domingo, 21 de junho de 2020

Poesia de demanda espiritual, de diários antigos. Pedro Teixeira da Mota

 
Transcrição de três poemas de diários, o mais antigo de 1989. Com a capa desse diário.

I
Quando acordava a meio da longa noite
Eram as páginas de sonho que vibravam em mim
E me explicavam como as trazia dentro de mim.
Eram as companheiras da íntima oficina
Passando se fosse preciso noites sem dormir
Conversando serenas, espantadas pelo riso forte que brotasse.
E começando a reparar que havia um escrito a nascer
Que poderia vir a dar energias luminosas a quem o lesse.

Era como se eu escrevesse um poema
E ele circulasse entre as almas
fazendo-as encherem de novo de forças,
no fim do dia, no serão de ler ou fazer livros.

Era a eterna noite que eu quebrava
acordando por volta das 3 horas e pouco
quando se pode ainda dormir de novo
após se orar e meditar um pouco.

Ergueria então o meu ser,
faria na noite silenciosa
algumas orações simples
que fizessem tremer as campainhas do templo
e bruxulear as velas da devoção.

Oh quanta aspiração não havia em meu coração,
Quanta vontade de poder tornar os outros felizes
e compartilhar deles suas esperanças e ânsias,
suas tristezas e dores, em transmutação.
Não seria a minha mão que acariciaria suas faces
mas estes escritos infiltrar-se-iam pela terra adentro
e fluiriam como uma seiva rejuvenescedora.
   II
 Ó tu, minha alma misteriosa e subtil,
Por que rios e desfiladeiros te despenhas
Por que crinas de cavalos te esfarrapas
Em que ravinas pairas entre o Céu e a Terra?

Ó tu, meu Espírito invisível e sublime,
Meu senhor, minha força, meu Deus,
Quando quererás descer e habitar em mim,
Fazer da alma sedenta um manancial inesgotável?

Ó vós, anjos e mestres, amigos invisíveis
na noite dos sons e passos perdidos,
quando o mundo gira nas suas preocupações
eu queimo as sobrancelhas e tento criar
clarões de luz no horizonte das pessoas,
pistas nos caminhos abruptos das montanhas,
voos arrojados de pássaros livres,
cristais leves e puros de neve
descendo sobre as vidraças do Natal.

Peço-vos então que venham ter comigo
nos sonhos, intuições e contemplações,
Ó presenças subtis invisíveis,
Ó mestres e anjos mais queridos,
Ó Divindade invocada e amada.
III
Ó tu, amiga longínqua,
Sob que sonhos te derramas de noite,
que inquietação surda te faz gritar,
correr como pantera insatisfeita?

Porquê a distância que nos separa,
as palavras que não nos unem
e toda a ansiedade escondida?

Virei até ti quando chegar a hora,
pegarei na tua mão e direi não
ao vento, à desgraça, à inveja e traição
contra tudo o que é fraqueza em nós.

Ergueremos o monólito de pedra,
plantaremos a árvore da imortalidade,
subiremos a montanha de Himavat,
traçaremos na terra os nossos passos.

Correrei ao longo do mar contigo?
Estreitarei nos meus braços o teu sopro?
Saudaremos o sol de braços abertos
o peito vibrando de amor divino?

Escorrerá dos nossos olhos a cascata da gratidão?
Vacilarei no pudor da nossa inocência original?
Produziremos o milagre da regeneração?
Ò irmão, ò irmã, saúde e paz no coração.

Atravessarei o vale de lágrimas preso ao cordel da tua inspiração
e serei mais humilde na minha oração, ó Divindade:
Dá-me sobretudo o Sol como companheiro e a Lua como amiga
E que todos os seres sejam manifestações luminosas deles.

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