terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria perene do Irão. "Gulistão", 6ª história. Vive o presente sintonizando o futuro.

Na história que vamos ouvir, Sa'adi relembra-nos que devemos ter uma consciência não apenas do presente, mas também do passado e do futuro, para que assim possamos ter uma vivência mais harmoniosa e frutífera na peregrinação terrena. Do passado, pelos que nos ensinam e nos trazem e entregam a história e a sabedoria dos séculos. Do futuro, pelas considerações que fizermos a partir do que eles nos dizem e nós lemos e vivenciamos, pois não há separação temporal rígida e o agora está sempre a passar. Por isso  alguns até tentaram cravar com uma espada esse momento sempre evanescente e clamaram Hic et nunc, aqui e agora, e com razão quando por esse meio se procura uma intensificação heróica, criativa e vencedora, de dar tudo por tudo.

No fundo, esta narrativa muito rica de expressões psico-físicas persas invulgares entre nós aconselha-nos a viver equilibradamente,  se queremos verdadeiramente chegar ao fim da vida terrena em boas condições materiais, corporais, psíquicas e espirituais.

Oiçamos então Sa'adi Shirazi, isto é, natural da bela cidade de Shiraz, onde nasceu (1210) e morreu já de idade bem avançada (1292) após ter muito viajado e vivenciado, reflectido e dialogado, meditado e escrito, e amado...

 «O filho de um homem piedoso, herdando uma fortuna enorme deixada por uns tios, mergulhou imediatamente na dissipação e libertinagem, tornando-se um perdulário e, para resumir, não houve transgressão alguma odiosa por perpetrar nem intoxicante por provar. Eu aconselhei-o porém, dizendo-lhe: “Meu filho, o rendimento é uma água em movimento e a despesa um moinho a rodar; isto é, só quem tem um rendimento fixo é que pode entregar-se a despesas muito abundantes.”

Se não tens um rendimento, gasta frugalmente

Porque os marinheiros cantam esta canção:

Se não houver chuva nas montanhas,

O leito do rio Tigre secará num ano.


“- Segue a sabedoria e a decência, abandona os espectáculos e o jogo pois a tua riqueza ficará exausta e depois  cairás em problemas e arrepender-te-ás”. O jovem foi porém impedido, pelas delícias da música e da bebida, de aceitar o meu conselho, considerando-o mesmo desacertado, dizendo que era contrário à opinião das pessoas inteligentes alguém amargar a tranquilidade do presente com preocupações do futuro.

Porque é que os possuidores de sorte e prazeres

Hão-de suportar a tristeza pelo medo de apreensões.

Vai, sê alegre, meu amigo de coração alegre

A dor do amanhã não deve ser tragada já hoje.

 Como poderia eu calar-me, eu que ocupo o mais alto assento da liberalidade, tendo dado o nó da generosidade e de cuja beneficiência a fama se tinha tornado o tema da conversa geral?

Aquele que se tornou conhecido pela sua liberalidade e generosidade

Não deve pôr um cadeado sobre os seus dinheiros.

Quando o nome de uma pessoa boa se espalhou por uma localidade

A porta não pode ser doseada contra a bondade da pessoa.

Quando percebi que ele não aceitara o meu aviso e que o meu hálito quente não estava a ter efeito sobre o seu ferro frio, deixei de o advertir e retirei a minha face da sua companhia, agindo de acordo com os filósofos, que disseram: “Transmite-lhes o que tu tens e, se eles não o receberem, não é tua a falta.”

Apesar de saberes que não serás escutado, diz

O que possas saber de bons conselhos e avisos.

Pode ser que brevemente contemples um infeliz companheiro

Com os seus dois pés a caírem no cativeiro,

Batendo as suas mãos juntas, e dizendo:”Infelizmente,

Eu não acolhi o conselho de um sábio”.

 Algum tempo depois vi realizadas as consequências que eu previra do seu comportamento dissoluto. Quando o vi a cozer remendo sobre remendo e a recolher migalha sobre migalha, o meu coração sentiu piedade pela sua condição empobrecida, mas como não considero humano coçar as feridas internas com reprimendas ou derramar sal sobre elas, de acordo com isso, disse-me apenas a mim próprio:

Um indivíduo tolo nos píncaros da sua intoxicação

Não se preocupa com o dia que há-de vir de aflição.

À árvore que deixa cair a sua folhagem na Primavera

Certamente não lhe restarão folhas no Inverno.»

 

Saibamos trabalhar e viver, como nos recomenda Sa'adi, pela frutificação espiritual perene, e divina até... 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria do Irão. "Gulistão", 5ª história. Apressa-te gentilmente, ou "Festina lenta".

