domingo, 5 de julho de 2020

Antero de Quental e a ascensão no post-mortem. Breve improviso meditativo aquando da partida do Zé Maria Ribeirinho.

A caminho de casa, passando diante do jardim da Estrela, resolvi franquear os portões, usufruir do arvoredo e saudar Antero de Quental, através da sua estátua. Qual não foi o meu espanto agradável quando me deparei com um presente lilás "aos pés do mestre", do poeta filósofo.
 Resolvi então fazer um pequeno improviso sobre os mistérios da progressão das almas uma vez abandonado o corpo físico pela morte, tanto mais que vinha das despedidas de um criativo amigo, o José Ribeirinho, que acabara de partir da terra para os mundo espirituais.
José Ribeirinho que para além de jornalista do Diário de Notícias fora editor, com a Prelo, onde publicou entre outras obras, tal uma biografia de Agostinho da Silva, uma edição da Mensagem ilustrada por muitos artistas e co-prefaciada  por Anabela Rita e por mim, tendo eu proferido algumas palavras nas exposições que se realizaram em Lisboa e em Tomar, que se encontram aliás disponíveis no Youtube, bem como neste blog: https://pedroteixeiradamota.blogspot.com/2016/03/tomar-exposicao-das-pinturas-da.html, o José Ribeirinho sendo o mais alto. 
                                      
Embora já tivesse dialogado com ele e a Vera sua mulher mais fortemente, há uns 16 anos, quando dirigi com a Sofia Quintas e a Lita Costa Cabral a livraria-galeria Pessoas e Saberes e lançámos um livro de poesia e desenho dum comum amigo, o Manuel Bernardes, foi sobre a égide de Fernando Pessoa que estivemos mais nos últimos tempos e assim também ontem e hoje,  foram lidos de Fernando Pessoa, para acompanhar as celebrações e elevações da alma do Zé Ribeirinho, o último poema do Guardador de Rebanhos, pelo Diogo Dória, e hoje o  Infante Santo, da Mensagem, pelo Manuel Bernardes, tendo eu no fim dito também algumas palavras complementares do pequeno mas bom sermão do prior da Estrela, que relembrou a sede do Deus vivo que deve animar os seres nesta peregrinação terrena.
A estrela luminosa que cada um de nós é como espírito, guardada e comungando com os espíritos celestiais. Pormenor da capela onde se velam e encaminham as almas na olisiponense  basílica da Estrela e do sagrado coração que, vencendo as trevas pandémicas e imperialistas exteriores,  em todos se deve acender e comungar mais com os outros.
Eu disse mais especificamente o que poderíamos fazer para comungar com, e ajudar ou impulsionar, o Zé Ribeirinho a ir consciencializando-se e autonomizando-se no seu corpo espiritual, onde está agora a renascer e a vivenciar essa famosa frase da milenária Antologia Grega parafraseada por Antero de Quental, Joaquim de Araújo e Fernando Pessoa: "Morrer é ser iniciado".
 Pois no Jardim da Estrela "juntou-se" a nós o Antero de Quental e o resultado é o pequeno vídeo que pode ouvir em seguida.
Que a sua audição possa ser luminosa para todos, particularmente para os que já partiram...
                    

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Guru Ranade, um verdadeiro yogi e filósofo. Biografia e ensinamentos, no seu aniversário. (3-VII-1886 a 6-VI-1957)

