Eis-nos com a segunda história com poemas, traduzida por mim e algumas amigas iranianas, extraída também do Gulistão, o Jardim de Rosas, de Sa'adi, um dos grandes mestres iranianos, com aquele sabor de sabedoria perene, sempre actual e alegre, mas também muito crítica e irónica do que está mal:
«Um dervishe solitário estava sentado num recanto do deserto quando um padshah [pad=mestre, shah rei, sultão] passou ao seu lado, mas ele habituado à sua independência [literalmente, mas como a descontracção é o reino do contentamento], nem se apercebeu da sua passagem. O sultão, de acordo com a sua alta dignidade, ficou zangado e disse: “Esta tribo vestida de trapos assemelha-se a animais”.
O vizir bradou-lhe então: “O sultão da imensidade da Terra passou por perto de ti. Porque é que não lhe prestaste homenagem e mostraste boas maneiras?”
O dervishe replicou-lhe: “Diz ao sultão que procure homenagens das pessoas que esperam benefícios dele e também que os governantes existem para proteger os seus cidadãos e os cidadãos não existem para obedecer aos governantes.”
O sultão é o guardião do dervishe,
Ainda que a riqueza esteja na glória do seu reino.
O carneiro não é para o pastor,
Mas o pastor para o serviço dele.
Hoje vês uma pessoa próspera
E outra cujo coração está ferido pela luta.
Espera alguns dias até a terra consumir
O cérebro na cabeça do visionário.
A distinção entre o rei e o escravo cessou
Quando o decreto do destino alcançar a ambos
Se uma pessoa fosse abrir os túmulos dos mortos
Ela não distinguiria a pessoa rica da pobre.
O rei, que ficou satisfeito com os sentimentos do dervishe, disse-lhe: “faz-me um pedido”, mas ele respondeu que o único que queria fazer era que o deixassem só. O sultão pediu-lhe então um conselho e o dervishe respondeu-lhe:
“Compreende agora enquanto a riqueza está na tua mão
Que a fortuna e o reino abandonarão um dia a tua mão.”
Comentários nossos:
Saibamos morrer em vida, para sermos iniciados na sua profundidade e perenidade.
Saibamos abandonar os nosso ego e posses, pelo amor da liberdade e da pureza, e pelo amor aos outros, ao espírito e à Divindade.
Oremos para que os governantes tenham a humildade de compreender que estão na terra e no poder para servirem a causa pública e não para se servirem, envaidecerem e perderem...
Oremos para que as novas gerações sejam menos habituadas a roubar para o partido e pelo partido, para os amigos e para a família, além de si mesmos, e comecem a ter em conta que prestarão contas à consciência íntima deles e ao mundo espiritual, pelo menos quando morrerem, e que a história nacional e a alma portuguesa os estão julgando, e que por mais que cortem páginas de processo ou mintam e escapem do reconhecimento das luvas e das culpas, isso não será esquecido na contagem das suas almas...
Oremos e esforcemo-nos para que haja mais dervishes e seres livres, capazes de não se deixarem atemorizar e corromper, e assim viverem e falarem a verdade e serem exemplos de desprendimento, coragem e discernimento para os outros e a sociedade.
“Compreende agora enquanto a riqueza está na tua mão
Que a fortuna e o reino abandonarão um dia a tua mão.”
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