, na civilização mais remota (3.500 a. C.)  do vale do Indu, com as suas grandes cidades de Moenjo Daro e de Harapa, se encontrou um selo em argila (fotografia em cima) com Pashupati, o Senhor dos Animais, em posição yogi ou de shaman, e que muitos investigadores tendem a considerá-lo  como um proto-Shiva, tanto mais que estava também associado à fertilidade e ao phalus ou  lingam, símbolos da axialidade vertical masculina e característicos do Shivaísmo e que noutras páginas, não transcritas por mim, Louis de Milloué, conservador e depois director do fabuloso Musée Guimet, descreverá, e donde extraímos uma das mais belas e completas ou ricas iconografias simbólicas de Shiva, Nataraja, o Senhor da dança.

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«Sabemos já que Shiva, desconhecido nos Vedas, tomou  emprestado, na época seguinte bramânica, o carácter do deus védico Rudra, do qual conservará também as funções e os atributos. Como ele, é um destruidor (e é nesta qualidade que figura na Trimurti, Trindade), um médico, e também um produtor. Para além disso é sobretudo o deus dos sacrifícios, tomando pé assim sobre o antigo papel ou função de Agni e de Indra, ao qual toma emprestado mesmo o nome de Ishvara, Senhor (...). [E serão muitas as suas outras funções, faces e nomes.]

Nos Shivaístas, principalmente nos do sul da Índia, Shiva é o Deus supremo incriado, eterno, criador de todas as coisas, todo poderoso, omnisciente, essência única da vida, alma universal, bom, compassivo, socorrendo mesmo que se mantenha terrível na sua majestade. Todos os deuses, quaisquer que sejam, são reflexos, formas de ilusão de Shiva e o culto que lhes é prestado, chega directamente a Shiva. As obras filosóficas da idade Média chegam a estender tal às divindades estrangeiras e admitem que a devoção a elas é aceite por Shiva como uma adoração prestada pelos infelizes que não o conhecem». 

                                   Shiva | Definition, Forms, God, Symbols, Meaning, & Facts | Britannica

Comentário nosso: Este princípio da consideração que todas as deidades ou concepções divinas, desde que adoradas com pureza ou sinceridade benéfica, chegam até a Divindade primordial, no caso Shiva, que significa Felicidade, é certamente algo que nos deve inspirar a não desanimarmos dos nossos esforços de conseguirmos a adorar, sentir e amar a Divindade seja por que forma ou concepção for, admitindo que nada se perde e que havendo a aspiração do coração a sermos melhores, a Divindade inspira-nos na sua providência omnipresente, por vezes até através dos mestres, santos e santas, guias, anjos, musas, inspiradoras, ou agracia-nos...

Continua Louis de Milloué: «Encontramos mesmo em certos livros, o Shiva Jnana Siddhi, por exemplo, a teoria da graça com a sua subtil distinção entre graça eficaz e graça suficiente, que nos fez pôr  [católicos ocidentais] tanta tinta no papel no séc. XVII. Qualquer que seja, com efeito, a piedade, a devoção dum sábio, quaisquer que sejam as austeridades a que ele se entrega, qualquer que seja mesmo o seu amor por Shiva, nada disso se lhe será de qualquer utilidade se ele não conhecer Shiva, e ele não o conhecerá a não ser pela graça de Shiva, que se revelará então, e nele penetrará, o fará semelhante a ela, e estabelecerá a sua morada, e viverá eternamente em íntima união com o eleito, o Shiva bhakta, o devoto de Shiva, qualquer que seja a sua condição, mesmo que sendo um pária. Esta concepção destrói o princípio das Castas, ao menos do ponto de vista religioso [ou seja, mesmo que não tanto na sociedade e no acesso aos bens]; o grau [hierárquico na sociedade] do Brâmane permanece uma vantagem considerável, sobretudo em função do conhecimento ou ciência em que ele é suposto, mas já não é o estágio indispensável para chegar ao Moksha [à salvação ou libertação da ignorância]». 