Ramchandra Dattatray  Ranade nasceu a  3 de Julho de 1886, em Jamkhandi, na Índia, numa família bastante devota, que o soube impulsionar no caminho espiritual, e foi um dos mais brilhantes yogis, filósofos e comparativistas religiosos indianos do século XX, e no verdadeiro sentido da palavra, pois juntava ao trabalho intelectivo criador e ao estudo das várias filosofias, religiões e tradições, um modo de vida harmonioso e uma prática diária devocional de aprofundamento da vivência espiritual.
Nesse sentido elogiou-o em 1954, pouco antes de ele deixar a Terra,  o então Presidente da Índia, o filósofo e historiador Radhakrishnan:«Com Ranade, a Filosofia é a demanda da sabedoria e não um mero exercício intelectual. É para ele uma meditação no Espírito, um modo de vida dedicado».
 Aos 15 anos, em 1901, foi iniciado por Sri Bhausaheb Maharaj e foi-lhe dado um nome invocador de Deus pois, tendo aprendido com ele e existindo afinidades internas, na ocasião propícia meditaram juntos e Sri Bhausaheb Maharaj tocou-lhe no 3º olho e transmitiu-lhe um nome de Deus (ou mantra). Ranade privilegiará sempre a proximidade com o seu mestre ou guru, recusando cargos que o afastassem do  ashram e da presença de Sri Bhausaheb Maharaj.  
Tendo-se formado com notas excelentes, embora com problemas nos pulmões graves, foi (em part-time para ter mais tempo para as suas práticas ou sadhana)  professor de Inglês e depois, já com o Mestrado, professor de Filosofia no Fergusson College em Poona durante dez anos, e chegará a vice-Chanceler na Universidade de Allahabad, onde ensinou de 1927 a 1946, tendo publicado vários livros valiosos sobre espiritualidade, pois dominava sânscrito, hindi, marata e kanada, além do persa, inglês e algum grego e latim.
 O primeiro livro, a partir de conferências pronunciadas em 1915 na Sanskrit Academy de Bangalore, foi dado à luz  em 1926, A Construtive Survey of Upanishadic Philosophy, e veio a ser muito considerado, já que as Upanishads são uma das fontes mais profundas e elevadas do pensamento indiano. Em 1928, após ter conferenciado sobre outra fonte imortal da sabedoria indiana, publicou o seu conteúdo em The Bhagavad Gita as a Philosophy of God-realization, seguindo-se Vedanta, the culmination of Indian Thought. Em 1933 deu à luz Indian Mysticism: Mysticism in Maharastra, onde traça sumariamente o desenvolvimento do misticismo indiano até Jnanadeva (séc. XIII), consagrando depois a ele e à sua obra Jnanesvari, a Namadeva, a Ekanata, a Tukaram e a Ramadasa brilhantes páginas de recolha e hermenêutica, no prefácio explicando: «Misticismo denota a atitude mental que envolve uma apreensão intuitiva em primeira mão, directa e imediata de Deus», considerando-a ainda como uma contemplação serena e amorosa, um desfrutar silencioso, de Deus.
Em 1937 pronuncia um importante discurso Presidencial no Congresso Filosófico Indiano, em Nagpur, onde afirma: «É só quanto toda a humanidade vier a reconhecer o Princípio Espiritual único que subjaz todas as coisas, que nós poderemos criar uma harmonia entre os diferentes credos, nações e raças. Sri Radhakrishnan é um embaixador do Pensamento Indiano para a Cultura Ocidental. Devemos desejar que cadeiras da Filosofia da Religião, tal como há em Oxford, fossem estabelecidas em todas as Universidade para que toda a Humanidade se possa encontrar na Filosofia do Espírito. Não é por um apelo aos dogmas das diferentes fés que podemos juntar as seitas que se guerreiam. É apenas levando-as a alcançar uma  consciência semelhante ou comum da vida espiritual que poderemos realizar o fim para o qual nos esforçamos»
1954 será o ano do Pathway to God in Kanada Literature, onde na hermenêutica das experiências desses místicos antigos partilha algumas das suas experiências interiores. E em 1956 dá à luz  The Conception of Spiritual Life in Mahatma Gandhi and Hindi Saints, saindo no mesmo ano e no dia do seu septuagésimo aniversário publicado pela Sri Gurudeo Ranade Satkar Samiti, em Jamkhandi,  em homenagem a ele, uma recolha, ilustrada, de ensaios e apreciações de livros e filósofos (Heraclito, Aristóteles, Xenófanes, Parmenides, Protagoras, Zeno, Melisos,  etc.) sob o título Philosophical & Other Essays. Part I, com um prefácio valioso de N. G. Damle, seu sobrinho e discípulo, que realça a reconciliação da linha Advaita, do monismo intelectual, com a Bhakti marga, o caminho devocional, alcançada por Ranade.
Algumas das obras de gurudev Ranade.
Anote-se que desde 1946 se retirara do cargo de vice-chanceler da Universidade de Allahabhad (embora continuando a acompanhá-la como professor emérito),  para o seu centro espiritual ou ashram de Nimbal, que fundara em 1925, a fim de aprofundar a realização espiritual e partilhá-la,  iniciando bastantes discípulos, o que fez até deixar a Terra em 6 de Junho de 1957. 
Tendo dedicado mais de quarenta anos da sua vida à demanda divina, pela filosofia e a mística, teórica e praticamente, Guru Ranade encontrou-se ou correspondeu-se com vários pensadores, filósofos ou espirituais que muito o apreciaram, entre outros, Tillak, S. Radhakrishnan, Rudolfo Otto, Sri Aurobindo, Dada J. P. Vaswani e Jacques de Marquette, este tendo sido mesmo iniciado, com a sua mulher em 1954, tendo eu traduzido e comentado as suas referência a Ranade para artigos neste blogue. Recentemente, Rajendra Chaun e Deepak V. Apte publicaram uma valiosa recolha de dezenas de testemunhos de convivências, aprendizagens ou apreciações: Tributes to and Remembrances of Gurudev R. D. Ranade, The Saint of Nimbal, by Rajendra Chauan and Deepak V. Apte.
É dele que transcrevemos, agradecendo aos compiladores, o testemunho de S. Radhakrishnan, 2º Presidente da Índia e filósofo: «Para Ranade, a filosofia não era uma profissão, mas uma paixão consumidora. Ele pensava, não apenas com seu intelecto, mas com toda a sua vida», de fato um chamado para que sejamos sinceramente íntegros em tudo o que fazemos. E «ele exprimia as suas convicções mais profundas com palavras e formas inteligíveis à pessoa comum. As almas realizadas com Deus formam uma comunidade abençoada,  "Anubhava mantapa", que trabalha com amor pela humanidade aflita. A história é a concretização progressiva da visão da fraternidade humana, culminando numa sociedade de espíritos livres, um corpo de seres dedicados à busca da verdade. Ranade passou sua vida na busca desse ideal. Ele lembra-nos do verso  Moha Mudgara, [Destruidor da ilusão] de Sankaracharya.»  
                                                
