sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

"Uma Abóbada de Cristal envolvendo-nos", um mantra de Bô Yin Râ, actual. E com pintura de Anna Zappa

 
Em 1922, o mestre alemão Bô Yin Râ (1876-1943) fez publicar na Talisverlag, em Leipzig, numa pequena tiragem não datada, um conjunto de vinte e dois poemas ou sutras, num estilo de mantras, denominados Funken (Deutsche Mantra), ou seja, Centelhas (Mantras Alemães), destinados a serem lidos, sentidos, meditados e contemplados interiormente, de modo a suscitarem efeitos espirituais. Em 1926 publicou um livro, Das Gebet, A Oração, no qual explica e aprofunda os sentidos da oração, seja das maiores, tal o Pai Nosso, seja de frases ou mantras, tal o Om mani padme hum, dando no fim um conjunto de orações, que são de certo modo, invocações, apelos, pedidos, dedicações, acções de
graça, sendo maiores e mais pragmáticas que as do Funken.
No livrinho, de afirmações operantes nos níveis subtis e espirituais nossos, o segundo poema intitula-se, ou melhor, começa pela expressão  Wall von Kristall e poderemos traduzir por Abóbada ou Dique de Cristal, Valado de Cristal, Muralha de Cristal ou mesmo Gruta de Cristal. Cada pessoa poderá descobrir por si mesma como sente mais em si tal. E sendo uma oração perene, nos tempos que correm é bastante actual pois poderá ajudar-nos a melhorar o nosso sistema imunitário, desde os níveis espirituais. 
Como sou um amante de cristais, particularmente de quartzo e do Gerês, onde se podem encontrar, fiz uma pequena mandala circular de cristais geresianos, sobre um pano-xaile do santuário, em Nova Deli, de Hazrat Nizamudin, e um artesanato pentagonal trazido de Shiraz, junto ao túmulo de Hafiz, no  Irão, dando um exemplo de um envolvimento cristalino do nosso ser, flor pentagonal, ave subtil:

Leiamos e oiçamos finalmente o poema-mantra, no original alemão, na tradução inglesa e na portuguesa (melhorável...), e sintamos então o efeito ou, quem sabe, se mesmo o tipo de forma subtil que se pode formar em nós, ao ser repetido interiormente e bem meditado.

  II


«Wall von Kristall
Allüberall!
Schließe Dich
Rings um mich
Schließe ein
Mich im Sein! –
Überwölbe mich!
Überforme mich!
Laß nichts herein
Als Licht allein!»

*******
«Wall from crystal
Everywhere!
Close yourself
Around me
Enclose
Me in Being! –
Arch over me!
Transform me!
Let nothing inside
But Light alone!»

*********
«Abóbada (ou muralha...) de cristal
Em toda à volta!
Fecha-te
À volta de mim,
Inclui-me
No Ser.
Arqueia sobre mim!
Transforma-me!
Não deixes em mim
Senão a Luz em si!»

                                                                        *****
Uma recente amiga alemã, Anna Zappa, que gosta de Bô Yin Râ e é também pintora, conhecendo este mantra, resolveu pintá-lo e deu-me autorização para partilhá-lo. Eis o seu desenho. Talvez possa inspirar-nos e servir mesmo de modelo cristalino...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Dialogues, on a sufi group, about the spirit, the truth and God, with references to Hazrat Inayat Khan.

Some lady, from a sufi group in the web, has posted two days ago a saying of the first modern sufi master to come and stay in the Western countries (arriving in the year of 1910), Hazrat Inayat Khan. Born in India in 1882 from a very artistic and prestigious family, he was an artist and a mystic and received initiations from the main sufi tariqas.
After doing great works, marriage, sons (one, his sucessor, Pir Vilayat Khan, which I saw and listened in Paris in a congress), centers and books, he left many disciples and returned to India to choose his tomb near the beloved master of the Chisti order (silsila), Hazrat Nizamuddin, in Delhi (which shrine I also went in pilgrimage and fiery meditation two times), and shortly after that he left his mortal body, in 3-IV-1927, only with 44 years of life, probably because so strong was his fiery aspiration to God. His books have been translated for many languages, and are full of love, beauty, poetry and spirituality...
The quotation was from his book The Sufi Message of Hazrat Inayat Khan, Vol. 9: The Unity of Religious Ideals, where he says:
«The only studies which are worth accomplishing are those which lead to the realization of God, and of unity first with God and then with the self, and so with all.»
 