Nesta breve história Sa'adi leva-nos a viajar numa caravana que se estende na travessia do deserto, com uns mais apressados e outros mais lentos, todos procurando chegar às zonas mais apropriadas para descansar, de preferência algum oásis, com água fresca e palmeiras, e por fim chegar à casa ou Meca do destino da viajem. 
Lembra-nos então Sa'adi que a corrida contra o tempo em que muita gente se deixa levar pode ser contraproducente, pois podemos desgastar-nos demasiado e não estaremos prontos depois para os momentos decisivos. 
Ou ainda podemos no fundo perder o desfrutar e aprender durante a peregrinação, só com a pressa de se chegar à finalização da obra, trabalho ou viagem.
 O preceito grego antigo,
Speûde bradéōs, "Apressa-te lentamente", latinizado como Festina lenta e amplamente desenvolvido por Erasmo de Roterdão nos seus Adágios, tanto mais que o seu grande amigo Aldo Manutio, usava tal dito como a letra da marca ou empresa da sua famosa tipografia, a aldina, na Veneza do começo do Humanismo, diz-nos o mesmo que Sa'adi: o golfinho rápido (e em nós a mente veloz) sabe também enlaçar-se quando é a altura certa na âncora que o prende, limita e poupa, ou mesmo tem ou assume essa conta e peso em si, como discernimento e controle do que diz, pensa, faz, se movimenta. Para assim estar mais integrado no fluir certo da vida, que é o Tao dos Chineses ou o Dharma dos indianos...
Há aqui também algo do símbolo da Rosa e da Cruz, fazer desabrochar da gravidade e matéria a beleza e o movimento e a elevação apropriada e transformadora.
Sabermos prosseguir os objectivos maiores espirituais da vida, bem como os criativos, os familiares e os profissionais de modo harmonioso é então uma grande arte, que deve ser prosseguida e trilhada, mais do que com rapidez ou lentidão, com harmonia, gentileza e calma.
Oiçamos então a história de Sa'adi: «Um dia, na irreflexão convencida da juventude, eu viajara dando tudo por tudo e chegara ao anoitecer completamente exausto à base da encosta de uma montanha. Um ancião já frágil, que viera atrás da caravana, chegou e perguntou-me porque é que eu estava a dormir, não sendo aquele o lugar mais apropriado para isso. Eu repliquei: “Como é que eu posso caminhar mais, se perdi o uso dos meus pés?”                                                                               Ele respondeu-me então: “Não ouviste dizer que é melhor caminhar calmamente e parar aqui e acolá do que correr e ficar-se exausto?”

Ó tu que desejas chegar ao fim da viagem, 

Toma o meu conselho e aprende a paciência. 


Um cavalo árabe galopa duas vezes uma corrida,

Um camelo move-se gentilmente noite e dia.»

                   Saibamos mover-nos mais com o coração aberto e a plena consciência....

domingo, 6 de dezembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria do Irão. "Gulistão", 4ª história. Cultivar as amizades puras...

                                      

Nesta história do seu Gulistan, Sa'adi (1210-1292) valoriza diante de nós os comportamentos invulgares, quase ingénuos, de abnegação e de amor ao Amor, e põe-nos de ainda de sobreaviso quanto à necessidade de sabermos discernir bem as pessoas amigas, para que não sejamos nem enganados nem mal influenciados. Ou ainda, que saibamos associar-nos às pessoas mais puras, ou seja, de coração mais no caminho de abertura à realização espiritual e presença divina e à vida justa, harmoniosa e em boas sinergias. Oiçamo-lo então:   «Um ladrão fez uma visita à casa de um homem espiritual, mas apesar de ter procurado com grande afã não encontrou nada e lamentou-se em voz alta. O homem piedoso, ao dar-se conta do que se passava, atirou logo o cobertor que o cobrira no sono para o caminho do ladrão para que este não se fosse frustrado.

«Ouvi dizer que os homens no caminho de Deus
Não perturbam os corações dos inimigos.

Como podes tu obter tal dignidade
Quando discutes e fazes guerra a amigos?

A amizade das pessoas puras, quer na tua presença ou ausência, não é como a daquele que encontra defeitos por detrás das tuas costas mas que está pronto para morrer por ti diante da tua face. 

 Na tua presença, gentil como um cordeiro,
Na tua ausência, como um lobo devorador.

Aquele que te trás e conta as faltas dos outros,
Certamente levará as tuas faltas aos outros.»

Saibamos  então ver e valorizar as melhores potencialidades e criatividades dos que nos rodeiam, ou mais sentimos ou gostamos, não demos atenção aos maldosos, para que tanto a humanidade como o nosso grupo de almas vibratoriamente próximas ou afins evolua e intensifique a sabedoria e o amor perenes, tão poetizados e filosofados por Saadi, Hafiz, Sohrawardi e outros luminosos mestres da tradição persa ou iraniana...

sábado, 5 de dezembro de 2020

A espiritualidade da Índia. Páginas de um diário, com entradas de 1996 e 1997, em vídeo lidas e ampliadas...

