quinta-feira, 5 de maio de 2022

"Mens sana in corpore sano". Poema de Fernando Leal dito na Casa de Correção, de Lisboa, em 1878, publicado no livro Reflexos e Penumbras, de 1880. Com a apreciação de Antero de Quental. Lido e comentado por Pedro Teixeira da Mota.

Fernando Leal, grande amigo de Antero de Quental e notável poeta, militar e explorador dos sertões africanos, em 1880, publicava em Lisboa, na Tipografia de J. H. Verde, uma obra de poesia, dedicada à memoria do seu tio o Coronel Fernando da Costa Leal, intitulada Reflexos e Penumbras. Traduções de Victor Hugo e versos originais, num in-4º de VIII-240-9 páginas,  a qual continha um poema intitulado Mens Sana in Corpore Sano, o qual resolvemos ler (pela 1ª vez) e comentar no dia 3 de Maio de 2022, do que resultou o vídeo de 12 minutos que pode ouvir no fim. 

                                   

Fora em Margão, Índia, a 15 de Outubro de 1846, que nascera Fernando Xavier da Costa Leal, e não era ele (como disse no vídeo) mas os seus antepassados que eram originários de Caminha, no Minho, filho e neto de militares portugueses que serviram na Índia. A sua biografia, com a transcrição da bela dedicatória desta obra ao seu tio "soldado valente" e cidadão, encontra-a em https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2014/10/fernando-leal-oficial-cientista-e-poeta.html           

Quando publica este livro em 1880 está com 36 anos de idade, e os versos que lemos foram escritos em 1878 para serem lidos e distribuídos na festa do encerramento do ano escolar na Casa de Correção em Lisboa, a pedido do professor de ginástica. Mais uma folha volante raríssima, tais como as de Antero Quental, pela sua fragilidade e efemeridade. 

Anote-se que foi pelo envio deste livro a Antero, que os dois iniciaram uma amizade profunda, pois a carta de agradecimento enviada a 2 de Junho de 1880 por Antero foi preservada  por Fernando Leal e nela podemos ler o o seu agradecimento pelo livro «e ainda mais pelas palavras, que, com mão sumamente benévola, traçou na primeira página. A leitura do livro, revelando-me um bom e nobre espírito, tornou para mim aquelas palavras, de gratas, preciosas. Há, por todo ele, um perfume de boa vontade - no sentido evangélico da expressão - e de elevação moral que me encantou. A alma é e será sempre a essência das boas letras. Por este motivo, e ainda por outros secundários, prefiro no seu livro a parte original às traduções. (...)».... "A alma é e será sempre"...
Os versos e páginas do livro abrem-se com a dedicatória ao heroico tio, com quem serviu, e patenteiam na 1ª parte as traduções de Vítor Hugo, e a partir da página 173 as suas próprias composições, onde encontramos a Mens san in corpore sanosob uma citação em francês de Lamartine "A Poesia será amanhã o Logos (ratio, raison) cantado", estando dedicada a Ramalho Ortigão, na altura também preocupado com a higiene e o equilíbrio dos corpos e almas. Incluiu ainda numa nota de rodapé um extrato de Michelet (Louis XI e Charles le Temeraire, 6ª ed. p. 132) acerca dos Descobrimentos e o fazer-se a luz sobre tantos mistérios e estranhezas. E são quatro páginas de versos para os jovens escolares.

                                        
                                        
 Que sabedoria poderemos destacar nos versos escritos para jovens em risco, ou sem família, ou  agindo menos segundo os padrões sociais ou morais, e agora acrescentar ao que comentámos no vídeo, e a um poema que começa assim: 
«Nós fomos uns heróis, uns rudes marinheiros, 
Guias de Luz bendita, enérgicos obreiros, 
Soldados do Progresso à frente desta Europa (...)», 
poema que vai valorizar a audácia, a robustez, o heroísmo, o destemor, o peito varonil, através da evocação de vários dos heróis da saga dos Descobrimentos, para semear tais valores nos jovens que o escutam?
Fernando Leal, bem conhecedor como militar e caminhante-explorador (do Transval a Lourenço Marques), explicara assim o segredo dessa época: 
«Ora essa geração seria feita d'aço? 
O seu vigor moral, e a força do seu braço, 
deveu-os, sobretudo à luta, aos exercícios; 
Educavam o corpo, e tinham poucos vícios.» 
Criticará ainda a inação que enfeza o corpo e avoluma o ventre, e recomendará aos jovens a ginástica.
Uma bela quadra realçaremos ainda:
«Triste de quem só cuida da sua alma,
E o corpo, como coisa vil, despreza;
Não gozará jamais de saúde ilesa
Nem pode nunca ter a vida calma» 
Tal como o terceto final:
«O espírito depende da matéria
Como depende a estética da plástica:
O Sol é corpo e dá a luz etérea»
Sabermos viver activa e irradiantemente como o Sol, gerando como ele luz etérea e beleza plásticapelos nossos esforços, exercícios, disciplina, aspirações éticas e feitos valerosos, será então o último ensinamento que recolheremos de Fernando Leal e do poema que pode ouvir... 
 Muita ginástica e peito corajoso em nós! Muita luz e amor para ele!

                      

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