sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Celebração espiritual do Natal, atípico, de 2020. Texto e vídeo por Pedro Teixeira da Mota.

A celebração solsticial do Natal de 2020 terá sido atípica para muita gente. Mesmo assim muitos aproveitaram bem para conviver e para sentir a magia do nascimento do menino Jesus nas crianças e  presépios (o da imagem de Vítor Pires), outros para comer e beber, trocar presentes, matar saudades, descontrair na natureza, dar graças e, finalmente, para orar, meditar, contemplar, cantar, amar, louvar. Esperemos que assimilem bem as melhores energias e realizações e as frutifiquem no novo ano...
 
O ano da graça de 2020 foi de facto para muitos de desgraça, por múltiplas causas e razões, algumas ainda pouco esclarecidas. As medidas tomadas, ora certas ora erradas, e a histeria dos meios de informação, manipulando e derramando incessantemente medo sobre as pessoas, são de se realçar, para que nos consciencializemos da nossa responsabilidade de assumirmos  lucidamente a nossa saúde integral, seja a mental, face a tal lavagem do cérebro, seja a do nosso sistema imunitário, face à pouca importância dada aos cuidaos e práticas para tal. Ver menos televisão ou mesmo não a ter parece-me fundamental para sobrevivermos nesta década perigosa em que entramos. De anotar ainda a crescente propaganda de vacinas pouco fidedignas, suspeitas mesmo em alguns casos, apresentadas como "salvíficas", mesmo que seja apenas por uns meses e com efeitos e reacções adversas que podem ser graves.                                  Sabermos resistir através das nossas práticas alimentares, energéticas, curativas e espirituais a este e outros vírus e estabelecer diálogos construtivos, em busca da Verdade e do Amor,  em pequenos grupos ou redes  são quase obrigações de todos os seres que não se querem deixar alienar, amordaçar e massificar, mas sim despertar e avançar luminosamente na subida da montanha primordial e íntima, imaginável pela pintura de Bô Yin Râ dos Himalaias espirituais, Himavat...
                                
A gravação em vídeo, realizada perto da meia noite de 24 para 25 é apenas um simples contributo, um testemunho de uma prática, de uma celebração, de um peregrino no Caminho.
Possa alguma luz, amor e força dos Mestres, dos Anjos e Espíritos Celestiais e da Divindade entrar dentro da nossa alma e iluminá-la, para que o espírito divino seja mais consciencializado e assumido em nós, na alma, no corpo e no ambiente, para o Bem da Humanidade e do Planeta.

                   

Celebração ou invocação espiritual dos Anjos e da religação Divina, na noite do Natal de 2020, e para sempre...

Os Anjos são seres bem subtis e luminosos e, embora muita gente não acredite na existência deles, são reais e podem-nos inspirar e ajudar..
Na época do Natal, comemorando-se o nascimento de um grande mestre, Jesus, por alguns considerado mesmo Deus, ou o filho único de Deus, quando todos somos filhos e filhas da Divindade, embora ele tenha um percurso diferente do nosso, nascimento que nos relatos evangélicos, reais ou míticos, foi anunciado por Anjos tanto à Mãe como aos pastores, faz com que os Anjos tornem-se naturalmente mais acessíveis e invocáveis nesta época, seja aos cristãos em geral, seja aos islâmicos que respeitam e veneram Isha, seja a muitos hindus e yogis, conhecedores da satsanga, companhia ou corpo místico da Verdade na Humanidade, como os mestres bem luminosos Ramakrishna Paramahansa e Paramahansa Yogananda viveram e transmitiram em religiosidade universal nas suas realizações interiores, discursos e escritos.
Esta pequena gravação, a seguir a uma primeira de celebração espiritual do Natal, a que se seguiu uma terceira e última de saudação e invocação dos mestres, é apenas uma pequena partilha a fim de estimular as pessoas a relacionarem-se melhor com os Anjos e o Arcanjo de Portugal, de um modo simples, directo e vivencial e sem caírem em tabelas de nomes kabalísticos mirabolantes, decretos e litanias complicadas.
O caminho para o Anjo e logo para o mundo Divino a que ele tem acesso natural é simples e directo, pelo coração, pela adoração a Deus, pela aspiração de comunhão espiritual, o que faz com que a rosa do coração  desabroche e o olho espiritual se abra, num crescimento que implica cultivo, culto, perseverante, para que possamos ser abençoados pela visão dos Anjos e do que da Divindade nos possa chegar de graça...
Oremos aos Anjos e com os Anjos, em Amor e Sabedoria, ao Espírito e à Divindade e pelo bem da Humanidade....                                                                             

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 7ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota, por António Paiva.

Eis-nos na sétima parte (das talvez 14) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra, Autores portugueses da Espiritualidade, 12 entrevistas, pelo António Paiva, editado pela Espiral Editora.

«António Paiva - E as outras vias de excesso, tal como referi de início, a de Gurdjieff?

Pedro Teixeira da Mota - As vias de excesso, ou diria até de extremos, mais típicas, além das drogas, foram as da alimentação, do sono, da dança, da música, da sexualidade, do álcool, da guerra e a da violência sobre os discípulos, em geral com a justificação de se lhes quebrar o ego. Ora todas estas metodologias têm as suas limitações, defeitos ou perigos, seja delas próprias, seja pelos terrenos pessoais dos mestres e discípulos, além de que não são elas em si mesmo o que gera a realização, pelo que nada garantem, sobretudo no domínio do espiritual.São apenas meios psico-somáticos para aumentos da percepção dos sentidos físicos e psíquicos, confrontações internas, transmutações de energia, expansões de consciência, e nesse sentido alguns dos exercícios que Gurdjieff ensinava ajudavam as pessoas a sair de automatismos, bem como os modos violentos com que por vezes interagia provocavam realmente reacções fortes.
Contudo, em geral, as pessoas muitas vezes em grupos esotéricos acabam por se satisfazer e iludir com as vidas miraculosas dos mestres e seus poderes, em complexas graduações de iniciações, em correspondências astrológicas, kabalistas e de tarot, ou em ritos e vaidades, e deixam-se manipular por doutrinas e instrutores semi-aldrabões.
Perdendo a noção e a capacidade de estarem bem conscientes do contexto causal e holístico em que estão integradas e num sentido evolutivo ou libertador, acreditam em mistificações que não se podem comprovar, fantasiam as realizações que os instrutores ou mestres alardeiam, começam a criar dependências do sentirem-se bem num grupo ou no amor do mestre, começando assim a limitar-se, distanciando-se de uma verdadeira religação espiritual e divina. “Coisificações”, fixação em esquemas, perda da fluidez e vida espontânea, chamava de certo modo a tal o nosso genial Leonardo Coimbra, que entre nós exerceu um mestrado, onde estiveram por exemplo Sant'Anna Dionísio e Agostinho da Silva, dois seres com quem dialoguei a sós, alma na alma, bastantes vezes e que deixaram ensinamentos valiosos, em especial Agostinho da Silva, com um percurso bastante universalista e particularmente lusófono e do culto do Espírito santo, de algum modo um mestre de alternativas ou mesmo de uma certa Nova Era portuguesa, dos anos 70 a 90, mas ainda lido ou falado hoje. 