Dentro de uma agenda diária indiana Bhagavan Ramana dairy for 1990, dedicada ao sábio da montanha de Arunachala, que estava na secção indiana da minha biblioteca, encontrei inesperadamente algumas páginas escritas em Portugal, após ter estado em 1995-1996 um ano a viver na Índia, e quando escrevia o livro dos Descobrimentos do Oriente e do Ocidente, que viria a sair à luz em 1998, para comemorar os 500 anos da viagem de Vasco da Gama e a união de Portugal com a Índia. Resolvi então ler à noite (2-XII-2020) o que escrevi, ampliando ou comentando por vezes, do que resultou o vídeo (e um outro, anterior, de apenas 3:00, pois a máquina parou) no final deste artigo. Mas hoje (5-XII)  resolvendo partilhar a gravação para o Youtube e o Blogue encontrei duas páginas escritas, na Índia, em 1996, nesse mesma agenda diário que comprara com desconto (pois era já de 1990) na livraria do ashram de Ramana Mahrishi. E assim, em vez de transcrever para este texto o que já está partilhado oralmente no vídeo, vou antes fazê-lo com essas impressões do peregrino, quando já tinha uns nove meses de Índia, os últimos três de peregrinações e viagens.

Página do dia 15 Janeiro. Verso impresso ao alto, de Ramana Maharishi: «Expressão do AUM, inigualável, insuperável, quem te pode compreender, O Arunachala?                                                                                                                           
«De manhã medito na sala do ashram, em frente à fotografia grande emoldurada que o substitui e o invoca e evoca posta na parede acima do divã por ele ocupado fisicamente durante alguns anos e agora vazio ou talvez aberto subtilmente às suas emanações.
                                                
É a despedida, calma, profunda. Algo da realização espiritual da unidade e de
Ramana Maharishi respira-se, sente-se. Depois vem o dia activo, após escrever nas costas de duas fotografias postais dele, mensagens para Jorge Falcão, um amigo adepto do caminho advaitico ou da não dualidade, e para o Pedrinho Teixeira da Mota.                                                                                                                                             Vou buscar fotocópias de alguns livros do ashram a Tiruvanamalai, e visito em 35 minutos o templo principal. Um brâmane leva-me a dois santuários onde acende uma réstea de canfora  perante o Shiva lingam e faz uma oração em meu nome. O ambiente não é aqui doentio, embora as estátuas sejam pretas, dum granito ou basalto milenário. E revestidas de fumo, pastas coloridas e vestes, agitam-se quase numa ânsia de serem vivas fisicamente. Quem saberá discernir os resultados da adoração de estátuas, algumas das quais em certos povos e tradições eram verdadeiramente animadas?

Percorro as estátuas com rapidez  até que ao longe  uma fila grande de pequeninos lingams fazem-se relembrar os Budhas, também pequeninos e  vestidos de cores garridas, dos mosteiros do Tibete.                                                                                     Uma deusa Saraswati em estáta dourada, mesmo por detrás do santuário principal faz-me deter e saudá-la por uns momentos. É uma senhora ou deusa da sabedoria e da música, dourada, fina, mas quem lhe liga e a leva consigo?                                     Depois de me ter posto cinzas na testa e no cimo da cabeça, recebo ainda banana, flores e um pacotinho de açucares, o prasad. Dou-lhe 20 rupias. Agradece. Não posso tirar fotografias dentro do recinto sagrado. Apenas fora, as torres altas, os elefantes, a vaca sagrada  imponente e escura a ser adorada, e os sadhus que passam algumas horas sentados em posição de pedintes dos fieis que peregrinam este famoso templo shivaísta.                          

                                               
Regresso ao ashram de Ramana Maharishi para entregar os livros de volta ao
simpático encarregado da livraria que me  os emprestou para fotocopiar. E depois é a viajem para Madras, passando por Kanchipuram, que está fechado em restauros. Visito ainda assim mas rapidamente o ashram de Sankaracharya . O guarda do portão do templo de Kanchipuram ainda disse que se pagasse 5 dólares, poderia entrar e espreitar. Como não tenho já muita paciência para estar a discutir preços, bato antes com a mão na testa e digo-lhe: - Está louco? Estou ou não na Índia, não devo pagar em rupias?                                                                                                        Mas ter de bater na testa, e encher os olhos da confusão ou grande agitação que caracteriza muitas partes da vida indiana citadina ou dos transportes, desgasta o cérebro,  que vai desejando cada vez mais paz, shanti, shanti...                                   Tanto desgaste o viajar na Índia. Bem fez Ramana (1879-1950) que instalou-se e viveu quarenta anos à sombra da montanha sagrada de Arunachala, que tanto poetizou como manifestação divina, traduzindo e comentando textos sagrados antigos, e transmitindo a metodologia de auto-inquérito, "Quem sou eu, Quem sou eu",  e partilhando a sua realização da unidade supra-mental dos seres e das consciências, no que se chama na Índia, a tradição advaita, ou seja, não dual: na essência só é ou existe a consciência divina, única, Brahman. É ela que é o fundo e essência na nossa consciência e individualidade. Por isso um dos grandes mantras, as mahavakyas, diz: Aham Brahmasmi, Eu sou um com Brahman, a Divindade. Eu sou parte de Brahman, Eu sou  da mesma geração eterna divina.

