Poucos
anos depois teve outra visão, que alguns de nós também já tiveram de um
ou outro modo: a contemplação da imensidade do céu e uma expansão da
consciência, com o céu e as estrelas entrando dentro de si, ou vendo-os
em si, no seu interior, quase que desmaiando, e segundo um dos seus
biógrafos, Ram Swarup, «esta experiência persistiu através de toda a sua
vida, e Sri Anirvan tornou-se um sadhaka [praticante espiritual]
do vazio, da liberdade, do desapego, tudo simbolizado pelo céu»,
acrescentando que na mesma veia ou linha de força, «um dia veio-lhe um
pensamento com a força e o inesperado da realização espiritual, o de que
ele estava livre das restrições de castas e credos, livre na alma,
"livre como o faquir Chand", um baul (místico poeta itinerante).»
Aos 16 anos decidiu abandonar a vida na família e no liceu e ir ter com o
que ele sentia ser o seu guru Swami Nigamananda saraswati (1880-1935), que já o era dos seus
pais, mas este embora recebendo-o muito afavelmente mandou-o de volta
para completar os seus estudos, pois precisaria um dia de um scholar,
um erudito, com ele. E assim Anirvan teve de estudar mais seis anos,
obtendo excelentes resultados, só satisfazendo a sua sede de amor,
conhecimento felicidade, nos meses das férias, junto ao seu mestre, de facto um grande realizado em várias linhas ou tradições yogis, conhecido como Paramahansa Swami Nigamananda Saraswati Deva, já que em 1904 recebera esse 1º nome e título de "grande cisne", ao ser reconhecida a sua iluminação, pelo Shankaracharya do Sringeri Math, na kumbh mela de Allabhad, num diálogo histórico diante de mais de cem monges. Ei-lo numa imagem da época.
Completada a sua formação, em sânscrito e filosofia, nas Universidades de Dacca e de Calcuta, Anirvan pode entrar ao serviço do seu mestre durante doze anos, vivendo no Assam Bangiya Saraswata Math, na base da educação tradicional indiana mas com uma linha activa de serviço (seva), sobretudo agrícola e de construções, crescendo muito tal comunidade ou ashram em pouco tempo de 5 para 50 discípulos, produzindo a sua comida, com farmácia, escola e jornal, o Aryadarpana, que Anirvan dirigiu. Passou então de bramacharya (estudante casto) para monje renunciante, sanyasin, recebendo o seu nome de Nirvananda Saraswati, com o seu guru Niganananda a querê-lo como sucessor. Mas poucos anos depois, em 1930, quando o que se tornaria o sucessor, Durga Charan Mohanty, encontrou swami Niganannada, o seu próprio génio impulsionou-o a deixar aquela vida colectiva e com demasiados ónus administrativos, partindo para uma itinerância típica da Índia dos sadhus, com estadias em casas dum amigo em Allabhad e Lucknow e num ashram que estabeleceu em Kamakhya, perto de Guhati; e sobretudo em Ranchi, onde encontrou uma discípula, Tapas Chattopadhyaya, que se lhe dedicou completamente durante os seis anos que viveu em Lohagat, nas montanhas de Almora, onde alguns anos depois viveram Sri Krisna Prem e Sri Madhava Ashih e onde estive alguns dias em animados diálogos e boas meditações com Sri Madhava. Pois foi aqui mesmo em Lohagat, Almora que também a indóloga Lizeele Reymond encontrou Sri Anirvan e acompanhou-o como mestre cinco anos, depois mantendo-se em correspondência com ele e deixando-nos tanto o principal da sua biografia como dos seus ensinamentos em dois livros valiosos.
A sua primeira obra em 3 volumes publicada, entre 1948 e 1951, foi Divya Jivana, uma tradução para bengali da Vida Divina de Sri Aurobindo, autor que recentemente tem sido traduzido entre nós por Rui Fazenda, nos Montes Hermínios. Traduziu dele também a Vida Divina em 1961. Mas seus trabalhos principais foram comentários aos Vedas e Upanishads, bem como obras sobre Vedanta e Yoga.