Valioso é ainda o belo testemunho Dada J. P. Vaswani, o fundador da Sadhu Vaswani Mission (e autor do inspirador livro The Rishi), e há décadas em Poona ainda estive nesse centro e dialoguei com o  familiar que lhe sucedeu: «Gurudev Ranade foi um grande sábio, um autor brilhante, um homem altamente erudito. Na história da humanidade, houve muito poucos académicos que alcançaram a iluminação espiritual. Gurudev Ranade foi um deles. Ele era um homem de livros que alcançou a ananda, beatitude divina, por meio da sabedoria espiritual. Ele era um sábio que se tornou um santo [tal como em Portugal foi Antero de Quental, no dito com as mesmas palavras de Eça de Queirós, que ilumina o In-Memoriam que lhe foi dedicado]. Era um professor que se tornou um profeta.
A aceitação da vontade de Deus e a meditação na Sua forma e nome: estas duas características fizeram de Gurudev Ranade a grande alma que ele foi. Possam a vida e os ensinamentos de Gurudev Ranade serem uma fonte perene de inspiração para todos nós!»
Entre os seus ensinamentos faremos agora uma pequena grinalda nesta breve apresentação pioneira em Portugal, onde infelizmente a palavra Yoga foi tão desfigurada ou diminuída, por culpa de vários instrutores desequilibrados e egóicos e a grande sabedoria da Índia ainda pouco conhecida.
«A minha filosofia não é diferente da minha vida... 
 As dores e as misérias que eu possa vivenciar ajudarão a purgar a mente das suas impurezas...
Uma vez gerada a devoção, a qualidade torna-se mais importante que a quantidade...
A miséria pode ser suportada; os ataques de tentação e o ódio, podem ser tolerados; mas a dor física torna-se insuportável a partir de certo limite. Em tais ocasiões a única via que permanece aberta é orar a Deus para nos permitir meditar... Os critérios de perfeição maior na vida espiritual são: a consciência de estar sem pecar, de ser um com Deus (bem exigente), e saber que de certo modo ninguém é (verdadeiramente) senão Deus  o verdadeiro agente no mundo», algo também muito difícil face à profusão de agentes segundos muito negativos...
Valorizando  a aspiração (mumuksha) e a determinação dos yogis,  gurudev Ranade considerava
todavia indispensável a ligação com um mestre, de quem se deveria receber a iniciação, com um nome de Deus, ou mantra, para se meditar nele depois:
«A forma de Deus deve descer sobre nós, e para isso acontecer deve haver um instrutor ou mestre de elevado nível espiritual. Só então ele pode fazer descer tal para o nível inferior do discípulo. Se o mestre nada tem, o discípulo nada recebe. Por vezes pode acontecer o discípulo receber algo, mesmo que o professor nada tenha. Mas há um limite para tal, e então o discípulo deixa de fazer progressos». 
Esta consciência de que a maioria dos instrutores ocidentais (e hoje em dia também os orientais) pouca ou nenhuma realização espiritual têm não está muito discernida ou desenvolvida pelas pessoas, tanto mais que muitos deles assentam o seu ensino em especulações incomprováveis, em canalizações e revelações imaginadas ou simuladas, ou em meras acumulações de conhecimentos teóricos ou históricos.
Para o guru Ranade, o brâmane [membro da casta religiosa] é, ou deveria ser, quem "realizou" Brahman, a Divindade, ou seja, aquele que conseguiu estabelecer uma comunicação fácil com Deus e para quem nada é mais querido ou amado que a forma com que Deus se lhe manifesta». 
Vemos nesta afirmação como Ranade estava longe dos que se posicionar na não-dualidade (advaita) e se apresentam como realizados, como conhecendo o Brahman, ou mesmo como O sendo, sem terem depois na realidade qualquer verdadeira ligação e visão da Divindade, embora possam receber nos seus ashrams muita gente algo hipnotizada ou iludida pela paz e amor que por lá se possa sentir.
A sua sadhana, ou caminho espiritual, assentava sobretudo na devoção ou sentimento amoroso (bhava) para com Deus e depois na lembrança e meditação no nome de Deus (Nama-Smarana) e, eventualmente, na Sua visão interior. E nessa prática desenvolveu notável sensibilidade, fazendo a dança da mente cessar, discernindo algumas particularidades da fisiologia espiritual que transmitiu, tal como a necessidade de abrir a janela existente no ventrículo do coração, algo que já o poeta yogi Kabir cantara. 