Having read that quotation, and since I see that order of ascension in a different way, I made a commentary, may be a bit provocative for the disciples or followers, as the saying was from a master, or the Master:
- «How can you be united first with God if you are not united with the self or spirit? It seems an error...«
Having writen that, I received two answers:
«We are *always* united with God, first, middle, and last. We are concretized out of God's substance, because nothing but God's Substance truly exists and we remain part of God always. The "spirit" is just a ripple on the infinite, ocean of God, and the "self" is only a bit of slowly-melting ice inside that ripple.What's missing is only awareness.»
And the second:
«Different paths have different approaches, some tariqas [fraternities or spiritual group] take you to Ma’rifa [divine union] then Haqiqa [truth], others to Haqiqa first then Ma’rifat».
 
After one day I decided to explain my understanding in face of the two very good replies. And as they are about higher levels of spiritual realization, they are valuable, even with our limitations of pilgrims on the path and not already in the higher stages, and so I will transcribe now my answers, with minor ortographic corrections. And may be these two unknown sufi friends will answer or reply, and we will get more light, concentrated love and will to realize the advancement in the Path...

-  «Graces by your contributions. So, I will share my vision or understanding: 1º We were united to God, we get separated from God, and most of the people, 99% may be, are in fact now separated from God. We don't have, as you say, awareness of Himself, we loose the vision of Him and the inner connection, even if we have strong aspiration and love, even if in the deepest core of ourselves, as spiritual beings, the Divinity is there. Mostly people have no awareness of the spiritual realm, some yes, but of the Divine realm, less still.

  - Surely, we are sparks from the Divine essence and we are in a multidimensional Cosmos, coming out of Him but already so distant from the Primordial Divine center that if we can say that God's life is surely the foundation of everything, still on the physical world and in the physical or animal being most of the human beings are much far from that Source Being, realm and awareness. Only some blessed, mystics, initiates and masters keep that connection and awareness in their hearts and spiritual vision.
 - The spirit is a tiny individual star or spark, or cintilla, emanating from the fire of God's Love, and the self is only a dancing transitoriness as an ego, and a mask of the real self, the perennial Spirit. Graces...»

- Indeed, as you say, just the awareness is missing and for recovering of that awareness there are the masters and there is the spiritual path, in its different forms, ways, traditions, leading to more or less awareness, reconnection, communion or even union.»

May Hazrat Nizamuddin (in the imaginal photo), Inayat Khan, Pir Vilayat Khan, and the particulars masters more associated with us, bless and inspire  all...
May we all achieve more and more that harmonious life and spiritual awareness, or even union with God, already on Earth...

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Bibliografia Rosicruciana, I : Roger Facon. "Le Grand Secret des "Rose Croix". Resumo crítico do rosacrucismo e templarismo nele..

 O intrigante aparecimento dos Manifestos Rosacruzes em 1614 na Alemanha originou tantas repercussões que se formou uma vasta bibliografia rosicruciana, e que nunca mais terminará, pois o que fora uma brincadeira tornou-se um veio amplo da tradição espiritual ocidental merecendo portanto dos que se interessam pelos caminhos da espiritualidade, algum estudo e acolhimento.                                 Ora como ao longo dos anos, de quando em quando li e meditei tal tradição e seus símbolos, particularmente quando publiquei o livro de inéditos de Fernando Pessoa sobre a temática Rosa Cruz, em 1989, e recentemente ao participar nas palestras em Zoom-online, organizadas pelo Rui Lomelino de Freitas a propósito do seu livro de reedição d' Os Manifestos Rosacruzes, resolvi partilhar alguma bibliografia crítica rosicruciana, transcrevendo informações valiosas, ou mistagogas, e  apontando questões que tais livros suscitam. O primeiro livro a observarmos é:

FACON, Roger. LE GRAND SECRET DES "ROSE-CROIX". Nice, Éditions Alain Lefeuvre. 1979. In-4º de 268 págs. Brochado.

 É uma obra rica de informações e de citações de autores, com dezenas de capítulos, mas ao partilhar simultanemante compreensões e ensinamentos valiosos e acontecimentos mais mirabolantes ou então os exageros e mistificações de sucessivos ocultistas e dirigentes rosacrucianos, sugere que no autor há certa ingenuidade na aceitação ou afirmação de versões, ideias ou teses, embora a narrativa seja mais de investigação estilo jornalística ou policial do que histórica, confessional ou doutrinária.
A capa original, de André Boudet, está alinhada com o texto da contracapa, que termina algo bombasticamente: «Perseguidos e adulados sucessivamente, os imortais prosseguem, mais do que nunca, a sua missão de fraternidade universal. É neste universo estranho e prodigioso que nos conduz Roger Facon. E os irmãos de hoje declararam-lhe:"Uma última chance será dada ao ser humano antes do fim dos tempos. Ela virá quando a ROSA FLORESCER SOBRE A CRUZ»... Que afirmações mais mirabolantes, certamente para vender mais o livro... 
Perguntar-se-á: Que irmãos foram esses? Serão credíveis, tanto eles como Roger Facon, nascido em 1950, escritor de romances polares, isto é, de intrigas policiais e investigações, desde a infância, pela influência dos seus avós, com ligações ao imaginário da alquimia, e que escreverá umas duas dezenas de obras, entre o fantástico, o policial e o ocultista? 