Há então os excessos de quantidade e os de valorização de algo, desequilibradamente, erradamente, unilateralizando-se fenómenos que são tão multidimensionais como relativos. Por exemplo, há quem pense, depois de ter estudado, adoptado ou praticado alguns aspectos do tantrismo, que através da relação sexual podem atingir algum tipo de iluminação e vão utilizar tais conhecimentos, técnicas ou capacidades algo mecanicamente, ou indiscriminadamente, ou em grupos. Ora é evidente que a energia sexual está ligada com os níveis mais íntimos e sagrados do ser e da relação humana e, se a queremos ligar com o nível espiritual, a relação que existe entre os dois seres tem de ser muito pura e elevante e não algo que se pratica com quem quer que seja, quase como um exercício físico ou que pouco toca ou chega aos chakras superiores.
Momentaneamente, certos tipos de excessos podem ser naturais e harmonizadores e libertarem problemas recalcados, tensões, frigidez, num processo de catarse e que dá mesmo certa plenitude, mas essa clarificação ou expansão do nosso ser psíquico não se deve tomar como a iluminação, mas apenas como uma iluminação de um aspecto da nossa vida.
Quando se é jovem, com mais forças, a capacidade ou tendência para excessos é mais natural, e a questão é saber não se desgastar neles demasiado. Mas mesmo ao longo da vida, por vezes devemos mesmo arder mais, amar-mos mais algo e alguém e sair dos limites, embora criativamente, luminosamente.

António Paiva– Portanto também não gerará iluminação forçosamente a abstinência?

Pedro Teieira da Mota – Claro, tudo é relativo, depende de tantas circunstâncias e contextualizações, tanto mais que, para mim, não há a iluminação mas sim certas realizações luminosas. Qual é o efeito principal da ascese? É a capacidade das pessoas saberem que podem dominar a sua natureza instintiva, os seus desejos e prazeres, a sua parte animal e corporal, através do seu Eu que decide teoricamente em função de valores superiores ou alinhado com o Espírito. Isto é importante, porque de facto um dos aspectos principais da nossa vida é conseguirmos desenvolver um Eu acima das identificações corporais e dos hábitos sociais, e assim permitir que a consciência espiritual se desenvolva mais em nós.
Esta consciência e corpo espiritual vai sendo feito ou talhado através de todos os sims e nãos, dos actos e renúncias, de desenvolvimentos e esforços ao longo da vida, num processo que nunca pára. As asceses representam portanto um controlo das nossas forças anímicas não as deixando animalizarem-se, superficializarem-se ou serem muito manipuladas socialmente, como nos nossos dias de múltiplos incitamentos a diversos tipos de consumismos tanto acontece, ao que se tem acrescentado ultimamente as restrições covídicas, por vezes quase que sádicas e com tantas consequências negativas...
Porque nós somos eus-espíritos, envoltos num potencial grande de milhares e milhares de forças anímicas, temos imensas de possibilidades de acção, sentimento e pensamento. Ora como a vida moderna exponencia a relacionalidade por meios tecnológicos de um modo gigantesco e encontramos milhares de ofertas para diálogo, aprendizagem, consumo e distração, tudo isso pondo a nossa ascese, no seu sentido de desprendimento do ilusório e concentração no essencial, bastante enfraquecida e até fora de moda.
Esta oferta imensa de bens e relacionamentos tanto nos dispersa e faz-nos perder a concentração isoladora e mais aprofundante, como permite infinitas possibilidades de comunicação, aprendizagens e partilhas, neste aspecto sendo um factor grande da divulgação de ensinamentos de todos os ramos de saber, por vezes numa democratização de conteúdos que estavam bastante mais rarefeitos antigamente. Neste aspecto, a revolução digital originou uma nova Era de rede plena de muitos dos saberes e tradições, e com possibilidades de amplas intercomunicações, embora certamente o contacto presencial seja em geral melhor ou mais forte.
As asceses tradicionais permitem-nos não nos dispersar tanto pelos prazeres sensoriais ou ainda egóicos e até intelectuais, nomeadamente dos canais televisivos, dos jornais fracos, de leituras inúteis ou cor de rosa, contrabalançando-os com um certo recolhimento. Os tipos principais de prazeres que desafiam mais a pessoas quanto ao seu controle são assim a leitura, a alimentação, a bebida, as drogas, o prazer sexual, os banhos, os luxos, as posses, as roupas, os carros, os canais de televisão, as férias, o tempo que se passa nas redes sociais, etc., e é pelos nossos usos e reacções que nos vamos esculpindo, sublimando, evoluindo, ou o contrário...
Podemos ainda referir na ascese a Palavra, o uso das palavras-sons-orações, tanto mais que ela faz parte de tradições religioso-espirituais tanto do Ocidente como do Oriente, e vemo-la nos discípulos de Pitágoras, nos monges cartuxos de S. Bruno e seus conventos contemplativos, no dhikr dos sufis, ou mesmo nos mauna yogis, na Índia, que cumprem votos de estarem meses ou anos sem falarem. 

O kavi yogi Shudhananada Bahrati, com quem vivi em Madras dois, três meses, trabalhara ou escrevera muitos anos em silêncio, com Sri Aurobindo e a Mãe, em Pondichery, e com Ramana Maharishi. Dessa ascese brotara muita visão e poesia escrita. E assim é a lei, poda-se de um lado, fortifica-se e recolhe-se noutro. Ou como dizia o escravo romano Epicteto: Sustine et abstine, sabe abster-te e sabe susteres ou sustentares algo, aguentar.