Hotéis, ashrams, riquexós, táxis, comboios, aviões e tantas lutas, injustiças, roubos, cansaços que nos envolvem, desgastam e desafiam a sabermos manter-nos num estado de consciência não conflituoso, paciente e elevado, yoguico ou unitivo diremos em alguns momentos mais meditativos ou de harmonia e fusão com as pessoas e a natureza, sem dúvida tantas vezes maravilhosas...                                       Pensei que o templo de Tiruvanamalai estivesse pesado, carregado de energias menos positivas, mas embora se vejam alguns brahmanes com ares semi-degenerados por centenas e centenas de anos de ambientes algo sombrios e açucarados, a vibração deles e do sítio era em geral boa.                                             Claro que há muita prática devocional algo supersticiosa ou pelo menos demasiado crente no miraculoso, visível nas raparigas que fazem certos gestos e votos em alguns pontos do vasto templo com muitos santuário, nas dádivas mais impressionantes de pessoas e nas exigências dos brâmanes ou sacerdotes. Talvez por ser um templo muito peregrinado e logo rico, os brâmanes aqui não são aves de presa, de rapina ou ameaçadoras como acontece por vezes em alguns locais, e uma certa comunicação de reconhecimento de seres espirituais e no caminho circula. Talvez também a proximidade da montanha sagrada de Arunachala, que reflectirá e reverberá as elevadas vibrações dos Himalaias, mais as irradiações de Ramana Maharishi e do seu ashram, sejam factores importantes na consciência mais luminosa realizável nesta zona...

                                                         
Segue-se o vídeo de 15 minutos em que leio os textos do começo do diário de Janeiro de 1997 (fotografia em cima, estando a mesma imagem de Arunachala em cada página, mas com um poema ou frase diferente de Ramana), cujo teor foi mais espiritual, filosófico e histórico do que pessoal, admitindo que possa transmitir certa luz a algumas pessoas:

             

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

"Uma Abóbada de Cristal envolvendo-nos", um mantra de Bô Yin Râ, actual. E com pintura de Anna Zappa

 
Em 1922, o mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943) fez publicar na Talisverlag, em Leipzig, numa pequena tiragem não datada, um conjunto de vinte e dois poemas ou sutras, num estilo de mantras, denominados Funken (Deutsche Mantra), ou seja, Centelhas (Mantras Alemães), destinados a serem lidos, sentidos, meditados e contemplados interiormente, de modo a suscitarem efeitos espirituais. Em 1926 publicou um livro, Das Gebet, A Oração, no qual explica e aprofunda os sentidos da oração, seja das maiores, tal o Pai Nosso, seja de frases ou mantras, tal o Om mani padme hum, dando no fim um conjunto de orações, que são de certo modo, invocações, apelos, pedidos, dedicações, acções de
graça, sendo maiores e mais pragmáticas que as do Funken.
No livrinho, de afirmações operantes nos níveis subtis e espirituais nossos, o segundo poema intitula-se, ou melhor, começa pela expressão  Wall von Kristall e poderemos traduzir por Abóbada ou Dique de Cristal, Valado de Cristal, Muralha de Cristal ou mesmo Gruta de Cristal. Cada pessoa poderá descobrir por si mesma como sente mais em si tal. E sendo uma oração perene, nos tempos que correm é bastante actual pois poderá ajudar-nos a melhorar o nosso sistema imunitário, desde os níveis espirituais. 
Como sou um amante de cristais, particularmente de quartzo e do Gerês, onde se podem encontrar, fiz uma pequena mandala circular de cristais geresianos, sobre um pano-xaile do santuário, em Nova Deli, de Hazrat Nizamudin, e um artesanato pentagonal trazido de Shiraz, junto ao túmulo de Hafiz, no  Irão, dando um exemplo de um envolvimento cristalino do nosso ser, flor pentagonal, ave subtil:

Leiamos e oiçamos finalmente o poema-mantra, no original alemão, na tradução inglesa e na portuguesa (melhorável...), e sintamos então o efeito ou, quem sabe, se mesmo o tipo de forma subtil que se pode formar em nós, ao ser repetido interiormente e bem meditado.

  II


«Wall von Kristall
Allüberall!
Schließe Dich
Rings um mich
Schließe ein
Mich im Sein! –
Überwölbe mich!
Überforme mich!
Laß nichts herein
Als Licht allein!»

*******
«Wall from crystal
Everywhere!
Close yourself
Around me
Enclose
Me in Being! –
Arch over me!
Transform me!
Let nothing inside
But Light alone!»

*********
«Abóbada (ou muralha...) de cristal
Em toda à volta!
Fecha-te
À volta de mim,
Inclui-me
No Ser.
Arqueia sobre mim!
Transforma-me!
Não deixes em mim
Senão a Luz em si!»

                                                                        *****
Uma recente amiga alemã, Anna Zappa, que gosta de Bô Yin Râ e é também pintora, conhecendo este mantra, resolveu pintá-lo e deu-me autorização para partilhá-lo. Eis o seu desenho. Talvez possa inspirar-nos e servir mesmo de modelo cristalino...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Dialogues, on a sufi group, about the spirit, the truth and God, with references to Hazrat Inayat Khan.