Cremos que evidentemente o fim de tempos é mais uma figura de retórica sensacionalista e repetida por tantos milenaristas, messianistas, apocalípticos. Os Irmãos que lhe teriam falado vêm em terceira mão e provavelmente em si são até mistagogias criadas por dirigentes rosicrucianos. Quanto ao fim dos tempos, seria para eles nos anos 70, 80, 90, 2000, 2015 ou agora em 2020 ou já 2030? Ou antes, não deveremos reconhecer que estamos sempre em movimento de crise e que mesmo os melhores rosacrucianos e astrólogos dificilmente conseguem calcular e adivinhar o que os políticos mais destrutivos deseja, ou pensam ou decidem? Finalmente, perguntemos, estará Roger Faucon influenciado pelo mítico fim dos tempos, em grande parte proveniente dos zelotas que redigiram o Apocalipse e dos que o atribuíram, para dar mais garantias, a S. João, o apóstolo querido de Jesus, e semeando uma fantasmagoria de luta, por entre ameaças, ilusões e temores, das forças do bem contra as do mal?              

Avancemos então com a leitura crítica e a transcrição de alguns dados menos conhecidos recolhidos por Roger Facon, que nos primeiros capítulos do seu livro, reconheçamos, narra bem a história e o conteúdo dos Manifestos, a vida de Johannes Valentinus Andrea (1586-1654), o autor principal do erudito e espiritual círculo de Tübinguen (grupo do qual dá poucos dados), a quem se devem as obras,  e que sendo filho de um pastor protestante e duma farmacêutica, e neto de um pastor luterano antigo chanceler da Universidade de Tubingen, recebera uma educação muito rica que lhe permitiu ainda adolescente escrever obras de teatro e as geniais Núpcias Alquímicas.

Baseando-se nos estudos de alguns autores e investigadores, Roger Faucon mostra estas datações dos Manifestos: «Na sua História dos RosaCruzes, Franz Wittemans lembra que, segundo Sperber, a Fama estava já mencionada em vários escritos em 1595. Para Kazauer, ela foi composta entre 1570 e 1583. Segundo Hans Schick, as Núpcias Alquímicas foram realizadas entre 1603 e 1605. A Fama dataria de 1610, a Confessio de 1611, 12. Para Will Erich Peuckert, entre 1604 e 1605 saíram sucessivamente Núpcias, Fama e Confessio, como vemos ficando várias hipóteses cronológicas no ar.

Seguem-se alguns capítulos sobre as reacções em França (realçando a obra do Abade Montfaucon de Villars), os primeiros seguidores Rosacruzes (Descartes, Comenius, Michäel Maïer, Robert Fludd e Francis Bacon)  do séc. XVII, e os precursores do movimento Rosa Cruz, tais como, por exemplo, Camapanella e o médico e ocultista Paracelso (1493-1541), referido antes do seu tempo real de vida na biografia mítica de Christian Rosenkreutz contida na Fama Fraternitas, e que também teria, como esta, criticado o Papa, mas ao mesmo tempo  Lutero, caracterizando-os como sendo «um barrete branco, e um branco barrete, ou duas prostitutas que disputam a mesma camisa».
Dá algumas notícias históricas da violência católica e jesu
íta na época que justificam a linha protestante patente nos Manifestos Rosacruzes, e cita o belo verso de Lutero «Der Christen Hertz Rosen geht, Wann mitten untern Kreutze steht...» «Le coeur du Christ devient rose, Quand il est au milieu, sous la croix», que  traduzo antes por «O Coração do Cristão torna-se Rosa, quando está sob o meio da Cruz...»                                                                                  A propósito dos precursores mais remotos e de certo modo fantasiosos dos Rosa Cruzes, tem um sub-capítulo, Os Filhos do Escaravelho, onde escreve: «H. Spencer Lewis, fundador em 1609 da Ordem Rosicruciana A.M.O.R.C, faz retroceder a origem da Rosa Cruz às escolas dos mistérios do Egipto. Para ele, a «famosa fraternidade» fora  fundada pelo faraó Thotmès III (1500-1447 a. C) e teria comportado inicialmente 12 membros. O seu sucessor teria passado para 300 membros e adoptado como signos de reconhecimento, a cruz ansata e o escaravelho. E Roger Facon termina esse sub-capítulo, com outra ousada e incomprovável afirmação, esta via Gérard Sède, um escritor algo mistificador: «Egipto cujo centro iniciático maior é Heliopolis, a cidade do Sol. Uma cidade particularmente cara a Tommaso Campanella. Irmão pregador, no qual Gerard Sède via «não somente um precursor da Rosa Cruz mas ainda um dos membros fundadores daquela». 