AP. Como vês então o silêncio?

PTM. O silêncio desenvolvido conscientemente tem muitos efeitos benéficos, seja para ouvirmos melhor os outros em diálogos, seja para discernirmos melhor a energia das pessoas e das palavras, seja para se conservar mais energia interna, que depois se poderá manifestar melhor quando falamos, oramos, escrevemos, seja para podermos ainda ouvir ou ver o espírito.
A natureza transmite-nos e ensina-nos muito o silêncio, mesmo com todos os seus sons, tal como o céu nocturmo e estrelado, sulcado volta e meia por algum meteorito ou estrela cadente que nos faz brotar uma exclamação, uma palavra carregada de sentimento e de significado e que é como uma fecundação da imensidão do céu.
Tal como a tradição egípcia, que muito desenvolveu a noção da palavra justa e verdadeira e de um julgamento quanto à nossa honestidade na transição para o além, imagino que quando uma pessoa chega ao fim da sua vida e passa pela balança da sua consciência, de guias ou mesmo da divindade interna, vê em si mesma, o efeito das palavras que proferiu ou, quem sabe, ouve-as de modos difíceis de se imaginarem, talvez sendo determinado por elas na sua textura hologramática de palavra-vibração-partícula-onda, num agregado subtil e multidimensional.                                          Pode ser que tenha proferido milhões de palavras e que algumas dotadas de uma energia espiritual, duma intencionalidade profunda e luminosa, e porque partiam de um silêncio interior bem cultivado que as afeiçoara e as fortificara, tenham gerado não só bons efeitos como também até uma alma mais pronta a funcionar no mundo subtil espiritual com luz, amor e elevação.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 6ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

Eis-nos na sexta parte  da entrevista, primeiro oral e depois ampliada  livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra",  12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral Editora. 
 António Paiva – E dentro do conjunto de pensadores, praticantes, buscadores, qual gostarias de salientar, ou com qual tens mais afinidades? 
                              Paramahamsa Yogananda (1893-1952)
Pedro Teixeira da Mota – Pelos livros, gostei bastante dos ensinamentos de Ramakrishna, Paramahansa Yogananda (e o seu mestre Yuktesrwar Giri), Nicholai Roerich, Bô Yin Râ e místicos iranianos, transmitidos em especial por Henry Corbin, mas ao longo da vida encontrei alguns mestres valiosos e de quem gostei mais, seja apenas ouvindo, seja dialogando, seja vivendo mesmo com eles.
Karlfried Graf Dürckheim foi um diplomata alemão que esteve no Japão, e transmitiu um ensinamento teórico e prático ao longo de décadas, tendo escrito livros ligado ao Zen e ao silêncio que tiveram grande sucesso. Vivia numa espécie de ashram na Floresta Negra e desenvolveu exercícios de prática da auto-consciência, de presença do Ser profundo, com algumas pessoas competentes em diferentes disciplinas harmonizadoras próximas e que o ajudavam face às pessoas que o procuravam. Era um homem que realizara bastante o ser em si mesmo, o espírito, e algo de tal nível transparecia, como se tal dimensão estivesse mais visível graças à simples presença discreta dele, uma pessoa pequena até de estatura.
AP – Onde estiveste com ele?
PTM – Embora tenha lido algumas das suas valiosas obras, estive com ele unicamente numa conferência em Paris, nos anos 80, onde falaram ainda Pir Vilayat Inayat Khan, filho do pioneiro da reintrodução do sufismo no Ocidente (Pir Inayat Khan), Jean Charon e David Spangler, tendo dialogado ainda com estes dois. Já antes na Índia estivera com alguns mestres valiosos, na presença dos quais sentimos certas qualidades desenvolvidas ou mesmo uma energia espiritual bem presente que estimula a nossa auto-consciência e a aspiração.
Como sabemos, na tradição indiana, descrevem-se ou caracterizam-se vários níveis de frequência vibratória dos nossos corpos físicos e subtis, sendo o núcleo central ou último o que se denomina anandamaya kosha, corpo de beatitude ou felicidade. Ora acontece que alguns encontros com mestres desencadeiam esse sentir fortemente de tal nível, o que é um sinal claro de que esse ser já tem a dimensão do espírito e a sua origem de amor e beatitude divina presente, e que é partilhada ou ressoa dentro de nós.
Lembro-me de Sri Vidwans, yogaterapeuta no Hospital de Warda e discípulo de Ghandi, com uma realização interior elevada e exteriormente de grande modéstia e que tinha o poder de iniciar as pessoas no Caminho espiritual, ou seja, de lhes dar um mantra, tocar no 3º olho e ao meditar tentar transmitir ou despertar no iniciando uma ligação maior com o espírito, com a luz interior, com a felicida
de.
                                                          
Estive com outros mestres, tal Swami Shuddhananda Bharati (1897-1990), um yogi, escritor e poeta, do sul da Índia que tinha vivido com Ramana Maharishi e Sri Aurobindo, com este muitos anos em silêncio e que peregrinara muito, vivia asceticamente e tinha uma prática espiritual e uma realização boa, tendo escrito dezenas de livros. Vivi quase três meses com ele no seu pequeno ashram e tipografia em Madras. Ele iniciou-me na linha Shaiva (Shakti) Siddhanta e desejava que eu fizesse algum centro em Portugal ou em Gibraltar, todavia fui apenas um yogi itinerante que ensinava espiritualidade e dava aulas de Agni Raja Yoga durante vários anos em alguns locais de Portugal e em dois estrangeiros.
                                     