Some lady, from a sufi group in the web, has posted two days ago a saying of the first modern sufi master to come and stay in the Western countries (arriving in the year of 1910), Hazrat Inayat Khan. Born in India in 1882 from a very artistic and prestigious family, he was an artist and a mystic and received initiations from the main sufi tariqas.
After doing great works, marriage, sons (one, his sucessor, Pir Vilayat Khan, which I saw and listened in Paris in a congress), centers and books, he left many disciples and returned to India to choose his tomb near the beloved master of the Chisti order (silsila), Hazrat Nizamuddin, in Delhi (which shrine I also went in pilgrimage and fiery meditation two times), and shortly after that he left his mortal body, in 3-IV-1927, only with 44 years of life, probably because so strong was his fiery aspiration to God. His books have been translated for many languages, and are full of love, beauty, poetry and spirituality...
The quotation was from his book The Sufi Message of Hazrat Inayat Khan, Vol. 9: The Unity of Religious Ideals, where he says:
«The only studies which are worth accomplishing are those which lead to the realization of God, and of unity first with God and then with the self, and so with all.»
 
Having read that quotation, and since I see that order of ascension in a different way, I made a commentary, may be a bit provocative for the disciples or followers, as the saying was from a master, or the Master:
- «How can you be united first with God if you are not united with the self or spirit? It seems an error...«
Having writen that, I received two answers:
«We are *always* united with God, first, middle, and last. We are concretized out of God's substance, because nothing but God's Substance truly exists and we remain part of God always. The "spirit" is just a ripple on the infinite, ocean of God, and the "self" is only a bit of slowly-melting ice inside that ripple.What's missing is only awareness.»
And the second:
«Different paths have different approaches, some tariqas [fraternities or spiritual group] take you to Ma’rifa [divine union] then Haqiqa [truth], others to Haqiqa first then Ma’rifat».
 
After one day I decided to explain my understanding in face of the two very good replies. And as they are about higher levels of spiritual realization, they are valuable, even with our limitations of pilgrims on the path and not already in the higher stages, and so I will transcribe now my answers, with minor ortographic corrections. And may be these two unknown sufi friends will answer or reply, and we will get more light, concentrated love and will to realize the advancement in the Path...

-  «Graces by your contributions. So, I will share my vision or understanding: 1º We were united to God, we get separated from God, and most of the people, 99% may be, are in fact now separated from God. We don't have, as you say, awareness of Himself, we loose the vision of Him and the inner connection, even if we have strong aspiration and love, even if in the deepest core of ourselves, as spiritual beings, the Divinity is there. Mostly people have no awareness of the spiritual realm, some yes, but of the Divine realm, less still.

  - Surely, we are sparks from the Divine essence and we are in a multidimensional Cosmos, coming out of Him but already so distant from the Primordial Divine center that if we can say that God's life is surely the foundation of everything, still on the physical world and in the physical or animal being most of the human beings are much far from that Source Being, realm and awareness. Only some blessed, mystics, initiates and masters keep that connection and awareness in their hearts and spiritual vision.
 - The spirit is a tiny individual star or spark, or cintilla, emanating from the fire of God's Love, and the self is only a dancing transitoriness as an ego, and a mask of the real self, the perennial Spirit. Graces...»

- Indeed, as you say, just the awareness is missing and for recovering of that awareness there are the masters and there is the spiritual path, in its different forms, ways, traditions, leading to more or less awareness, reconnection, communion or even union.»

May Hazrat Nizamuddin (in the imaginal photo), Inayat Khan, Pir Vilayat Khan, and the particulars masters more associated with us, bless and inspire  all...
May we all achieve more and more that harmonious life and spiritual awareness, or even union with God, already on Earth...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Bibliografia Rosicruciana, I : Roger Facon. "Le Grand Secret des "Rose Croix". Resumo crítico do rosacrucismo e templarismo nele..

 O intrigante aparecimento dos Manifestos Rosacruzes em 1614 na Alemanha originou tantas repercussões que se formou uma vasta bibliografia rosicruciana, e que nunca mais terminará, pois o que fora uma brincadeira tornou-se um veio amplo da tradição espiritual ocidental merecendo portanto dos que se interessam pelos caminhos da espiritualidade, algum estudo e acolhimento.                                 Ora como ao longo dos anos, de quando em quando li e meditei tal tradição e seus símbolos, particularmente quando publiquei o livro de inéditos de Fernando Pessoa sobre a temática Rosa Cruz, em 1989, e recentemente ao participar nas palestras em Zoom-online, organizadas pelo Rui Lomelino de Freitas a propósito do seu livro de reedição d' Os Manifestos Rosacruzes, resolvi partilhar alguma bibliografia crítica rosicruciana, transcrevendo informações valiosas, ou mistagogas, e  apontando questões que tais livros suscitam. O primeiro livro a observarmos é:

FACON, Roger. LE GRAND SECRET DES "ROSE-CROIX". Nice, Éditions Alain Lefeuvre. 1979. In-4º de 268 págs. Brochado.