Onde encontramos dados mais interessantes no livro de Roger Facon é acerca das organizações rosacrucianas e ocultistas que o autor leu, conheceu ou pertenceu. E assim escrevendo das sociedades do séc. XIX, privilegia três, a Ordre Kabbalistique Rose Croix, 1888, de Stanislas Guaita, a Ordre  Rose Croix du Temple et du Graal, de Saar Peladan (que deu um forte impulso na arte simbolista, com os seus salões Rosa Cruz) e sobretudo a Societas Rosicruciana in Anglia, esta fundada em 1865 por Robert Wentworth, e que virá a ter como dirigentes sucessivos Bulwer Lytton, William W. Wescoot e Samuel L. Mathers, este último afirmando que tivera contactos fisicamente com alguns Superiores Incógnitos, sabendo-se hoje que foi tudo uma grande mistificação. Fernando Pessoa, entre nós, lerá uma das suas obras e discernirá os seus fortes desequilíbrios astrais que lhe provocarão a morte.                                                                        Mathers não foi único membro da Golden Dawn a dizer que beneficiara do contactos com os Superiores Desconhecidos. Devemos citar, diz-nos Roger Faucon, também Aleister Crowley: «o maior dos magos modernos», segundo Serge Hutin, «o único mago do XX século ocidental», segundo Robert Amadou, dois ocultistas, ou melhor esotericistas franceses, por vezes pouco históricos No fim da biografia curta que traça de Alesteir Crowley, manifestará Roger Faucon a sua discordância, forte e corajosa, com esses dois maçons, Serge Hutin e Robert Amadou, considerando que «com a Golden Dawn e a O.T.O. – no seio do qual circulam teorias fascinantes da qual se inspiraram os responsáveis do Grupo Thulé e os dignitários do III Reich – nós estamos em presença do ocultismo desviado. Onde a falsa mística

coabita com os velhos temas da extrema-direita... Nós estamos bem longe, em todo o caso, do espírito da Fama. A Rosa Cruz de que se reclamam a Golden Dawn e a Ordo Templi Orientis é uma rosa-cruz invertida: a Rosa-Cruz NEGRA.»

Outras histórias interessantes relatadas, já do séc. XX: o fundador duma das organizações mais populares, a A.M.O.R.C., Harvey Spencer Lewis (1883-1939), deu uma vida e imagem de Jesus pouco tradicional, e transcrevemos do resumo de Roger Facon: «Na sua segunda obra aparecida em 1929 na USA - Spencer Lewis, baseando-se em documentos essénios, tibetanos, egípcios e hindús,- mas também em escritos dos primeiros Padres da Igreja, em judeus e em pagãos - esforçou-se de demonstrar que o Cristo foi um «GENTIO DE SANGUE ARIANO». Instruído pelos melhores dirigentes da Fraternidade essénia instalada na Palestina (os «irmãos em Túnica Branca»), Jesus frequentou a escola secreta do Monte Carmelo. Depois viajou na Índia. Ao Tibete. Na Pérsia. Na Grécia. No Egipto. Antes de atingir o Adeptado. E de se tornar a incarnação do Verbo. Ele pregou um socialismo sagrado - radicalmente oposto ao imperialismo romano - e foi, por causa disso, condenado a sofrer o suplício da Crucificação. Somente, ELE NÃO MORREU NA CRUZ. Muitos dos seus discípulos, particularmente influentes (José de Arimateia, Nathael, Nicodemo) obtiveram a sua graça [ou libertação] do imperador Tibério. Jesus foi descravado, tratado, durante a noite no túmulo de José de Arimateia, depois conduzido ao mosteiro do Monte Carmelo, onde só acabaria por morrer bastante mais tarde. DE VELHICE. Depois de ter continuado a dirigir os seus discípulos». «H. Spencer Lewis, La vie Mystique de Jesus, Éditions rosicruciennes». 