 Outros gurus houve que apenas ouvi, como foi o caso de Krishnamurti, em duas palestras que realizou em Adhyar, Madras. Nele senti que tinha um nível de realização elevado, um certo contacto com um plano de unidade espiritual, mas que sem querer criava nos que o ouviam uma certa dependência, na medida em que não valorizava muito uma sadhana, uma prática espiritual de meditação (algo que ele fizera bastante em adolescente), apenas pedindo atenção e desprendimento do passado e comunicando um certo tipo de estado psíquico de paz mas que nos outros que o ouviam e repetiam não correspondia verdadeiramente a uma realização interior de presença interna, de desprendimento e de liberdade.
Senti que algumas das pessoas estavam a dar-lhe a resposta que ele esperava mas que não correspondia a uma realização interior. É o problema de muitas comunidades de seguidores ou discípulos, nomeadamente nos que se deixam envolver numa mitificação da realização extraordinária do mestre. Por isso um dos melhores mestres de sempre, para mim, Bô Yin Râ, que era mestre do mestre do meu primeiro mestre de Kriya Yoga, Sri Rishi Atri, avisava que na sua quase totalidade as comunidades tornam-se cemitérios das melhores esperanças ou mesmo potenciais realizações.

                                         Bô Yin Râ (1876-1943)
Com efeito, a realização interior exige do nosso ser uma sensibilidade e capacidade de consciencialização espiritual profunda e o mais frequente possível no dia-a-dia, para se manter a ligação ao espírito e a abertura ao Divino, o que implica uma prática de vida harmoniosa, com ascese, meditação, adoração, e as concomitantes graças do Alto.
Esta pessoalidade frequentemente não se concilia com a diversidade das estações ou estados das pessoas num grupo, tornando-se assim a comunidade algo limitadora ou mesmo opressora, para não falarmos de casos de gurus manipuladores ou demasiado hipnotizadores-sugestionadores, sendo o amor, a devoção ou a boa disposição, em geral, as características mais manifestadas e atractivas da submissão dos discípulo, ainda que certamente outras forças menos positivas circulem por entre os participantes do grupo ou da comunidade, tal como inveja e competição...

A.P. – Falaste de modo de vida harmonioso e de ascese. E quanto às vias do excesso? Eu posso considerar, não sei se concordas, como uma via de excesso a que referiste de contenção, ausência ou renúncia. Mas existem também as vias de excesso por mergulho na intensidade e na exaltação dos sentidos. São vias complementares? Consideras a via do excesso por exaltação e não por renúncia como uma via possível? Gurdjieff pode ser um exemplo?
PTM – Gurdjieff, um arménio bem viajado pelo Oriente e a Rússia, considerava que o ser humano estava tão adormecido ou alienado no seu ego e no seu modo consciencial que eram preciso técnicas e acções que abanassem as pessoas, e destruíssem de certo modo o ego e a tendência de buscar o conforto, o normal, o que se gosta. Para isso ensinava movimentos, danças, respirações, provenientes ou adaptados em grande parte dos sufis e dos dervishes, para as pessoas estarem mais conscientes de si mesmas e assim integrarem ou unificarem os seus níveis físicos, emocionais e mentais. Isso é comum à maior parte das tradições místicas e iniciáticas, e a dança movimento, com alguma origem dervische, a que ele teve acesso, foi bem desenvolvida e musicada, bem num estilo próximo da Euritmia de Rudolf Steiner, com movimentações e gestos realizados muito conscientemente, com que se procura desautomatizar as pessoas e ligá-las mais à Presença.
Fazia alguns excesso com o vodka e comidas e também quando obrigava os seus discípulos, pois ele geralmente andou sempre com alguns, a fazerem coisas que não gostavam, em actos nos quais sofriam. Conseguia com isso abanar e enfraquecer o ego e trazer o Eu verdadeiro mais ao de cima?
Em certos casos sim, noutros não. Algo disto se passou mais tarde na comunidade de Osho, ou Rajneesh, onde os excessos e as asceses sobre os sentidos também aconteciam bastante. Todavia, cada um de nós é único, em si e nas suas reacções, e tem o seu próprio caminho interior que dificilmente é intuído pelos outros. Portanto não se podem estabelecer regras gerais imperiosas, e há que ter muito cuidado com o ser-se mestre dos outros, ou aceitar-se um instrutor, pois se para uma pessoa tal é acertado para outra já não será o melhor meio para ela se metamorfosear positivamente. Na Índia encontrei também alguns gurus que abusavam do serviço, seva ou karma yoga, que exigiam dos discípulos. Isto também tende a acontecer muito no Ocidente, nomeadamente em comunidades ecológicas ou espirituais.
Embora o que é normal para alguém possa ser já um excesso para outrém, pode-se porém conceber uma razão média, tanto mais que a palavra grega Cosmos significa um todo ordenado, e tal ordem presume-se ser infundida pelo Logos, que é tanto a Divindade nele como a Razão-Inteligência, e não a mero ratio, ou racionalidade. Podemos assim deduzir ou intuir, pelo menos para nós, princípios e leis do funcionamento do universo, do corpo, da mente e do destino ou karma.
Por isso os excessos e desequilíbrios, se podem ser estímulos fortes, também têm o seu preço ou desgastes, pelo que devemos saber utilizá-los bem quando é oportuno. Quais são os desequilíbrios ou excessos valiosos ou lícitos, com uma utilidade que compense as consequências negativas? Quando é que devemos deitar-nos, ou antes continuarmos em vigília meditativa, de escrita, leitura ou de diálogo? Quantas horas, quanto dias devemos jejuar? Quando devemos viver em castidade, quando devemos sublimar a energia sexual? Até onde devemos obedecer e curvar-nos, dobrando o ego humildemente, ou quando é que devemos repelir tal e seguir a via que nos liberta e dignifica? Quando devemos ser mais revolucionários ou heterodoxos, destoando da mediania do grupo, da submissão doutrinária, política ou de vacinas? Eis questões que as pessoas têm de pôr a si próprias e acerca do que os outros nos tentam sugerir ou impor, seja gurus, políticos, patrões ou chefes.