Em 1954 voltou a Silligon no Assam, e em 1965 estabilizou finalmente em Calcuta, embora com regularidade fosse visitar amigo e discípulos que o convidavam e se regozijavam com os seus satsangas (sat -verdade, sanga - companhia ou grupo) e iluminantes respostas. Diz-nos Ram Swarup: «onde quer que estivesse chamava a esse local Haimavat, a Deusa da sua visão primordial. Era a analogia física da "gruta secreta do coração" das Upanishads, e na qual o Purusha é absorvido em si mesmo.»
Uma tuberculosa óssea e uma queda quando tinha 75 anos enfraqueceram-no e imobilizaram-no mas continuou até aos últimos momentos com a magnífica memória, a mente e a alma ao serviço do esclarecimento dos outros, desincarnando a 31 de Maio de 1978.
Em 1983 saiu em inglês Budhi Yoga of the Gita and other essays, constituído por oito ensaios publicados em revistas como o Prabuddha Bharata, do Advaita Ashrama Calcuta; na Srinvantu, um artigo sobre Aurobindo, e do livro Cultural Heritage of India, vol. I, um ensaio acerca da exegese dos Vedas, agradecendo-se neste livro a permissão de se o publicar a Swami Lokeswarananda, o director do Institute of Culture, da Ramakrisna Mission, curiosamente que eu ainda conheci e a pedido do qual proferi uma palestra no mesmo Institute de Culture em 1995, sobre as relações culturais e espirituais entre a Índia e Portugal. A última parte do livro contém poesia espiritual sua a partir de versos do Rig Veda, partilhados em sânscrito.
Sri Anirvan foi um ser que viveu a vida como yajna, sacrifício ou invocação do espiritual ou do divino, qualquer que fosse a actividade em que estivesse envolvido, infundindo-a de uma consciência profunda e de perfeição, baseada na auto-consciência, na serenidade e numa capacidade de adaptação aos ambientes sob a luz do Purusa ou o eu divino interior, espiritual.
Quanto a Deus podemos discernir na
sua posição e realização uma harmonia do nível não dual ou advaita, ou da
Unidade Primordial, o Brahman, a Divindade infinita; e uma Deidade-alma (a ishta devata,
ou o atman) manifestada sob diversas em formas e nomes no interior ou coração de cada ser e de acordo com a fé, aspiração e purificação deles.
Valorizou muito também a vastidão, o espaço infinito sensível a uma pessoa que sabe
esvaziar-se e morrer em vida, e tornar-se akasavat, vasto como o akasa,
e por isso praticava e recomendava a contemplação amorosa do Sol, Lua,
estrelas, estações do ano, árvores, nuvens, etc., de modo a que uma pessoa se
embeba «da sua vastidão, pureza, luminosidade, ritmo, conteúdo
espiritual. Fazia parte da sua sadhana tornar-se um com a vida cósmica,
sentir a sua pulsação e acção na sua própria vida, pois isso ajuda a despir-nos da personalidade falsa.»
Terminemos esta apresentação de este valioso mestre transcrevendo o que
ele considerava serem os valores principais das três tradições da
cultura Arya, da antiga Índia: a Védica ou Bramânica, dos rishis ou videntes, a não vedica e pré-vedica, dos shramanas, ou munis, ascetas e silenciosos, e a da Samkya,
não-teísta, que teria influenciado o Jainismo e o Budismo. Esses
valores seriam, e seguimos Ram Swarup, na sua introdução à obra:
guiarem-se pela Luz, jyotiragrah, a intuição do vasto, a ânsia do Além, a aspiração à liberdade do Infinito (anibadha ananta), a insistência na verdade como eterna (nitya) e a sua origem não histórica nem pessoal (apauruseya).
Possa Sri Anirvan inspirar-nos dos mundos espirituais em que vive e brilha
refulgente, para conseguirmos unir melhor em amor e sabedoria a
Divindade transcendente na sua vastidão e a Divindade imanente na sua
subtileza e intimidade, e assim vivermos mais harmoniosamente.
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