Em verdade, são afirmações algo ou mesmo muito mistificantes: Jesus ariano, peregrino planetário e um socialista crucificado pelo imperialismo romano...). Roger Facon critica fortemente este ensinamento da Amorc: «a interpretação proposta por H. Spencer Lewis é portanto contrária à Tradição. Ela não deve ser aceite por um cristão - e ainda por cima se é um esoterista. Ela é contrária ao espírito da Famada Confessio e das Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz. É uma interpretação marginal. Que deve, certamente, ser respeitada, como deve ser toda a opinião expressa humanamente nos países democráticos. Mas ela não responde às normas rosicrucianas tradicionais».

Narra em seguida sem pôr abertamente em causa o facto de ousadamente Christian Bernard, o sucessor e filho do primeiro Legado Supremo para a Europa da A.M.O.R.C., afirmar ter sido numa sua vida anterior S. Tomás de Aquino (alguém que teria sido também Rudolfo Steiner...), e descreve algo dos seus misteriosos contactos com os cento e quarenta e quatro verdadeiros irmãos Rosacruzes, presididos pelo próprio, e portanto não sendo um mero ser legendário, Christian Rosenkreutz, em doze capitais do mundo, uma das quais Lisboa, onde esteve por duas vezes. Afirmações bem difíceis de se provarem.                             

Há  poucas referências ao austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), fundador da Antroposofia e autor de bastantes doutrinações, imaginações e especulações rosicrucianas, destacando-se os seus valiosos comentários às Núpcias Alquímicas de Christian Rosenkreutz, consideradas como descrevendo o processo da iniciação por imagens e imaginações. Steiner apenas é nomeado a propósito do mirabolante livro Legende des Fréres Ainès de la Rose Croix, de Victor Caro (1911-1992) (em quem Faucon contudo sente que o mais prudente leitor pode e deve ter confiança), quando transcreve a longa lista mistificada e mistificadora da sucessão dos Mestres dos Fréres A. R. C., provinda dos Templários, onde surgem desde Robert Flud a S. Vicente de Paula, de Bulwer Lytton a Eliphas Levi e William W. Wescott, este que lhe teria dito que Max Heindel (1865-1919) poderia vir a ser também mestre.

 A Rudolf Steiner (na fotografia em cima) é atribuída a função do 55º Imperador, nos anos de 1898-1900, surgindo em nota de rodapé algumas interrogações: «Max Heindel teria sido contactado por um Grande Mestre dos F.A.R.C, se acreditarmos em Roger Caro. Ora Heindel dá-nos uma descrição dos Irmãos Maiores da Rosa Cruz» bem diferente daquela que a Legenda. Treze membros em vez dos trinta e três. Heindel, sabemo-lo, entrou em conflito rapidamente com Steiner [com quem aprendera durante algum tempo]. Ora, o Dr. Steiner é o 55º Imperador dos F.A.R.C. Desejarão fazer-nos compreender que com Max Heindel, nós estamos em presença dum «dissidente», tendo querido dar um claridade particular a uma realidade relativamente modesta?». 

Na realidade Max Heindel aprendera bastante com Rudolfo Steiner, de tal modo que lhe dedicara, a 1ª edição da sua Concepção RosaCruz do Cosmos, retirando-a posteriormente, uma vez que Steiner o criticara por ter afirmado que Max Heindel "tinha tirado tudo que pode das suas palestras e livros enquanto lá esteve". Max Heindel refere ou aceita algo de tal acusação  mas defende-se porém com a sua iniciação com um Mestre Rosa Cruz superior, secreto, posterior à estadia com Steiner, em Berlim e de quem, desse sim, teria recebido ensinamentos valiosos. Mas se não tinha clarividência e se não recebeu de mestres superiores, Heindel copiou muito de Steiner.