Comentário nosso:  Realce-se a bela descrição da graça divina que permite ao devoto-a, amante ou yogi sentir a presença divina dentro de si. E de igual modo, na tradição complementar dos devotos de Vishnu (os Vaishnavas), quem quer que seja que pronuncie os mantras dos nomes divinos (tais como Narayana, Krishna, Rama e Sita), não importando a sua condição social, pode alcançar a graça de certa ligação ou união com a sua ishta Devata, a Divindade interna, ou como eu digo, a Face Divina, a qual na Bhagavad Gita, cap. 7 v. 21-22, e cap. 18. v. 61, é apontada como estando no coração ou graal de cada ser, e portanto em potencial luminoso e amoroso para as consciências mais peregrinas e devotas  e para as quais se desvendará conforme a fé e a adoração...

Saibamos então, aspirar, trabalhar, cantar, meditar e amar com o coração e invocar sentir Shiva,  felicidade ou beatitude, essência do espírito e da Divindade.
E oiçamos, até meditativamente, a seguinte oração ligada a Shiva, realizada magistralmente por Gaiea, no vídeo final.
Om namah Shivaya... Om namah Shivaya, eis o mantra oração tão entoado sentidamente (mumuksha) pelos devoto(a)s,  yogis e yoginis, tal como eu repeti há muitos anos numa Shiva ratri, a noite toda, com um guru yoga terapeuta em Bangalore... E do Shivoham não falaremos por hora....
Saudações, prosternações, a Shiva, a Divindade suprema, beatífica, auspiciosa...
Que Ela possa brilhar crescentemente em todos os seres, abrindo-lhes mais o olho espiritual,  impulsionando-os ao discernimento libertador das ignorâncias, brainwashs, ilusões e apêgos, como nos indica Shiva como seu 3º olho bem aberto, ou Nataraja na sua dança cósmica, com o pé direito sobre  Apasmarapurusa, o demónio que simboliza ou incarna a ignorância e o mal.... Aum namah Shivaya...

                     

quinta-feira, 5 de maio de 2022

"Mens sana in corpore sano". Poema de Fernando Leal dito na Casa de Correção, de Lisboa, em 1878, publicado no livro Reflexos e Penumbras, de 1880. Com a apreciação de Antero de Quental. Lido e comentado por Pedro Teixeira da Mota.

Fernando Leal, grande amigo de Antero de Quental e notável poeta, militar e explorador dos sertões africanos, em 1880, publicava em Lisboa, na Tipografia de J. H. Verde, uma obra de poesia, dedicada à memoria do seu tio o Coronel Fernando da Costa Leal, intitulada Reflexos e Penumbras. Traduções de Victor Hugo e versos originais, num in-4º de VIII-240-9 páginas,  a qual continha um poema intitulado Mens Sana in Corpore Sano, o qual resolvemos ler (pela 1ª vez) e comentar no dia 3 de Maio de 2022, do que resultou o vídeo de 12 minutos que pode ouvir no fim. 

                                   

Fora em Margão, Índia, a 15 de Outubro de 1846, que nascera Fernando Xavier da Costa Leal, e não era ele (como disse no vídeo) mas os seus antepassados que eram originários de Caminha, no Minho, filho e neto de militares portugueses que serviram na Índia. A sua biografia, com a transcrição da bela dedicatória desta obra ao seu tio "soldado valente" e cidadão, encontra-a em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html           

Quando publica este livro em 1880 está com 36 anos de idade, e os versos que lemos foram escritos em 1878 para serem lidos e distribuídos na festa do encerramento do ano escolar na Casa de Correção em Lisboa, a pedido do professor de ginástica. Mais uma folha volante raríssima, tais como as de Antero Quental, pela sua fragilidade e efemeridade. 