AP - E o que pensas sobre os cogumelos e bebidas compostas de plantas da América do Sul?
PTM - Pois esse é um exemplo actual dos processos do xamânismo da América, que em geral têm relações fortes com as entidades do mundo elemental e astral, sendo estas, ao que consta, desconhecedoras do bem e do mal, pelo que devemos discernir se a ingestão de uma bebida sacralizada das tradições das florestas da América do Sul, quase domesticada por séculos de utilização pelos índios, será útil ou não, pois entramos num terreno perigoso (face à fragilidade cerebral) de exploração de estados modificados de consciência e do cérebro, e embora não seja por um meio artificial, ou uma droga sintética, ainda assim é por algo que para nós é estrangeiro ou alheio e de que não sabemos os bastidores.
Algumas pessoas que a vão tomar, não se vão sentir bem e ainda que possam ter um certo tipo de revelação, será frágil a realidade ou verdade dela, não obstante possa ser sentida subjectivamente com grande intensidade.
Quanto às consequências pesadas ou nocivas no cérebro e no corpo, que têm de existir, pouco sabemos, embora se realizem catarses fortes e até dolorosas, orgânicas e psíquicas, que podem ser purificadoras e libertadoras. Parece-me contudo que quem, mais do que na investigação de estados alterados de consciência, está num caminho espiritual deve abster-se de tal, embora haja certamente circunstâncias que possam levar as pessoas por sua conta e risco a ingeri-las, sobretudo vivendo nesses locais naturais, ou então ao sentirem-se perdidas na massificação alienada e superficializada do neo-liberalismo materialista contemporâneo.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Anjos e Arcanjos solsticiais e natalícios, um culto perene e frutífero. 2023. Boas inspirações e realizações.

Nos dias solsticiais (às 3:07 do dia 22) e natalícios é natural os Anjos e Arcanjos estarem mais próximos de nós, ou acessíveis, e assim dedicarmos-lhes algum tempo de sintonização, contemplação ou meditação, ou então apenas orar a eles ou orar com eles, é  frutuoso individual e planetariamente,  podendo-se realizar em qualquer local, embora na Natureza pura ou num templo sagrado seja melhor, intensificando tanto a nossa como a comunitária frequência vibratória espiritual e eco-amorosa. Dadas as bênçãos luminosas que dos seres celestiais nos podem advir, eis-me a partilhar algumas imagens, brevemente legendadas, a primeira de uma gravura de Bartolozzi, seguindo-se três de fotografias na Igreja de S. Paulo em Lisboa, e a última já obtida em Castelo Branco.

      Dos Mistérios Angélicos, e do Amor que é inerente à sua visão.

                                                       
Esta gravura do famoso Bartolozzi (1725-1815, em Lisboa), tão importante no desenvolvimento da gravura em Portugal, pode levar-nos a pensar que a devoção ou Amor aos Anjos e particularmente ao nosso Anjo da Guarda gera como que anjinhos ou cupidos, que são como que pequenas avatarizações, ou flechas, de Amor, numa amálgama de substância psico-espiritual nossa e deles. Desconhece-se bastante disto pelo que oremos e meditemos mais para que mereçamos e saibamos discerni-los, senti-los, vê-los e irradiá-los, ainda que possamos admitir que esse pequeno ser corresponde à nossa pequena concentração, aspiração e ligação aos Anjos... Logo, vemo-lo ainda muito pequenino...
Já esta escultura oitocentista da igreja de S. Paulo, exuda tanta doçura e amor suave e subtil dos Anjos e originado na Divindade, que contemplá-la angeliza-nos, espiritualiza-nos, impulsionando em nós a devoção e aspiração ao numinoso.

                                                      
Om Amen. Os anjos estão sempre a intermediarizar a Terra e o Céu, o plano físico e os subtis e espirituais,  a Humanidade e a Divindade e podem ser para nós pontífices, inspiradores, iluminadores, sobretudo quando meditamos, amamos e adoramos com eles ....
                                                        
Dançarmos e voarmos com os Anjos, em amor e adoração, mesmo que só interiormente, imaginalmente, ou com as memórias havidas com eles, eis um bom dinamismo face às limitações que o karma, a sociedade ou o Estado nos imponham....
                                                               
O Arcanjo São Miguel, surgindo pela primeira vez na história religiosa, de origem imaginativa ou visionária, num relato do séc. II A. C., o Livro de Daniel, com profecias absolutamente impossíveis, tornou-se com o tempo o espírito celestial mais importante no panteão cristão, quase um outro Cristo, um outro ser ungido ou mais pleno do poder divino e como tal auxiliar nas grandes batalhas cósmicas contra o mal e os maus, ou nas pequenas batalhas em que por vezes nos vemos envolvidos. Invocar e evocar S. Miguel e a sua espada, ou o poder divino da vontade que nela é simbolizada, pode ser então para alguns seres, por auto-sugestão fortificadora da vontade ou por bênçãos do alto, um instrumento vitorioso nas lutas e limpezas astrais em vigília ou nos mundos tão interactivos e que nos sonhos se manifestam algo enigmaticamente.

                                                       
Por vezes S. Miguel é mesmo representado sobre o mafarrico, o endemoninhado, o diabo, o mal, personificação ou chefe de variadas forças e entidades negativas, vencendo-o, controlando-o, qual S. Jorge dominando o dragão das forças instintivas e telúricas desregradas. Esculpidas no exterior das igrejas (nesta imagem em Castelo Branco) têm a função de tanto evocar as entidades celestiais e o Arcanjo, como afugentarem as forças e entidades do mal e protegerem a Igreja e quem nela se encontra. Não há ainda estudos sobre a eficácia de tal evocação, a não ser a partir de alguns relatos hagiográficos.
Contemplarmos estas representações e sentirmos quais as energias anímicas nossas que
estão menos controladas e harmonizadas é um bom exercício de auto-conhecimento. E ao mesmo tempo invocarmos o Anjo da Guarda e até o Arcanjo S. Miguel para nos fortalecerem mas, claro, com sensibilidade e humildade, pois mais do que decretar isto e aquilo, ou saber os intrujados nomes dos anjos, como alguns pseudo-esoteristas da nova Era (seguindo contudo alguns mais antigos) lançaram e espalharam, tal Elizabeth Claire Prophet, Raziel, Monica Buonfiglio e outros, cada um  de nós deve é invocar, meditar, interiorizar e descobrir por si a inefabilidade do anjo da guarda íntimo, e não se enredar no intrujado nome do anjo que lhe pertenceria pela data de nascimento, e assim por mérito próprio e verídico poder merecer sintonizar ou acolher, vendo-o até interiormente...

                                                 
Alegre-se, não se disperse tanto nestes dias solsticiais, natalícios e do novo ano e persista em algum tipo de sintonização, pois eles constituem-se organicamente, e assim no solstício de inverno celebram algumas tradições a entrada como regente o arcanjo Gabriel, como  auspiciosas ocasiões para os invocarmos mais e melhor, seja na natureza, na família, em sodalidade ou na soledade! 