A sua Rosicrucian Fellowship foi fundada em 1909 e dispensa gratuitamente as suas sincréticas doutrinas, muito devedoras de Blavatsky e de Steiner, mas ao contrário das várias outras organizações rosicrucianas, que se dizem mais ou menos mistificadoramente em contacto com os Superiores Incógnitos ou os verdadeiros irmãos Rosacruzes, não se fazem pagar directamente pelos cursos fornecidos. Max Heindel diz serem treze Irmãos, sete estando em acção no mundo e cinco sempre no templo de Berlim, onde ele tivera a sua iniciação secreta. No fim do mesmo capítulo Roger Facon refere muito brevemente a Escola Espiritual da Rosa Cruz Aurea, ou Lectorium Rosacrucianum, que diz ser de inspiração cátara e joanita.                                                                                  Os capítulos sobre Cátaros,  Graal, Rei do Mundo estão também repletos de hipóteses  imaginativas e incomprováveis. Talvez os melhores capítulos sejam os ligados aos Cavaleiros Templários, defendendo que os ditos três beijos heréticos na cerimónia da iniciação na Ordem corresponderiam à transmissão do sopro criador, à filiação na cadeia de ouro dos iniciados e ao despertar do Kundalini. E o da alquimia, «cujo fim é - por meio das técnicas apropriadas - de se abrir à iluminação do Espírito. De reencontrar a utilização do Corpo Divino. De retomar o lugar no "Mundo de Deus".                                                                                              Esta obra de Roger Facon, com sensibilidade e conhecimento, é generalista e divulgativa, algo no estilo de investigação jornalística ou policial (e ele trabalhou na polícia),   com informações diversas recolhidas aqui e acolá, ora divertidas ora emocionantes, sucedendo-se a uma velocidade talvez grande demais e logo superficializando, mas que abrem para vários aspectos da saga oculto-rosicruciana, sobretudo nos últimos séculos tão prolífera em grupos, ordens, pseudo-mestres e iniciações, cisões, lutas. Não há grandes sinais de intuições originais do autor, embora se sinta uma predisposição de procura da verdade, de justiça e da "iluminação" tradicional... Demos por fim esta revisitação e aspiremos mais a manter a ligação espiritual e pelas nossas acções e meditações fazer desabrochar a rosa do espírito e do amor...

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Na partida de Eduardo Lourenço, breve homenagem e um vídeo de 2017 com ele.

Partiu do corpo e da terra física visível, esta madrugada, às 3:00, de 1 de Dezembro de 2020, tal como há sete anos a sua mulher, o notável ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço, homem discreto, de coração, muito culto e de apurada capacidade psicológica, crítica e dialéctica. Já com 97 anos, da geração coimbrã de outro grande investigador (sobretudo do Humanismo e da Utopia) e amigo José V. de Pina Martins, tendo sido resistente estrangeirado (França) ao Estado Novo e gerado uma vasta e bem importante obra publicada de crítica e de ensaísmo, em particular sobre a Europa, Portugal, Camões, Antero, Pessoa e  outros escritores.

A Gravida desde 1998 tem editado (ou reeditado) muitos dos seus ensaios e artigos, a Fundação Calouste Gulbenkian, que o acolheu nos últimos anos, prepara a sua Obra Completa, pelo que não podemos queixar-nos de não o podermos ler ou não o termos aproveitado mais, pois a sua generosidade e dedicação proverbial, uma sensibilidade socialista, levava-o a aceitar todos os convites para falar, conferenciar, mesmo quando cansado ou já doente. 

Libertou-se finalmente, de certo modo, do corpo físico que já pouco o podia servir e encontra-se agora nos planos subtis a vivenciar surpreendido o dito grego tão querido dos seus mestres Antero de Quental e Fernando Pessoa, além de Joaquim de Araújo (com o seu valioso poema Na Morte de Antero), "Morrer é ser iniciado".

Seu leitor desde a adolescência, cruzámo-nos como amantes da Tradição cultural e espiritual portuguesa em alguns eventos e cirscunstâncias, e dialogamos e conversamos um tempo razoável, uma das vezes em sua casa, do que ficou uma parte registada em vídeo que partilho, tanto mais que o tema por onde circulámos era a morte de Antero e assim, na morte e ressurreição, poderemos comungar com eles.

Na dedicatória do meu exemplar do Labirinto da Saudade, bem lido e anotado particularmente em 1987 e 88, quando publiquei A Grande Alma Portuguesa (com textos de Fernando Pessoa), simpática ou generosamente Eduardo Lourenço, durante a nossa animada conversa e lanche, com a sua irmã Maria Alice e a Ana Almeida Martins, sua grande amiga e notável anteriana, escreveu: «Para o seu caro Amigo Pedro Teixeira da Mota, buscador das verdades últimas que muito invejo, com um abraço do coração do seu admirador, Eduardo Lourenço. Lisboa, 30 de Nov. de 2017.»

Brevemente escreverei sobre este valioso e lúcido livre pensador e notável psicólogo dos mitos e da cultura portuguesa, bastante anteriano e pessoano, transcrevendo até algumas das suas ideias e apreciações acerca destes nossos dois vates maiores de Portugal.