Anote-se que foi pelo envio deste livro a Antero, que os dois iniciaram uma amizade profunda, pois a carta de agradecimento enviada a 2 de Junho de 1880 por Antero foi preservada  por Fernando Leal e nela podemos ler o o seu agradecimento pelo livro «e ainda mais pelas palavras, que, com mão sumamente benévola, traçou na primeira página. A leitura do livro, revelando-me um bom e nobre espírito, tornou para mim aquelas palavras, de gratas, preciosas. Há, por todo ele, um perfume de boa vontade - no sentido evangélico da expressão - e de elevação moral que me encantou. A alma é e será sempre a essência das boas letras. Por este motivo, e ainda por outros secundários, prefiro no seu livro a parte original às traduções. (...)».... "A alma é e será sempre"...
Os versos e páginas do livro abrem-se com a dedicatória ao heroico tio, com quem serviu, e patenteiam na 1ª parte as traduções de Vítor Hugo, e a partir da página 173 as suas próprias composições, onde encontramos a Mens san in corpore sanosob uma citação em francês de Lamartine "A Poesia será amanhã o Logos (ratio, raison) cantado", estando dedicada a Ramalho Ortigão, na altura também preocupado com a higiene e o equilíbrio dos corpos e almas. Incluiu ainda numa nota de rodapé um extrato de Michelet (Louis XI e Charles le Temeraire, 6ª ed. p. 132) acerca dos Descobrimentos e o fazer-se a luz sobre tantos mistérios e estranhezas. E são quatro páginas de versos para os jovens escolares.

                                        
                                        
 Que sabedoria poderemos destacar nos versos escritos para jovens em risco, ou sem família, ou  agindo menos segundo os padrões sociais ou morais, e agora acrescentar ao que comentámos no vídeo, e a um poema que começa assim: 
«Nós fomos uns heróis, uns rudes marinheiros, 
Guias de Luz bendita, enérgicos obreiros, 
Soldados do Progresso à frente desta Europa (...)», 
poema que vai valorizar a audácia, a robustez, o heroísmo, o destemor, o peito varonil, através da evocação de vários dos heróis da saga dos Descobrimentos, para semear tais valores nos jovens que o escutam?
Fernando Leal, bem conhecedor como militar e caminhante-explorador (do Transval a Lourenço Marques), explicara assim o segredo dessa época: 
«Ora essa geração seria feita d'aço? 
O seu vigor moral, e a força do seu braço, 
deveu-os, sobretudo à luta, aos exercícios; 
Educavam o corpo, e tinham poucos vícios.» 
Criticará ainda a inação que enfeza o corpo e avoluma o ventre, e recomendará aos jovens a ginástica.
Uma bela quadra realçaremos ainda:
«Triste de quem só cuida da sua alma,
E o corpo, como coisa vil, despreza;
Não gozará jamais de saúde ilesa
Nem pode nunca ter a vida calma» 
Tal como o terceto final:
«O espírito depende da matéria
Como depende a estética da plástica:
O Sol é corpo e dá a luz etérea»
Sabermos viver activa e irradiantemente como o Sol, gerando como ele luz etérea e beleza plásticapelos nossos esforços, exercícios, disciplina, aspirações éticas e feitos valerosos, será então o último ensinamento que recolheremos de Fernando Leal e do poema que pode ouvir... 
 Muita ginástica e peito corajoso em nós! Muita luz e amor para ele!

                      

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Um desenho belo feminino anónimo e misterioso num alfarrábio imperfeito, um Dioscórides, mas assim perenizado. E com um canto indiano devocional.

                                         
Esta imagem de uma mulher de cabelos aos ventos, desenhada na folha de guarda final de um velho alfarrábio, desafia-nos a soletrarmos alguma mensagem ou intencionalidade do seu desconhecido autor. A tinta e traço sugerem o século XVIII, tanto mais que ao alto, foi somado a uma data, 1500, 250, o que dá 1750. Será que quem desenhou pensou que o livro, bem antigo mas não tanto, teria sido impresso nessa data, já que a obra está hoje e estaria então em 1750 incompleta, pois começa só na página 47 e termina  na 600 (das 616), e era-lhe difícil confirmar a data da impressão, já que não teria os recursos bibliográficos, hoje bem ampliados nas digitalizações disponíveis na web?
A obra foi a enciclopédia do saber medicinal das ervas, plantas, animais, árvores e pedras durante séculos e é do botânico e médico grego Dioscórides (40-90), acrescentado e comentado pelo Dr. Andrés Laguna (1499-1559), que melhorou o autor clássico em vários aspectos (explicitados na obra) graças aos Descobrimentos portugueses, às obras de Garcia de Orta e João da Costa e à sua experiência, madre de todas las cosas

A partir de uma página digitalizada, a 134, e que se encontra neste exemplar incompleto, podemos confirmar que a obra é a versão Pedacio Dioscorides anazarbeo, acerca de la materia medicinal y de los venenos medicos, traduzido de lengua Griega, en la vulgar Castellana, & illustrado con claras y substanciales Annotaciones, y con las figuras de innumeras plantas exquisitas y raras, por el Doctor Andres de Laguna, medico de Julio III Pontif. Max., impressa em Antuérpia, em casa de Juan Latio, em 1555. 