Kabir,  foi por ele bastante estudado e comentado, nomeadamente na obra que li, The Conception of Spiritual Life in Mahatma Gandhi and Hindi Saints, 1956, na qual explica as qualidades e características dum sadguru, ou verdadeiro mestre: alegria e destemor,  sempre ligado ou concentrado em Deus e sem necessidade sequer de práticas, consciência facilmente centrada no coração espiritual, comunhão no som subtil interno (anahata sabda) e eficácia social na transmissão dessas realizações aos discípulos.
Guru Ranade, no meio da sucessão dos seus gurus, no pequeno templo que os homenageia no ashram de Nimbal.
Numa das suas cartas, quando esteve doente, confessava ao seu guru: «Estou a tentar praticar a sadhana o mais possível. Muito raramente tenho a visão suprasensorial da lua crescente azul. Se recuperar a saúde estou decidido a praticar a repetição do nome de Deus pelo menos uma hora, duas vezes por dia.»
E nós, quando tempo dedicamos à invocação e adoração da Divindade, nos modos e formas que mais nos dizem, intuímos ou que nos ensinaram? Não nos perdemos demasiado na televisão ou net, ou nas comidas e bebidas, ou em espectáculos e conversas sem valor?
Votos de luminosa realização, ou então de boas práticas e vivências espirituais diárias...

terça-feira, 30 de junho de 2020

Culto do Sol Espiritual e Divino: o nascer do Sol de 29.VI.2020, em Évora.