 É uma obra rica de informações e de citações de autores, com dezenas de capítulos, mas ao partilhar simultanemante compreensões e ensinamentos valiosos e acontecimentos mais mirabolantes ou então os exageros e mistificações de sucessivos ocultistas e dirigentes rosacrucianos, sugere que no autor há certa ingenuidade na aceitação ou afirmação de versões, ideias ou teses, embora a narrativa seja mais de investigação estilo jornalística ou policial do que histórica, confessional ou doutrinária.
A capa original, de André Boudet, está alinhada com o texto da contracapa, que termina algo bombasticamente: «Perseguidos e adulados sucessivamente, os imortais prosseguem, mais do que nunca, a sua missão de fraternidade universal. É neste universo estranho e prodigioso que nos conduz Roger Facon. E os irmãos de hoje declararam-lhe:"Uma última chance será dada ao ser humano antes do fim dos tempos. Ela virá quando a ROSA FLORESCER SOBRE A CRUZ»... Que afirmações mais mirabolantes, certamente para vender mais o livro... 
Perguntar-se-á: Que irmãos foram esses? Serão credíveis, tanto eles como Roger Facon, nascido em 1950, escritor de romances polares, isto é, de intrigas policiais e investigações, desde a infância, pela influência dos seus avós, com ligações ao imaginário da alquimia, e que escreverá umas duas dezenas de obras, entre o fantástico, o policial e o ocultista? 

Cremos que evidentemente o fim de tempos é mais uma figura de retórica sensacionalista e repetida por tantos milenaristas, messianistas, apocalípticos. Os Irmãos que lhe teriam falado vêm em terceira mão e provavelmente em si são até mistagogias criadas por dirigentes rosicrucianos. Quanto ao fim dos tempos, seria para eles nos anos 70, 80, 90, 2000, 2015 ou agora em 2020 ou já 2030? Ou antes, não deveremos reconhecer que estamos sempre em movimento de crise e que mesmo os melhores rosacrucianos e astrólogos dificilmente conseguem calcular e adivinhar o que os políticos mais destrutivos deseja, ou pensam ou decidem? Finalmente, perguntemos, estará Roger Faucon influenciado pelo mítico fim dos tempos, em grande parte proveniente dos zelotas que redigiram o Apocalipse e dos que o atribuíram, para dar mais garantias, a S. João, o apóstolo querido de Jesus, e semeando uma fantasmagoria de luta, por entre ameaças, ilusões e temores, das forças do bem contra as do mal?              

Avancemos então com a leitura crítica e a transcrição de alguns dados menos conhecidos recolhidos por Roger Facon, que nos primeiros capítulos do seu livro, reconheçamos, narra bem a história e o conteúdo dos Manifestos, a vida de Johannes Valentinus Andrea (1586-1654), o autor principal do erudito e espiritual círculo de Tübinguen (grupo do qual dá poucos dados), a quem se devem as obras,  e que sendo filho de um pastor protestante e duma farmacêutica, e neto de um pastor luterano antigo chanceler da Universidade de Tubingen, recebera uma educação muito rica que lhe permitiu ainda adolescente escrever obras de teatro e as geniais Núpcias Alquímicas.

Baseando-se nos estudos de alguns autores e investigadores, Roger Faucon mostra estas datações dos Manifestos: «Na sua História dos RosaCruzes, Franz Wittemans lembra que, segundo Sperber, a Fama estava já mencionada em vários escritos em 1595. Para Kazauer, ela foi composta entre 1570 e 1583. Segundo Hans Schick, as Núpcias Alquímicas foram realizadas entre 1603 e 1605. A Fama dataria de 1610, a Confessio de 1611, 12. Para Will Erich Peuckert, entre 1604 e 1605 saíram sucessivamente Núpcias, Fama e Confessio, como vemos ficando várias hipóteses cronológicas no ar.

Seguem-se alguns capítulos sobre as reacções em França (realçando a obra do Abade Montfaucon de Villars), os primeiros seguidores Rosacruzes (Descartes, Comenius, Michäel Maïer, Robert Fludd e Francis Bacon)  do séc. XVII, e os precursores do movimento Rosa Cruz, tais como, por exemplo, Camapanella e o médico e ocultista Paracelso (1493-1541), referido antes do seu tempo real de vida na biografia mítica de Christian Rosenkreutz contida na Fama Fraternitas, e que também teria, como esta, criticado o Papa, mas ao mesmo tempo  Lutero, caracterizando-os como sendo «um barrete branco, e um branco barrete, ou duas prostitutas que disputam a mesma camisa».
Dá algumas notícias históricas da violência católica e jesu
íta na época que justificam a linha protestante patente nos Manifestos Rosacruzes, e cita o belo verso de Lutero «Der Christen Hertz Rosen geht, Wann mitten untern Kreutze steht...» «Le coeur du Christ devient rose, Quand il est au milieu, sous la croix», que  traduzo antes por «O Coração do Cristão torna-se Rosa, quando está sob o meio da Cruz...»                                                                                  A propósito dos precursores mais remotos e de certo modo fantasiosos dos Rosa Cruzes, tem um sub-capítulo, Os Filhos do Escaravelho, onde escreve: «H. Spencer Lewis, fundador em 1609 da Ordem Rosicruciana A.M.O.R.C, faz retroceder a origem da Rosa Cruz às escolas dos mistérios do Egipto. Para ele, a «famosa fraternidade» fora  fundada pelo faraó Thotmès III (1500-1447 a. C) e teria comportado inicialmente 12 membros. O seu sucessor teria passado para 300 membros e adoptado como signos de reconhecimento, a cruz ansata e o escaravelho. E Roger Facon termina esse sub-capítulo, com outra ousada e incomprovável afirmação, esta via Gérard Sède, um escritor algo mistificador: «Egipto cujo centro iniciático maior é Heliopolis, a cidade do Sol. Uma cidade particularmente cara a Tommaso Campanella. Irmão pregador, no qual Gerard Sède via «não somente um precursor da Rosa Cruz mas ainda um dos membros fundadores daquela». 