                                                  
É um exemplar muito estropiado ("imperfeito", mas valioso e amado, como sobre eles escreveu o nosso confabulator José V. Pina Martins, e muita luz e amor para ele!), com falhas e rasgões vários, comprado a um preço bem simpático já há uns anos ao nosso amigo livreiro alfarrabista Bernardo Trindade, da tão procurada e amada livraria na rua do Alecrim, nº44, agora trasladada para o Largo da Academia das Belas Artes, nº 17 r/c. 
                              
Mas ei-lo contudo a reanimar-se sempre que é consultado no seu saber milenário das mezinhas e nas suas belas gravuras abertas em madeira admirado, tanto mais que encerra uma valiosa marginália: dedicatórias, prefações, autorizações, notas de posse, desenhos e, claro, anotações, seja nas margens e atinentes ao tema, seja nas folhas de guarda, tal como nós agora podemos observar, vivenciar, entrando por ele a dentro...

                                                                
O desenho é cativante, sobre um pescoço algo cónico encontramos a bela face, oval ou arredondada, qual bola de cristal, e de baixo dos seus ouvidos membranosos e delicados, adivinhamos róseos, parte uma corrente ondulante da sua longa cabeleira, ainda que no topo da cabeça ela esteja tornada singelo diadema ondulatório. A boca está calma, serena, introspectiva no seu amor e centro interior e, enquanto um dos olhos contempla o mundo espiritual o outro vê-nos calma e amorosamente, como que dizendo que devemos estar sempre a ver e a amar o corpo e a alma, o mundo material e o subtil dos sentimentos e intenções, nos seres e no universo...
Podemos dizer que esta imagem nos diz, na sabedoria indiana, Tat Twam Asi, Tu és isto, um espírito de Amor manifestado em beleza e serenidade, na tua pluridimensionalidade e em unidade com o campo 
unificado de energias consciências e informações que te rodeia ou envolve.
                                         
Os cabelos são como as cordas subtis de uma harpa dedilhada pelo vento e lançando de
si os sons, mantras e ritmos que nos encantam e elevam, e pondo assim as almas em comunicação e quem sabe até comunhão com o som subtil, primordial, a mítica e pitagórica música
das esferas ou talvez mais das partículas...
A face bola de cristal pura e cristalina, qual esfera elevada do nosso
ser e da ilha do Amor, interroga-nos: - Quando ouviremos, falaremos e chamaremos nós em Amor, e despertaremos e desvendar-nos-emos?
E quem sente as correntes que o Amor envia pelos cabelos, e que
atravessam as distâncias levadas pelos ventos e as aves das intenções e poesias, reconhece que os teus cabelos são uma floresta ao vento, onde o Amor circula e inspira-nos.

Felizes das almas que se tornam poetas videntes, kavis e rishis, que encontram as faces da Divindade e da Amada que os enchem e se tornam as suas musas, e felizes das mulheres e musas que encontram os seus poetas e as suas Faces Divinas e na Unidade têm o seu ser e caminham, aprofundam e adoram criativamente e beatificamente. Segue uma música devocional indiana sugerida hoje mesmo no youtube de Nishta, embora o desenho do séc. XVIII já tenha sido intervencionado há algum tempo,  música esta que de algum modo ecoou como pano de fundo ou ambiente interior cósmico da alma enquanto ampliei esta homenagem ao livro, ao desenho, à amada, à Divindade.
Que a Divindade, seja qual a for a Face em que a invoquemos ou a contemplemos, adoremos ou amemos, nos inspire sempre, e que o Amor, a Justiça e a Paz brilhem mais em todos os seres e povos. Aum, Amen, Hum, Hare, Shiva, Shakti, Hrim...

                             

domingo, 1 de maio de 2022

A Índia eterna: os Himalaias e o Ganges, no poema Savitri, de Ernesto Marecos. Lido e comentado no 1º de Maio e no fogo de Beltane

Os Himalaias, Himavat, por Bô Yin Râ.