 Nascer do Sol, começado por volta das 5:30, em Évora. Fotografias, duas gravações de um texto de Sant'Anna Dionísio sobre Leonardo Coimbra e o vídeo da gravação do culto ou celebração do emergir do Sol e da Divindade.
                                                     
 Gravação de leitura, na   1ª parte antes do nascer do Sol: https://youtu.be/fr0AiiV4C_8
 Gravação da 2ª parte, já depois do nascer do sol e portanto do vídeo que está no fim, que é o do nascer do sol e as orações correspondentes: https://youtu.be/uhaXikNUuz8
     A poente Dona Lua e o reino das sombras batem em retirada enquanto Ushas, a Aurora se aproxima sorridente. luminosa e suavemente....

     Tanto amor que o Sol transmite na aurora rosada. Soubéssemos conservar tais energias...
              O Fogo do Amor do Sol é tão grande que põe o céu todo rosado de amor
O casario ainda adormecido banhado pelos raios solares refractados na neblina do horizonte

                                       Meu Deus, meu Deus, clama a alma em adoração....
       Planos sucessivos podem-nos levar a intuir algo do último dos últimos, no Divino.....
                 Dona Lua, ainda cheia, momentos bons para equilibrarmos o sol e a lua em nós
                             A explosão do sol lança fogo no horizonte e em nós
                                                             Aum Suryaya namah
                                                             Aum Raviyaya namah
                                                          Aum Hiranyagarbhaya namah
                           

domingo, 21 de junho de 2020

Poesia de demanda espiritual, de diários antigos. Pedro Teixeira da Mota

 
Transcrição de três poemas de diários, o mais antigo de 1989. Com a capa desse diário.

I
Quando acordava a meio da longa noite
Eram as páginas de sonho que vibravam em mim
E me explicavam como as trazia dentro de mim.
Eram as companheiras da íntima oficina
Passando se fosse preciso noites sem dormir
Conversando serenas, espantadas pelo riso forte que brotasse.
E começando a reparar que havia um escrito a nascer
Que poderia vir a dar energias luminosas a quem o lesse.

Era como se eu escrevesse um poema
E ele circulasse entre as almas
fazendo-as encherem de novo de forças,
no fim do dia, no serão de ler ou fazer livros.

Era a eterna noite que eu quebrava
acordando por volta das 3 horas e pouco
quando se pode ainda dormir de novo
após se orar e meditar um pouco.

Ergueria então o meu ser,
faria na noite silenciosa
algumas orações simples
que fizessem tremer as campainhas do templo
e bruxulear as velas da devoção.

Oh quanta aspiração não havia em meu coração,
Quanta vontade de poder tornar os outros felizes
e compartilhar deles suas esperanças e ânsias,
suas tristezas e dores, em transmutação.
Não seria a minha mão que acariciaria suas faces
mas estes escritos infiltrar-se-iam pela terra adentro
e fluiriam como uma seiva rejuvenescedora.
   II
 Ó tu, minha alma misteriosa e subtil,
Por que rios e desfiladeiros te despenhas
Por que crinas de cavalos te esfarrapas
Em que ravinas pairas entre o Céu e a Terra?

Ó tu, meu Espírito invisível e sublime,
Meu senhor, minha força, meu Deus,
Quando quererás descer e habitar em mim,
Fazer da alma sedenta um manancial inesgotável?

Ó vós, anjos e mestres, amigos invisíveis
na noite dos sons e passos perdidos,
quando o mundo gira nas suas preocupações
eu queimo as sobrancelhas e tento criar
clarões de luz no horizonte das pessoas,
pistas nos caminhos abruptos das montanhas,
voos arrojados de pássaros livres,
cristais leves e puros de neve
descendo sobre as vidraças do Natal.

Peço-vos então que venham ter comigo
nos sonhos, intuições e contemplações,
Ó presenças subtis invisíveis,
Ó mestres e anjos mais queridos,
Ó Divindade invocada e amada.
III
Ó tu, amiga longínqua,
Sob que sonhos te derramas de noite,
que inquietação surda te faz gritar,
correr como pantera insatisfeita?

Porquê a distância que nos separa,
as palavras que não nos unem
e toda a ansiedade escondida?

Virei até ti quando chegar a hora,
pegarei na tua mão e direi não
ao vento, à desgraça, à inveja e traição
contra tudo o que é fraqueza em nós.