                       Arcanjo S. Gabriel, num ícone russo, tentando trazer mais luz ao mundo e aos nossos corações.
Possam vibrar mais em nós na nossa alma tanto interiorizada como expandida os Anjos e demais entidades celestiais, e para isso lembremo-nos e aspiramos mais a eles, nomeadamente quando oramos, invocamos ou adoramos a Divindade, ou lúcida e abnegadamente esforçamos por trilhar o caminho da justiça, do bem e da Verdade, na fé dos nossos antigos lutadores  idealistas e mestres, para que a Terra e a Humanidade estejam mais transparentes à ordem e intencionalidade logóica Divina, e logo em harmonia, fraternidade, paz...
Igreja da Conceição em Beja, altar de S. João Baptista, em pietra-dura tão bela.... Que sobre o teu coração em amor vivo paire o Anjo... Que no teu coração em Amor entre mais do Anjo, ou até a bênção Divina... Que haja sensibilidade, justiça, fraternidade e Amor na mente dos desgovernantes!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 5ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

          Sarada Devi, a mulher de Ramakrishna, como corporização da Shakti, num Sri Yantra

  Eis-nos na quinta parte (das talvez 17) da entrevista, primeiro oral e depois ampliada  livremente para constituir o livro O Rosto e a Obra 12 entrevistas pelo António Paiva, editado pela Espiral. Agora ao partilhar no blogue também modifiquei ou ampliei, um pouco...

António Paiva – Essas pessoas [da nova Era] procuraram viver mais do que apenas saber?

Pedro Teixeira da Mota – Há vários níveis de saber, de conhecer e certamente viver-se o que se sabe, levá-lo à prática, assumi-lo, é fundamental. Podemos dizer que houve tanto os que aprofundaram o saber, como por exemplo nas relações da Física moderna com as antigas Religiões orientais, tais como David Bohm, Jean Charon, Fritjof Capra e outros, como os que valorizaram os aspectos de acção e da experiência interna, esta frequentemente realizada em grupo ou em comunidade, e destacaram-se em tal associações na Califórnia, como o Instituto de Esalem, e as dos gurus indianos e seus ashrams. Simultaneamente, começaram a constituir-se ensinamentos, doutrinas, mensagens e mestres com um saber discutível e frequentemente incomprovável a predominar, nomeadamente as histórias de vidas passadas, onde se destacou, além do famigerado reverendo teosofista Leadbeater, o Edgar Cayace, (visionário de vidas nas civilizações antigas da Lemúria e da Atlântida), as prodigiosas iniciações, as canalizações de extra-terrestres, os mundos intra-terrenos, etc., perdendo-se frequentemente o caminho mais simples e directo do auto-conhecimento, da meditação, da religação espiritual.
O que é verdadeiramente o saber que devemos procurar é uma questão a pôr-se. Até que ponto o S. Tomás de Aquino na sua Summa Theologica, considerada a grande suma, no sentido de concentração do pensamento medieval católico, era mesmo um saber essencial, verdadeiro, perene, ou era antes meramente mental, intelectual, formal, já que ele tem quase no fim da sua vida uma ou duas revelações interiores, no fundo visões meditativas, e diz que tudo o que tinha escrito era como palha face ao que vira e realizara?
São portanto as dimensões internas, subtis, espirituais, universais, que ao longo dos séculos místicos, gnósticos,  mestres espirituais e yoguis conseguiram vislumbrar, alcançar ou viver, que alguns seres e grupos da New Age pretenderam realizar, estudar e continuar, infelizmente em muitos casos com bastante superficialidade e falta de seriedade, e com maior ou menor sucesso.
Podemos dizer ainda que uma das fontes ou raízes históricas das movimentações da nova, Aquariana, pouco conhecida, fora em 1893 o Parlamento das Religiões do Mundo, realizado em Chicago, onde estiveram numerosos especialistas, sacerdotes e líderes religiosos, embora com predominância dos ocidentais também teve bastantes orientais, dos quais o que veio a ser mais conhecido foi sem dúvida Swami Vivekananda, o discípulo do grande místico indiano sri Ramakrishna e de sua mulher Sarada Devi...
Foi um estímulo para as pessoas ocidentais, e particularmente as norte-americanas, saírem duma polarização excessiva no protestantismo e  catolicismo, no materialismo e  mecanicismo. Entretanto, mundialmente, foi brotando uma diversidade grande de propostas de aprofundamento do auto-conhecimento, com múltiplas práticas psico-somática e doutrinas e métodos espirituais, e poderemos nomear (omitindo alguns fatalmente) na primeira metade do séc. XX, e depois já na segunda, Rudolf Steiner, Gurdjieff, Bô Yin Râ, Nicholai Roerich, Carl Gustav Jung, Conde de Keyserling (que chegou a vir a Portugal e Fernando Pessoa a escrever-lhe uma carta-desafio, que eu publiquei pela 1ª vez no livro A Grande Alma Portuguesa), Alice Bailey, Paul Masson Oursel, Jean Herbert, Aldous Huxley, Krishnamurti, Wilhelm Reich, Aleister Crowley (da via esquerda, mas que impressionou muito Fernando Pessoa) Robert Assaglioli, Allan Watts, Erich Fromm, Buckminster Fuller, Carlos Castaneda, Renée Guénon,  Julio Evola, Henry Corbin, Louis de Massignon, Giuseppe Tucci, os búlgaros Peter Deunov e Omraam Aïvanhov, Lanza del Vasto, Bede Griffiths, John Blofeld (dos melhores sobre o Taoísmo), ou ainda orientais como Rabindranath Tagore, Kalil Gilbran, Sri Aurobindo, Paramahamsa Yogananda, Ananda Coomaraswamy, Gurudev Ranade e Gopinath Kaviraj, Swami Yogeshawaranand Saraswati, Dalai Lama e Trungpa Rimpoche (com a sua crítica ao “materialismo espiritual” contemporâneo), ou os mais populares Shivananda e Vishnudevananda, Sri Anandamurti, Sri Chinmoy, Mahesh Yogi, Guru Marahaj e Osho. 
Do Extremo Oriente nipónico, Daisetsu Teitaro Suzuki, iniciando a partilha maior do Zen, e George Oswava, Michio Kushi e Tomio Kikushi, estes abrindo a ligação à macrobiótica, ao Yin e o Yang e aos cinco elementos chineses, e daí a acupunctura e o shiatsu, que se juntaram às bio-energias e outras terapias corporais, para libertarem as pessoas de muita rigidez e condicionamento.
A partir destes catalizadores, uns bem mais sãos, profundos e verdadeiros que outros, foram-se  gerando ondas de despertar individual a vários níveis, com muitas pessoas a melhorarem, a expandirem os seus conhecimentos, a curarem-se e a vivenciarem níveis mais profundos e subtis de si e do universo.
Daí que tenha surgido, como tu dizes, um arco-íris multifacetado, por vezes fascinante mas também com muitos aspectos claramente de superficialização, comercialismo, manipulação e alienação, algo que neste século XXI tem predominado devido à difícil sobrevivência a que as pessoas estão submetidas, ao crescente desassossego e uma certa ausência de discernimento profundo dos melhores valores e caminhos. Disto resulta as pessoas poderem ficar enlaçadas ou presas em pseudo-instrutores ou mesmo pseudo-mestres e iluminados, como hoje em dia tanto formigam, em especial na USA e nos domínios da não-dualidade, do Advaita, mas também no Brasil e na Europa, ou ser-se explorado e iludido com tanta variedade de canalizações, merkabas, reconexões, regressões, coachings, leituras de aura e curas quânticas...