Ernesto Marecos foi um escritor do meio do século XIX nascido em Lisboa a dia 16 de Junho de 1836, filho de um funcionário público e poeta e que, após cursar a Universidade de Coimbra, em Direito, três anos incompletos, teve conflitos políticos pelos seus dotes poéticos e oratórios ao serviço de ideias ou causas reprovadas por outros, pelo que teve de se alistar no funcionalismo público, partindo para o Ultramar onde estará por Angola, de 1855 a 1857, desenvolvendo intensa actividade literária e teatral, a qual foi recentemente estudada pelo amigo Francisco Soares e por Fernando Topa. 

Regressado a Portugal, publicou na tipografia da famosa revista Panorama em 1867, Savitri, Lenda Indiana, contendo na contracapa a indicação de duas das suas obras publicadas: As Primeiras Inspirações, poesia, e Juca a Matumbolla, lenda, anunciando-se no prelo As Confidências, e o Thesouro de Fanir, legenda extraída das tradições germânicas, sobre a morte de Atila, que curiosamente foi impressa, com 43 págs.,  com a data de 1866, conforme podemos ver numa cópia digitalizada da Biblioteca Nacional. Sentimos bem o elevado fôlego de ideais, qual Antero de Quental (embora não haja registos do conhecimento mútuo presencial), que brilhava no seu peito, quem sabe se de algumas mesmas leituras nutridos, tal Schlegel (1772-1829), Schopenhauer (1788-1860), Jules Michelet (1798-1874), Victor Hugo (1802-1885), Edgar Quinet (1803-1875), Conde Arthur de Gobineau (1816-1882), Alfred Maury (1817-1892), Max Müller (1823-1900).
Anote-se nos nossos autores mais conhecidos editados por A. J. F. Lopes (e que se vendiam na sua loja à rua do Ouro, 132-134), Bocage, Rebelo da Silva, Mendes Leal Júnior, Lopes de Mendonça, L. A. Palmeirim, Biester, Júlio César Machado. E por curiosidade significativa o anúncio de estar nos prelos o valioso Memorial dos Cavaleiros da Távola Redonda, de Jorge Ferreira de Vasconcelos, um autor tão estudado e amado nos nossos dias por Silvina Pereira...

                                              

Ora Savitri, que é tanto a efulgência vivificante do Sol como a sua presença interior no ser humano (há 11 hinos no Rig Veda dedicados a esta Face Divina e está mencionada em 170) e ainda o nome da princesa da lenda, é um poema de grande fôlego e amor à Índia, ainda platónico já que só a conhecerá, depois de ter dirigido em 1869 a alfândega do distrito de Cabo Delgado, em Moçambique, quando foi transferido em 1875  para alfândega  de Nova Goa. Mas que obras lera e como formara o seu conhecimento da Índia que ali se observa  são mistérios, embora houvesse traduções francesas de clássicos e de estudos indianistas que corriam em Portugal, tais os de  Hyppolyte Fauche (1797-1869) Alfred Saudous (1815-?) e A. Philibert Soupé (1818-1904), que Antero de Quental possuía. E desde que em 1875 esteve em Cabo Delgado, Moçambique  algo poderá ter recebido da colónia indiana lá fixada. Finalmente, também  não saberemos bem com que gnose ou riqueza espiritual vivenciada em Nova Goa, ou seja, na Índia e mais perto dos Himalaias, deixará a Terra, em Moçambique, em 1879, rumo ao eterno Oriente...

Como Ernesto Marecos vibrou tanto no seu poema Savitri, animando-o de grande força e beleza, resolvemos ler os versos iniciais e comentá-los levemente, donde o vídeo de 12 minutos, no final deste artigo, e seguindo-se esta transcrição deles:

1 - «O Himalaia soberano,
Das montanhas o monarca,
Que um vasto horizonte abarca,
Do Eterno eterno troféu,
Mal aos pés divisa a terra,
Mas sobre o gelo constante
Do seu diadema brilhante.
Como que sustenta o céu!»

2 -
«Do topo do espaço imenso
Que, ó monte gigante, ocupas
Jorra em brancas catadupas,

Ferve, irrompe em borbotões
O Ganges que ora entre as rochas
Solta em fúria ingentes brados,
Ora em vales perfumados
Modula ternas canções.