Onde encontramos dados mais interessantes no livro de Roger Facon é acerca das organizações rosacrucianas e ocultistas que o autor leu, conheceu ou pertenceu. E assim escrevendo das sociedades do séc. XIX, privilegia três, a Ordre Kabbalistique Rose Croix, 1888, de Stanislas Guaita, a Ordre  Rose Croix du Temple et du Graal, de Saar Peladan (que deu um forte impulso na arte simbolista, com os seus salões Rosa Cruz) e sobretudo a Societas Rosicruciana in Anglia, esta fundada em 1865 por Robert Wentworth, e que virá a ter como dirigentes sucessivos Bulwer Lytton, William W. Wescoot e Samuel L. Mathers, este último afirmando que tivera contactos fisicamente com alguns Superiores Incógnitos, sabendo-se hoje que foi tudo uma grande mistificação. Fernando Pessoa, entre nós, lerá uma das suas obras e discernirá os seus fortes desequilíbrios astrais que lhe provocarão a morte.                                                                        Mathers não foi único membro da Golden Dawn a dizer que beneficiara do contactos com os Superiores Desconhecidos. Devemos citar, diz-nos Roger Faucon, também Aleister Crowley: «o maior dos magos modernos», segundo Serge Hutin, «o único mago do XX século ocidental», segundo Robert Amadou, dois ocultistas, ou melhor esotericistas franceses, por vezes pouco históricos No fim da biografia curta que traça de Alesteir Crowley, manifestará Roger Faucon a sua discordância, forte e corajosa, com esses dois maçons, Serge Hutin e Robert Amadou, considerando que «com a Golden Dawn e a O.T.O. – no seio do qual circulam teorias fascinantes da qual se inspiraram os responsáveis do Grupo Thulé e os dignitários do III Reich – nós estamos em presença do ocultismo desviado. Onde a falsa mística

coabita com os velhos temas da extrema-direita... Nós estamos bem longe, em todo o caso, do espírito da Fama. A Rosa Cruz de que se reclamam a Golden Dawn e a Ordo Templi Orientis é uma rosa-cruz invertida: a Rosa-Cruz NEGRA.»

Outras histórias interessantes relatadas, já do séc. XX: o fundador duma das organizações mais populares, a A.M.O.R.C., Harvey Spencer Lewis (1883-1939), deu uma vida e imagem de Jesus pouco tradicional, e transcrevemos do resumo de Roger Facon: «Na sua segunda obra aparecida em 1929 na USA - Spencer Lewis, baseando-se em documentos essénios, tibetanos, egípcios e hindús,- mas também em escritos dos primeiros Padres da Igreja, em judeus e em pagãos - esforçou-se de demonstrar que o Cristo foi um «GENTIO DE SANGUE ARIANO». Instruído pelos melhores dirigentes da Fraternidade essénia instalada na Palestina (os «irmãos em Túnica Branca»), Jesus frequentou a escola secreta do Monte Carmelo. Depois viajou na Índia. Ao Tibete. Na Pérsia. Na Grécia. No Egipto. Antes de atingir o Adeptado. E de se tornar a incarnação do Verbo. Ele pregou um socialismo sagrado - radicalmente oposto ao imperialismo romano - e foi, por causa disso, condenado a sofrer o suplício da Crucificação. Somente, ELE NÃO MORREU NA CRUZ. Muitos dos seus discípulos, particularmente influentes (José de Arimateia, Nathael, Nicodemo) obtiveram a sua graça [ou libertação] do imperador Tibério. Jesus foi descravado, tratado, durante a noite no túmulo de José de Arimateia, depois conduzido ao mosteiro do Monte Carmelo, onde só acabaria por morrer bastante mais tarde. DE VELHICE. Depois de ter continuado a dirigir os seus discípulos». «H. Spencer Lewis, La vie Mystique de Jesus, Éditions rosicruciennes». 

Em verdade, são afirmações algo ou mesmo muito mistificantes: Jesus ariano, peregrino planetário e um socialista crucificado pelo imperialismo romano...). Roger Facon critica fortemente este ensinamento da Amorc: «a interpretação proposta por H. Spencer Lewis é portanto contrária à Tradição. Ela não deve ser aceite por um cristão - e ainda por cima se é um esoterista. Ela é contrária ao espírito da Famada Confessio e das Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz. É uma interpretação marginal. Que deve, certamente, ser respeitada, como deve ser toda a opinião expressa humanamente nos países democráticos. Mas ela não responde às normas rosicrucianas tradicionais».