AP – Há pois, no teu entender, a necessidade de termos bastante cuidado nas abordagens nova Era e espiritualistas?

PTM – Sim, cuidado, discernimento e coragem, pois em muitos dos grupos os participantes estão iludidos ou mesmo vigarizados por instrutores pouco harmonizados e realizados humana e espiritualmente,   meramente papagueando o que os fundadores deixaram por escrito (e que frequentemente é incomprovável, ou os autores de que mais gostam ou lhes dá mais jeito, muitas vezes achando que detém a verdade e que não podem ser questionados. E sair de tais grupos, onde em geral se fazem muitas amizades, é difícil, pois há vários medos...
Temos de nos manter atentos e discernir bem o que é que cada pessoa realizou dentro de si, tem em si. Quais são as energias predominantes, quais as ligações que ela tem mesmo aos mundos espirituais e subtis, ou a que entidades, e quais serão consequentemente os efeitos que vai ter dentro de nós um ensinamento qualquer, uma associação a uma pessoa, instrutor ou mestre. Discernirmos se tal instrutor está mesmo a impulsionar-nos na harmonização psico-somática, na realização espiritual e na ligação divina, ou se está a encher-nos a mente de fantasias, ou de grandes esquemas mentais e a prender-nos, desviar-nos da nossa verdadeira realização...
"Nem tudo o que luz é ouro", diz o nosso provérbio popular, e onde se fala muito de amor, de grandes iniciações, canalizações, mestres ascensos, pleidianos, frequentemente são apenas miragens, ilusões, manipulações colectivas a que as pessoas se entregam ou se deixam enredar e quase hipnotizar, em vez de se unificar, libertar, harmonizar, plenificar...
 

domingo, 20 de dezembro de 2020

"O Rosto e a Obra", 4ª parte da entrevista a Pedro Teixeira da Mota por António Paiva.

Avançamos para a quarta parte da entrevista contida no livro "O Rosto e a Obra,  12 entrevistas pelo António Paiva", editado pela Espiral.....
 
António Paiva. – Achas portanto, que as pessoas normais no mundo, que não estão demasiado envolvidas nas suas religiões, cada vez menos crêem nas doutrinas, livros e mesmo nos profetas e filhos de Deus?

Pedro Teixeira da Mota - Sim, as pessoas mais evoluídas, com a consciência já mais desperta, expandida, tendendo ao universal ou também à não-dualidade, ao darem-se conta de tantas limitações e barbaridades feitas em nome de religiões começam a tentar aprofundar outras formas de religação consigo próprias e os outros, com seu espírito, com a Ordem do Universo, com a Divindade, sem estarem dependentes de tantos intermediários desequilibrados ou impuros, seja em livros, pessoas ou concepções e ritos...                                   Podemos pois considerar que mestres, movimentos e grupos espirituais, no seu melhor, têm aprofundado as metodologias de auto-conhecimento e os modos de viver e de se ter uma alma harmoniosa, mais apta à religação com o espírito e com o Divino e que já não estão tão dependentes dos mitos e crenças do passado, de cultos e rituais ligados com tradições ultrapassadas e saudosismos inférteis, ameaças e promessas dualistas e radicais.

AP - Não haverá perigos de as pessoas ficarem numa terra de ninguém e poderem logo ser exploradas por gurus e grupos manipuladores, e acabarem por ficar pior de que quando eram meras ovelhas e carneiros?