Possam os raios de Amor dos nossos corações chegarem até à sua alma, possa ele estar a receber os apoios necessários na transição, possa ele despertar e avançar luminosamente, e possamos continuar a trabalhar pela cultura, a verdade, a justiça, a liberdade e a felicidade dos seres...

                   

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

No 85º aniversário da morte e ressurreição de Fernando Pessoa. 2020 ... Um contributo...

Comemorando-se os 85 anos da partida de Fernando Pessoa da Terra, devemos de algum modo associar-nos à sua lembrança e partilhar os melhores votos para o seu ser espiritual, seja qual for o plano e estado de consciência em que esteja, comunicando-lhe, com o coração, mantras e orações, já que as almas libertas do corpo físico mas não plenamente despertas e unificadas espiritualmente sempre agradecem as energias luminosas que possamos movimentar em favor delas.
Escrevi um pequeno texto em papel antigo de oração, de manhã deste 30-XI-2020, e que é aqui partilhado fotograficamente. De qualquer modo transcrevi-o ainda, apenas com algumas pequenas ampliações.
Muita luz, paz e amor nele e em nós.
Que muitas das interrogações da sua demanda estejam agora já clarificadas....
«Onde se encontra e como está a alma e ser espiritual de Fernando Pessoa, eis uma interrogação utópica, sem local certo na nossa mente e consciência, ou mesmo no cosmos quântico, mas necessária de se fazer ou cumprir, em especial nos seus dias de aniversário, o da incarnação na terra e o da desencarnação e ressurreição.
"Não sei o que o amanhã trará", ou no original inglês, "I know not what tomorrow will bring", foi o seu último gesto de escritor, lançado numa frágil branca folha de papel, não sabemos se já a custo e triste por dores ou por subitamente ver a terminar a sua gesta de grande escritor, ainda com tanta rosa por desabrochar.
Temeroso do dia de amanhã não devia estar, e certamente que aguardava esperançado alguns protectores e guias para o ajudarem na transição e ascensão, nem que fossem a tia Anica, o velho general Rosa, o seu querido amigo Mário de Sá-Carneiro ou mesmo o seu Anjo da Guarda, pois não ecoara ele o dito ocultista que "a conversação com o santo Anjo da Guarda é a mais alta obra de magia"?
Passados estes 85 anos, com tanto livro, colóquio e palestra, sobre ele e sua obra, só podemos louvar a sua busca constante e genial de comunicação do que ele sentia, sabia ou intuía, sob ou dentro do lema ou divisa que adoptara para a sua ressurgência de uma ordem templária portuguesa: «Talent de bien faire», «Tenção ou talento de bem fazer».
Contudo, nessa sua busca ocultista, maçónica, rosicruciana, gnóstica e espiritual não conseguiu atingir alguns dos seus objectivos e por isso morreu crucificado na sua obra, alagada de um certo vinho e sangue de desilusão e tristeza.
Por isso se interrogou sobre dois deles num curto poema quase desconhecido, e que neste dia 30 de Novembro de 2020, e no de 2021, na sua Lisboa, transcrevemos:

"Porque maligno e natural olvido,
Nem completei o Templo inconcluído,
Nem a palavra que é perdida achei?

Mas eu, tornado qual eu me sonhei
Segredo astral do mundo..." 
 
Possa Fernando Pessoa neste momento já ter completado mais o seu templo e santuário interior (tal como nós...), e ter contemplado os exteriores, ou mesmo interiores, a que pode ter acesso.
Possa Fernando Pessoa comungar com a vibração da Vibração, Palavra ou Energia criadora amorosa Divina, por ele várias vezes referido como o Verbo,  e nela a sua alma se alegrar e fortificar criativamente...
Aum, Amen, Hum, Iao, fluam luminosamente na sua alma e ser...

domingo, 29 de novembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria perene do Irão. "Gulistão", 3ª história. Um dervishe de língua pronta. Tradução de Pedro Teixeira da Mota.