Narra em seguida sem pôr abertamente em causa o facto de ousadamente Christian Bernard, o sucessor e filho do primeiro Legado Supremo para a Europa da A.M.O.R.C., afirmar ter sido numa sua vida anterior S. Tomás de Aquino (alguém que teria sido também Rudolfo Steiner...), e descreve algo dos seus misteriosos contactos com os cento e quarenta e quatro verdadeiros irmãos Rosacruzes, presididos pelo próprio, e portanto não sendo um mero ser legendário, Christian Rosenkreutz, em doze capitais do mundo, uma das quais Lisboa, onde esteve por duas vezes. Afirmações bem difíceis de se provarem.                             

Há  poucas referências ao austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da Antroposofia e autor de bastantes doutrinações, imaginações e especulações rosicrucianas, destacando-se os seus valiosos comentários às Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz, consideradas como descrevendo o processo da iniciação por imagens e imaginações. Steiner apenas é nomeado a propósito do mirabolante livro Legende des Fréres Ainès de la Rose Croix, de Victor Caro (1911-1992) (em quem Faucon contudo sente que o mais prudente leitor pode e deve ter confiança), quando transcreve a longa lista mistificada e mistificadora da sucessão dos Mestres dos Fréres A. R. C., provinda dos Templários, onde surgem desde Robert Flud a S. Vicente de Paula, de Bulwer Lytton a Eliphas Levi e William W. Wescott, este que lhe teria dito que Max Heindel (1865-1919) poderia vir a ser também mestre.

 A Rudolf Steiner (na fotografia em cima) é atribuída a função do 55º Imperador, nos anos de 1898-1900, surgindo em nota de rodapé algumas interrogações: «Max Heindel teria sido contactado por um Grande Mestre dos F.A.R.C, se acreditarmos em Roger Caro. Ora Heindel dá-nos uma descrição dos Irmãos Maiores da Rosa Cruz» bem diferente daquela que a Legenda. Treze membros em vez dos trinta e três. Heindel, sabemo-lo, entrou em conflito rapidamente com Steiner [com quem aprendera durante algum tempo]. Ora, o Dr. Steiner é o 55º Imperador dos F.A.R.C. Desejarão fazer-nos compreender que com Max Heindel, nós estamos em presença dum «dissidente», tendo querido dar um claridade particular a uma realidade relativamente modesta?». 

Na realidade Max Heindel aprendera bastante com Rudolfo Steiner, de tal modo que lhe dedicara, a 1ª edição da sua Concepção RosaCruz do Cosmos, retirando-a posteriormente, uma vez que Steiner o criticara por ter afirmado que Max Heindel "tinha tirado tudo que pode das suas palestras e livros enquanto lá esteve". Max Heindel refere ou aceita algo de tal acusação  mas defende-se porém com a sua iniciação com um Mestre Rosa Cruz superior, secreto, posterior à estadia com Steiner, em Berlim e de quem, desse sim, teria recebido ensinamentos valiosos. Mas se não tinha clarividência e se não recebeu de mestres superiores, Heindel copiou muito de Steiner.

A sua Rosicrucian Fellowship foi fundada em 1909 e dispensa gratuitamente as suas sincréticas doutrinas, muito devedoras de Blavatsky e de Steiner, mas ao contrário das várias outras organizações rosicrucianas, que se dizem mais ou menos mistificadoramente em contacto com os Superiores Incógnitos ou os verdadeiros irmãos Rosacruzes, não se fazem pagar directamente pelos cursos fornecidos. Max Heindel diz serem treze Irmãos, sete estando em acção no mundo e cinco sempre no templo de Berlim, onde ele tivera a sua iniciação secreta. No fim do mesmo capítulo Roger Facon refere muito brevemente a Escola Espiritual da Rosa Cruz Aurea, ou Lectorium Rosacrucianum, que diz ser de inspiração cátara e joanita.                                                                                  Os capítulos sobre Cátaros,  Graal, Rei do Mundo estão também repletos de hipóteses  imaginativas e incomprováveis. Talvez os melhores capítulos sejam os ligados aos Cavaleiros Templários, defendendo que os ditos três beijos heréticos na cerimónia da iniciação na Ordem corresponderiam à transmissão do sopro criador, à filiação na cadeia de ouro dos iniciados e ao despertar do Kundalini. E o da alquimia, «cujo fim é - por meio das técnicas apropriadas - de se abrir à iluminação do Espírito. De reencontrar a utilização do Corpo Divino. De retomar o lugar no "Mundo de Deus".                                                                                              Esta obra de Roger Facon, com sensibilidade e conhecimento, é generalista e divulgativa, algo no estilo de investigação jornalística ou policial (e ele trabalhou na polícia),   com informações diversas recolhidas aqui e acolá, ora divertidas ora emocionantes, sucedendo-se a uma velocidade talvez grande demais e logo superficializando, mas que abrem para vários aspectos da saga oculto-rosicruciana, sobretudo nos últimos séculos tão prolífera em grupos, ordens, pseudo-mestres e iniciações, cisões, lutas. Não há grandes sinais de intuições originais do autor, embora se sinta uma predisposição de procura da verdade, de justiça e da "iluminação" tradicional... Demos por fim esta revisitação e aspiremos mais a manter a ligação espiritual e pelas nossas acções e meditações fazer desabrochar a rosa do espírito e do amor...