Ergueremos o monólito de pedra,
plantaremos a árvore da imortalidade,
subiremos a montanha de Himavat,
traçaremos na terra os nossos passos.

Correrei ao longo do mar contigo?
Estreitarei nos meus braços o teu sopro?
Saudaremos o sol de braços abertos
o peito vibrando de amor divino?

Escorrerá dos nossos olhos a cascata da gratidão?
Vacilarei no pudor da nossa inocência original?
Produziremos o milagre da regeneração?
Ò irmão, ò irmã, saúde e paz no coração.

Atravessarei o vale de lágrimas preso ao cordel da tua inspiração
e serei mais humilde na minha oração, ó Divindade:
dá-me sobretudo o Sol como companheiro
 e a Lua como amiga
E que todos sejam suas manifestações luminosas.

sábado, 20 de junho de 2020

Três poemas espirituais, de várias datas, de Pedro Teixeira da Mota, lidos e comentados em vídeo.

 Continuando a partilhar textos escritos ao longo dos anos, eis três poemas: o primeiro de 2015, sobre o amor e nomeadamente o dito O Amor é cego, tendo no reverso alguns rabiscos obtidos sobre gotas de sangue de um ferimento acidental na mão.
Começa assim:
Quem tem uma amada
Tem tudo e pode dar graças
Pois no Universo sem fim
Sua alma encontrou um ser afim.

Quis enumerar os seus dotes
e apenas a sua face e coração surgiram.
Será que sou eu tímido e cego
e não consigo entrar na sua floresta?
(....)

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
O segundo poema, de 20.VIII.2004, foi escrito no sul da França, na Dordogne, onde fora para um encontro sobre espiritualidade, poesia e metafísica, em especial persa, convidado pelo amigo Leonardo Clerici, neto do futurista Marinetti e como ele grande e original criativo, em especial aprofundando uma metafísica de raízes islâmicas e de filosofia perene, intuída por alguns humanistas do Renascimento. O poema é uma demanda de orientação.  E a página do reverso contém o que registei como diário desses dias, e transcrevo um pouco, até para complementar as interrogações do poema: «Agora nas conversas com Clerici observamos nele uma análise conceptual forte de cultura com a construção resposta das interrelações palavra-poéticas e ideias, doutrinas e princípios, menosprezando os aspectos psicológicos e sobretudo sócio-culturais. Ei-lo:

«Como abrir-me mais o meu coração?
- Estando sempre contente, sentindo a Unidade,
vivendo mais consciente do mundo espiritual.

Ser portador de esperança, de amizade,
e não de morte ou destruição de relações.
Saber quais delas podemos impulsionar,
 fortificar, frutificar, verdadeiramente amar.»
 