PTM - Sim. Esta modernidade de abertura plena a todas as doutrinas, vias e técnicas, e já pouco submetida a dogmas, pode gerar muita mistificação e basta olharmos para muitos ensinamentos transmitidos por “canalizadores” ou médiuns, frequentemente ditos como provindo de anjos, de mestres ascensos, de seres extraterrestres mas que no fundo são bastante mais incursões no inconsciente do que leram ou ouviram, ou então fragmentos que entidades invisíveis lhes transmitem, explorando-os a certos níveis.                           Casos típicos deste tipo de nova Era libertadora superficializante e mistificadora, encontramos nos livros de Neale Donald Walsh, que clama mesmo ser directamente de Deus que recebe, embora numa linguagem tão corriqueira como tendenciosa, em Silvya Brown que dava mensagens do Anjo da Guarda da pessoa por uns tantos (não pouco) dólares ou ainda nos que canalizam uma entidade Kryon, para não falar de outros "canalizadores e decretadores", frequentemente evocando os mestres e mestras ascensos, que Elizabeth Claire Prophet reinventou a partir dos já mitificados mestres que teriam estado em contacto na Índia com Helena P. Blavatsky, uma ocultista também algo mistificadora em certos aspectos, mas que continua a ter os seus fervorosos seguidores apesar de terem sido expostas algumas das suas menos correctas afirmações, autorias e metodologias, entre outros, por Vsevolod S. Solovyov e Réne Guénon, este com o seu Le Theosophisme, histoire d'une pseudo-religion, de 1921, tal como já fizera com o Espiritismo. 
       René Guénon, um crítico da quantidade que mata a qualidade, e das contra-iniciações...
Uma patranhice de reinvenções celestiais foi a lançada pelo francês que se drapejou com o nome de Haziel, com os seus anjos kabalistas, e que tanto alastrou no movimento da nova Era e no Brasil, e em autoras como Doreen Virtue (que depois se veio a arrepender e a renegar esse passado de nova  Era, convertendo-se a Jesus), ou na brasileira Monica Buonfiglio, e que ainda hoje é seguida por muita gente convencida que cada dia do ano é regido por um Anjo, a quem se pode dar ordens, e que quem nasce nesse dia o tem como o seu Anjo da Guarda. Embora passando por tais patranhas, a sociedade livre e dialogante acabava frequentemente por abrir os olhos e ajudar tais pessoas a saírem dos enredos e a evoluírem, pelo que nos anos 80 era frondosa e esperançosa a miragem da nova Era, com tantos “seres luminosos” activos, tantos seminários e, colóquios, tantas comunidades fermentando, tantas profecias de datas fabulosas acontecendo.                                             Todavia, as constantes crises que foram sendo lançadas pelo sistema mundial financeiro e político imperialista, dirigente e opressor, acabaram por diminuir os rendimentos da classe média, e as possibilidades de despertar e de interessarem-se mais por uma vivência harmoniosa e plena na vida em todas as suas dimensões. Por outro lado as propostas e práticas não deram muito resultados bons e visíveis, dada a proporção elevada de instrutores pouco desenvolvidos ou apenas sérios em muitos grupos esotéricos, de curas, de magias, de teurgias, de kabalas, de gnoses, de templários ou mesmo de seitas mais radicais e perigosas que volta e meia vieram ao conhecimento do grande público por motivos trágicos.                                        A última gota de água ou, se quisermos, um tsunami, está a ser o misterioso Corona de 2020, algo mortífero e que, gerido por forças opressivas e políticos frequentemente ineptos ou vendidos, está a enfraquecer bastante a convivialidade humana, as economias médias e muita da actividade ligada à cultura, aumentando fortemente as formas de controle, repressão e escravatura da humanidade.                                       A nova Era grandiosa que se prevera para 2000, 2005, 2011, 2015 e 2020 aparece afinal como uma nova Era orweliana, nada utópica, nada espiritual e por isso mesmo apelando à nossa luta vitoriosa, através do trabalho interior e de redes ou grupos activos.

António Paiva – Mas, apesar de tudo, não és opositor das movimentações de New Age e admites aspectos fascinantes?

Pedro Teixeira da Mota – Fascinantes não será expressão que use. Mas considero que o New Age, no seu início e nos melhores aspectos, enquanto movimento anti-mecanicista, holístico e espiritualizante de busca universal do conhecimento pode considerar-se ter raízes históricas na época do sincretismo hermetizante de Alexandria e no Renascimento e Humanismo dos séc. XV e XVI, com as suas vertentes de reunião das várias tradições (a Philosophia Perenis ou Prisca Theologia), e de valorização do estudo, da palavra e dignidade humana, tão presentes em Marsilio Ficino e Pico della Mirandola, de tal modo que a tradução da obra completa de Platão para o latim em 1487 foi considerada como abrindo uma nova Era para o Ocidente. 
                   Marsilio Ficino, o pioneiro tradutor de Platão, Plotino e dos textos Herméticos
Tais tendências e aspirações estão presentes nos rosacruzes ou rosicrucianos do séc. XVII, e no magnetismo, ocultismo, espiritismo, teosofia e vinda de mestres indianos para o Ocidente, no séc. XIX, começa a desabrochar nos anos trinta e quarenta do séc. XX, com a física moderna, e um relacionamento maior da ciência, da filosofia e da espiritualidade, com bons pensadores e mestres a fomentarem uma busca intensa de mais conhecimento sobre a consciência e a mente, a alma e o espírito. 
Nos anos 70 e 80 tal floresce em numerosos grupos, institutos e eco-comunidades, tal como Auroville, Findhorn e La Borie Noble, de Lanza del Vasto ou, mais recentemente, Taizé, e infinitos eventos, como o festival Le Monde que nous Choisissons, em 1983, na Bélgica, onde estive, entre muitos outros com valor que se realizaram nos mais diferentes domínios de procura e experimentação de uma visão e paradigma mais holístico da inter-relação da ciência, da filosofia e da religião ou espiritualidade. 
   Lanza del Vasto. discípulo de Gandhi e Vinoba. A sua Peregrinação às Fontes está traduzida.
Portanto, nos seus melhores representantes é a continuidade ou o afloramento do dinamismo ao longo dos séculos de indivíduos e grupos dentro da igrejas, das várias religiões e movimentos, ou simplesmente dos meios culturais, artísticos e científicos, que procuraram aprofundar, melhorar e diversificar o que se tinha tornado visões já não conformes à realidade, doutrinas petrificadas, ritualismos ineficazes, crenças e hábitos limitadores da expansão de consciência e da melhoria das vivências da humanidade.                                        A partir dos anos 60, ao mesmo tempo e em ligação com os hippies, com uso de drogas psicadélicas (no que se destacarão Jack Kerouac, Timothy Leary, Ram Dass e, já a um nível mais recente da psicologia transpessoal, Stanislav Grof), com os movimentos pacifistas contra a guerra do Vietname, com as buscas comunitárias, o paradigma desse livre e multidimensional conhecimento generalizou-se, democratizou-se e entrou-se bastante no campo da psique, dos estados alterados de consciência, no crescimento pessoal, este todavia por vezes mais egóico do que espiritual e libertador. De tal modo que muito do que era esotérico tornou-se exotérico, exterior, público o que se em certos aspectos é bom, todavia, inevitavelmente, sem o controle da antiga relação de mestre a discípulo, sem a qualidade verdadeiramente interior, sem provações iniciáticas e  sem grande discernimento atingido, ainda por cima com tanta quantidade de oferta e de propaganda, tal conhecimento e as pessoas que o obtêm ou alcançam superficializam-se ou são enganadas com muita frequência. A história do ocultismo, do esoterismo, dos movimentos da nova Era, de crescimento pessoal e novas seitas está cheia de mistificações...