3 -
Vai o rio dos três mundos,
Da corrente na vertigem,
Do céu onde teve a origem
Até aos abismos do mar:
Mas no curso longo e rápido,
Da majestade infinita,
Quantos povos não visita,
Que terras não vai cortar!

4 -
Esse liquido colosso
Entumecido, ofegante,
É o enamorado amante
Da região mais gentil:
Fecunda, atravessa, afaga,
Banha, beija na passagem,
Sua amante cuja imagem
Reflecte em carícias mil.

5 - 

Ó India, deixa que o nobre
Caudoloso potentado
Te leve da fama o brado,
De ignotas plagas além!
Tu, a pérola mais linda
Das pérolas do universo,
Tu que foste o puro berço
Da grandeza, a pátria, a mãe;

6 -
Tu que da seiva opulenta
Assombras pelos prodígios;
Tu que mostras os vestígios
Dos feitos egrégios teus:
Tu que do mundo o passado
Quase sozinho completas,
   Que na voz dos teus poetas [Rishis, Kavi Yogis]
Primeiro falaste a Deus.

7 -
Deixa que o Ganges celebre
Tão sublimes maravilhas!
Se, qual brilhaste, não brilhas;
Se cansaste de reinar;
Não te pesem os lamentos,
Não te corras dos insultos
Dos povos que, hoje mais cultos,
Tu ensinaste a falar!

8 -
Não se esquece o que tu foste
Porque não morreu a história!
Tu, o guia, o norte, a glória
Da humanidade, o farol,
Se as lei não ditas altiva:
De outras eras tens a herança
Tens do futuro a esperança,
Tens as bênçãos do teu sol!

9 -
O tempo, austero, inflexível,
Olhe, passa, e não consome
Cada letra do teu nome
Que apagar não poderá,
Como não pode as riquezas
Tentar roubar-te do solo,
Os diamantes do teu colo
Que jamais te arrancará.

10 -
Se das gerações de atletas
Que ao mundo abriram espaços,
E que dormem nos teus braços
O estremo sono da paz,
Só as ruínas atestam
A solene primazia
E sobre elas tripudia
O estrangeiro astuto e audaz.

11 -
Se o torrão incomparável
Te invade em vão o estrangeiro,
E o teu aspecto guerreiro
Desmaia ao frio mortal:
Ainda assim, não há um sólio,
Um Império que te valha,
Que a nobre mortalha
Do Ocidente os tronos vale!

12 -
Por isso, ó Índia, que o Ganges,
Que em teu seio se recreia,
Vá murmurando a epopeia
Do teu passado feliz!
Ensine a remotas praias,
E que daí leve a aragem,
Um trecho a cada paragem
De cada grande país!»

 Eis um dos mais belos trechos portugueses dedicados à Índia eterna e divina e aos seus  Himalaias e ao Ganges, para que continuem a inspirar a Humanidade, gerado por um nobre idealista hoje quase esquecido, Ernesto Marecos. Muita luz e amor na sua alma! No poema vemos o Himalaias apaixonado pela Ganga Ma e pela fertilidade, beleza e felicidade do amor que ela leva por onde passa. Anote-se que no segundo canto, após a evocação himalaica e gangeana transcrita,  entra-se numa peça de amor, com os principais tipos humanos indianos, passada no reino de Madras, quando Avapis era o rei (»Este monarca famoso/Que tivera na consciência/Para as lides da existência/Um raio de luz vivaz») e que recebera como filha, Savitri, uma alma verdadeiramente luminosa, prem-anandica (A sua voz era um canto,/Hino de meigos mistérios/Afinado em tons aéreos/De uma estranha inspiração;/Música de sons vibrantes/Como o cadenciado harpejo/Que vai desferir num beijo/Na harpa eólia a viração!»). Mas isso será para se saber ou ler quando a Biblioteca Nacional tiver mais obras de Ernesto Marecos digitalizadas, ou então elas sejam por algum benemérito transcritas, reimpressas ou digitalizadas. Oiçamo-lo, com leves comentários meus, num 1º de Maio, dia de Beltaine e do fogo sagrado na tradição celta.