                                         Transcrevo a 1º parte:
 Deus, meus, partidas e chegadas,
o jogo dos opostos complementares
a surgir sempre desafiante:
cavalgar o tigre, escutar o vento,
saudar o sol poente,
abrir-me às milhares de estrelas,
sorrir e contentamento.
(...)
 
 ~~~~~~~~~~~~~~~~
O terceiro poema é de 1989, escrito no Oriente, no Nepal, para ser enviado para o suplemento Arca do Verbo, dirigido pelo João Raposo Nunes, que se publicava semanalmente no Jornal Setubalense. Retrata uma aspiração forte a um contacto maior com os mestres. Calculo que não tenha sido posto no correio, embora possa ter feito uma fotocópia e enviado, tendo os pontos nos iis sido feitos já em Portugal. Os comentários tendem a explicitar e clarificar algo da demanda espiritual.
 
 
Segue-se a leitura deles comentada, num vídeo de cerca de 22 minutos:
                                     

sexta-feira, 19 de junho de 2020

"A Iconografia Anteriana", por Roque Machado, uma gravura, no seu contributo na revista ABC, em 1926

 Em 1926, Roque Machado, um estudioso com várias obras publicadas sobre Camões e certos temas dos Lusíadas, tais como a Flora, Vasco da Gama, e Deus, publicou um artigo na valiosa revista ABC, de Lisboa, no nº 327, de 21 de Outubro de 1926, dirigida por esse notável, entusiasmante e prolífero historiador Rocha Martins, uma 1ª gravura de Antero, para o que seria uma galeria de Iconografia de Antero. Não sabemos se teve continuidade, pois apenas consultamos em vão números soltos do ABC, embora sem ser na imediata continuidade.
 Roque Machado, seguindo a informação contida no In-Memoriam de Antero de Quental, de 1897, data a fotografia de 1871 e quanto à gravura em madeira do conhecido Macedo no Diário Ilustrado dá a data de 24/11/1875.
 Enaltecendo-o bastante luminosamente, "Antero de Quental é, sob certos pontos de vista, a figura máxima da nossa literatura", pois a sua obra é cosmopolita e logo «pode ser universalizada", e "houve nele um herói, um santo, um artista", atrevendo-se mesmo a legitimar o suicídio pois "foi o heroísmo, o espírito aventureiro da raça que levou Antero voluntariamente a forçar as portas da eternidade, como mostrámos na teoria formulada por nós sobre a sua morte". (Desconhecemos onde partilhou tal trabalho).
Ora como a iconografia de Antero não estava estudada, Roque de Machado propõe-se:  "sobre cada imagem anteriana daremos um comentário em prosa que possa iluminar a gravura pela palavra», acrescentando todavia apenas que "tinha Antero então, em 1871, 29 anos. Vivia no «poço húmido e morno» de que fala num dos seus sonetos", sem dúvida um expressão curiosa quanto ao ambiente psíquico que a sua criatividade de bacharel e desassossegado lhe proprocionava...
Podemos sentir nesta gravura o Antero de Quental determinado (e pela angulosidadde acidental da imagem ao nível da barba aumentada) e guerreiro dos ideais, que os tem bem pensados e amados no seu interior ou na sua poderosa cerebração e mente... 
                                          
Acabara já a sua aventura parisiense e a sua viagem marítima aos USA, que tanto o desiludira, de 1867, e ardente idealista e socialista proudhoniano, após a fermentação da época do tão revolucionário Cenáculo na Travessa do Guarda Mór, hoje rua do Grémio Lusitano, 1º andar do nº 19, alugado a Jaime Batalha Reis, no qual a entrada de Antero sido descrita por Eça de Queirós como "a vinda do rei Artur à confusa Terra de Gales", Antero com esses e outros companheiros ia lançar muito corajosamente as famosas Conferência Democráticas do Casino, que marcam a entrada de Portugal na modernidade, nomeadamente com a sua conferência pronunciada a 22 de Maio desse ano de 1871, intitulada as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos últimos três séculos.
A gravura parece mostrar Antero de Quental firme e calmo na sua responsabilidade de sonhador e de idealista da Revolução que libertaria os seres e sociedades das suas múltiplas opressões e ignorâncias, e que o levou mesmo a militar em alguns projectos e partidos socialistas, mas dos que mais tarde se desiludirá...
E se formos para a fotografia modelo da gravura, que foi certamente a que reproduzimos em seguida, poderemos realçar como "descrição-interpretação" bem diferenciada da resultante da gravura, graças à nitidez da fotografia,  o nariz mais sensitivo e fremente, a boca capaz de pronunciar o verbo ou palavra justa e incisiva e o seu belo olhar puro e de idealista. Também com a testa mais ampla ou vasta do que na gravura, pois grande era o fogo-aspiração de conhecimento, amor e de visão que o incendiava interiormente e que parece brilhar alvamente, puramente, pela fronte. Pena foi não ter praticado mais a meditação no, ou com o, olho espiritual, ou 3º olho, como a civilização indiana que ele bem conhecia tanto desenvolveu e que ainda hoje é fundamental para todos os seres que querem despertar mais...
Possam estas qualidades ser desenvolvidas por nós e possa Antero de Quental estar bem luminoso nos mundos espirituais e já não apenas descansando na mão de Deus, mas sentindo-se no seio da omnipresença da vida divina e quem sabe com acesso à Sua contemplação no seu interior. E vivendo já activo como espírito imortal e Cavaleiro do Amor, que vence a morte...