Continuemos a transcrever algumas das histórias do Jardim de Rosas de Sa'adi, esta com um diálogo bastante inesperado e corajoso, pois admite a opção de pedirmos a Deus que alguém seja retirado deste mundo, algo que podemos pensar que uma religiosidade e moralidade mais irenaica, ou pacifista, não admitirá. E contudo, para diminuir certos males, quando certos dirigentes são mesmo maus, quando estão a causar muito sofrimento a muita gente, porque não pedir aos Anjos, à Ordem Karmica do Universo, ao Dharma, ao Deus, que tal ser seja impedido de fazer mais mal?
Oiçamos então mais uma pequena e valiosa história, que nunca sabemos bem se é verdadeira plenamente ou não, mas que reflecte e partilha a actualidade da grande sabedoria da Pérsia ou Irão, e no caso de Sa'adi:
«Um dervishe, cujas orações eram respondidas, fez a sua aparição perante Hejjaj ibn Yusuf [661-714, famoso general e governador da dinastia Umaiade], e este, chamando-o, disse-lhe: “ Pronuncia uma boa oração por mim”, ao que o dervishe respondeu: “- Ó Deus, toma-lhe a sua vida”.
Al-Hejjaj ibn Yusuf exclamou muito admirado: “Por amor de Deus, que tipo de oração é essa?”
O dervishe retorquiu:”É uma boa oração para ti e para todos os islâmicos”

Ó tirano, que oprimes os teus súbditos,
Por quanto tempo perseverarás nisso?
Para que te serve a autoridade que exerces?
É melhor para ti morreres que oprimires os seres.»

                                     
Oremos para que Deus leve muito criminosos demasiado mortíferos...

sábado, 28 de novembro de 2020

Sa'adi, e a sabedoria perene do Irão. "Gulistão", 2ª história. O sultão e o dervishe. Tradução de Pedro Teixeira da Mota.

                                       
                                                   
Eis-nos com a segunda história com poemas, traduzida por mim e algumas amigas
iranianas, extraída também do Gulistão, o Jardim de Rosas, de Sa'adi, um dos grandes mestres iranianos, com aquele sabor de sabedoria perene, sempre actual e alegre, mas também muito crítica e irónica do que está mal:
«Um dervishe solitário estava sentado num recanto do deserto quando um padshah [pad=mestre, shah rei, sultão] passou ao seu lado, mas ele habituado à sua independência [literalmente, mas como a descontracção é o reino do contentamento], nem se apercebeu da sua passagem. O sultão, de acordo com a sua alta dignidade, ficou zangado e disse: “Esta tribo vestida de trapos assemelha-se a animais”.
O vizir bradou-lhe então: “O sultão da imensidade da Terra passou por perto de ti. Porque é que não lhe prestaste homenagem e mostraste boas maneiras?”
O dervishe replicou-lhe: “Diz ao sultão que procure homenagens das pessoas que esperam benefícios dele e também que os governantes existem para proteger os seus cidadãos e os cidadãos não existem para obedecer aos governantes.”
 

O sultão é o guardião do dervishe,
Ainda que a riqueza esteja na glória do seu reino.
O carneiro não é para o pastor,
Mas o pastor para o serviço dele.

Hoje vês uma pessoa próspera
E outra cujo coração está ferido pela luta.
Espera alguns dias até a terra consumir
O cérebro na cabeça do visionário.

A distinção entre o rei e o escravo cessou
Quando o decreto do destino alcançar a ambos
Se uma pessoa fosse abrir os túmulos dos mortos
Ela não distinguiria a pessoa rica da pobre.

O rei, que ficou satisfeito com os sentimentos do dervishe, disse-lhe: “faz-me um pedido”, mas ele respondeu que o único que queria fazer era que o deixassem só. O sultão pediu-lhe então um conselho e o dervishe respondeu-lhe:

“Compreende agora enquanto a riqueza está na tua mão
Que a fortuna e o reino abandonarão um dia a tua mão.”

                                                          
Comentários nossos:
Saibamos morrer em vida, para sermos iniciados na sua profundidade e perenidade.
Saibamos abandonar os nosso ego e posses, pelo amor da liberdade e da pureza, e pelo amor aos outros, ao espírito e à Divindade.
Oremos para que os governantes tenham a humildade de compreender que estão na terra e no poder para servirem a causa pública e não para se servirem,
envaidecerem e perderem...
Oremos para que as novas gerações sejam menos habituadas a roubar para o
partido e pelo partido, para os amigos e para a família, além de si mesmos, e comecem a ter em conta que prestarão contas à consciência íntima deles e ao mundo espiritual, pelo menos quando morrerem, e que a história nacional e a alma portuguesa os estão julgando, e que por mais que cortem páginas de processo ou mintam e escapem do reconhecimento das luvas e das culpas, isso não será esquecido na contagem das suas almas...

Oremos e esforcemo-nos para que haja mais dervishes e seres livres, capazes de não se deixarem atemorizar e corromper, e assim viverem e falarem a verdade e serem exemplos de desprendimento, coragem e discernimento para os outros e a sociedade.

                     “Compreende agora enquanto a riqueza está na tua mão
                    Que a fortuna e o reino abandonarão um dia a tua mão.”